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O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO


DE VOTO

Chapter · December 2011

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Emerson Soares Mendes


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EMERSON SOARES MENDES, FRANCISCO LUIZ P. HORTA & TIAGO GOMES CUNHA - 269

O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E


O IMPEDIMENTO DE VOTO 1
Análise do Conflito Grupo Pão de Açúcar versus Grupo Casino
na Operação Carrefour
Emerson Soares Mendes
Francisco Luiz P. Horta,
Tiago Gomes Cunha

I. INTRODUÇÃO
O presente artigo, partindo de uma tentativa de delimitação e forma de
identificação do interesse social em uma sociedade anônima, procura analisar
o conflito surgido entre os controladores do Grupo Pão de Açúcar em razão
de uma proposta de operação societária envolvendo o Grupo Carrefour.
A partir de informações divulgadas na mídia sobre as divergências de opinião
entre os acionistas controladores do Grupo Pão de Açúcar, a respeito da proposta
de associação com o Grupo Carrefour, pretende-se avaliar se, para a preservação
do interesse social do Grupo Pão de Açúcar, seria necessária a determinação do
impedimento de voto de algum dos controladores, considerando a atual legislação
brasileira e a forma pela qual vem sendo interpretada.
Para tanto, será analisado neste trabalho, sem a pretensão de esgotar o
tema, o sistema adotado pela Lei nº 6.404/76 acerca (i) do direito de voto do
acionista; (ii) do abuso desse direito de voto; (iii) do impedimento do exercício,
pelo acionista, do direito de voto; e (iv) do conflito entre interesse social e
interesses individuais do acionista.
Para a análise acima mencionada, serão avaliados posicionamentos da
Comissão de Valores Mobiliários sobre os temas em questão para, então,
ponderar os fatos divulgados sobre as divergências de entendimento dos
controladores do Grupo Pão de Açúcar a respeito das discussões sobre a
operação de associação com o Grupo Carrefour, especialmente, quanto à

1 Trabalho de conclusão apresentado na disciplina Questões Atuais de Direito Comercial, do curso


de Mestrado em Direito Comercial da Universidade de São Paulo, ministrada pelo Professor
Associado Mauro Rodrigues Penteado, pelo Professor Doutor Paulo Salvador Frontini e pelo
Professor Doutor Eduardo Secchi Munhoz.

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270 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

verificação da existência, ou não, de impedimento do exercício do direito de


voto em virtude de suposto conflito de interesses.
Observe-se que o presente artigo possui o objetivo de trazer uma discussão
a respeito da forma pela qual vem sendo tratado o tema de impedimento de voto
do acionista em função do conflito de interesses, traçando um panorama geral
da legislação e de entendimentos doutrinários a respeito do tema e buscando
identificar questionamentos sobre qual seria o tratamento aplicável para uma
situação verificada na prática e não avaliada por autoridades competentes por
não ter sido concretizada, a saber, a já citada proposta de associação entre o
Grupo Pão de Açúcar e o Grupo Carrefour, servindo apenas de ponto de partida
para outros estudos a serem desenvolvidos sobre um assunto que deverá ganhar
maior destaque no cenário brasileiro com o desenvolvimento e aumento de
complexidade do mercado de capitais.

II. O INTERESSE SOCIAL NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS


Nos termos do art. 981, combinado com o art. 966, ambos do Código
Civil, o contrato de sociedade é um contrato pelo qual uma pluralidade de partes
contribui para a formação do capital social da empresa e, consequentemente,
para a formação do patrimônio social da pessoa jurídica, de forma a possibilitar-
-lhe o exercício de certa atividade econômica organizada, com profissionalismo
e habitualidade, visando ao lucro, tendo por fim a execução do objeto social
da empresa e a partilha dos resultados do exercício desta atividade econômica.
Assim, percebe-se que os acionistas de uma sociedade empresarial, embora
possuam seus interesses individuais, convergem para um interesse comum,
cuja confluência com outros interesses extrassociais constitui o interesse social
(ou interesse da companhia), que não consiste na simples soma dos interesses
individuais dos acionistas com os interesses extrassociais, mas, sim, em um
interesse superior a tais interesses, que deve gozar de prevalência.
Como bem ressaltou o ilustre jurista Modesto Carvalhosa, “o interesse
social não é, pois, a somatória dos interesses individuais de cada acionista, mas
a transcendência desses mesmos interesses por um interesse comum a todos,
definido no objetivo empresarial da companhia e nos seus fins sociais, qual seja,
a sua prosperidade, representada pela contínua criação de valor”2.

2 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de Sociedades Anônimas. v. 2. 5. ed. São Paulo:


Saraiva, 2011, p. 510

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EMERSON SOARES MENDES, FRANCISCO LUIZ P. HORTA & TIAGO GOMES CUNHA - 271

Tal interesse prevalecente em uma sociedade anônima é o interesse


social que deve, todavia, cumprir sua função social e respeitar os interesses
individuais e os interesses comuns dos acionistas (minoritários e investidores),
dos trabalhadores e da comunidade em que exerce sua atividade econômica,
sem, contudo, perder sua prevalência.
Ao contrário do sustentando pelo ilustre jurista francês Dominique Schmidt3,
aparentemente o interesse social não se confunde com o interesse dos acionistas,
pois são interesses distintos, ou seja, o interesse social é inerente à própria sociedade
anônima enquanto pessoa jurídica de direito privado, que exerce uma atividade
econômica socialmente relevante, resultante da confluência dos inúmeros interesses
que a sociedade anônima envolve – dentre eles, os interesses individuais dos
acionistas, os interesses comuns dos acionistas, os interesses dos trabalhadores e os
interesses da comunidade em que a sociedade anônima desenvolve sua atividade
econômica, todos conformados à função social da empresa.
Por outro lado, o interesse dos acionistas é o interesse próprio desta
categoria e que não se confunde com o interesse da própria pessoa jurídica,
cuja vontade é manifestada através de seus órgãos internos.
Nesse sentido, inclusive, foi o pronunciamento da Comission des Opérations
de Bourse Francesa, segundo o qual “o interesse social é mais que um conceito, ele
é uma referência, que não supõe uma identidade de visão, este é o ponto cardeal
que une a ação majoritária com o interesse de todos os acionistas”4(tradução livre).
Logo, constata-se, desde já, que a sociedade anônima possui seu próprio
interesse social que transcende os interesses parciais, que confluem para a formação
daquele interesse social, o qual deve ser utilizado como guia para a consecução
de seu objeto social e para a maximização do lucro, quando do exercício de sua
atividade econômica, sem, contudo, perder de vista os demais interesses que estão
diretamente ligados à sociedade anônima e/ou são diretamente afetados pelo
exercício de sua atividade econômica e de sua atividade administrativo-social
interna que é desenvolvida por seus órgãos internos.

3 “Intérêt social et intérêt des actionnaires sont totalement confondus. Nul ne soutient qu’une telle
resolution n’est par conforme à l’intérêt social au motif qu’elle a été adoptée par les actionnaires
en considération de leur intérêt. Cette résoltuion est conforme à l’intérêt social parce qu’elle a
été adoptée par les acionnaires qui porsuivent la satisfaction de leur intérêt. L’intérêt social est
l’intérêt des actionnaires.” In: SCHMIDT, Dominique. Les Conflits D’intérêts Dans La Société
Anonyme. Version nouvelle. Paris: Joly, 2004, p. 11-12.
4 “L’intérêt social est plus qu’un concept, c’est une référence. Qui ne suppose pas l’identité de
vue, c’est le point cardinal qui marie le fait majoritaire avec l’intérêt de tous les acionnaires ”.
In : Bulletin Mensuel COB, Octobre 1995, p. 35.

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Em relação ao interesse social (ou interesse da companhia) e utilizando


a terminologia adotada por Fernando Sainz Moreno5, devemos ressaltar que
o “interesse social” é um conceito jurídico indeterminado, ou seja, o conceito
de interesse social possui o que aquele autor denomina de três zonas: zona de
certeza positiva, zona de certeza negativa e zona cinzenta.
Dessa maneira, embora o conceito de interesse social não seja preciso, mas,
sim, um conceito fluido, este possui um conteúdo mínimo, proporcionando
ao intérprete o conhecimento de uma zona de certeza positiva; quer dizer, o
intérprete sabe o que pode ser qualificado como sendo pertencente ao interesse
social, bem como de uma zona de certeza negativa, isto é, o intérprete sabe
o que não pode ser qualificado como sendo pertencente ao interesse social6.
Todavia, ainda resta uma denominada zona cinzenta, que é aquela que
apresenta uma grande dificuldade para se determinar e, por isso, exigirá um
árduo trabalho interpretativo das circunstâncias fáticas diante das normas
jurídicas, de forma que não se conseguirá atingir um conceito determinado e
preciso de interesse social.
Aliás, como bem ensina o ilustre administrativista Celso Antônio Bandeira
de Mello:
“É certo que todas as palavras têm um conteúdo mínimo, sem o
que a comunicação humana seria impossível. Por isso, ainda quando
recobrem noções elásticas, estão de todo modo circunscrevendo um
campo de realidade suscetível de ser apreendido, exatamente porque
recortável no universo das possibilidades lógicas, mesmo que em suas
franjas remanesça alguma imprecisão.”7
Portanto, qualquer conceito de interesse social estará fadado a ser um
conceito fluido, elástico, não sendo jamais alcançado um conceito inteiramente
determinado e preciso.
Para o presente trabalho, que não visa ao esgotamento da matéria, mas
apenas tem por finalidade lançar bases gerais acerca do tema, adotaremos,
sem entrar na discussão acerca das teorias contratualistas, institucionalistas e

5 MORENO, Fernando Sainz. Conceptos Jurídicos, Interpretación y Discricionariedad


Administrativa. 4. ed. Madri: Civitas, 1976.
6 “(...) el de certeza positiva (lo que es seguro eu es) y el de certeza negativa (lo que es seguro que no
es)”. In: MORENO, Fernando Sainz. Conceptos Jurídicos, Interpretación y Discricionariedad
Administrativa. 4. ed. Madri: Civitas, 1976, p. 70/71.
7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p.489-490.

