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Licenciatura em Eng.

Fı́sica Tecnológica (LEFT)


Mecânica Analı́tica
2o semestre, 3o perı́odo 2022-23

Prof. João Paulo Silva (Responsável)


Rafael Boto

Série de Problemas 04
Pequenas oscilações
8 de Março de 2023

1. Dois osciladores acoplados.


O sistema com dois graus de liberdade acoplados é prevalente em Fı́sica. Vê-lo-á de novo em Mecânica
Quântica, na oscilação de neutrinos, em sistema com violação de CP, etc . . . Aqui estudamos um sistema
mecânico muito simples que contém quase toda a Fı́sica desses problemas. Considere o Lagrangiano
1 1
L = m(ẋ21 + ẋ22 ) − Vij xi xj . (1)
2 2
a) Explique porque é que, sem perda de generalidade, se pode tomar m = 1. Mostre que, neste caso, a
equação do movimento para um ”modo normal”(isto é, quando todas as partı́culas se movem com
uma frequência comum) é de facto uma equação aos valores próprios para a matriz V.

b) Tomando m = 1 e definindo

V11 + V22 V11 − V22


V = , ∆= , k = V12 = V21 , (2)
2 2
escreva a forma da matriz V. Encontre a forma dos valores próprios (ou seja, das frequências dos
modos normais).

c) Faça um gráfico dos valores próprios em função de k/∆. O que acontece aos valores próprios quando
V 2 < k 2 + ∆2 ?

d) Designando por a1α e a2α as componentes do vector próprio correspondente ao valor próprio λα = ωα2
e definindo a matriz A pelas seus elementos Ai α = aiα , mostre que as equações que determinam so
dois vectores próprios se podem escrever colectivamente como

AT V A = diag(ω12 , ω22 ) . (3)

Neste problema tomamos ω22 < ω12 .

e) Explique detalhadamente que A é uma matriz ortogonal e que, como tal, se pode escrever sempre
como
 
cθ −sθ
A= . (4)
sθ cθ

Determine usando duas formas diferentes o valor de tθ = sθ /cθ e mostre que são consistentes.
f ) Defina os modos normais como
   
ζ1 T x1
=A . (5)
ζ2 x2

Para mostrar que são efectivamente os modos normais, calcule


1
V 0 = (ω12 ζ12 + ω22 ζ22 ) , (6)
2
e mostre que coincide com o potencial da Eq. (1).

g) Voltemos à alı́nea c). Admita que ω22 < 0 e faça um gráfico de V 0 em função de ζ2 , tomando ζ1 = 0.
Isto é legı́timo? Generalize o conceito, e descreva de forma simbólica o que tem que ser pedido aos
valores próprios de um potencial para que seja admissı́vel fisicamente.

2. Duas molas acopladas (revisitadas).


Considere novamente o problema de duas molas acopladas, estudado no problema 11 da Série 1, cuja
figura se repete aqui.

a) Mostre que este problema é um caso particular do problema 1 desta Série 4. Compare-os e estude-os
em conjunto.

Deverá obter as frequências dos modos normais


r r
k k + 2k 0
ω− = , ω+ = , (7)
m m

e, com as normalizações1

AT TA = 1 , (8)
ζ~ = AT T ~η , (9)

as componentes
   
1 1 1 1
~a− = √ , ~a+ = √ , (10)
2m 1 2m −1

donde
r r
m m
ζ− = (x1 + x2 ) , ζ+ = (x1 − x2 ) . (11)
2 2
1
Nos casos em que T é proporcional à matriz unidade 1, a normalização AT A = 1 é boa, necessitando apenas de cuidado
que todas as outras definições sejam consistentes. Neste caso, a normalização alternativa corresponde a tomar m = 1 nas
equações (10) e (11).
Assim, a solução geral deste problema é (a parte real de)
   
1 −iω− t 1
~xH (t) ≡ ~xlivre (t) = C− e + C+ e−iω+ t , (12)
1 −1

onde C− e C+ são constantes complexas.


Pretende-se agora estudar este sistema, quando ele é sujeito a uma força externa aplicada na massa
da esquerda, dada por

F1 = ma0 Re e−iΩt .

