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Dualidade

Eliakim
12 de Agosto de 2019

1 Funcionais Lineares
Seja V um K-espaço vetorial (K corpo). Quando não for mencionado, vamos estar considerando a
dimensão de V como sendo qualquer, isto é, dim V pode ser finita ou infinita.
Definição 1.1. Qualquer transformação linear f : V → K é chamada de funcional linear. Em
outras palavras, f é uma função de V em K tal que
f (λu + v) = λf (u) + f (v),
para quaisquer u, v ∈ V e λ ∈ K.
Exemplo 1.1. Sejam K um corpo e a1 , ..., an escalares em K. Defina a função f : Kn → K pondo
n
X
f (x1 , ..., xn ) := a1 x1 + · · · + an xn = aj xj .
j=1

Sobre f podemos fazer as seguintes observações:


• Considere B = {e1 , ..., en } base canônica de Kn e C = {1} base canônica de K. Então a matriz
de f em relação a B e C é dada por
[f ]B
 
C = a1 · · · an ,

uma vez que f (ej ) = aj , para cada j ∈ {1, ..., n}.

• Cada funcional linear em Kn é dessa forma para certos escalares a1 , ..., an . É claro que esses
escalares serão exatamente determinados pelo funcional linear aplicado a cada vetor de B, isto
é, pondo aj := f (ej ), ∀j ∈ {1, ..., n} e usando a linearidade de f segue que
 
Xn
f (x1 , ..., xn ) = f  xj ej 
j=1
n
X
= xj f (ej )
j=1
| {z }
=aj
n
X
= a j xj .
j=1

Exemplo 1.2. Seja V = Mn (K) o espaço vetorial das matrizes n × n com entradas em K. Vamos
considerar a aplicação tr : V → K definida por
n
X
tr(A) = Aii ,
i=1

ou seja, a aplicação que associa a cada matriz seu traço em K. Claro que tr é um funcional linear em
V , pois, dadas A, B ∈ V e λ ∈ K, temos
n
X
tr(λA + B) = (λAii + Bii )
i=1
Xn n
X
= λ Aii + Bii = λtr(A) + tr(B).
i=1 i=1

1
A seguir, vamos apresentar um exemplo de funcional linear muito importante, o qual chamamos
de funcional de avaliação.
Exemplo 1.3. Sejam a ∈ K e V := {p : K → K | p é polinomial} o espaço vetorial das funções
polinomiais de K em K. Defina a aplicação La : V → K pondo
La (p) := p(a), ∀p ∈ V.
Verifica-se facilmente que La é funcional linear, pois dados λ ∈ K e p, q ∈ V , segue que
La (λp + q) = (λp + q)(a)
= λp(a) + q(a)
= λLa (p) + La (q).

2 O Espaço Dual
Vamos considerar V um K-espaço vetorial e o conjunto formado por todos os funcionais lineares
em V , isto é, o conjunto L(V, K) = {f : V → K | f é linear}.
Teorema 2.1. O conjunto L(V, K) é subespaço de F(V, K) (espaço vetorial das funções de V em K).
Demonstração. Sejam λ ∈ K e f, g ∈ L(V, K). Basta mostrarmos que λf + g ∈ L(V, K), ou seja,
devemos mostrar que h := λf + g é linear. De fato, dados µ ∈ K e x, y ∈ V , temos
h(µx + y) = (λf + g)(µx + y)
= (λf )(µx + y) + g(µx + y)
= λf (µx + y) + g(µx + y)
= λ(µf (x) + f (y)) + µg(x) + g(y)
= λµf (x) + λf (y) + µg(x) + g(y)
= µ(λf (x) + g(x)) + λf (y) + g(y)
= µ((λf )(x) + g(x)) + (λf )(y) + g(y)
= µ(λf + g)(x) + (λf + g)(y)
= µh(x) + h(y).

Denotamos agora o espaço vetorial L(V, K) por V ∗ e temos a seguinte definição.


Definição 2.1. O espaço vetorial V ∗ = L(V, K) é chamado de espaço dual de V .
Vamos supor que a dimensão do espaço vetorial V é finita. Com esta condição, podemos obter
uma maneira de descrever o espaço V ∗ . Já sabemos que se dim V = n então
dim V ∗ = dim L(V, K) = dim V = n,
logo dim V ∗ = n. Seja B := {v1 , ..., vn } uma base qualquer de V . Então existe, para cada i ∈ {1, ..., n},
um único funcional linear fi ∈ V ∗ tal que

1, se i = j
fi (vj ) = δij = .
0, se i 6= j
Note que foram obtidos, a partir da base B, exatamente n funcionais lineares distintos f1 , ..., fn .
Afirmamos que o conjunto B ∗ := {f1 , ..., fn } é l.i. (linearmente independente), o que será provado no
seguinte Teorema.
Teorema 2.2. O conjunto B ∗ := {f1 , ..., fn } (determinado como acima) é l.i..
Demonstração. Sejam λ1 , ..., λn escalares em K tais que
n
X
λi fi ≡ 0V ∗ .
i=1

Então, para cada j ∈ {1, ..., n}, segue que


n
X
λi fi (vj ) = 0V ∗ (vj ) = 0 =⇒ λj = 0,
i=1
| {z }
δij

isto é, B é l.i..