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modernas do interesse social, o conceito dado pelo ilustre jurista Luiz Gastão
Paes de Barros Leães, segundo o qual se deve entender o interesse social:
“não como o somatório dos interesses privados dos sócios, nem
como um interesse comum dos sócios (qua socii e não enquanto
indivíduos), norteado no sentido da realização do objeto social”8, o
qual “se caracteriza pelas vantagens que podem advir para a sociedade,
ainda mesmo que os atos praticados não se enquadrem perfeitamente
dentro do objeto social da companhia. Não se confunde, assim,
obrigatoriamente, com os interesses dos sócios ou acionistas da
sociedade, às vezes até mesmo contrariando o interesse de alguns.”9

III. EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO: ABUSO,


IMPEDIMENTO E CONFLITO DE INTERESSES
Conforme visto acima, o interesse social deve nortear o exercício da
atividade econômica organizada e exercida pela sociedade anônima, incluindo-
-se a atuação dos seus órgãos internos, que buscarão o interesse social por meio
de decisões e atos que tenham por objetivo a prosperidade da companhia,
conforme o entendimento acima citado de Carvalhosa.
Não poderia ser diferente em relação ao exercício do direito de voto, o
qual deve ser guiado pelo interesse social; ou seja, conforme dispõe o art. 115,
caput, da Lei nº 6.404/76, o acionista deve exercer seu voto em conformidade
com o interesse da companhia.
Muito embora o direito de voto não esteja elencado entre os direitos essenciais
dos acionistas listados nos incisos do art. 109 da Lei nº 6.404/76, tal direito possui
fundamental importância no âmbito das sociedades anônimas, uma vez que se trata
de direito cujo exercício contribui para a formação da vontade social10.
Considerando que o voto é o direito não essencial “do acionista (...),
de caráter político, exercido conforme as orientações legais e estatutárias,
expresso por meio da manifestação de vontade e destinado à formação da

8 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres. Volume I. São Paulo: Singular, 2004, p.176.
9 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 575.
10 “A vontade do grupo social da companhia forma-se pela organização – em ação coletiva – dos
atos individuais de acionistas no exercício da função de membros da Assembleia geral ao
manifestarem, através do voto, a sua vontade”. (REGO, Marcelo Lamy. Direito de Voto. In:
LAMY FILHO, Alfredo e PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das Companhias. Vol. I. Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 379).

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deliberação coletiva”11, ou seja, é o direito cujo exercício possui a finalidade


de contribuir para a formação da vontade da companhia, é natural exigir
que o seu exercício seja feito no interesse social, pois visa à formação da
vontade social externada através da Assembleia Geral, que é o órgão interno
da sociedade anônima com a finalidade principal de formar a vontade social,
da companhia, decidindo acerca dos negócios referentes ao objeto social
da companhia e destinados a promover o desenvolvimento da atividade
empresarial exercida.
Desse modo, não se pode conceber que o exercício do direito de voto seja
contrário aos interesses da companhia.
Neste sentido, o próprio legislador, no caput, do art. 115 da Lei nº
6.404/76, após insculpir a regra geral acima mencionada, prevê a figura do
voto abusivo, o qual implica a responsabilização do acionista, que exerceu
seu direito de voto abusivamente, por todos os danos causados, mesmo que
seu voto não tenha prevalecido na Assembleia (art. 115, § 3º, da Lei nº
6.404/76), além de a deliberação ser anulável e nulo o próprio voto abusivo.
Assim, dando continuidade à proteção do interesse social, quando do
exercício do direito de voto pelo acionista, o legislador previu, no § 1º do art.
115 da Lei nº 6.404/76, hipóteses de impedimento de voto e a hipótese de
conflito de interesses.
Neste momento, merece ser feita uma breve digressão acerca da epígrafe
do art. 115 da Lei nº 6.404/76.
Como bem ressaltado pelo Professor Associado da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, Mauro Rodrigues Penteado, em
aula ministrada na disciplina Questões Atuais do Direito Comercial, do
Curso de Pós-Graduação em Direito Comercial daquela Universidade, no
segundo semestre de 2011, talvez a epígrafe do art. 115 não devesse ser
somente “Abuso do Direito de Voto e Conflito de Interesses”, mas deveria
abarcar a hipótese de impedimento de voto.
De uma análise do art. 115 da Lei nº 6.404/76, constata-se que o
caput do art. 115 da Lei das Sociedades Anônimas prevê a figura do abuso

11 RIBEIRO, Renato Ventura. Direito de Voto nas Sociedades Anônimas. São Paulo: Quartier
Latin, 2009, p. 157.

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do direito de voto12, enquanto o § 1º daquele dispositivo legal prevê as


hipóteses de impedimento de voto13 e a hipótese de conflito de interesses14.
Assim, talvez para abarcar as três figuras acima indicadas, e como bem
sugerido pelo Professor Associado Mauro Rodrigues Penteado, a epígrafe do art.
115 da Lei nº 6.404/76 devesse ser “Abuso do Direito de Voto, Impedimento
de Voto e Conflito de Interesses”15.
Superada aquela questão preliminar e como já dito anteriormente,
o exercício do direito de voto somente pode ser concebido se o for em
conformidade com o interesse da companhia, sob pena de responsabilização
do acionista que o tenha exercido abusivamente, além da anulabilidade da
deliberação e da nulidade de tal voto abusivo.
Além disso, e como forma de proteger a formação do interesse da
companhia, o legislador previu hipóteses de impedimento de voto, isto é,
de hipóteses formais cuja verificação impede previamente o exercício do
direito de voto pelo acionista e, na hipótese de ser exercido mesmo assim,
teremos a nulidade do voto e a anulabilidade da deliberação aprovada com
fundamento neste voto.
Tais hipóteses impeditivas do exercício do direito de voto são: (a) nas
deliberações que decidirão pela aprovação, ou não, do laudo de avaliação
dos bens conferidos, pelo acionista, à formação do capital social; (b) nas
deliberações que decidirão as contas do acionista, enquanto administrador; e
(c) nas deliberações que possam, de alguma forma, beneficiar o acionista de
modo particular.

12 “Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de
obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar,
prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.”
13 “§ 1.º O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia geral relativas ao laudo
de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de
suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo
particular”.
14 “§ 1.º (...) ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.”
15 “As três primeiras hipóteses (discutidas nos nos 2,3 e 4 deste § 105), são hipóteses às quais a lei
dá tratamento semelhante ao divieto de voto, tendo o legislador prescrito situações formais em
que o acionista não pode exercer o voto.
No entanto, o conflito de interesses na lei brasileira, assim como nas doutrinas alemã e
italiana, é hipótese distinta das demais, apesar de estar relacionada juntamente com as
proibições objetivas de voto.” (REGO, Marcelo Lamy. Direito de Voto. In: LAMY FILHO,
Alfredo e PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das Companhias. Vol. I. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, 411)

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Logo, nas hipóteses indicadas no parágrafo anterior, o acionista fica


previamente impedido de exercer seu direito de voto, sob pena de viciar a
formação da vontade da companhia, controle este que deve ser feito a priori.
Já, em relação à hipótese de conflito de interesses, a doutrina e a própria
Comissão de Valores Mobiliários vacilam quanto à natureza do conflito:
ora apresenta uma tendência a considerar que o conflito de ma tendência
a considerá-lo um caso de conflito material, conforme será analisado nos
próximos itens.
Haverá conflito de interesses sempre que o interesse individual do acionista
estiver em posição antagônica ao interesse da companhia, situação esta que
deve ser real e não meramente hipotética.
Deve-se ressaltar que o fato de o interesse particular do acionista não
coincidir com o interesse da companhia não implica, necessariamente, na
existência de uma situação de conflito de interesses, visto que, em tese, podem
tais interesses ser complementares, ainda que não sejam coincidentes, e, assim,
terem convivência harmônica e não conflituosa.
Não obstante as divergências doutrinárias e dos entendimentos já expostos
pela Comissão de Valores Mobiliários, conforme será visto no próximo item,
há situações que configuram ab initio uma situação de conflito de interesses,
sem que haja qualquer dificuldade em identificá-las.
Todavia, há outras situações de conflito de interesses que não são
facilmente identificadas, o que leva a doutrina e a própria Comissão de Valores
Mobiliários a entenderem ora que o conflito de interesses é formal, isto é,
passível de análise a priori, ora material e, assim, passível de controle a posteriori.
Isto se deve pelo fato de ser impossível a predeterminação, pelo legislador,
de situações que configuram o conflito de interesses, de modo a esgotar todas as
possibilidades comportamentais dos acionistas, uma vez que, como é patente,
a atividade empresarial é altamente mutante e inovadora, o que impede o
legislador de “engessá-la”.
Talvez, como forma de sanar estas divergências, seria aconselhável ao
legislador modificar a redação do art. 115 da Lei nº 6.404/76, de forma a deixar
expressamente determinado que as hipóteses de conflito de interesses devem
ser reconhecidas pela própria Assembleia Geral, que deverá ser convocada
incidental e especificamente para decidir acerca da existência, ou não, do conflito
de interesses em deliberação que seria tomada em dada Assembleia, tal como

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já foi tentado pelo legislador, quando da elaboração da Lei nº 10.303, de 31


de outubro de 2001, que propunha o acréscimo dos §§ 5º a 10 ao art. 115 da
Lei das Sociedades Anônimas16.
Contudo, os §§ 5º a 10 sugeridos pelo legislador para compor o art. 115
da Lei das Sociedades Anônimas foram vetados pela Presidência da República
sob o seguinte fundamento:
“A necessidade de se vetar os parágrafos acima transcritos decorre de
manifesto conflito com o interesse público, em razão da constatação
de que a assembleia para deliberação acerca da existência de conflito
de interesses de que tratam os citados dispositivos se afigura inócua em
termos de proteção ao acionista minoritário. Com efeito, não há como
afastar o voto do acionista controlador no conclave pretendido – sob
pena de se atribuir aos minoritários o inédito poder de, indiretamente,
vetar qualquer deliberação a partir da alegação de existência de conflito
do controlador, e de se desconsiderar o próprio conflito de interesses
do minoritário na assembleia especial, o que demonstra a inexistência
de efetividade na proposta apresentada.
Em realidade, as regras acima enfocadas trariam, na prática, apenas
confusão, podendo, inclusive, servir para supostamente confirmar a inexistência
de um conflito cuja presença caberia ao Poder Judiciário avaliar, ou mesmo
para motivar um aumento de ações judiciais envolvendo o controvertido tema
de que se cuida”17.

