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TÓPICO
pelas plantas, a diversidade das
plantas terrestres avasculares e a
origem das plantas vasculares
Déborah Yara A. C. dos Santos
Fanly Fungyi Chow Ho
3.1 Introdução
3.2 Quais são os requisitos adaptativos para a vida fora da água?
3.3 As primeiras plantas terrestres
3.4 Características gerais das plantas terrestres avasculares: “briófitas”
3.5 Reprodução e ciclo de vida de “briófitas”
3.6 Principais características distintivas de hepáticas, antóceros e musgos
3.7 Importância das “briófitas”
3.8 Origem das traqueófitas
3.1 Introdução
As plantas terrestres são assim chamadas porque estão adaptadas à vida na terra, apesar
de alguns representantes serem aquáticos. Conhecidas também como embriófitas
(Embryophyta), o nome caracteriza uma das principais inovações evolutivas do grupo - a
presença de embrião. Elas incluem as plantas terrestres avasculares (“briófitas”), as plantas
vasculares sem sementes (“pteridófitas”), as plantas vasculares com sementes nuas (“gimnos-
permas”) e as plantas vasculares com sementes, flor e fruto (angiospermas) (Figura 3.1).
Charophyta
"Briófitas"
Embryophyta
"Pteridófitas"
"Gimnospermas"
Angiospermas
Figura 3.1: Proposta de filogenia atual dos clados pertencentes às plantas terrestres ou Embryophyta. A linha pontilhada
indica a conexão dos clados com outros grupos de plantas. / Fonte: Cepa; Dados: Tree of Life Web Project disponível em
<http://tolweb.org/tree/> acesso em 17/4/2012.
movimenta seguindo o fluxo das ondas. Fora do ambiente aquático suas células perdem
água rapidamente e a disponibilidade de sais minerais e nutrientes é limitada.
A vida no ambiente terrestre apresenta inúmeras características que diferem daquelas do
ambiente aquático. Uma planta aquática, para sobreviver na terra, precisa lidar com várias
adversidades como dessecamento, obtenção de nutrientes e fixação ao substrato, suporte
mecânico contra a força da gravidade, transporte de água, nutrientes e produtos da fotos-
síntese e reprodução independente de um meio líquido.
A seguir serão apresentadas as condições adaptativas das embriófitas para sua passagem e
colonização do ambiente terrestre, assim como as principais características das “briófitas”,
um grupo de plantas que representa bem a transição entre o meio aquático e o terrestre.
cutícula, formada por componentes hidrofóbicos de composição lipídica, o que favorece a sua
característica impermeabilizante (Figura 3.2).
A epiderme e a cutícula, além de reduzir o dessecamento da planta, dificultam as trocas
gasosas, essenciais para a fotossíntese e a respiração. Para contornar essa situação, novas adap-
tações surgiram complementando a possibilidade de sucesso no ambiente terrestre. Assim,
poros, câmaras aeríferas e estômatos participavam das trocas gasosas com perda mínima
de água. Poros e estômatos estão comunicados com a câmara aerífera e esta, com o tecido
fotossintetizante. Assim, a troca gasosa fica delimitada a locais específicos, diminuindo o risco
de perda de água. Os estômatos são estruturas mais especializadas que os poros, pois possuem
células guarda que permitem o controle de abertura e fechamento da abertura, tornando a
troca gasosa mais eficiente e com menor risco de dessecamento (Figura 3.2).
a b
Figura 3.2: a) Seção transversal de folha mostrando a cutícula, a epiderme, o estômato e a câmara aerífera, o mesofilo
e tecidos de condução b) Microfotografia eletrônica escaneada e colorida de seção transversal de folha mostrando a
epiderme e as câmaras aeríferas na porção inferior da folha. / Fonte: a) Cepa b) Latinstock
para o resto das células contra a força da gravidade. Portanto, o mecanismo de transporte de
célula a célula é eficiente apenas em distâncias curtas da planta, situação que limita o crescimento
em altura dos vegetais. À medida que foram aparecendo mecanismos mais eficientes de trans-
porte (ex. leptoides, hidroides e tecidos de condução) com fluxo contra a gravidade, as plantas
puderam explorar cada vez mais a possibilidade de atingir dimensões maiores.