2
Segue imediatamente do Teorema e de dim V ∗ = n que B ∗ é uma base de V ∗ .
Definição 2.2. Sejam B = {v1 , ..., vn } base de V e B ∗ = {f1 , ..., fn } tal que fi (vj ) = δij . Dizemos
que B ∗ é base de V ∗ dual de B.
Observação. É muito importante destacarmos que se V é de dimensão qualquer e {vi }i∈I é uma
base de V , a famı́lia dual {fi }i∈I não será base de V ∗ . Vejamos um exemplo que nos mostre este fato.
Exemplo 2.1. Seja V = K[X] o espaço vetorial de todos os polinômios com coeficientes em K, e
considere a base B = {ej }j∈N∪{0} , onde ej = X j . Seja B ∗ = {fj }j∈N∪{0} a famı́lia dual de B. Suponha
que B ∗ seja base de V ∗ e considere a aplicação φ : V → K que associa a cada P ∈ V a soma de seus
coeficientes, ou seja, X X
P = ai X i =⇒ φ(P ) = ai .
i∈I i∈I

Claramente φ está bem definida e φ ∈ V ∗ . Como B ∗ é base de V ∗ , existe J ⊂ N ∪ {0} finito e uma
famı́lia de escalares (λj )j∈J tal que X
φ= λj fj . (1)
j∈J

Note que, sendo J finito, existe N ∈ N tal que j < N para todo j ∈ J. Então:
• Por um lado, pela definição de φ, temos
φ(X N ) = 1.

• Por outro lado, por (1), segue que


 
X X
φ(X N ) =  λj fj  (X N ) = λj fj (X N ) = 0,
j∈J j∈J
| {z }
=0

N
sendo que fj (X ) = 0 pelo fato de que j 6= N, ∀j ∈ J.
E obtemos uma contradição. Logo B ∗ não é base de V ∗ .
Teorema 2.3. Seja V um K-espaço vetorial de dimensão finita e seja B = {v1 , ..., vn } uma base
qualquer de V . Então existe uma única base dual B ∗ = {f1 , ..., fn } de V ∗ tal que fi (vj ) = δij . Além
disso:
(i) Para cada funcional linear f ∈ V ∗ , temos que
n
X
f= f (vi )fi .
i=1

(ii) Para cada vetor v ∈ V , temos que


n
X
v= fi (v)vi .
i=1

Demonstração. A existência e a unicidade da base dual já foram mostradas anteriormente. Nos resta
mostrar que valem (i) e (ii).
(i) Suponha que f ∈ V ∗ se escreve como combinação linear dos funcionais lineares da base dual por
n
X
f= αk fk .
k=1

Então, para cada i ∈ {1, ..., n}, segue que


n
!
X
f (vi ) = αk fk (vi )
k=1
n
X
= αk fk (vi )
| {z }
k=1
δki
= αi · 1 = αi ,
logo αi = f (vi ), ∀i ∈ {1, ..., n}, e temos o desejado.

3
(ii) Suponha que v ∈ V se escreve como combinação linear dos elementos da base B como
n
X
v= βk v k .
k=1

Então, para cada i ∈ {1, ..., n}, usando a linearidade de fi segue que
n
!
X
fi (v) = fi βk vk
k=1
n
X
= βk fi (vk )
| {z }
k=1
δik
= βi · 1 = βi ,

donde obtemos que βi = fi (v), ∀i ∈ {1, ..., n}, como querı́amos mostrar.

O Teorema 2.3 nos diz que, dada uma base B = {v1 , ..., vn } de V , a base dual B ∗ = {f1 , ..., fn } é tal
que cada fi associa a qualquer vetor v ∈ V sua i-ésima coordenada em relação à base B. Combinando
(i) e (ii) do Teorema 2.3, temos:
Se f ∈ V ∗ , pondo f (vi ) = ai , ∀i ∈ {1, ..., n}, então quando

v = x 1 v1 + · · · + x n vn

segue pela linearidade de f que

f (v) = x1 f (v1 ) + · · · + xn f (vn )


=⇒ f (v) = a1 x1 + · · · + an xn . (2)

Note que isso quer dizer que, se descrevermos qualquer vetor v ∈ V em termos de suas coordenadas em
relação à base B, então todo funcional linear em V terá a forma dada em (2), ou seja, f (x1 , ..., xn ) =
a1 x1 + · · · + an xn , onde ai = f (vi ).
Exemplo 2.2. Seja V o espaço vetorial real de todas as funções polinomiais de R em R com grau
menor do que ou igual a 2. Sejam t1 , t2 , t3 ∈ R distintos e considere as aplicações, para i = 1, 2, 3,
dadas por

Li : V −→ R
p 7−→ Li (p) := p(ti )

L1 , L2 e L3 são funcionais lineares linearmente independentes. Para ver isto, basta tomar

λ1 L1 + λ2 L2 + λ3 L3 = 0

e aplicar esta igualdade nos polinômios


(X − t2 )(X − t3 ) (X − t1 )(X − t3 ) (X − t1 )(X − t2 )
p1 (X) = , p2 (X) = e p3 (x) =
(t1 − t2 )(t1 − t3 ) (t2 − t1 )(t2 − t3 ) (t3 − t1 )(t3 − t2 )
para obter λ1 = λ2 = λ3 = 0. Logo {L1 , L2 , L3 } é uma base de V ∗ , uma vez que dim V ∗ = 3. Note
ainda que, considerando a base {p1 , p2 , p3 } de V , de acordo com (ii) do Teorema 2.3, dado p ∈ V ,
temos

p = L1 (p)p1 + L2 (p)p2 + L3 (p)p3


= p(t1 )p1 + p(t2 )p2 + p(t3 )p3 .

Consequentemente, dados quaisquer c1 , c2 , c3 ∈ R, existe um único polinômio p sobre R de grau pelo


menos 2 tal que p(tj ) = cj , j ∈ {1, 2, 3}, sendo esta função polinomial p = c1 p1 + c2 p2 + c3 p3 .
Em seguida, vamos estudar a relação entre funcionais lineares e subespaços. Uma observação muito
importante é a seguinte: se f : V → K é um funcional linear não-nulo, então rank(f ) = 1 (lembre que
rank(f ) = dim Im(f )). Logo a imagem de f é exatamente o corpo K, e ainda podemos dizer que f é
sobrejetiva. Além disso, se V for de dimensão finita, digamos dim V = n, segue do Teorema do núcleo
e imagem que
dim ker(f ) = n − 1.