(13)

b) Mostre que o sistema se pode escrever na forma

Tij ẍj + Vij xj = Fi , (14)

com F2 = 0.

c) Tente soluções “forçadas” do tipo

xi (t) = Re Bi e−iΩt ,

(15)

e encontre o sistema de equações que determina B1 e B2 .

d) Resolva o sistema, mostrando que


 2 2  2 2 
ω+ − ω−

ω+ + ω− 2
B1 = b0 −Ω , B2 = b0 , (16)
2 2

onde
a0
b0 = 2 2) . (17)
(Ω2 − ω− )(Ω2 − ω+

Assim, a solução forçada do sistema é dada por


 
B1
~xP (t) ≡ ~xforc (t) = e−iΩt . (18)
B2

A solução geral do problema com força externa fica então

~x(t) = ~xlivre (t) + ~xforc (t) = ~xH (t) + ~xP (t) , (19)

sendo as constantes complexas C+ e C− fixadas pelas condições iniciais do problema. São um total de
quarto constantes, fixadas por duas posições e duas velocidades iniciais.
3. [Silva] Forçamento com atrito.
É muitas vezes dito que as frequências de ressonância de um sistema coincidem com as frequências de
sistema livre. Isso é verdade para um sistema sem atrito (prove!) mas em geral falso para um sistema
com atrito.
Considere a equação

z̈ + γ ż + ω02 z = 0 . (20)

Vamos assumir que γ/2 < ω0 , correspondente a um amortecimento fraco o suficiente para termos os-
cilações amortecidas.
a) Tente uma solução do tipo

zH (t) = ẑeiωt = Aeiϕ0 eiωt , (21)

e obtenha a solução geral

xH (t) = Ae−γt/2 cos (ωγ t + ϕ0 ) < ω02 , (22)

onde (sem surpresa) a frequência de oscilação livre no caso com atrito

ωγ2 = ω02 − γ 2 /4 , (23)

não coincide com a frequência de oscilação livre em ausência de atrito ω0 .

Considere a equação para o sistema forçado

z̈ + γ ż + ω02 z = a0 eiΩt . (24)

A solução geral do problema é

z(t) = zH (t) + zP (t) . (25)

Procuramos uma solução “particular” da eq. (24), do tipo

zP (t) = ẑF eiΩt = AF e−iδF eiΩt . (26)

b) Mostre que
a0
AF = p , (27)
(ω02 − Ω2 )2 + γ 2 Ω2

γΩ
tan δF = . (28)
ω02− Ω2

c) Encontre o valor de Ω para o qual AF atinge o seu máximo. Mostre que isso acontece para uma
frequência que não é a frequência ωγ do sistema livre (nem a frequência ω0 que teria o sistema livre
se não houvesse amortecimento).

d) Dando valores arbitrários às várias grandezas, reproduza os gráficos da figura 1.


Nota: O problema referido, é mais interessante do que parece. Com n osciladores acoplados há n modos
normais. Mas, em geral, as frequências de ressonância, podem não só não coincidir com as frequências
dos modos normais, como podem até existir em número menor do que n.2

4. [Goldstein] Molécula triatómica unidimensional.


A figura 2, tirada do Goldstein, mostra uma molécula triatómica unidimensional (tipo CO2 ).

a) Mostre que, para pequenos desvios ηi , O Lagrangiano L = T − V vem de

2
T = 1
2 m (η̇1 + η̇32 ) + 12 M η̇22 ,

V = 1
2 k (η2 − η1 )2 + 12 k (η3 − η2 )2 . (29)
2
Um exemplo concreto está discutido em “Surprises of the transformer as a coupled oscillator system”, J. P. Silva e
A. J. Silvestre, Eur. J. Phys. 29 (2008) 413-420, e na secção 4.4 do livro Vibrações e Ondas, João Paulo Silva, IST Press
(2012).
Figura 1: Gráficos de AF e δF em função da frequência ωF ≡ Ω, para diversos valores do factor de
qualidade Q. Figura retirada do livro Vibrações e Ondas, João Paulo Silva, IST Press (2012), onde
poderão ser consultados mais pormenores.