A sustentação da planta no ambiente terrestre também é uma situação de inovação. Por
exemplo, “algas” fora de água não ficam eretas, pois não possuem sistemas de sustentação,
sendo sustentadas pela própria água. Para crescerem eretas e se erguerem contra a força da
gravidade, as plantas terrestres precisam de pilares (como em um prédio) que evitem que as
células da base sejam esmagadas pelo peso do restante da planta. A limitação de um sistema
de sustentação limita o crescimento e o tamanho da planta.
O problema de sustentação foi contornado por algumas plantas com o aparecimento
da lignina, uma substância que se deposita nas paredes celulares de alguns tecidos vege-
tais endurecendo-as e, em último caso, levando-as à morte. Células lignificadas podem ser
encontradas no xilema, nos elementos traqueais e nas fibras. Esse conjunto de células
lignificadas permitiu um aumento gradual e evolutivo no tamanho vegetal, que é propor-
cional ao seu grau de lignificação.
Por outro lado, à medida que foram sendo selecionadas plantas adaptadas ao ambiente
terrestre com novas estruturas especializas para fixação, condução e sustentação, também au-
mentava o requerimento energético. Esse processo evolutivo de mudanças adaptativas graduais
foi acompanhado pelo surgimento de estruturas cada vez mais especializadas, maiores e com
maior volume de tecidos para a captação de energia luminosa e para a fotossíntese. Assim,
indivíduos que faziam fotossíntese através de todo o seu corpo foram diferenciando estruturas
particulares como os filídios (ou filoides) e as folhas, cuja organização parenquimática per-
mitiu uma estratificação celular e o surgimento de meristemas laterais.
Essas adaptações das plantas ao ambiente terrestre não seriam bem-sucedidas se não existissem
também adaptações reprodutivas, que garantissem a reprodução do indivíduo e a perpetuação da
espécie ao longo do tempo. Essas inovações foram selecionadas para proteger as células reprodu-
tivas e reduzir a dependência do meio aquático no processo de reprodução. Assim, as estruturas
reprodutivas eram protegidas por um envoltório de células estéreis; algumas células reprodutivas
(ex. esporos e grãos de pólen) contavam com esporopolenina, um polímero muito resistente; e
o ciclo de vida passou a ser o de alternância de gerações.
Nesse artigo os autores sugerem que a colonização do ambiente terrestre teria começado
por volta de 472 milhões de anos atrás. Os fósseis correspondem a esporos de cinco hepáticas,
um grupo de embriófitas simples avasculares, sem raiz, caule ou folhas. A descoberta desses
esporos chamados criptosporos reforça a hipótese de que as hepáticas sejam os ancestrais de
todas as plantas terrestres (Figura 3.3).
Apesar de evidências moleculares, morfológicas e fósseis apontarem para hepáticas como
o ancestral de todas as embriófitas, as relações entre as “briófitas” são ainda incertas.
a b
c d
As “briófitas” são uma transição entre as plantas aquáticas e as traqueófitas devido à depen-
dência de água para sobrevivência e reprodução, à avascularização e ao corpo com rizoides,
cauloides e filoides. Compartilham com as plantas verdes a presença de clorofilas a e b, material
de reserva em forma de amido, parede celular composta majoritariamente por celulose e cloro-
plastos simples com tilacoides organizados em grana.
Na superfície de algumas briófitas, há uma camada superficial que lembra a cutícula. Alguns
representantes possuem poros ou estômatos, que auxiliam a absorção de CO2 para a fotossíntese
e geram um fluxo de água e nutrientes entre o esporófito e o gametófito.
Os rizoides em “briófitas” servem apenas para ancorar o gametófito à superfície do solo, pois
a absorção de água e nutrientes minerais ocorre direta e rapidamente, através de todo o corpo da
planta. Embora as “briófitas” sejam plantas avasculares, os musgos apresentam tecidos especializa-
dos não lignificados para condução de água (células hidroides) e de nutrientes (células leptoides).