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Definição 2.3. Se V é um espaço vetorial de dimensão n, dizemos que qualquer subespaço de V com
dimensão n − 1 é um hiperespaço.
Podemos ainda nos referir a qualquer hiperspaço como hiperplano ou subespaço de codi-
mensão 1. Claramente, o núcleo de qualquer funcional linear não-nulo é um hiperespaço. Vale a
recı́proca? isto é, todo hiperespaço é o núcleo de algum funcional linear? Veremos a resposta dessa
pergunta mais adiante.
Definição 2.4. Seja V um espaço vetorial sobre o corpo K e S ⊆ V um subconjunto qualquer.
Definimos o aniquilador de S, denotado por S 0 , como sendo o conjunto de todos os funcionais
lineares f ∈ V ∗ tais que f (v) = 0, para todo v ∈ S. Simbolicamente

S 0 = {f ∈ V ∗ | f (v) = 0, ∀v ∈ S}.

A partir da definição de aniquilador, façamos algumas observações:


• Mesmo que S não seja um subespaço de V , S 0 será subespaço de V ∗ .
De fato, dados f, g ∈ S 0 e λ ∈ K, para cada v ∈ S, temos

(f + λg)(v) = f (v) + (λg)(v)


= f (v) +λ g(v)
|{z} |{z}
f ∈S 0 g∈S 0
= 0 + λ · 0 = 0.

• O aniquilador do subespaço nulo {0V } é V ∗ , isto é, {0V }0 = V ∗ .


• O aniquilador de V é {0V ∗ }, ou seja, V 0 = {0V ∗ }.
Teorema 2.4. Sejam V um espaço vetorial de dimensão finita sobre o corpo K e W ⊆ V um subespaço
de V . Então
dim W + dim W 0 = dim V.
Demonstração. Seja n := dim V , suponha que dim W = k e seja {v1 , ..., vk } uma base de W . Podemos
escolher os vetores vk+1 , ..., vn ∈ V de modo que B = {v1 , ..., vn } seja uma base de V . Considere B ∗ =
{f1 , ..., fn } base de V ∗ dual de B. Afirmamos que {fk+1 , ..., fn } é uma base de W 0 . Primeiramente,
para cada i ∈ {k + 1, ..., n}, temos que fi ∈ W 0 , pois

fi (vj ) = 0

para todo j ∈ {1, ..., k}, logo se v ∈ W temos


k
X
v= λj vj
j=1

e portanto
 
k
X
fi (v) = fi  λj vj 
j=1
k
X
= λj fi (vj ) = 0,
j=1
| {z }
=0

e assim fi (v) = 0, ∀i ∈ {k + 1, ..., n} e ∀v ∈ W , o que nos dá fi ∈ W 0 . Como a B ∗ é base, segue que
que W 0 é gerado por {fk+1 , ..., fn }. Dado qualquer operador
{fk+1 , ..., fn } é l.i., e só nos resta mostrarP
∗ n
f ∈ V , segue pelo Teorema 2.3 que f = i=1 f (vi )fi , logo se f ∈ W 0 , temos f (vi ) = 0, ∀i ∈ {1, ..., k},
0
e portanto qualquer funcional em W se escreve
n
X
f= f (vi )fi ,
i=k+1

ou seja, f ∈ vec{fk+1 , ..., fn }. Por fim, temos que {fk+1 , ..., fn } é uma base de W 0 , o que prova que
dim W 0 = n − k.

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Corolário 2.1. Se V é um espaço vetorial sobre K tal que dim V = n e W ⊆ V é um subespaço de
V tal que dim W = k, então W é a interseção de n − k hiperespaços de V .
Demonstração. Ainda nas notações do Teorema 2.4, considere a base B de V que completa a base
{v1 , ..., vk } de W e B ∗ a base de V ∗ dual de B. Pelo que vimos no Teorema anterir, temos que

v∈W ⇐⇒ fi (v) = 0, ∀i ∈ {k + 1, ..., n}


⇐⇒ v ∈ ker(fi ), ∀i ∈ {k + 1, ..., n}
⇐⇒ v ∈ ker(fk+1 ) ∩ · · · ∩ ker(fn ),

donde segue que


n
\
W = ker(fi ),
i=k+1

logo W é a interseção de n − k hiperespaços de V (já vimos que o núcleo de qualquer funcional linear
é um hiperespaço), e temos o desejado.
Agora podemos responder a pergunta que haviamos deixado anteriormente: Se W ⊆ V é um
hiperespaço, então W é o núcleo de algum funcional linear? Claramente, se dim W = n − 1 segue
imediatamente pelo Corolário 2.1 que W é a interseção de n − (n − 1) = 1 hiperespaços, ou seja, W é
exatamente o hiperespaço ker(fn ) (nas notações usadas nas demonstrações anteriores).
Corolário 2.2. Se W1 e W2 são subespaços de um espaço vetorial de dimensão finita, então W1 = W2
se, e somente se W10 = W20 .