16 “Art. 115. ......................................................................................................................................


..................
§ 5º Poderá ser convocada assembléia-geral para deliberar quanto à existência de conflito de
interesses e à respectiva solução, por acionistas que representem 10% (dez por cento), no mínimo,
do capital social, observado o disposto no parágrafo único, alínea c, parte final, do art. 123.
§ 6º A assembléia a que se refere o § 5º também poderá ser convocada por titulares de ações com
direito a voto que representem, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital votante.
§ 7º No curso da assembléia-geral ordinária ou extraordinária, os acionistas a que se refere o §
6º poderão requerer que se delibere sobre a existência de conflito de interesses, não obstante a
matéria não constar da ordem do dia.
§ 8o Decairão do direito de convocar a assembléia de que trata o § 5º os acionistas que não o
fizerem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data em que tiverem ciência inequívoca do
potencial conflito de interesses.
§ 9º Caso a assembléia-geral, por maioria de votos, delibere haver conflito de interesses, deverá
especificar as matérias nas quais o acionista em situação de conflito ficará impedido de votar.
§ 10. A assembléia especificada no § 9º poderá delegar, com a concordância das partes, à
arbitragem a solução do conflito.” (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
Mensagem_Veto/2001/Mv1213-01.htm>. Acesso em 13.11.2011.)
17 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Mensagem_Veto/2001/Mv1213-01.
htm>. Acesso em 13.11.2011.

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278 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

Data maxima venia, não há como concordar plenamente com as razões


do veto, pois, na verdade, a alteração legislativa proposta e vetada objetivava
permitir que o próprio órgão deliberativo da sociedade anônima decidisse acerca
da existência, ou não, de conflito de interesses em relação a qualquer acionista
e não apenas em relação ao acionista controlador, como equivocadamente
sustentado nas razões de veto.
Assim, salvo melhor juízo, não se pretende afastar da deliberação somente
o voto do acionista controlador, mas de qualquer acionista, cujo exercício de seu
direito não essencial de voto vicie a formação da vontade da companhia, que
deve estar em consonância com as diretrizes da companhia, que, por sua vez, são
fixadas pelo Conselho de Administração (art. 142, inciso I, da Lei nº 6.404/76)
e devem respeitar os interesses dos demais acionistas, dos trabalhadores, da
comunidade em que exerce sua atividade empresarial e, também, estar em
conformidade com o objeto social e sua função social (art. 116, parágrafo único,
da Lei nº 6.404/76).
Portanto, não se vislumbra conflito com o interesse público se fosse adotada
a proposta legislativa em tela.
Ademais, a atividade empresarial envolve primordialmente interesses
privados (limitados por outros interesses, tal como imposto pelo parágrafo único
do art. 116 da Lei nº 6.404/76), os quais, quando apresentam uma situação de
conflituosidade, são mais facilmente resolvidos pela própria Assembleia Geral
do que por terceiro estranho àquela sociedade empresária e, por isso, alheio
aos interesses da companhia.
Exemplificativamente, o Poder Judiciário brasileiro é muito despreparado
para decidir conflitos envolvendo Direito Empresarial, pois não possui
especialização suficiente, expertise como a detida pelo Poder Judiciário de
Delaware, reconhecido mundialmente pela alta especialização para decidir
conflitos empresariais, motivo pelo qual seria, pelo menos, temerário atribuir
ao Poder Judiciário o poder de decidir questão empresarial, que, em regra, deve
ser rapidamente decidida em razão da velocidade da atividade empresarial –
velocidade esta que não é acompanhada pelo Poder Judiciário, o que pode ser
fatal para uma atividade empresarial.
Assim, embora os dispositivos vetados talvez não fossem o mecanismo
ideal, entendemos que seria salutar a alteração legislativa para atribuir a análise
de situações de conflito de interesses à própria Assembleia Geral. É importante

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esclarecer que concordamos com o fato de que não se trataria de um mecanismo


capaz de evitar todas as formas de abusos por parte de acionistas (majoritários
ou mesmo minoritários), além de também enxergarmos esse mecanismo como
algo de difícil implementação operacional. Não obstante, somos favoráveis à
criação por lei de algo que se assemelharia a uma “instância superior”, conduzida
pelo próprio órgão máximo da companhia, para a ponderação a respeito da
existência ou não de um conflito de interesses.
Afinal, partindo do princípio geral de que todos os acionistas buscam
a prosperidade da companhia da qual fazem parte, seria plausível que a lei
estimulasse a identificação e solução dentro da própria companhia de eventuais
conflitos existentes entre os interesses da companhia e os interesses individuais
de um único ou de parte dos acionistas.
Ressalte-se que não temos a pretensão de que, por meio do mecanismo
acima referido, todos os conflitos de interesses sejam resolvidos dentro da
própria companhia. Seria de certa forma ingenuidade imaginar que todas as
situações possam ser resolvidas “amigavelmente”.
A nossa ponderação justifica-se por considerarmos que uma terceira pessoa
(seja um juiz, árbitro ou qualquer entidade competente), em situações de maior
complexidade, não teria condições de avaliar se a manifestação de um acionista
é conflituosa ou contrária aos interesses da companhia, sem realizar uma análise
de mérito de tal manifestação do acionista, ou seja, a terceira pessoa somente
seria capaz de identificar o conflito se pudesse concluir que a manifestação
do acionista não representasse o melhor caminho para a companhia para a
consecução do seu objetivo social.
Em nossa avaliação, apenas os próprios acionistas e os administradores da
companhia estão aptos a definir qual o rumo ideal que deve ser tomado pela
companhia para a obtenção de resultados mais favoráveis.

IV. O CONFLITO DE INTERESSES E SUA OCORRÊNCIA NAS


SOCIEDADES ANÔNIMAS
A ideia de conflito de interesses encontra-se no cerne das sociedades humanas,
sendo fruto da própria condição associativa do homem como animal social.
Por interesse entende-se aquele desejo que move o homem a atingir
objetivos pessoais de cunho material (bens, dinheiro) ou psicossocial (fama,
reconhecimento, status). Para Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França,

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280 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

“interesse é a relação existente entre um sujeito, que possui uma necessidade, e o


bem apto a satisfazê-la, determinada na previsão geral e abstrata de uma norma”18.
Onde há o indivíduo, há a necessidade, o interesse, e onde há mais de um
indivíduo, certamente haverá mais de um interesse, que, não raras vezes, serão
conflitantes. O conflito de interesses ocorre quando a vontade de um indivíduo
confronta-se com a vontade de outro sobre um mesmo bem (no sentido mais
amplo possível). O conflito de interesses não depende necessariamente do
antagonismo integral destes interesses, mas sim da sobreposição de um interesse
sobre outro, que poderá ser integral ou parcial.
Os interesses conflitantes ou ainda o conflito de interesses recebe posição
de destaque na cultura humana e é, por conseguinte, objeto de estudo de diversas
áreas do conhecimento, tais como as ciências humanas e sociais, as ciências
econômicas e o Direito.
Defende Carnelutti que “o elemento econômico do Direito é o conflito de
interesses. Onde o conflito de interesses não há, não tem razão de ser do Direito; não
existe um fenômeno jurídico na raiz do qual a análise não encontre tal conflito”19.
Conflito de interesses no Direito societário ocorre quando indivíduos, em
relação à sociedade empresária, possuem necessidades conflitantes sobre um
mesmo bem. No caso das sociedades anônimas, de forma sucinta, estes conflitos
podem ocorrer em relação aos acionistas entre si, entre acionistas e a companhia,
entre administradores e a companhia e entre administradores e acionistas.
Conforme anteriormente mencionado, o conflito de interesses é algo
natural na sociedade humana, e, por esta razão, também é natural a sua
ocorrência nas sociedades empresárias. De fato, conforme apresenta Luiz
Gastão Paes de Barros Leães, “o conflito entre os vários interesses envolvidos
numa empresa é algo conatural a ela mesma, já que, a rigor, dar solução ao
conflito entre as várias pessoas que nela atuam é a própria função de toda
empresa organizada”20. Como se observa, o conflito de interesses é natural nas
sociedades empresárias, as quais adotam, de forma geral, o regime da solução

18 FRANÇA, Erasmo Valladão Novaes e. Conflito de Interesses nas Assembleias das S.A.. São
Paulo: Malheiros, 1993, p. 15-16.
19 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Generale del Diritto. Roma: Foro Italiano, 1946, p.25, apud
CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta da. Estrutura de Interesse nas Sociedades Anônimas –
Hierarquia e Conflitos. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 254.
20 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo:
Saraiva, 1980, p. 1.486.