Figura 2: Molécula triatómica

b) Determine a forma das matrizes T e V.

c) Encontre os “valores próprios” do problema, resolvendo a equação

det V − ω 2 T = 0 .

(30)

d) Para cada “valor próprio” ωα2 , encontre as componentes do respectivo “vector próprio” resolvendo
a equação

V ~aα = ωα2 T ~aα (no α sum) , (31)

com a normalização

~aTα T ~aβ = δαβ . (32)

Interprete a que movimento correspondem.

e) Calcule

ζ~ = AT T ~η , (33)

e mostre que obtém as eqs. (6.59) do Goldstein.3

5. Pêndulo duplo.
A figura 3 mostra um pêndulo duplo, de massas m1 e m2 , com comprimentos `1 e `2 .

a) Mostre que o Lagrangiano do sistema se pode escrever como


h i
2 2
L = 1
2 m1 `1 θ̇1 + 21 m2 `21 θ̇12 + `22 θ̇22 + 2`1 `2 θ̇1 θ̇2 cos (θ1 − θ2 )
+ m1 g`1 cos θ1 + m2 g (`1 cos θ1 + `2 cos θ2 ) . (34)
3
Correctas apenas a partir do “6th printing”.
Figura 3: Pêndulo duplo.

b) Estabeleça as equações de estacionaridade e calcule a matriz Hessiana. Determine os pontos de


equilı́brio do sistema e identifique a sua natureza.

c) Para o ponto de equilı́brio estável identificado em b), utilize o formalismo das pequenas oscilações
para construir o Lagrangiano na forma
1 1
L = Tij θ̇i θ̇j − Vij θi θj . (35)
2 2

d) Considere o caso particular `1 = `2 = ` e m1 = m2 = m. Obtenha as frequências e vectores dos


modos normais de vibração do sistema. Interprete fisicamente e compare com a figura 4.6 do livro
Vibrações e Ondas, João Paulo Silva, IST Press (2012).

e) Repita a alı́nea d) para o caso `1 = `2 = ` e m1 6= m2 . Discuta em detalhe os casos: i) m1 =  m2 ;


e ii) m2 =  m1 ; considerando   1 e expandindo até à primeira ordem não trivial em .

f ) Voltemos ao problema com ângulos finitos de (34). Mostre que as equações do movimento se podem
escrever

m2 `2 h i g
0 = θ̈1 + θ̈2 cos (θ1 − θ2 ) + θ̇22 sin (θ1 − θ2 ) + sin θ1 , (36)
m1 + m2 `1 `1
`1 h i g
0 = θ̈2 + θ̈1 cos (θ1 − θ2 ) − θ̇12 sin (θ1 − θ2 ) + sin θ2 . (37)
`2 `2

Não existe uma forma fechada para estas equações. Pelo que teriam que ser integradas numerica-
mente. Acontece que estas equações exibem caos! Ver uma discussão detalhada com exemplificação
experimental em (começando no segundo 23:53):
https://www.youtube.com/watch?v=OecZ3K-7W7w&list=PLotxEOxVaaoKDo2GFPZsg04p3OnlwYBkR&
index=10

6. Pêndulo elástico.
A figura 4 mostra uma mola sem massa, de constante k e comprimento natural ` que só se deforma ao
longo do seu eixo. A mola está suspensa do tecto e presa a uma massa m que apenas pode mover-se num
plano vertical fixo.

a) Mostre que o Lagrangiano se pode escrever


h i
L = 12 ẋ2 + (` + x)2 θ̇2 + mg(` + x) cos θ − 12 kx2 . (38)
Figura 4: Pêndulo elástico.

b) Mostre que as equações do movimento se podem escrever 4

mẍ = m(` + x)θ̇2 + mg cos θ − kx ,


−mg sin θ = m(` + x)θ̈ + 2mẋθ̇ . (39)