Demonstração. É imediato que W1 = W2 implicará em W10 = W20 . Recı́procamente, suponha que


W10 = W20 e vamos mostrar que os subespaços W1 e W2 são iguais. Suponha por absurdo que W2 * W1 ,
logo existe v ∈ W2 tal que v ∈ / W1 . Então existe algum operador linear f ∈ W10 tal que f (v) 6= 0, mas
como W1 = W2 , segue que f ∈ W20 e temos a seguinte contradição: f ∈ W20 e f (v) 6= 0, com v ∈ W2 ,
0 0

e isto não pode ocorrer, já que f se anula em todo vetor de W2 . Se supormos W1 * W2 , teremos o
mesmo tipo de contradição. Portanto, deve ocorrer W1 = W2 .
Vamos fazer uma breve analise observando um sistema de equações lineares homogêneo do ponto
de vista de funcionais lineares. Considere

 A11 x1 + · · · + A1n xn = 0

.. .. ,
 . .
Am1 x1 + · · · + Amn xn = 0

tal qual queremos determinar a solução. Para cada i ∈ {1, ..., m}, considere o funcional linear fi ∈ Kn ∗
definido por
fi (x1 , ..., xn ) = Ai1 x1 + · · · + Ain xn ,
logo estamos procurando o subespaço de Kn de todos os vetores v tais que

fi (v) = 0, ∀i ∈ {1, ..., m},

ou seja, procuramos o subespaço aniquilado por f1 , ..., fm . Através de operações elementares na matriz
dos coeficientes, podemos determinar a solução do sistema. Note ainda que, para cada i ∈ {1, ..., m},
a n-upla (Ai1 , ..., Ain ) nos fornece as coordenadas do funcional linear fi com respeito a base dual da
base canônica de Kn . Logo o espaço linha da matriz dos coeficientes pode ser visto como o espaço dos
funcionais lineres gerado por f1 , ..., fm . Portanto, sendo W o subespaço solução do sistema, temos
que
W 0 = vec{f1 , ..., fm },
ou seja, W é o subespaço de Kn aniquilado pelo subespaço de Kn ∗ gerado por f1 , ..., fm .
Por outro lado, vamos observar o sistema do ponto de vista dual. Suponha que são dados m vetores
em Kn
vi = (Ai1 , ..., Ain ), ∀i ∈ {1, ..., m}
e queremos determinar o aniquilador do subespaço W gerado por estes vetores. Seja f um funcional
linear de Kn , logo f tem a forma

f (x1 , ..., xn ) = c1 x1 + · · · + cn xn

6
e da condição de que f deve estar em W 0 , segue que f (vi ) = 0, para cada i ∈ {1, ..., m}, logo

f (vi ) = 0 ⇐⇒ f (Ai1 , ..., Ain ) = 0


⇐⇒ c1 Ai1 + · · · + cn Ain = 0
⇐⇒ Ai1 c1 + · · · + Ain cn = 0, ∀i ∈ {1, ..., m} (3)

e notamos que (3) é um sistema homogêneo m × n nas incóngnitas c1 , ..., cn . Ou seja, para determinar
o aniquilador de W , basta resolver este sistema.
Exemplo 2.3. Considere os funcionais lineares de R4 dados por

f1 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x1 + 2x2 + 2x3 + x4


f2 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = 2x2 + x4
f3 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = −2x1 − 4x3 + 3x4 .

O subespaço W de R4 aniquilado por f1 , f2 e f3 pode ser determinado da seguinte maneira: Como


queremos determinar o subespaço dos vetores v = (x1 , x2 , x3 , x4 ) ∈ R4 tais que fi (v) = 0, ∀i ∈ {1, 2, 3},
devemos resolver o sistema homogêneo cuja matriz dos coeficientes é
 
1 2 2 4
A =  0 2 0 1 .
−2 0 −4 3

Através de operações elementares nas linhas de A obtemos a matriz linha equivalente a A


 
1 0 2 0
R =  0 1 0 0 ,
0 0 0 1

cujo sistema homogêneo associado tem a mesma solução que o sistema associado a A. A matriz R
nos fornece os funcionais lineares

g1 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x1 + 2x3
g2 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x2
g3 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x4 .

que geram o mesmo subespaço de R4 e também aniquilam o mesmo subespaço de R4 que f1 , f2 , f3 .
Logo obtemos de 
 x1 + 2x3 = 0
x2 = 0
x4 = 0

que x1 = −2x3 , x2 = 0, x4 = 0 e x3 ∈ R, isto é, o subespaço aniquilado por f1 , f2 , f3 é

W = {(x1 , x2 , x3 , x4 ) ∈ R4 | x1 = −2x3 , x2 = x4 = 0 e x3 ∈ R}
= {(−2x3 , 0, x3 , 0) | x3 ∈ R}
= vec{(−2, 0, 1, 0)}.

Exemplo 2.4. Considere o subespaço W = vec{v1 , v2 , v3 , v4 } de R5 , onde

v1 = (2, −2, 3, 4, 1), v2 = (−1, 1, 2, 5, 2), v3 = (0, 0, −1, −2, 3), v4 = (1, −1, 2, 3, 0).

Vamos determinar o subespaço W 0 de R5 . Seja A a matriz cujas linhas são formadas pelos vetores
que geram W , isto é,  
2 −2 3 4 1
 −1 1 2 5 2 
A= .
 0 0 −1 −2 3 
1 −1 2 3 0

Seja f ∈ R5 , então f é da forma

f (x1 , x2 , x3 , x4 , x5 ) = c1 x1 + c2 x2 + c3 x3 + c4 x4 + c5 x5

7
e f ∈ W 0 se, e somente se,
5
X
f (vi ) = 0, ∀i ∈ {1, 2, 3, 4} ⇐⇒ Aij cj = 0, ∀i ∈ {1, 2, 3, 4},
j=1

logo estamos interessados em resolver o sistema linear AC = 0, onde


 
c1
 c2 
 
C=  c3  .

 c4 
c5

Através de operações elementares nas linhas de A obtemos a matriz linha equivalente a A dada por
 
1 −1 0 −1 0
 0 0 1 2 0 
R=  0 0
,
0 0 1 
0 0 0 0 0

logo resolver AC = 0 equivale a resolver RC = 0, donde obtemos



 c1 − c2 − c4 = 0
c3 + 2c4 = 0 ,
c5 = 0

e portanto c2 = c1 − c4 , c3 = −2c4 , c5 = 0 e c1 , c4 ∈ R. Consequentemente W 0 é o conjunto dos



funcionais lineares de R5 da forma

f (x1 , ..., x5 ) = αx1 + (α − β)x2 − 2βx3 + βx4 ,

onde α = c1 e β = c4 . Podemos ainda determinar a dimensão de W 0 e seus geradores através de


alguns cálculos:

f (x1 , ..., x5 ) = αx1 + (α − β)x2 − 2βx3 + βx4


= α (x1 + x2 ) +β (−x2 − 2x3 + x4 )
| {z } | {z }
=:f1 =:f2

e segue que dim W 0 = 2 e W 0 = vec{f1 , f2 }, onde

f1 (x1 , ..., x5 ) = x1 + x2 e f2 (x1 , ..., x5 ) = −x2 − 2x3 + x4 .