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EMERSON SOARES MENDES, FRANCISCO LUIZ P. HORTA & TIAGO GOMES CUNHA - 281

majoritária, através da deliberação de seus órgãos sociais, para a resolução dos


conflitos que decorrem de sua própria existência.
Ocorre, todavia, que existem certas situações nas quais o conflito de
interesses ultrapassa a condição natural de associação do indivíduo em busca
do fim comum da empresa, e a sociedade torna-se um campo de batalha para
o conflito existente entre os seus constituintes, os acionistas.
Neste sentido, a Lei nº 6.404/76 adotou um regime de proteção à
condição de acionista, classificando-os em acionistas majoritários e minoritários.
Entendeu o legislador que há uma clara distinção entre estas categorias de
acionistas, devendo, desta forma, ser garantidos direitos especiais àqueles que
não possuem o controle da sociedade e estão, desta forma, em condição desigual
se comparado com os controladores.
O acionista minoritário é o investidor capitalista, cujo interesse maior na
sociedade é de cunho pecuniário. Desta forma, a fim de evitar uma supressão de seus
interesses individuais harmônicos com a sociedade (a busca pelo lucro), estabeleceu
a legislação, por exemplo, a distribuição de dividendos mínimos obrigatórios (art.
202 da Lei nº 6.404/76) e, no caso de acionistas sem direito de voto, o resguardo
maior destes dividendos obrigatórios (art. 203 da Lei nº 6.404/76).
Neste esteio, a Lei nº 6.404/76, modificada pela Lei nº 10.303/01,
estabelece ainda a proibição de retenção de lucros sob a conta de lucros
acumulados, estabelecendo que todos os lucros não destinados deverão ser
distribuídos como dividendos. Para os acionistas dissidentes, estabelece a Lei,
em certos casos, o direito de recesso, quando há modificação substancial nas
condições da sociedade a ponto de descaracterizar a natureza do investimento
do acionista minoritário, conforme arts. 136 e 137 da Lei nº 6.404/76.
Remanescem ainda outros direitos aos acionistas minoritários, tais como
o direito de voz nas Assembleias Gerais, o direito de eleição em separado de
conselheiro fiscal, a necessidade de assembleia especial no caso de modificação
dos seus direitos constituídos, dentre outros.
Ao acionista majoritário – a figura do controlador – a legislação prevê uma
série de deveres e responsabilidades, tendo em vista sua posição de comando
na sociedade, estabelecendo, no art. 117 da Lei nº 6.404/76, que o acionista
controlador responde por danos causados por atos praticados com abuso
de poder e estabelecendo, em seu parágrafo primeiro, um largo rol de atos

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282 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

considerados abusivos21, somando-se, ainda, os deveres e responsabilidades de


administrador, no caso do acionista que exerce ainda esta função.
Superado o conflito de interesse entre acionistas, surge o campo mais
fértil para a doutrina societária, que se refere ao conflito de interesses entre
acionista e a sociedade. Havendo o conflito de interesses entre acionistas e a
sociedade, aplica-se o disposto no art. 115 da Lei nº 6.404/76 e seus parágrafos,
que compreende o anteriormente explicitado caso de “Abuso do Direito de
Voto, Impedimento de Voto e Conflito de Interesses”.
Ricardo Ferraz Pimenta da Cunha, de maneira bastante didática, alinha as
modalidades de conflito de interesses entre acionistas e a sociedade da seguinte
forma: (i) casos em que se verifica o abuso do direito de voto (caput do art.
115); (ii) casos em que há conflito formal, conforme previsto nas duas primeiras
hipóteses do §1º (stricto sensu); ou (iii) em que esteja presente a figura sui generis
do benefício particular; (iv) o conflito substancial; e, ainda, (v) o abuso de voto
do acionista controlador22.
Entende Erasmo Valladão Azevedo Novaes e França que a Lei nº 6.404/76
ampliou o conceito estabelecido para o voto abusivo e que esta ampliação teve

21 Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso
de poder.
§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou
levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos
acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;
b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou
cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo
dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários
emitidos pela companhia;
c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou
decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas
minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos
pela companhia;
d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo
seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua
ratificação pela assembléia-geral;
f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha
interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;
g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal,
ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada
suspeita de irregularidade.
h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao
objeto social da companhia. (Incluída dada pela Lei nº 9.457, de 1997).
22 CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta da. Estrutura de Interesse nas Sociedades Anônimas –
Hierarquia e Conflitos. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 263.

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EMERSON SOARES MENDES, FRANCISCO LUIZ P. HORTA & TIAGO GOMES CUNHA - 283

por objetivo “estremar, por todas as formas, o voto abusivo ou conflitante, de


maneira a fazer prevalecer sempre o interesse comum dos sócios naquelas
deliberações”23, focando que o acionista deve exercer seu direito de voto no
interesse da companhia.
Verifica-se que o caput do art. 115 da Lei nº 6.404/76, além de inibir o voto
proferido com o fim de obter vantagens indevidas, para si ou para outrem, inibe
ainda o voto proferido com o fim de causar dano a outro acionista ou a companhia.
Neste sentido, Modesto Carvalhosa24 infere que a lei leva em conta a
finalidade, ou seja, a intenção do acionista no exercício do seu direito de voto e
que o voto abusivo configura abuso de direito e que se insere dentre os princípios
do direito societário.
Complementa Erasmo Valladão Azevedo Novaes e França que quando
houver desvio de finalidade, ou seja, quando o acionista votar de modo contrário
ao interesse da sociedade, a fim de obter vantagem indevida, aliado ao prejuízo
atual ou potencial para aquela ou para outros acionistas, haverá o abuso de
direito de voto. São consideradas vantagens indevidas aquelas que não são
normalmente atribuídas a todos os acionistas enquanto se encontram na mesma
situação jurídica perante a companhia, havendo, desta forma, uma violação do
princípio de igualdade relativa.
No caso de voto abusivo, compete análise a posteriori, uma vez que há
a necessidade de se verificar o conteúdo da deliberação, a existência de dano
(ainda que potencial) e a vantagem obtida.
A legislação prevê, neste caso, a indenização pecuniária como sanção pelo
comportamento ilícito (art. 115, § 3º), havendo possibilidade de anulação da
deliberação assemblear somente nos casos de vício intrínseco, ou seja, por defeito da
formação do negócio jurídico25. Com a finalidade de melhor explicitar a incidência
de abuso de voto em companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários –
CVM publicou a Instrução Normativa nº 323, na qual elenca diversas hipóteses
fáticas nas quais se presume o exercício abusivo do direito de voto26.

23 ob. cit., p. 83.


24 ob.cit., p. 461 e 462.
25 CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta da. ob.cit., p. 266.
26 “Art. 1º - São modalidades de exercício abusivo do poder de controle de companhia aberta, sem
prejuízo de outras previsões legais ou regulamentares, ou de outras condutas assim entendidas
pela CVM:
I - a denegação, sob qualquer forma, do direito de voto atribuído, com exclusividade, por lei,
pelo estatuto ou por edital de privatização, aos titulares de ações preferenciais ou aos acionistas

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284 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

Ultrapassados os pontos relativos ao voto abusivo, passemos à análise da


hipótese de impedimento de voto nos casos em que há conflito formal, conforme

minoritários, por parte de acionista controlador que detenha ações da mesma espécie e classe
das votantes;
II - a realização de qualquer ato de reestruturação societária, no interesse exclusivo do acionista
controlador;
III - a alienação de bens do ativo, a constituição de ônus reais, a prestação de garantias, bem como
a cessação, a transferência ou a alienação, total ou parcial, de atividades empresariais, lucrativas
ou potencialmente lucrativas, no interesse preponderante do acionista controlador;
IV - a obtenção de recursos através de endividamento ou por meio de aumento de capital, com
o posterior empréstimo desses recursos, no todo ou em parte, para sociedades sem qualquer
vínculo societário com a companhia, ou que sejam coligadas ao acionista controlador ou por ele
controladas, direta ou indiretamente, em condições de juros ou prazos desfavoráveis relativamente
às prevalecentes no mercado, ou em condições incompatíveis com a rentabilidade média dos
ativos da companhia;
V - a celebração de contratos de prestação de serviços, inclusive de gerência e de assistência
técnica, com sociedades coligadas ao acionista controlador ou por ele controladas, em condições
desvantajosas ou incompatíveis às de mercado;
VI - a utilização gratuita, ou em condições privilegiadas, de forma direta ou indireta, pelo
acionista controlador ou por pessoa por ele autorizada, de quaisquer recursos, serviços ou bens
de propriedade da companhia ou de sociedades por ela controladas, direta ou indiretamente;
VII - a utilização de sociedades coligadas ao acionista controlador ou por ele controladas, direta
ou indiretamente, como intermediárias na compra e venda de produtos ou serviços prestados
junto aos fornecedores e clientes da companhia, em condições desvantajosas ou incompatíveis
às de mercado;
VIII - a promoção de diluição injustificada dos acionistas não controladores, por meio de aumento
de capital em proporções quantitativamente desarrazoadas, inclusive mediante a incorporação, sob
qualquer modalidade, de sociedades coligadas ao acionista controlador ou por ele controladas,
ou da fixação do preço de emissão das ações em valores substancialmente elevados em relação
à cotação de bolsa ou de mercado de balcão organizado;
IX - a promoção de alteração do estatuto da companhia, para a inclusão do valor econômico
como critério de determinação do valor de reembolso das ações dos acionistas dissidentes de
deliberação da assembleia geral, e a adoção, nos doze meses posteriores à dita alteração estatutária,
de decisão assemblear que enseje o direito de retirada, sendo o valor do reembolso menor ao
que teriam direito os acionistas dissidentes se considerado o critério anterior;
X - a obstaculização, por qualquer modo, direta ou indiretamente, à realização da assembleia
geral convocada por iniciativa do conselho fiscal ou de acionistas não controladores;
XI -a promoção de grupamento de ações que resulte em eliminação de acionistas, sem que
lhes seja assegurada, pelo acionista controlador, a faculdade de permanecerem integrando o
quadro acionário com, pelo menos, uma unidade nova de capital, caso esses acionistas tenham
manifestado tal intenção no prazo estabelecido na assembleia geral que deliberou o grupamento;
XII - a instituição de plano de opção de compra de ações, para administradores ou empregados
da companhia, inclusive com a utilização de ações adquiridas para manutenção em tesouraria,
deixando a exclusivo critério dos participantes do plano o momento do exercício da opção e
sua venda, sem o efetivo comprometimento com a obtenção de resultados, em detrimento da
companhia e dos acionistas minoritários;
XIII - a compra ou a venda de valores mobiliários de emissão da própria companhia, de forma a
beneficiar um único acionista ou grupo de acionistas;
XIV - a compra ou a venda de valores mobiliários em mercado, ou privadamente, pelo acionista
controlador ou pessoas a ele ligadas, direta ou indiretamente, sob qualquer forma, com vistas à
promoção, pelo acionista controlador, do cancelamento do registro de companhia aberta;
XV - a aprovação, por parte do acionista controlador, da constituição de reserva de lucros que
não atenda aos pressupostos para essa constituição, assim como a retenção de lucros sem que
haja um orçamento que, circunstanciadamente, justifique essa retenção.”

