LIMA, Fernanda Veloso; CARVALHO, Flávio de Oliveira. Antropologia Cultural.
Montes Claros/MG: Editora UNIMONTES, 2013.
Aula 1. A antropologia como ciência
Como disciplina, a Antropologia se encontra-se em
um contexto no qual alguns pensadores buscavam analisar as diferenças percebidas sob uma forma sistematizada, proporcionando uma representação e compreensão mais elaboradas sobre as sociedades com características particulares.
O homem encarou a diversidade cultural desde os
primórdios de sua história. Porém, esses pensamentos sempre foram guiados por seu próprio modo de interpretar o mundo, ou seja, seus valores, crenças, etc.
A enorme diversidade da humanidade
infrequentemente sobressaiu aos olhos dos homens como um fato, pelo contrário, figuram, na maioria das vezes, como uma monstruosidade que carecia de justificação.
Assim, por exemplo, eram designados como sendo
bárbaros, pelos gregos antigos, tudo e todos aqueles que não participavam da helenidade.
Trata-se de uma atitude, que consiste em “expulsar”
da cultura, da condição de humanidade todos aqueles que não participam de nosso modo de pensar, sentir e agir.
Nessa direção, não é de se estranhar que as populações
do Novo Mundo fossem sempre colocadas na condição de bestializados.
Os depoimentos a respeito desses novos “seres”, sempre se valiam de
metáforas zoológicas, evidenciando sucessões de faltas, como exemplos os seguintes discursos sobre os povos do Novo Mundo: não acreditam em Deus, não têm alma, não possuem escrita, são imorais, comem como animais, não possuem arte, enfim, não tem passado nem futuro. Apenas no século XVIII, na Europa, esse discurso, que qualifica o outro como não humano, começa a enfraquecer.
Em grande parte, isso se
deve aos relatos dos missionários jesuítas que conviviam com os nativos na América.
Assim sendo, as ideias sobre os
selvagens maus, sem moral, sem humanidade, paulatinamente vão sendo substituídas por outras que concebem a existência de uma natureza moral pura nesses povos.
A questão, então, seria de
apenas direcioná-los rumo à civilização.
Já no fim do século XVIII, uma nova realidade, a sociedade industrial,
suscitou no homem a necessidade de colocar-se como objeto da ciência, como já fazia com a natureza.
Nesse contexto de revoluções, tanto políticas
quanto industriais, assim como a crescente valorização da Ciência Natural, quando especialmente química e biologia ganham corpo em uma Europa encantada com o Darwinismo e perturbada com as rápidas transformações, surge uma recorrente questão entre os indivíduos:
Por que não voltar à ciência para o conhecimento
do homem, na sua totalidade, colocando-o como objeto de um conhecimento metódico?
Assim, o pensamento do homem sobre si mesmo
deixa paulatinamente o campo das especulações para tornar-se cada vez mais metódico, segundo os preceitos da ciência da época. Contudo, foi somente a partir do século XIX que realmente se erigiu um empenho na direção de formatar um discurso antropológico que atendesse a certos métodos, para que pudesse ascender à condição reconhecida de ciência.
Assim sendo, o comportamento humano, agora, a partir de
um nascente eixo teórico-metodológico, passava à condição de fenômeno observável e analisável.
A Antropologia é a ciência da diversidade cultural e
social, buscando compreender e interpretar a multiplicidade das culturas humanas.
Antropologia: do grego, anthropos, "ser humano" +
logos, "razão", "pensamento", "discurso", "estudo" = Estudo do Homem em suas diferentes dimensões.
No século XVI, os europeus descortinam e exploram novos ambientes,
além de proferir um discurso truculento sobre suas populações.
O século XVIII vem, por sua vez, iluminado sob as ideias dos filósofos e das viagens filosóficas.