3 O Espaço Bidual
Iniciamos esta seção com a seguinte pergunta: Toda base de V ∗ é dual de alguma base de V ? Para
responder esta questão, vamos estudar o conceito de bidualidade, ou seja, vamos considerar V ∗∗ dual
de V ∗ (consequentemente, bidual de V ).
Se v ∈ V é um vetor qualquer, então v induz um funcional linear Lv ∈ V ∗∗ definido da seguinte
maneira

Lv : V∗ −→ K
f 7−→ Lv (f ) := f (v),

isto é, para cada f ∈ V ∗ , temos Lv (f ) = f (v). Vejamos que, de fato, Lv é um funcional linear. Sejam
f, g ∈ V ∗ = Dom(Lv ) e λ ∈ K, então

Lv (f + λg) = (f + λg)(v)
= f (v) + (λg)(v)
= f (v) + λg(v)
= Lv (f ) + λLv (g)

Se V tem dimensão finita e v 6= 0, então Lv 6= 0, pois existe f ∈ V ∗ tal que f (v) 6= 0, isto é, L(f ) 6= 0.

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Teorema 3.1. Seja V um espaço vetorial sobre K de dimensão finita. Defina para cada v ∈ V

Lv (f ) = f (v), ∀f ∈ V ∗ .

Então a aplicação Φ : V → V ∗∗ tal que


Φ(v) = Lv
∗∗
é um isomorfismo de V em V .
Demonstração. Já sabemos que para qualquer v ∈ V a aplicação Lv é linear. Observamos ainda que

Φ(v) = Lv ⇐⇒ Φ(v)(f ) = Lv (f ), ∀f ∈ V ∗ .

• Vamos mostrar que Φ é linear. Sejam v, w ∈ V e λ ∈ K, então para todo f ∈ V ∗ temos

Φ(v + λw)(f ) = Lv+λw (f )


= f (v + λw)
= f (v) + λf (w)
= Lv (f ) + λLw (f )
= Φ(v)(f ) + λΦ(w)(f )
= (Φ(v) + λΦ(w))(f ),

logo Φ(v + λw) = Φ(v) + λΦ(w), o que implica em Φ linear.


• Vamos mostrar que Φ é invertı́vel. Primeiramente, como V tem dimensão finita, temos

dim V = dim V ∗ = dim V ∗∗ ,

ou seja, Φ é uma transformação linear entre espaços de mesma dimensão, logo se mostrarmos
que Φ é injetiva teremos o desejado. Se v ∈ ker(Φ), segue que

Φ(v) = 0 ⇐⇒ Φ(v)(f ) = Lv (f ) = 0, ∀f ∈ V ∗
⇐⇒ f (v) = 0, ∀f ∈ V ∗

mas já observamos anteriormente que se v 6= 0, existe f ∈ V ∗ tal que f (v) 6= 0, logo para que
ocorra f (v) = 0 para todo f ∈ V ∗ , devemos ter v = 0, donde segue que

ker(Φ) = {0V },

o que prova que Φ é injetiva.

Chamamos a função Φ do Teorema 3.1 de injeção canônica de V em seu bidual V ∗∗ . Uma


consequência imediata deste Teorema, que vem do fato de que Φ é isomorfismo, é o Corolário a seguir.
Corolário 3.1. Seja V um espaço vetorial de dimensão finita sobre K. Se L ∈ V ∗∗ , então existe
único v ∈ V tal que
L(f ) = f (v), ∀f ∈ V ∗ .
Demonstração. É imediato do fato de que V ' V ∗∗ (V e V ∗∗ são isomorfos).
O resultado a seguir responde a pergunta deixada no inı́cio desta seção.
Corolário 3.2. Seja V um espaço vetorial de dimensão finita sobre K. Cada base de V ∗ é dual de
alguma base de V .
Demonstração. Seja B ∗ = {f1 , ..., fn } uma base de V ∗ . Então, pelo Teorema 2.3, existe uma base
B ∗∗ := {L1 , ..., Ln } de V ∗∗ tal que
Li (fj ) = δij .
Pelo Corolário 3.1, para cada i ∈ {1, ..., n} existe vi ∈ V tal que

Li (f ) = f (vi ), ∀f ∈ V ∗ ,

9
isto é, tal que Li = Lvi . Segue então que B ∗ := {v1 , ..., vn } é a base de V cuja base dual é B ∗ . Para
ver que B é base, basta concluir que B é l.i., já que tal conjunto possui n vetores. Sejam λ1 , ..., λn ∈ K
tais que
X n
λj vj = 0,
j=1

então, para cada i ∈ {1, ..., n}, segue que


 
Xn
0 = fi (0) = fi  λ j vj 
j=1
n
X
= λj fi (vj )
j=1
Xn
= λj Lj (fi )
j=1
| {z }
=δji
= λi ,

o que mostra a independência linear de B ∗ . Por fim, para concluir que B ∗ é dual de B, basta notar
que
fi (vj ) = Lj (fi ) = δji .