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EMERSON SOARES MENDES, FRANCISCO LUIZ P. HORTA & TIAGO GOMES CUNHA - 285

previsto nas duas primeiras hipóteses do § 1º (stricto sensu).


Este ponto é pacífico na doutrina societária brasileira, uma vez que a
legislação é bastante clara em estabelecer que o acionista não poderá votar nas
deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com
que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas
como administrador. Nestes casos há o chamado conflito formal ab initio, não
havendo maiores dificuldades para identificá-lo.
Hipótese que traz confusão na doutrina é aquela que se depara com o
impedimento de voto relativo à obtenção de benefício particular por parte do
acionista. A doutrina mais acertada, ao nosso entender, estabelece que está
impedido de votar em deliberações aquele acionista que poderá, com a decisão,
auferir benefícios que não serão alcançados por seus pares. Estes benefícios
não serão ilícitos; pelo contrário, são benefícios oriundos da condição regular
de acionista, porém, serão auferidos de maneira particular por um ou poucos
acionistas e que, por esta condição, estão impedidos de votar.
Observa-se que o beneficiário da vantagem particular é acionista, que
a alcançaria, por sua condição “especial” de acionista. O que significa que
o impedimento de voto dar-se-á quando o acionista estiver em situação de
desigualdade com os demais, sob as mesmas bases, ou seja, serem detentores
de ações da companhia.
Complementa Erasmo Valladão Azevedo Novaes e França que a hipótese
da deliberação beneficiar o acionista de modo particular nada tem a ver com a
hipótese de interesse conflitante27. Nessa ocorrência, não há interesses oponíveis
entre os acionistas sobre um mesmo bem, mas sim o interesse particular de um
acionista em auferir benefícios que não serão estendidos aos demais.
O conflito de interesse consubstanciado na parte final do § 1º do art. 115
da Lei nº 6.404/76 é a fonte de maior discussão ao tratar da matéria de conflito
de interesse de acionistas com a companhia. Aduz a respectiva norma: “[...]
acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia geral [...] em que
tiver interesse conflitante com o da companhia”.

27 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo Novaes e. Conflito de Interesses: Formal ou Substancial?


Nova Decisão da CVM sobre a Questão. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, nº 128, out/dez 2002, p. 261.

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286 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

Existem basicamente duas correntes doutrinárias que tratam sobre este


tema. A primeira identifica o caso como conflito formal, a ser verificado ex
ante, e a segunda como conflito material, a ser verificado ex post.
A primeira corrente, defensora da teoria do conflito formal, destaca que a
interpretação semântica do dispositivo legal, por si só, expõe que este trata do
caso de conflito de interesses entre o acionista e a companhia, no qual aquele
estaria impedido de votar, anteriormente mesmo à realização da assembleia
geral. Seu impedimento dar-se-ia por imposição legal, uma vez que a própria
norma elegeu o caso de conflito de interesses formal, ou seja, a sua mera
existência como suficiente para impedir o acionista de votar.
Desta corrente partilham Modesto Carvalhosa e Calixto Salomão Filho.
Os elaboradores do anteprojeto da Lei nº 6.404/76, Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira, explicitam que a aplicação do princípio da função
social dos direitos subjetivos dos acionistas é plenamente aplicada através da
proibição de o acionista conflitante votar nas deliberações onde se verifica
o conflito, enumeradas como aprovação de suas próprias contas, no caso de
acionista-administrador, aprovação do laudo de avaliação referente aos bens
para a formação do capital social, e demais casos de conflito de interesse que
vierem a ser destacados pela dinâmica do direito societário28.
Majoritariamente, a doutrina brasileira representada por, dentre outros,
Erasmo Valladão Azevedo Novaes e França e José Alexandre Tavares Guerreiro
defendem a revisão do exercício de voto mediante análise substancial, ou seja,
posterior à deliberação assemblear, uma vez que há de se verificar, de fato, a
real incompatibilidade de interesses entre a companhia e o acionista, o que
somente poderá ser feita, de forma precisa, após a análise do mérito. Defende
esta corrente que o exercício do direito de voto é a regra e que a exceção deve ser
o impedimento, uma vez que as relações jurídicas devem ser pautadas na boa-fé.
Destaca ainda esta corrente doutrinária que o direito societário brasileiro
pauta-se na figura do controlador, acionista detentor do controle da sociedade
e, desta maneira, de forma direta ou indireta, da maioria do seu capital. Como
levantado anteriormente, o conflito de interesses é inerente à associação
humana, e, por vezes, os interesses não serão conflitantes, mas sim diversos. É
evidente o conflito entre acionistas majoritários e minoritários, por sua própria

28 LAMY FILHO, Alfredo e PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A. Vol. 2. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 229.

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condição de investidores da maioria do capital e de, por vezes, especuladores ou


investidores a longo prazo, desvinculados da vida social da companhia. Desta
feita, a existência do conflito tem de ser verificada de forma inequívoca, o que
somente poderá ser realizada, com melhor precisão possível, após a ocorrência
dos fatos, ou seja, posteriormente às deliberações.
A legislação, ao tratar do acionista controlador, impõe-lhe diversos
deveres e responsabilidades não impostos aos demais acionistas (art. 116 da
Lei nº 6.404/76), bem como ressalta que o controlador responderá pelos danos
causados com abuso de poder (art. 117 da Lei nº 6.404/76).
Independentemente da corrente doutrinária a ser seguida, alguns pontos
convergentes devem ser destacados, principalmente com relação ao quorum das
deliberações. Em ambos os casos, as ações do acionista conflitante contam para
o cômputo do quorum, sendo, no caso da restrição formal, impedido de votar,
mas não de falar e participar da assembleia, e, no caso da revisão substancial,
não há dúvidas quanto a sua condição para integrar o quorum e votar.
Outro ponto que encontra harmonia refere-se à nulidade do voto. Uma vez
verificado o conflito, o voto conflitante seria considerado nulo, independente
do momento de sua revisão (ex ante ou ex post).
Por fim, a deliberação que contar com voto conflitante deverá ser
considerada nula, por vício intrínseco a ela, o qual não poderá ser sanado,
independentemente da verificação ou não do dano. Proposta esta diferente do
abuso de direito de voto, no qual o dano tem de ser caracterizado, mesmo que
potencial, para que se possa pleitear a indenização cabível.
Encontramos ainda, em nosso ordenamento jurídico, a hipótese de
caracterização de conflito de interesses entre administradores e a companhia. A
Lei nº 6.404/76 disciplina esta matéria, bem como os direitos e responsabilidades
dos administradores e a ação de responsabilidade para apuração de ilícito e
composição de dano, de forma geral elencados entre os arts. 153 e 159.
Em linhas gerais, a legislação pátria trata acerca dos deveres fiduciários
dos administradores para com a companhia e os seus titulares, os acionistas.
Por meio de sua disciplina, a lei veda o administrador de participar em qualquer
operação em que tenha interesse conflitante com o da companhia, bem como de
deliberação que a respeito disso tomarem os demais administradores. Ressalta
ainda o dever do administrador em denunciar a sua condição de impedido, a sua

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288 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

natureza e extensão, autorizando, todavia, a sua contratação com a companhia


sob condições de mercado.
Entende-se que o conflito de interesse dos administradores é de cunho
material ou substancial, e que sua análise deve ser tomada posteriormente à
deliberação. Evidências deste entendimento são encontradas no § 2º do art. 156
da Lei nº 6.404/76, que considera anulável as contratações realizadas entre o
administrador e a companhia que não respeita as condições de mercado vigentes.
Ainda, com relação ao conflito de interesses entre administradores e a
companhia, observa-se o disposto nos §§ 8º e 9º do art. 118 da Lei nº 6.404/76
relativamente à vinculação dos administradores ao acordo de acionistas
arquivado na companhia. Observa-se que, independentemente do acordo
de acionistas firmado e da vinculação dos administradores aos seus termos,
qualquer ocorrência de abuso do direito de voto e conflito de interesse por
parte do acionista ou do administrador que seguiu orientação de acordo de
acionistas é passível de sanção legal, não podendo ser alegada a sobreposição
da vinculação do acordo aos deveres e responsabilidades dos administradores
e do acionista controlador.