c) Encontre o ponto de equilı́brio do sistema, assumindo que x > −` e −π/2 < θ < π/2. Calcule a
Hessiana e mostre que é um ponto de equilı́brio estável.
d) Utilize o formalismo das pequenas oscilações para construir o Lagrangiano na forma
1 ˙T ˙ 1 T
L= ~η T ~η − ~η V ~η . (40)
2 2
Obtenha as frequências e vectores dos modos normais de vibração do sistema. Interprete fisicamente.
e) O pêndulo elástico é um sistema muito interessante pois exibe comportamento caótico. Isto é, o
seu comportamento é muito sensı́vel às condições iniciais. As equações de movimento, eqs. (39),
podem ser resolvidas numericamente em Mathematica com, por exemplo, o método de Runge-Kutta:
https://demonstrations.wolfram.com/2DSpringPendulum/ . Com “source code”:
https://demonstrations.wolfram.com/2DSpringPendulum/2DSpringPendulum-source.nb
Variando os parâmetros do sistema é possı́vel encontrar casos em que existe uma elevada sensibili-
dade às condições iniciais, como se vê na figura 5.
A análise de trajetórias para sistemas dinâmicos que apresentam regimes caóticos como este convi-
dam à introdução5 de Secções de Poincaré, para descrever as trajetórias, e de expoentes de Liapunov,
que avaliam a evolução de dois pontos inicialmente próximos. Em particular, o pêndulo elástico
apresenta, com o aumento da energia do sistema, uma transição de regime predominantemente
regular para um regime caótico e depois de volta a predominantemente regular 6 .

7. [Morin] Nas paredes de um cone.


A figura 6 mostra um cone de abertura 2α fixo no espaço. No interior deste cone desloca-se uma partı́cula
de massa m, cujo movimento pode ser descrito pela distância r em relação ao eixo e pelo ângulo θ em
torno do eixo vertical. Alternativamente, poder-se-ia trocar r pela distância
r
x= , (41)
sin α
medida desde o vértice do cone, ao longo da parede.
4
Num referencial inercial: a primeira equação é do tipo F = ma, com a aceleração centrı́peta −(` + x)θ̇2 ; a segunda
equação relaciona o momento da força gravı́tica com a taxa de variação do momento angular.
5
R. Carretero-Gonzalez, H.-N. Nuñez-Yepez and A. L. Salas-Brito, Regular and Chaotic Behavior in an Extensible Pen-
dulum, European Journal of Physics, 15(3), 1994 pp. 139–148. .
6
Anurag, B. Mondal, J.K. Bhattacharjee et al., Understanding the order-chaos-order transition in the planar elastic
pendulum, Physica D (2019) 132256.
Figura 5: Esquerda: Solução numérica no plano (x, y) para o sistema de pêndulo elástico sem atrito, com
condições iniciais definidas e o caminho tomado. Direita: O mesmo sistema para um desvio pequeno na
condição inicial x0 .

Figura 6: Partı́cula que se move nas paredes interiores de um cone.

a) Escreva o Lagrangiano do sistema em termos das coordenadas r e θ e dos parâmetros m, g e α.

b) Identifique uma coordenada cı́clica, o correspondente momento conservado `θ e o seu significado


fı́sico.

c) Mostre que

`2θ mṙ2 mgr


E= + + , (42)
2mr2 2s2α tα

onde E é conservado e E é a energia total do sistema.

d) Encontre as eqs. E-L para θ e r. Relacione com as alı́neas anteriores.

Concentre-se agora na eq. E-L que se pode escrever como


 2 2 
`θ sα
r̈ = − gcα sα . (43)
m2 r 3

e) Mostre que o movimento circular com raio costante r = r0 corresponde a uma velocidade angular
constante
r
g
ω ≡ θ̇ = . (44)
r0 tα
f ) Considere pequenas perturbações δ(t) em torno das órbitas circulares r0 , através da expansão

r(t) ∼ r0 + δ(t) . (45)

Substituindo em (43) e expandindo até à ordem δ, mostre que

δ̈ = −Ω2 δ , (46)

onde
3`2θ s2α 3g s2α √ 2
Ω2 = = = 3 sα ω . (47)
m2 r04 2r0

g) Para que valor de α é que Ω = ω? Descreva o movimento da partı́cula nesta situação. O que
acontece quando Ω/ω = 1/2? Generalizando, diga o que acontece quando Ω/ω = p/q, onde p e q
são números inteiros sem factores comuns.

h) Use o Mathematica para fazer gráficos de r(θ) para diferentes valores de α, no limite das pequenas
oscilações.

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