Pensando no Teorema 3.1, podemos identificar v com Lv e dizemos que o dual de V ∗ é V . Neste
caso, V e V ∗ podem ser vistos como dual um do outro.
Note ainda que se E for qualquer subconjunto de V ∗ , segue que E 0 será agora subespaço de V ∗∗ e
se optarmos por fazer a identificação usando o Teorema 3.1, então E 0 pode ser visto como subespaço
de E. Mais especificamente, E 0 será o conjunto de todos os v ∈ V tais que f (v) = 0, para todo f ∈ E.
Teorema 3.2. Se S é qualquer subconjunto de um espaço vetorial V de dimensão finita, então (S 0 )0
é o subespaço gerado por S, isto é, (S 0 )0 = vec(S).

Demonstração. Seja W := vec(S). Claramente W 0 = S 0 , pois para determinar os funcionais que


aniquilam W basta determinar os funcionais que aniquilam seus geradores. Logo, precisamos mostrar
apenas que W = W 00 . Segue pelo Teorema 2.4 que

dim W + dim W 0 = dim V, já que W ⊂ V, (4)


dim W 0 + dim W 00 = dim V ∗ , já que W 0 ⊂ V ∗ . (5)

Mas como dim V = dim V ∗ , segue em (4) e (5) que

dim W + dim W 0 = dim W 0 + dim W 00 =⇒ dim W = dim W 00 ,

e como W é subespaço de W 00 , segue que W = W 00 .

4 Dualidade em Dimensão Qualquer


Seja agora V um espaço vetorial sobre K de dimensão qualquer. Sem a condição de que V tem
dimensão finita, como podemos tratar o conceito de hiperespaço neste caso? Usamos a seguinte ideia
para dizer que um espaço N tem dimensão que equivale a n − 1 se tivessemos dim V = n:

(1) N é subespaço próprio de V , isto é, N ( V .


(2) Se W é um subespaço de V que contém N , então W = N ou W = V .
As condições (1) e (2) dizem que N é um subespaço próprio e não há outro subespaço próprio contendo
N , ou seja, N é subespaço próprio maximal.

Definição 4.1. Se V é um espaço vetorial de dimensão qualquer, um hiperespaço de V é qualquer


subespaço próprio maximal de V .

10
Teorema 4.1. Seja V um espaço vetorial de dimensão qualquer sobre K. Se ∈ V ∗ é um funcional
linear não nulo, então ker(f ) é um hiperespaço de V . Reciprocamente, todo hiperespaço em V é núcleo
de algum (não único) funcional linear não nulo em V .

Demonstração. Suponha que f ∈ V ∗ é um funcional linear não nulo em V , então existe v ∈ V tal que
f (v) 6= 0, isto é, v ∈ V \ ker(f ). Devemos mostrar que todo vetor de V pertence a ker(f ) + Kv, ou
seja, todo vetor de V se escreve como

k + λv, k ∈ ker(f ) e λ ∈ K.
f (w)
Seja w ∈ V e defina λ := f (v) , o que faz sentido, já que f (v) 6= 0. Note agora que o vetor k := w − λv
pertence a ker(f ), pois

f (k) = f (w − λv)
= f (w) − λf (v)
f (w)
= f (w) − f (v)
f (v)
= f (w) − f (w) = 0,

logo

k = w − λv ∈ ker(f ) ⇐⇒ w = k + λv, k ∈ ker(f ) e λ ∈ K


⇐⇒ w ∈ ker(f ) + Kv.

Reciprocamente, seja N um hiperespaço de V . Seja v ∈ V \N . Como N é subespaço próprio maximal,


temos que N + Kv é o espaço V , logo qualquer vetor w ∈ V é da forma

w = u + λv, u ∈ N e λ ∈ K.

O vetor u e o escalar λ são determinados de maneira única por w, pois supondo

w = u0 + λ0 v,

segue que
u0 + λ0 v = u + λv ⇐⇒ (λ0 − λ)v = u − u0 .
Se tivessemos λ0 − λ 6= 0, isto implicaria em
1
v= (u − u0 ) ∈ N,
λ0 − λ | {z }
∈N

/ N . Logo λ0 −λ = 0, donde segue que λ0 = λ e consequentemente u = u0 . Portanto,


o que contradiz v ∈
concluı́mos que, dado qualquer vetor w ∈ V , existe único escalar λ ∈ K tal que o vetor w −λv pertence
a N , logo pondo λ := g(w), fica definido g : V → K linear tal que N = ker(g). De fato:

• g é linear: Dados x, y ∈ V e α ∈ K, temos que

∃! λ1 ∈ K, t.q. x − λ1 v ∈ N

∃! λ2 ∈ K, t.q. y − λ2 v ∈ N,
sendo λ1 = g(x) e λ2 = g(y), logo

N 3 (x − λ1 v) + α(y − λ2 v) = (x + αy) − (λ1 + αλ2 ),

de modo que
g(x + αy) = λ1 + αλ2 = g(x) + αg(y).

• o núcleo de g é N : De fato

w ∈ ker(g) ⇐⇒ g(w) = 0
⇐⇒ w − g(w)v ∈ N
⇐⇒ w ∈ N.

11
Lema 4.1. Sejam f e g funcionais lineares em V . Então, g é multiplo escalar de f se, e somente se,
o núcleo de f está contido no núcleo de g, i.é., f (v) = 0 implica em g(v) = 0.

Demonstração. A implicação (⇒) é evidente, pois se existe λ ∈ K t.q. g = λf , dado v ∈ ker(f ) segue
que g(v) = (λf )(v) = λf (v) = λ · 0 = 0, o que implica v ∈ ker(g). Reciprocamente, suponha que
ker(f ) ⊆ ker(g), ou seja, que f (v) = 0 implica g(v) = 0. Se f ≡ 0, então g ≡ 0 e para qualquer escalar
λ ∈ K temos g = λf . Suponha f 6= 0, escolha v ∈ V tal que f (v) 6= 0 e defina

g(v)
λ := .
f (v)

Note que o funcional linear h := g − λf se anula em ker(f ), já que ker(f ) ⊆ ker(g). Além disso, temos

h(v) = (g − λf )(v)
= g(v) − (λf )(v)
= g(v) − λf (v)
g(v)
= g(v) − f (v)
f (v)
= g(v) − g(v) = 0

Logo h se anula em ker(f ) e em Kv, ou seja, h se anula em ker(f ) + Kv, mas pelo Teorema anterior
ker(f ) + Kv é todo o espaço V , e portanto h é identicamente nulo e segue que

h = g − λf = 0 ⇐⇒ g = λf.