As células dos tecidos da planta estão interligadas por plasmodesmos, filamentos citoplasmáticos
que se estendem através das paredes celulares e unem os protoplastos de células vizinhas adjacentes.
A presença de meristemas apicais também contribuiu para a colonização do ambiente terrestre
pelas plantas. Assim, foi favorecida a possibilidade de competir por mais energia luminosa, alcançar
tamanhos cada vez maiores e diferenciar estruturas reprodutivas nos ramos laterais terminais.
chamado também de alternância de gerações, com uma fase ou estágio haploide (o gametófito)
e outra diploide (o esporófito), heteromórfico. Diferentemente das plantas terrestres vasculares,
nas “briófitas”, o gametófito é fotossintetizante e a
fase de vida dominante prevalece ao longo do ciclo de
vida do organismo. O esporófito é efêmero e de vida
curta, relativamente pequeno e, parcial ou completa-
mente, dependente do gametófito. Gametângios fe-
mininos (arquegônios), gametângios masculinos
(anterídios) e esporângios são envolvidos por uma
camada de células estéreis, que servem de proteção
para as estruturas reprodutivas. A reprodução sexuada
Figura 3.5: Fotografia da hepática talosa Marchantia sp. é oogâmica, com um gameta feminino (oosfera)
com propágulos contidos em conceptáculos. Note também
os poros ao longo de toda a superfície do talo. imóvel, esférico e significativamente maior que o
/ Fonte: Latinstock
gameta masculino (anterozoide) flagelado.
Os arquegônios têm forma de garrafa, com um longo pescoço - o colo, e uma base dilatada
- o ventre, que abriga a única oosfera. A camada externa de células do colo e do ventre forma
o envoltório de células estéril, que protege o arquegônio (Figura 3.6). As células internas do
colo morrem quando a oosfera está madura, formando um canal preenchido de líquido que
permitirá a entrada dos anterozoides.
Após a fecundação, o zigoto sofre inú-
meras mitoses originando um maciço de
células diploides - o embrião. O embrião
ou esporófito jovem encontra-se mergu-
lhado no arquegônio, é retido na planta-
mãe e recebe substâncias nutritivas dela,atra-
vés da placenta, processo conhecido como
matrotrofia. Com o desenvolvimento do
embrião, o ventre sofre numerosas divisões
celulares acompanhando o desenvolvi-
mento e crescimento do jovem esporófito.
O ventre alongado do arquegônio é cha-
Figura 3.6: Fotografia em microscópio óptico de arquegônio de “briófita”. /
mado caliptra. Na maioria das “briófitas”, Fonte Cepa
o esporófito maduro é formado por três partes: 1) o pé - a porção imersa no arquegônio, 2) a seta
ou pedúnculo - uma haste fina e longa que se ergue, sustentando a terceira parte do esporófito e
3) o único esporângio ou cápsula - que fica localizado na extremidade da seta e produz os es-
poros (Figura 3.7). Os esporos, produzidos por meiose, possuem uma parede espessa que contém
esporopolenina. A esporopolenina é o biopolímero conhecido mais resistente e permite que os
esporos sobrevivam à dispersão pelo ar até se fixarem em um ambiente úmido propício.
O ciclo de vida das “briófitas” será representado ao ser exemplificado em musgos (Figura
3.8). Nas “briófitas”, os gametófitos ha-
ploides são o estágio dominante do ciclo
de vida, são maiores e mais duradouros
que os esporófitos. Os esporos são for-
mados por meiose nos esporângios dos
esporófitos diploides, estando presente
um único esporângio por esporófito. Ao
serem liberados e dispersados pelo vento,
os esporos são depositados no solo úmido
ou em uma casca de árvore, onde podem
germinar, originando um gametófito.
Em algumas “briófitas”, o mesmo game-
tófito pode produzir os gametângios
Figura 3.6: Fotografia em microscopia óptica de esporófito jovem de “briófita”.