V. O CONFLITO DE INTERESSES SOB A ÓTICA DA


COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Com o crescimento do mercado acionário brasileiro, notadamente através
da instituição de segmentos especiais na Bolsa de Valores, Mercadorias e
Futuros de São Paulo – BM&FBovespa, nos quais destaca-se o Novo Mercado,
a Comissão de Valores Mobiliários – CVM deparou-se com a realidade do
conflito de interesses em operações societárias que tinham por finalidade,
eminentemente, a migração de companhias listadas em segmentos tradicionais
para os segmentos especiais da Bovespa.
Neste diapasão, a CVM adotou posturas diversas para o enfrentamento
do caso tratando, em um primeiro passo, das questões relativas ao interesse
particular do acionista controlador, por meio do Parecer de Orientação nº
34/06, e, em um segundo passo, das questões relativas aos deveres fiduciários
dos administradores, por meio do Parecer de Orientação nº 35/08.
O Parecer de Orientação nº 34/06 surge com a intenção de esclarecer
o posicionamento da CVM, à época de sua divulgação, acerca do conflito
de interesses de acionistas e administradores com a companhia. É certo que

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ocorre polêmica na interpretação dos chamados benefícios particulares frente


ao conflito de interesses, na análise de casos concretos, pois não há um critério
objetivo unânime que distinga hipóteses “que puderem beneficiar o acionista de
modo particular” e hipóteses em que o “interesse do acionista seja conflitante
com o da companhia” (§ 1º do art. 115).
O benefício particular objeto de análise pela CVM tem sua origem na
operação de troca de ações utilizada pelo mercado para a realização de tais
operações de migração, notadamente quando importarem em tratamento
diferenciado entre acionistas titulares de ações de mesma espécie e classe, ou
tomarem por base avaliações que considerem não apenas os direitos econômicos
ou políticos atribuídos às ações, mas também suposições de sobrevalorização de
ações detidas por certos acionistas não comprovadas por efetivas negociações
entre partes independentes.
Assim, o Parecer de Orientação teve por objetivo divulgar a interpretação
da CVM sobre a incidência do impedimento prévio de voto de que trata o § 1º
do art. 115 da Lei nº 6.404/76 em certas deliberações, que possam beneficiar
de modo particular os acionistas controladores ou proponentes de operações de
incorporação de companhias ou de incorporação de ações, através das relações
de troca desproporcionais.
Define o Parecer de Orientação em referência que a avaliação das ações,
para efeito de relação de troca, tem sido feita mediante a avaliação do valor
da companhia, normalmente por valor econômico baseado em fluxo de caixa
descontado, e, posteriormente, a avaliação do valor das ações de titularidade dos
acionistas da companhia (por cotação de mercado ou outro critério, e, por vezes,
com valores diversos para espécies diversas de ações), desconsiderando, para este
fim, as ações de titularidade dos acionistas controladores. Por fim, atribui-se ao
bloco de ações dos controladores o valor equivalente à diferença entre o valor
do conjunto das ações dos demais acionistas, apurado na forma antes descrita,
e o valor de avaliação total da companhia, apurado em primeiro lugar.
Entende a CVM que, nestes casos, não há critério objetivo que caracterize
o sobrevalor das ações do bloco de controle e que, desta forma, caracteriza-se o
benefício particular do acionista controlador, uma vez que este será beneficiado,
de forma individual em detrimento dos seus pares, que não poderão usufruir
das mesmas condições de troca mais benéficas.

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290 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

Como fundamento para justificar a relação mais vantajosa, tem-se utilizado


o disposto art. 254-A da Lei nº 6.404/76, de que as ações detidas pelo acionista
controlador possuem valor maior que as ações não integrantes do bloco de
controle, na medida em que a alienação de controle não obriga a realização de
uma oferta pública de aquisição para os titulares de ações da espécie preferencial
sem direito a voto, e obriga uma oferta pública de aquisição para os acionistas
titulares de ações com direito a voto com desconto de 20% em relação ao preço
pago ao acionista controlador.
A CVM, por sua vez, não entendeu suficiente este argumento, já que os
critérios de oferta pública de aquisição de ações no caso de alienação de controle
estão disciplinados em lei, na forma de exceção.
Desta forma, entendeu a CVM que, em situações em que se vise à
unificação das espécies de ações da companhia ou à migração para segmentos
especiais de listagem – em que as ações do acionista controlador ou do
proponente da operação, sejam detidas por sociedade cujo único ativo, ou
único ativo relevante, sejam essas mesmas ações e seja submetida à aprovação
da assembleia a deliberação de incorporação (ou incorporação reversa) da
companhia, ou de suas ações -, a sociedade controladora e os seus acionistas
(caso detenham participação direta na companhia) estarão impedidos de votar,
na forma do art. 115, § 1º, da Lei nº 6.404/76, caso a proposta de incorporação
(ou incorporação reversa) da companhia, ou de suas ações, considere uma relação
de troca que atribua valor diferente às ações de emissão da companhia que
sejam de propriedade da sociedade controladora e às demais ações da mesma
espécie e classe de emissão da companhia.
Entendeu por bem a CVM aplicar, nestes casos, solução através da
aplicação da regra de conflito de interesses, ex ante, impedindo os acionistas
beneficiados de votar nas deliberações que aprovem a incorporação de ações.
Verifica-se que esta solução pressupõe, no dizer de Calixto Salomão
Filho, a coesão dos acionistas em torno do objeto social, uma vez que confere
aos demais acionistas minoritários a decisão acerca da incorporação ou não de
ações. Assim, compete aos acionistas minoritários, não vinculados aos deveres
de diligência e à responsabilidade dos administradores e, em sua maioria,
especuladores, a decisão do futuro da companhia em operação de fundamental
importância, a saber, a migração de segmento no mercado bolsístico.

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Desta forma, a CVM decidiu por impedir de votar qualquer acionista que
aufira benefício particular mediante a operação em análise e que os sobrevalores
de suas ações não estejam vinculados a critérios objetivos de auferição.
A solução através de regra de conflito não se demonstra eficaz, do ponto de
vista corporativo, pois nem todos os acionistas, principalmente os minoritários,
estão cientes ou mesmo responsáveis (fiduciariamente) por suas ações no
exercício da titularidade de seu direito de voto.
Em uma evolução a este procedimento, em 2008, a CVM emitiu o Parecer
de Orientação nº 35. Pautando-se na doutrina estrangeira acerca dos deveres
fiduciários dos administradores, notadamente com relação à negociação do
preço e/ou do valor de troca das ações objeto das operações societárias. A CVM
adotou uma posição mais moderna com relação ao problema do conflito de
interesse e sua solução, adotando, neste sentido, a teoria da solução organizativa.
Entendendo a CVM que, nas operações de fusão e incorporação de
companhias e de incorporação de ações envolvendo a sociedade controladora
e suas controladas ou sociedades sob controle comum, o controlador pode, via
de regra, exercer seu direito de voto, e a relação de troca das ações pode ser
livremente negociada pelos administradores.
Além disso, entendendo que o regime especial previsto no art. 264 não
afasta a aplicação dos arts. 153, 154, 155 e 245 da Lei nº 6.404/76, conclui a
CVM que, ao negociar uma operação de fusão e incorporação de companhias
ou de incorporação de ações, os administradores devem agir com diligência e
lealdade à companhia que administram, zelando para que a relação de troca e
demais condições do negócio observem condições estritamente comutativas.
Assim, a CVM, por meio do Parecer de Orientação nº 35/08 estabeleceu
um conjunto de procedimentos a ser respeitado pelos administradores
de companhias abertas para que a relação de troca e demais condições da
operação sejam negociados de maneira independente, estabelecendo que estes
administradores devem adotar os seguintes procedimentos nas operações de
que trata o art. 264 da Lei nº 6.404, de 1976:
i) a relação de troca e demais termos e condições da operação devem
ser objeto de negociações efetivas entre as partes na operação;
ii) o início das negociações deve ser divulgado ao mercado
imediatamente, como fato relevante, a menos que o interesse
social exija que a operação seja mantida em sigilo;

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292 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

iii) os administradores devem buscar negociar a melhor relação de


troca e os melhores termos e condições possíveis para os acionistas
da companhia;
iv) os administradores devem obter todas as informações necessárias
para desempenhar sua função;
v) os administradores devem ter tempo suficiente para desempenhar
sua função;
vi) as deliberações e negociações devem ser devidamente documentadas,
para posterior averiguação;
vii) os administradores devem considerar a necessidade ou conveniência
de contratar assessores jurídicos e financeiros;
viii) os administradores devem assegurar-se de que os assessores
contratados sejam independentes em relação ao controlador e
remunerados adequadamente, pela companhia;
ix) os trabalhos dos assessores contratados devem ser devidamente
supervisionados;
x) eventuais avaliações produzidas pelos assessores devem
ser devidamente fundamentadas e os respectivos critérios,
especificados;
xi) os administradores devem considerar a possibilidade de adoção
de formas alternativas para conclusão da operação, como ofertas
de aquisição ou de permuta de ações;
xii) os administradores devem rejeitar a operação caso a relação de troca
e os demais termos e condições propostos sejam insatisfatórios;
xiii) a decisão final dos administradores sobre a matéria, depois de
analisá-la com lealdade à companhia e com a diligência exigida
pela lei, deve ser devidamente fundamentada e documentada; e
xiv) todos os documentos que embasaram a decisão dos administradores
devem ser colocados à disposição dos acionistas, na forma do art.
3º da Instrução CVM nº 319, de 3 de dezembro de 1999.
Sob o foco da solução organizacional, a CVM recomendou a adoção de um
comitê especial independente que seja constituído para negociar a operação e
submeter suas recomendações ao conselho de administração, sendo constituído:
(i) por administradores da companhia, em sua maioria independentes; (ii)

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por não administradores da companhia, todos independentes e com notória


capacidade técnica, desde que o comitê esteja previsto no estatuto, para os
fins do art. 160 da Lei nº 6.404 de 1976; ou (iii) seja composto por: (a) um
administrador escolhido pela maioria do conselho de administração; (b)
um conselheiro eleito pelos acionistas não controladores; e (c) um terceiro,
administrador ou não, escolhido em conjunto pelos outros dois membros.
Por fim, sugeriu que a operação fosse condicionada à aprovação da maioria
dos acionistas não controladores, inclusive os titulares de ações sem direito a
voto ou com voto restrito.
Observa-se que a moderna solução adotada pela CVM por meio deste
Parecer de Orientação visa dotar as operações de incorporação de ações de maior
independência dos seus controladores, sem interferir diretamente no direito
do exercício de voto destes, o que parece, ao olhar da doutrina mais moderna,
uma solução mais atraente.

VI. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O GRUPO PÃO DE


AÇÚCAR
O Grupo Pão de Açúcar exerce suas atividades por meio da sociedade
anônima de capital aberto Companhia Brasileira de Distribuição S.A. (CBD),
que tem ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo desde 1995 e American
Depositary Receipts – ADRs na Bolsa de Valores de Nova York desde 1997.
Segundo as informações divulgadas aos seus investidores, o Grupo Pão
de Açúcar é o líder do segmento varejista no mercado brasileiro, detentor de
posição equivalente a 17,9% (dezessete inteiros e nove décimos por cento)
deste segmento.
O Grupo Pão de Açúcar iniciou suas atividades em 1948, com a fundação
da doceira Pão de Açúcar por Valentim dos Santos Diniz e, desde então, veio
expandido suas atividades, ampliando e diversificando seus modelos de negócio
e áreas de atuação, inclusive por meio da incorporação e associação com outras
sociedades, sempre sob o comando da família Diniz (atualmente, Abílio dos
Santos Diniz, filho do fundador da doceira Pão de Açúcar, é o principal
representante da família Diniz na administração do Grupo Pão de Açúcar).
Em 1999, houve a associação do Grupo Pão de Açúcar com o Grupo
Casino, de origem francesa e um dos líderes mundiais do segmento varejista.