O Lema acima nos auxiliará na demonstração do último resultado desta seção que é o próximo
Teorema.
Teorema 4.2. Sejam V um K espaço vetorial de dimensão qualquer e g, f1 , ..., fr funcionais lineares
em V . Então
r
X r
\
existem λ1 , ..., λr ∈ K tais que g = λj fj ⇐⇒ ker(fi ) ⊆ ker(g).
i=1 i=1

Demonstração. Suponha que existem λ1 , ..., λr ∈ K de modo que g = λ1 f1 +· · ·+λr fr . Se x ∈ ker(fi ),


para todo i ∈ {1, ..., r}, temos fi (x) = 0, ∀i ∈ {1, ..., r}, o que implica em
r
X
g(x) = λi fi (x) = 0,
i=1

e segue que x ∈ ker(g), isto é, ker(f1 ) ∩ · · · ∩ ker(fr ) ⊆ ker(g). Reciprocamente, suponha que
T r
i=1 ker(fi ) ⊆ ker(g). Vamos provar que g é combinação linear de f1 , ..., fr . Procedemos por indução
em r ∈ N. O caso para r = 1 é o que foi provado no Lema anterior. Suponha que o resultado seja
valido para r = k − 1, isto é, temos que ker(f1 ), ..., ker(fk−1 ) ⊆ ker(g) implica em ∃(λi )k−1 i=1 ⊂ K t.q.
g = λ1 f1 + · · · + λk−1 fk−1 . Sejam f1 , ..., fk tais que ker(f1 ) ∩ · · · ∩ ker(fk ) ⊆ ker(g). Vamos de-
notar por g 0 , f10 , ..., fk−1
0
as restrições de g, f1 , ..., fk−1 ao subespaço ker(fk ), respectivamente. Então
g , f1 , ..., fk−1 são funcionais lineares em ker(fk ), ou ainda, g 0 , f10 , ..., fk−1
0 0 0 0
∈ (ker(fk ))∗ . Se v ∈ ker(fk )
0
e fi (v) = 0, para todo i ∈ {1, ..., k − 1}, então v ∈ ker(f1 ) ∩ · · · ∩ ker(fk ) e, consequentemente,
v ∈ ker(g), por hipótese, logo g 0 (v) = 0 (pois g 0 = g|ker(fk ) ). Note que isso nos dá

k−1
\
ker(fi0 ) ⊆ ker(g 0 ),
i=1

e é aqui que podemos aplicar a hipótese de indução (h.i.). Segue pela h.i. que existem α1 , ..., αk−1 ∈ K
tais que
k−1
X
g0 = αi fi0 .
i=1

12
Agora, defina
k−1
X
h := g − αi fi .
i=1

Claramente h é um funcional linear em V , e para todo v ∈ ker(fk ) segue que h(v) = 0. Então, pelo
Lema anterior, temos que h é múltiplo escalar de fk , então h = λfk , λ ∈ K, e temos
k−1
X k−1
X
g− αi fi = λfk ⇐⇒ g=− αi fi + λfk ,
i=1 i=1

e definindo λj := −αj , ∀j ∈ {1, ..., k − 1} e λk := λ, obtemos


k
X
g= λj fj .
j=1

5 Transposição de Transformações Lineares


Sejam V e W espaços vetoriais sobre o corpo K e T ∈ L(V, W ), isto é, T : V → W uma trans-
formação linear. Então T induz uma aplicação de W ∗ em V ∗ da seguinte maneira: Se g ∈ W ∗ é um
funcional linear em W , seja
f (v) = g(T (v))
para todo v ∈ V . Note que f é um funcional linear em V , ou seja, f ∈ V ∗ , sendo que sua linearidade
vem do fato de que f = g ◦ T , onde g : W → K e T : V → W são lineares.
Desta forma, T : V → W induz uma aplicação, que vamos denotar por T > , que associa a cada
funcional linear g ∈ W ∗ o funcional linear f := g ◦ T = T > (g) ∈ V ∗ . Note que T > é, de fato, uma
aplicação linear de W ∗ em V ∗ , pois se g1 , g2 ∈ W ∗ e λ ∈ K, segue que para todo v ∈ V ,

(T > (g1 + λg2 ))(v) = ((g1 + λg2 ) ◦ T )(v)


= (g1 + λg2 )(T (v))
= g1 (T (v)) + (λg2 )(T (v))
= g1 (T (v)) + λg2 (T (v))
= (g1 ◦ T )(v) + λ(g2 ◦ T )(v)
= (T > (g1 ))(v) + λ(T > (g2 ))(v)
= (T > (g1 ))(v) + (λT > (g2 ))(v)
= (T > (g1 ) + λT > (g2 ))(v),

e portanto T > (g1 + λg2 ) = T > (g1 ) + λT > (g2 ), o que nos dá T > ∈ L(W ∗ , V ∗ ).
O que acabamos de fazer logo acima, pode ser sumarizado no seguinte Teorema.
Teorema 5.1. Sejam V e W espaços vetoriais sobre K. Para cada transformação linear T ∈ L(V, W ),
existe uma única transformação linear T > ∈ L(W ∗ , V ∗ ) tal que

(T > (g))(v) = g(T (v)),

para todo g ∈ W ∗ e para todo v ∈ V .