Somente no século XIX que a Antropologia se constitui realmente como
disciplina e passa a analisar as sociedades primitivas em suas mais diversas facetas (econômica, biológica, linguística, política, dentre outras).
A Antropologia Cultural diz respeito a tudo que compõe uma coletividade.
Entende a sociedade humana como sendo um agregado de ações e
comportamentos organizados conforme um esquema de regras que ela mesma criou.
Compreende o homem como elemento de um dado sistema de valores:
suas crenças, relações de parentesco, modos de produção econômica, regras jurídicas, arte, conhecimento, entre outros. No seu início, a Antropologia intenta construir um saber examinando as sociedades não europeias, ou melhor, não ocidentais.
Ou seja, o “outro”, o distinto, é aquele que não é ocidental,
é o “selvagem”, o “primitivo”, aquele que está muito mais próximo da natureza que da cultura.
Nesse sentido, as sociedades consideradas simples, pela
sua organização social, tornaram-se objeto privilegiado dessa Ciência nascente.
Contudo, logo após ter consolidado seus particulares métodos de
pesquisa e observação, no começo do século XX, os antropólogos constatam que o objeto empírico que eles tinham atribuído à sua ciência (as sociedades ditas primitivas, rudimentares) estava em vias de desaparecimento.
Partem, então, para um objeto de estudo diferente, a
saber, o camponês – este selvagem interno – que se transformaria em objeto ideal, visto que também não é contemplado por outros ramos das ciências da humanidade.
Com o passar do tempo, a especificidade da Antropologia deixa de estar atrelada
ao objeto de estudo que ela assumiu (o não ocidental, ou o camponês ainda ignorado por outras ciências sociais/humanas), mas a uma certa prática epistemológica.
Portanto, a Antropologia evidencia sua singularidade não
mais pelo objeto a que dedica suas atenções, mas sim pela forma que interpela, analisa e interpreta as possibilidades de ordenamento desse objeto.
Essa relação proporcionou o advento de uma reflexão
metódica sobre um modo de vida, a princípio visto como excêntrico, e desencadeou a organização de um pensamento relativista.
Por conseguinte, o outro deixa de ser esquisito,
esquizofrênico, e passa a ser visto como diferente, mas possuidor de uma razão própria que lhe confere capacidade para interpretar a si mesmo e a sua realidade social. Até o final do século XIX, a maior parte do material produzido sobre o Novo Mundo, ou mesmo sobre o oriente, adveio das percepções de colonos, soldados, viajantes, dentre outros.
Isso ainda foi válido, sobretudo, porque quase
nenhum antropólogo havia travado contato físico com as populações primitivas sobre as quais escrevia.
Durante todo esse período, o etnólogo consumou sua
prática e experiência de gabinete ou em uma biblioteca qualquer da Europa.
O problema disso é que como os dados recolhidos
eram superficiais e breves, dada a pouca permanência dos coletores nas aldeias e/ou comunidades, o trabalho etnográfico resumia-se a uma seleção e listagem de costumes exóticos.
Quer dizer, havia uma enorme quantidade de
informações, todavia a complexidade de significados que envolvem o cotidiano da vida social não eram desvelados.
Somente no final do século XIX é que alguns antropólogos, começaram a
se preocupar com essa experiência de sair do conforto do gabinete e inserir-se na cultura do outro.
Isso se deu pois compreenderam que
somente assim, com um trabalho de campo sistematizado, seria possível produzir interpretações sobre as ações sociais dos nativos, perfazendo-as como sendo um sistema integrado e dotado de lógica própria. Bronislaw Malinowski iniciou um empreendimento etnográfico em consonância com os preceitos científicos de uma forma mais radical.
Quer dizer, deixando seu mundo para trás e indo viver
entre os nativos, participando de seu cotidiano e recolhendo ele mesmo os dados acerca da cultura estudada, a saber, comportamentos, valores, normas, mitos, cosmologias, etc..