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294 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

Por meio de referida associação, uma parte do controle acionário do Grupo


Pão de Açúcar passou a ser exercido pelo Grupo Casino.
Desde 2005 a família Diniz (Grupo Diniz) e o Grupo Casino dividem
em igual proporção o exercício do controle do Grupo Pão de Açúcar, quando
houve a criação de uma nova holding, a Wilkes Participações S.A. (Wilkes).
Com a reestruturação acionária ocorrida em 2005, o controle da CBD passou
a ser exercido pela Wilkes, sendo o controle acionário da Wilkes dividido em
fatias iguais entre o Grupo Diniz e o Grupo Casino.
Além de deterem igual número de ações ordinárias de emissão da Wilkes,
a família Diniz e o Grupo Casino firmaram acordo de acionistas, disponível
para consulta no site da Comissão de Valores Mobiliários, no qual assumem a
obrigação de exercerem conjuntamente o controle do Grupo Pão de Açúcar.
Esta situação de controle acionário do Grupo Pão de Açúcar partilhado
entre a família Diniz e o Grupo Casino mantém-se até hoje. Para melhor
visualização da composição acionária do Grupo Pão de Açúcar, vide o
organograma constante do quadro abaixo, preparado com informações obtidas
em novembro de 2011 na página mantida pela BM&FBovespa na Internet.

Figura 1: Organograma do Grupo Pão de Açúcar. Fonte: BM&FBovespa


Conforme pode ser verificado no quadro acima, embora seja detentora
de apenas 25,13% da participação acionária total da CBD, a Wilkes possui
mais de 65% das ações ordinárias de emissão da CBD, estando na posição de
acionista controladora. Sendo a Wilkes, por sua vez, controlada em conjunto
pelo Grupo Casino e pelo Grupo Diniz, já que cada um possui 50% das ações
ordinárias de emissão da Wilkes.

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No que diz respeito às ações preferenciais de emissão da CBD, pode-se


notar que a grande maioria é detida por acionistas minoritários, com cerca
de 72% de tais ações – o que representa uma participação de quase 45% da
composição acionária da CBD.
Também é possível verificar que o Grupo Casino e o Grupo Pão de Açúcar
possuem participação direta na CBD29, sendo o Grupo Casino detentor de quase
todo o remanescente das ações ordinárias de emissão da CBD, mantendo mais
de 34% de tais ações ordinárias, enquanto que apenas a quantia equivalente a
menos de 1% das ações ordinárias de emissão da CBD consta como sendo de
propriedade de acionistas minoritários.
Não obstante o fato de o Grupo Casino ser detentor de uma quantia
significativa de ações ordinárias de emissão da CBD, é importante notar que o
Grupo Casino e o Grupo Diniz concordaram, por meio de acordo de acionistas
que firmaram na condição de únicos acionistas da Wilkes, em exercer o controle da
CBD exclusivamente por meio da Wilkes30, além de ficar estabelecido, no mesmo
acordo de acionistas, que os acionistas da Wilkes estão obrigados a votar sempre
juntamente e da mesma forma que a Wilkes em assembleias gerais da CBD31.
Os dispositivos acima mencionados, bem como as outras diversas
disposições constantes dos acordos de acionistas atualmente em vigor firmados
entre o Grupo Casino e o Grupo Diniz, na condição de controladores do Grupo
Pão de Açúcar, possuem claramente o objetivo de estabelecer condições de
igualdade entre ambos os controladores, estipulando um processo de aprovação
de decisões julgadas de maior relevância altamente detalhado e complexo, no
qual será necessária a concordância de ambos os grupos controladores para a
finalização do processo decisório em conformidade com as regras definidas nos
acordos de acionistas vigentes.

29 O percentual descrito no quadro quanto à participação direta na CDB detida pelo Grupo Casino
e pelo Grupo Diniz refere-se ao número de ações detidas por pessoas físicas e jurídicas ligadas
aos respectivos grupos, consoante as informações disponibilizadas pelo próprio Grupo Pão de
Açúcar aos seus investidores e dados obtidos perante a BM&FBovespa.
30 Conforme a Cláusula 2.1.2 do acordo de acionistas firmado entre o Grupo Casino e o Grupo Diniz
na condição de acionistas da Wilkes, datado de 27 de novembro de 2006: “2.1.2. Os ACIONISTAS
DA WILKES, neste ato, concordam que exercerão o Controle da CBD, exclusivamente, por meio
da WILKES, de acordo com os termos e condições descritos no presente Acordo e em estrita
conformidade com o Acordo de Acionistas da CBD e o Estatuto Social da CBD.”
31 Vide cláusula 6.2.3 de mencionado acordo de acionistas: “6.2.3. Em conformidade com os termos
e condições do Acordo de Acionistas da CBD, cada um dos ACIONISTAS DA WILKES obriga-se
sempre a votar juntamente com (e da mesma forma que) a WILKES, em quaisquer Assembléias
Gerais da CBD.”

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296 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

Além disso, também é de grande relevância, para o estudo pretendido


neste trabalho, o fato de que o Grupo Diniz e o Grupo Casino firmaram um
contrato, que prevê uma estrutura de opções de compra e de venda de ações
que implica na possibilidade de o Grupo Casino, a partir de junho de 2012,
adquirir para si o controle do Grupo Pão de Açúcar.
Feitas essas breves considerações a respeito da atual estrutura de controle
do Grupo Pão de Açúcar, ainda que apenas mencionando superficialmente os
mecanismos criados entre o Grupo Diniz e o Grupo Casino para o exercício
do controle da CBD, será mais fácil a compreensão dos fatos relacionados à
proposta de associação entre o Grupo Pão de Açúcar e o Grupo Carrefour,
que dá origem ao conflito que será analisado neste artigo.

VII. PROPOSTA DE ASSOCIAÇÃO ENTRE GRUPO PÃO DE


AÇÚCAR E GRUPO CARREFOUR
A. PRIMEIRAS INFORMAÇÕES DIVULGADAS NA IMPRENSA E
DESCRIÇÃO DOS FATOS OCORRIDOS

Sem divulgar fontes, ou declarações de representantes das companhias,


o Journal du Dimanche publicou em 22 de maio de 2011 o interesse do Grupo
Carrefour em unir sua operação brasileira com a operação do Grupo Pão de
Açúcar (GPA), afirmando que as partes já haviam contratado assessores para
avaliação da viabilidade da operação. É importante ressaltar que o Grupo
Carrefour é um dos maiores grupos de atuação no segmento varejista, possui
origem francesa e é o principal concorrente do Grupo Casino na França.
Em razão das informações sobre a possível operação, analistas de mercado,
apesar de se mostrarem céticos a respeito das especulações, divulgaram na mídia
suas estimativas de resultados decorrentes.
Segundo o Bank of America-Merrill Lynch, a operação poderia gerar
ganhos de até R$ 1,7 bilhão ao ano e ganhos fiscais de até R$ 15 bilhões.
Contudo, segundo as notícias, os analistas desde o início indicam a necessidade
de aprovação da operação por parte do Grupo Casino, e já preveem a sua
oposição à eventual operação – sobretudo em razão da relevância da operação
brasileira para o Casino e pelo fato de que a associação reforçaria o negócio
do Grupo Carrefour no Brasil, onde possui sua maior atuação fora da França.

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Os analistas também avaliam que um acordo deste tipo geraria questões


de concorrência, uma vez que, juntos, Carrefour e GPA deteriam parcela
equivalente a 28% (vinte e oito por cento) do setor, porcentagem quase três
vezes superior à participação do Walmart, equivalente a 11,2% (onze inteiros e
dois décimos de por cento), que deteria a segunda maior participação no setor.
As notícias sobre o assunto abordavam também o fato de que as negociações
com o Carrefour poderiam representar uma tentativa do Grupo Diniz de manter
uma posição de destaque no mercado, mesmo após o eventual exercício das opções
de compra representativas do controle do Grupo Pão de Açúcar por parte do
Grupo Casino, o que poderia ocorrer a partir de junho de 2012.
Logo após as primeiras informações na imprensa, o Grupo Casino manifestou-
-se informando que, até sua divulgação na mídia, não tinha conhecimento de tais
negociações com o Carrefour, seu principal concorrente na França.
Segundo noticiado na imprensa, o presidente do Casino, Jean-Charles
Naouri, afirmou ter recebido correspondência enviada por Abílio Diniz, na
qual é confirmada a existência da negociação com o Carrefour. Conforme
as informações disponibilizadas, a confirmação de que houve o início de
negociações sem o envolvimento do acionista Grupo Casino teria criado
um atrito entre os controladores do Grupo Pão de Açúcar. Algumas notícias
informaram que a postura do Grupo Diniz foi vista como uma declaração de
guerra contra o acionista Grupo Casino.
Poucos dias após as primeiras notícias sobre o assunto, em 25 de maio de
2011, a CBD divulgou comunicado ao mercado por meio do qual informou não
ser parte de qualquer negociação com o Grupo Carrefour e não ter contratado
qualquer assessor financeiro para essa finalidade. No referido documento, é
apresentada a informação prestada pelo acionista Grupo Casino, afirmando que
não tinha conhecimento da operação até sua veiculação na imprensa e que não
autorizou qualquer terceiro a representar seus interesses em tais negociações.
Também por meio deste comunicado, Abílio Diniz “informou que está sempre
em busca de alternativas para o crescimento da companhia e que não há nenhum
fato ou ato que justificasse uma divulgação ao mercado”.
Ainda no mês de maio, no dia 30, o Grupo Casino encaminhou à CBD
um comunicado (divulgado pela CBD ao mercado em 31 de maio) informando
sobre a apresentação de requerimento de instauração de procedimento arbitral
perante a Câmara de Comércio Internacional em face do Grupo Diniz, com