Essencialmente, a aplicação T > , induzida por T , age em um funcional linear g ∈ W ∗ associando-o
à composição g ◦ T (que é um funcional linear em V ∗ )
Definição 5.1. A aplicação T > ∈ L(W ∗ , V ∗ ) induzida por T ∈ L(V, W ) é chamada de transposta
de T .
Teorema 5.2. Sejam V e W espaços vetoriais sobre K e T : V → W uma transformação linear.
Então, o núcleo de T > é o aniquilador da imagem de T , ou seja,

ker(T > ) = (Im(T ))0 .

Além disso, se V e W são de dimensão finita, temos que:

13
(i) rank(T ) = rank(T > ).
(ii) A imagem de T > é o aniquilador do núcleo de T , isto é,

Im(T > ) = (ker(T ))0 .

Demonstração. Primeiramente, vamos mostrar que ker(T > ) = (Im(T ))0 . Seja g ∈ W ∗ , de modo que
g ∈ ker(T > ), logo T > (g) = 0V ∗ . Por definição, para todo v ∈ V , temos que

(T > (g))(v) = g(T (v)),

logo temos as seguintes equivalências

g ∈ ker(T > ) ⇐⇒ T > (g) = g ◦ T = 0V ∗


⇐⇒ (T > (g))(v) = g(T (v)) = 0, ∀v ∈ V
⇐⇒ g(T (v)) = 0, ∀v ∈ V
⇐⇒ g ∈ (Im(T ))0

Agora, suponha que V e W tenham dimensão finita, digamos que

n := dim V e m := dim W.

(i) Pelo Teorema do núcleo e imagem, temos

dim ker(T > ) + rank(T > ) = m,

mas pelo que provamos na primeira parte deste Teorema, ker(T > ) = (Im(T ))0 , logo

rank(T > ) = m − dim(Im(T ))0 . (6)

Por fim, pelo Teorema 2.4,


rank(T ) + dim(Im(T ))0 = m (7)
e segue de (6) e (7) que
rank(T > ) = rank(T ).

(ii) Seja f ∈ Im(T > ), então f = T > (g) = g ◦ T , com g ∈ W ∗ . Dado v ∈ ker(T ), segue que

f (v) = g(T (v))


= g(0) = 0,

e isto nos diz que f ∈ (ker(T ))0 , ou seja, Im(T > ) ⊂ (ker(T ))0 e temos que Im(T > ) é um
subespaço de (ker(T ))0 . Por fim, note que

dim(ker(T ))0 = n − dim ker(T ) = rank(T ) = rank(T > ) = dim Im(T > ),

donde segue que Im(T > ) e (ker(T ))0 são o mesmo espaço vetorial.

Teorema 5.3. Sejam V e W espaços vetoriais sobre K, B uma base de V com base dual B ∗ e C
uma base de W com base dual C ∗ . Se T : V → W é uma transformação linear tal que A := [T ]B
C e

B := [T > ]CB∗ , então Bij = Aji , i.é., B = A> .

Demonstração. Vamos considerar as bases

B = {v1 , ..., vn } e sua base dual B ∗ = {f1 , ..., fn }

C = {w1 , ..., wm } e sua base dual C ∗ = {g1 , ..., gm },


logo estamos supondo dim V = n e dim W = m. Pela definição de matriz de transformações lineares,
temos que
m
X
T (vj ) = Aij wi , ∀j ∈ {1, ..., n}
i=1

14
e
n
X
T > (gj ) = Bkj fk , ∀j ∈ {1, ..., m}. (8)
k=1

Por outro lado, para todo (i, j) ∈ {1, ..., n} × {1, ..., m}, segue da definição de transposta que

T > (gj )(vi ) = gj (T (vi ))


m
!
X
= gj Aki wk
k=1
m
X
= Aki gj (wk )
k=1
| {z }
δjk

= Aji . (9)

Agora, aplicando (8), para todo j ∈ {1, ..., m}, em vi , i ∈ {1, ..., n}, obtemos
n
!
X
>
T (gj )(vi ) = Bkj fk (vi )
k=1
n
X
= Bkj fk (vi )
| {z }
k=1
δki
= Bij . (10)

Comparando (9) e (10), temos o desejado Aji = Bij .


Definição 5.2. Seja A uma matriz m × n com entradas no corpo K. Definimos a transposta de A,
denotada por A> , como sendo a matriz de ordem n × m tal que (A> )ij = Aji .
Definição 5.3. Seja A uma matriz m × n com entradas em K. Definimos:
• O posto-linha de A como sendo o número de linhas l.i. de A
• O posto-coluna de A como sendo o número de colunas l.i. de A.
Teorema 5.4. Seja A uma matriz m × n com entradas em K. Então o posto-linha de A é igual ao
posto-coluna de A.
Demonstração. Sejam B a base canônica de Kn e C a base canônica de Km e considere a transformação
linear T : Kn → Km de modo que
A = [T ]BC,

isto é,
T (x1 , ..., xn ) = (y1 , ..., ym ),
onde
n
X
yi = Aij xj , ∀i ∈ {1, ..., m}.
j=1

O posto-coluna de A é exatamente o posto da transformação linear T , já que a imagem de T é formada


pelas m-uplas que são combinações lineares dos vetores coluna de A.
Por outro lado, usando o Teorema 5.3, sabemos que

A> = [T > ]CB∗ .

As colunas de A> são iguais as linhas de A. Pelo mesmo argumento do parágrafo anterior, o posto-
coluna de A> é igual ao posto de T > . Mas pelo Teorema 5.2, rank(T > ) = rank(T ), logo o posto-coluna
de A> é igual ao posto coluna de A, mas como o posto-coluna de A> é igual ao posto-linha de A,
segue que o posto-coluna de A é igual ao posto-linha de A.

6 Referências
1. K. Hoffman and R. Kunze - Linear Algebra (2nd edition) - Prentice Hall (1971).

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