/ Fonte: Latinstock masculinos e femininos, isto é, são mo-
noicas. No caso dos musgos, os gametó-
fitos se desenvolvem em plantas diferentes, são dioicas. O gametófito masculino vai formar os
gametângios masculinos (anterídios), que por sua vez produzirão numerosos anterozoides. O
gametófito feminino formará múltiplos gametângios femininos (arquegônios) que produzi-
rão as oosferas, uma por arquegônio. Os anterozoides flagelados serão dispersados por gotas
de chuva e nadarão em direção à oosfera. Existe um mecanismo de atração dos anterozoides
por hormônios sexuais, sinalizando o tempo de maturação e liberação dos anterozoides e a
direção para onde devem nadar. Os anterozoides entrarão no canal do colo fertilizando a
oosfera que se encontra dentro do arquegônio. Após a fertilização, o zigoto se desenvolverá
para originar o embrião ou esporófito jovem. O esporófito maduro é formado pelo pé, seta
e cápsula. No interior da cápsula serão produzidas centenas de esporos por meiose, que serão
Figura 3.8: Ciclo de vida de musgo. Clique no ícone ao lado para ver a animação. / Fonte: Cepa
Tabela 3.1: Resumo das principais características do gametófito de hepáticas, antóceros e musgos.
Tabela 3.2: Resumo das principais características do esporófito de hepáticas, antóceros e musgos.
de vida. Uma hipótese sugere que organismos diploides podem estar mais bem resguardados
contra eventos de mutações deletérias do que organismos haploides. Outra hipótese propõe
que o esporófito não sofre restrições em aumento de tamanho, o que o torna vantajoso para a
competição por luz e a produção e dispersão de esporos. Já o gametófito, por ser dependente
da água para a fertilização devido aos gametas masculinos flagelados, necessita de meio líquido
para a reprodução, limitando sua ocorrência.
Cooksonia (Figura 3.10), a traqueófita mais antiga conhecida, corresponde a uma licófita extinta
e consiste em eixos eretos, dicotomicamente ramificados, sem folhas e esporângios localizados nos
ápices dos esporófitos. Sua semelhança com A. major é grande, salvo o aparecimento de vascularização.
Considerações finais
Neste tópico, estudamos os principais requisitos adaptativos para a colonização do am-
biente terrestre pelas plantas, focando nas “briófitas”, embriófitas avasculares que reúnem
hepáticas, antóceros e musgos, que correspondem à transição evolutiva para as plantas ter-
restres. Foram apresentadas também as principais características e a importância desse grupo.
Finalmente, apresentamos a origem das traqueófitas, plantas vasculares, que trataremos em
maior detalhe nos próximos tópicos.
Referências Bibliográficas
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Simpson, M.G. Plant Systematics. Elsevier Academic Press, London, 2006. 590 pp.
Glossário
Ciclo Global do Carbono: Consulte o tópico 5 da disciplina História da vida na Terra e distribuição atual da
vida no planeta e ao tópico 5 da disciplina Bioenergética e ciclos da natureza.
Dentes do Peristômio: Anel de estruturas dentadas interligadas, com movimentos higroscópicos que se di-
latam sob condições secas e se contraem sob condições úmidas, atuando como uma espécie de catapulta
que arremessa os esporos para longe do gametófito.
Elatérios: Células mortas, alongadas e fusiformes, com paredes espessadas em forma de espiral. Atuam na
dispersão dos esporos por meio de movimentos higroscópicos, funcionando como uma mola que impul-
siona os esporos.
Estômatos não funcionais: estrutura com células-guarda, mas sem capacidade de controlar seu fechamento;
portanto, atua como um poro.
Poros: Abertura na epiderme que permite a troca gasosa.
Protonema: Estágio inicial do desenvolvimento do gametófito, refere-se a um pré-gametófito geralmente
filamentoso.
Pseudoelatérios: Estrutura multicelular alongada que auxilia na dispersão dos esporos. No entanto a disper-
são é devida principalmente pelo vento.