Por isso, esse antropólogo inaugura e é o precursor
de uma nova percepção sobre o trabalho de campo.
Foi também quem cunhou o termo “observação
participante” como sendo um sinônimo da pesquisa de campo, é o trabalho de campo que possibilita ao antropólogo se tornar um etnógrafo.
Um importante elemento que integra a prática do
antropólogo que faz a observação participante é o diário ou caderno de campo, uma vez que é nesse instrumento que o pesquisador rascunha todas as suas impressões para depois então sistematiza-las.
Um dos conceitos mais básicos da teoria antropológica diz respeito ao
conceito de cultura, estando essa relacionada a formas de agir, pensar e sentir.
Desse modo, é algo que se aplica a
todas as pessoas e sociedades, sendo impensável, para a perspectiva antropológica, dizer que existem indivíduos sem cultura.
O primeiro autor a formular o conceito
de cultura foi Edward Tylor (evolucionismo social), evidenciando o caráter de aprendizado da cultura em detrimento às ideias de natureza humana, de inato.
“[...] é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte,
leis, moral, costumes, e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade”. (Taylor) Cultura, então, passa a ser vista como tudo que aprendemos como elementos de uma certa coletividade, mediante processos de socialização.
A cultura passa a ser vista como sendo um sistema
organizado, que faz refletir o “todo complexo”, enxergando-o como uma totalidade interligada, dotada de coerência, organização e lógica próprias.
A partir desse horizonte, a cultura pode ser pensada
como um conjunto de regras e códigos que direcionam as ações coletivas das populações, bem como lhes fornecem significados para interpretarem suas realidades.
Etnocentrismo é uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo é
tomado como centro de tudo, e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência.
Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno onde
se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos.
No plano intelectual, pode ser visto como a
dificuldade de pensarmos a diferença.
No plano efetivo, como sentimento de estranheza,
medo, hostilidade, etc.
O etnocentrismo é uma concepção que nos leva a colocar nossos valores
e características culturais como modelo de normalidade, como sendo natural.
O etnocentrismo pode justificar ações para deteriorar ou aviltar outras
culturas, gerando violências físicas e simbólicas.
Temos vários exemplos disso na história, a colonização europeia na
América, o apartheid na África do Sul, o tratamento dispensado pelos nazistas às pessoas não arianas, etc. O Relativismo Cultural pode ser considerado como ideologia que, ao reconhecer os padrões fixados em cada sociedade para dirigir sua própria existência, sustenta que cada conjunto de costumes possui legitimidade.
O relativismo cultural é, antes de mais nada e
sobretudo, um procedimento antropológico interpretativo – ou seja, metodológico.
Não se trata de forma alguma de uma questão de
advocacia, tão pouco consiste no argumento moral de que qualquer cultura ou costume é tão bom quanto qualquer outro.
O relativismo é simples prescrição de que, para que possam tornar-se
inteligíveis, as práticas e ideais de outras pessoas devem ser ressituadas em seus contextos históricos, e compreendidas como valores posicionais no campo de suas próprias relações culturais, antes de serem submetidas a juízos morais e categóricos por nós estipulados.
Essa postura configura-se na busca por tentar compreender que cada
cultura possui suas singularidades e que elas são derivadas de elementos sócio-históricos complexos que influenciaram e influenciam a identidade de seus integrantes.
Nesse sentido, torna-se impensável a existência de
culturas superiores e inferiores, pois cada uma delas tem seus critérios e conceitos que estruturam valores, regras, etc.
Quer dizer, cada cultura sabe o porquê valoriza sua
organização, seu modo de vida.
Isso implica no fato de que, para compreendermos
realmente uma cultura, precisamos reconhecer e respeitar a existência do outro como sendo diferente e não como uma variante inferior do eu.
Convém, ainda, acrescentar que isso significa
enxergar que a cultura da qual somos fruto é apenas uma possibilidade de organização social, meramente mais uma entre várias.
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