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298 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

o intuito de assegurar o cumprimento das disposições estabelecidas no acordo


de acionistas da Wilkes, firmado entre o Grupo Casino e o Grupo Diniz em
novembro de 2006.
Em resposta, o acionista Abílio Diniz enviou comunicado, divulgado pela
CBD na mesma data, afirmando não ter descumprido qualquer disposição dos
acordos de acionistas ou de qualquer contrato firmado entre os controladores.
Pouco mais de um mês após as primeiras notícias na imprensa, em 28 de
junho, a CBD divulgou fato relevante para informar sobre o recebimento de
uma proposta de associação das atividades da CBD com o Grupo Carrefour.
A proposta foi apresentada por uma sociedade de propósito específico de
titularidade de um fundo de investimento com participação do Banco BTG
Pactual (“Proposta”).
Também em 28 de junho, o Grupo Casino encaminhou correspondência
à CBD solicitando ao presidente do conselho de administração da Wilkes, o Sr.
Abílio Diniz, a convocação imediata de reunião do conselho de administração
para a discussão dos termos da “Proposta”, solicitando ainda que nenhuma
informação sobre os negócios da CBD fosse disponibilizada a terceiros e que
nenhum acordo fosse celebrado sem a devida aprovação de Wilkes, na forma
do acordo de acionistas vigente.
No mesmo comunicado, o Grupo Casino afirmou lamentar profundamente
que o Grupo Diniz tivesse iniciado negociações (classificada pelo Grupo
Casino como secretas e ilegais) com concorrente da CBD, sem ter informado
o Grupo Casino, maior acionista individual da CBD, e negando publicamente
a existência de tais negociações. Por fim, o Grupo Casino informou que não
hesitaria em adotar todas as medidas cabíveis diante de uma agressão dessa
grandeza e solicitou que o inteiro teor do documento fosse tornado público.
Na mesma data, 28 de junho, Abílio Diniz enviou correspondência em
resposta à carta do Grupo Casino na qual afirmou que as manifestações a
seu respeito foram extremamente agressivas e distorceram a realidade. Ainda
informou que estava em Paris, havia 24 (vinte e quatro) horas, com o propósito
de discutir com Grupo Casino os termos da “Proposta” recebida e ressaltou
que a avaliação deveria ser feita de forma objetiva, buscando os interesses do
Grupo Pão de Açúcar. O Sr. Abílio Diniz afirma em sua comunicação que
buscaria uma solução amigável para o bem da CBD e de todas as partes e pedia
confiança no seu trabalho.

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Posteriormente, em 12 de julho, o acionista Casino enviou comunicado à


CBD informando que o conselho de administração do Casino constatou por
unanimidade, com exceção de Abílio Diniz, que a “Proposta” apresentada era
contrária aos interesses do GPA seus acionistas, ressaltando que a “Proposta”
não solicitada é hostil e ilegal e determinando a apresentação desta posição ao
conselho de administração da Wilkes.
Demonstrada a situação de “conflito” entre os dois acionistas controladores
do Grupo Pão de Açúcar, que assumiram posições rigorosamente distintas
a respeito da oportunidade de negócio apresentada para a associação com o
Grupo Carrefour, cumpre apresentar um melhor detalhamento dos termos e
condições para a implementação de referida associação.

B. TERMOS E CONDIÇÕES DA PROPOSTA DE ASSOCIAÇÃO


A “Proposta” foi apresentada à CBD pela empresa Gama 2 SPE
Empreendimentos e Participações S.A, uma sociedade de propósito específico
de titularidade do fundo BTG Pactual Principal Investments Fundo de
Investimento em Participações, do Banco BTG Pactual (um dos bancos de
investimento de maior atuação na América Latina).
A proponente era designada na “Proposta” simplesmente como NPA, o que
significaria Novo Pão de Açúcar, conforme as notícias divulgadas na mídia sobre
esse documento. De acordo com a “Proposta”, a própria proponente – ou seja, o
NPA – incorporaria as ações da CBD, tornando-se seu único acionista e sendo
o veículo por meio do qual os atuais acionistas exerceriam o controle da CBD,
em conjunto com o BTG Pactual e o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social – BNDES, na condição de novos acionistas.
A operação descrita na “Proposta” envolveria a participação da CBD, do
Carrefour S.A., sociedade regida pelas leis da França (Carrefour) e da Brepa
Comércio e Participações Ltda., sociedade regida pelas leis do Brasil por meio
da qual o Carrefour desenvolve suas atividades no Brasil (Carrefour Brasil).
O objeto da “Proposta” consistia na combinação das operações da CBD
e do Carrefour Brasil, assim como na aquisição de participação relevante pelo
NPA no capital do Carrefour (“Operação”).
A “Proposta” apresentava como condição para a realização da “Operação”,
além das aprovações societárias e outras que eram necessárias, a obtenção pelo
NPA (i) de um investimento do BNDES no valor de R$ 3,91 bilhões, (ii) de

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um investimento do BTG Pactual no valor de R$ 690 milhões e (iii) de emissão


de dívida do NPA no montante de R$ 1,15 bilhão.
Segundo os termos da “Proposta”, os investimentos do BNDES e do BTG
Pactual acima mencionados ocorreriam em troca de participação acionária no
capital do NPA.
O primeiro passo da “Operação” descrita na “Proposta” seria a incorporação
da ações de CBD pelo NPA, de modo que os acionistas da CBD receberiam,
em troca de suas ações, novas ações emitidas pelo NPA – cada 1 (uma) ação
ordinária de emissão da CBD seria trocada por 1 (uma) ação ordinária de
emissão do NPA, enquanto cada 0,95 ação preferencial da emissão da CBD
seria trocada por 1 (uma) ação ordinária de emissão do NPA. Conforme pode
ser observado, a relação de troca seria mais benéfica aos acionistas detentores
de ações preferenciais.
No processo de incorporação, seria atribuído à CBD um valor de mercado
de R$ 17,1 bilhões, o que seria equivalente a um preço de R$ 66,00 (sessenta
e seis reais) por ação de emissão da CBD.
Em decorrência do processo de incorporação, o NPA teria suas ações
listadas na BMF&Bovespa e na Bolsa de Valores de Nova York, na forma de
ADRs, com o cancelamento da listagem das ações de emissão da CBD.
A estrutura acionária decorrente do processo de incorporação aqui
mencionado seria a seguinte:

Figura 2: Estrutura do processo de incorporação da CBD pelo NPA

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Como pode ser notado pela análise do quadro acima, a Wilkes deixaria de
ser a controladora da sociedade, o que implicaria na perda, pelo Grupo Diniz
e pelo Grupo Casino, da posição de controladores do Grupo Pão de Açúcar.
É fundamental destacar que a “Proposta” estabelecia que o Estatuto Social
de NPA deveria prever, dentre outras disposições, (i) que o capital social de
NPA seria composto exclusivamente por ações ordinárias, (ii) que o número
de votos de qualquer acionista estaria limitado a 15% do capital votante,
independentemente da quantidade de ações que possuísse, (iii) que o acionista
que adquirisse mais de 39% das ações estaria obrigado a realizar oferta pública
para aquisição de 100% das ações e (iv) tag along de 100% em eventual oferta
pública por alienação de controle.
Após o processo de incorporação acima descrito, seria proposto um
aumento de capital de CBD, no valor de R$ 3,45 bilhões, a ser subscrito e
integralizado exclusivamente pelo NPA com a emissão de novas ações da CBD.
A CBD incorporaria as ações de emissão do Carrefour Brasil,
transformando-se em seu único acionista. A realização de tal incorporação
dependeria da transformação do Carrefour Brasil em uma sociedade por ações,
bem como de capitalização feita pelo Carrefour França no Carrefour Brasil,
de modo que a razão entre dívida líquida e EBITDA do Carrefour Brasil se
equiparasse à razão de tais índices financeiros apresentada pela CBD.
Em troca das suas ações de emissão do Carrefour Brasil, o Carrefour
receberia novas ações emitidas por CBD, de modo que a estrutura acionária
decorrente seria a descrita no quadro abaixo:

Figura 3: Estrutura acionária decorrente da incorporação das ações do Carrefour Brasil pela CBD

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302 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

Após a incorporação de ações de Carrefour Brasil por CBD, seria


deliberado um aumento de capital do Carrefour, que emitiria 90 milhões
de ações preferenciais. O aumento de capital seria subscrito e integralizado
por NPA mediante a entrega de ações de sua titularidade representativas de
aproximadamente 19% do capital social de CBD, de modo que Carrefour e
NPA deteriam cerca de 50% cada do capital social de CBD.
Em razão deste aumento de capital, NPA passaria a deter 11,7% do capital
social do Carrefour, tornando-se seu maior acionista individual, sendo que a
Proposta ainda prevê a intenção de NPA em adquirir novas ações representativas
do capital social do Carrefour. Com a aquisição de participação acionária por
parte de NPA no capital social da sociedade francesa Carrefour a estrutura
acionária seria a seguinte:

Figura 4: Estrutura acionária após a aquisição de participação acionária no capital social


da sociedade francesa Carrefour pelo NPA

VIII. CONCLUSÃO
Este caso suscitou algumas questões jurídicas relevantes, dentre elas (i)
a existência, ou não, de conflito de interesses dos Grupos Diniz e Casino,
enquanto controladores do Grupo Pão de Açúcar, de modo a impedi-los de
exercer seu direito de voto em relação à proposta de associação com o Grupo
Carrefour e (ii) como seria solucionada a questão se não houvesse uma definição
na reunião prévia da Wilkes.
Deve-se ressaltar, desde já, que a sociedade anônima possui seu próprio
interesse social, que transcende os interesses parciais que confluem para a
formação daquele interesse social, o qual deve ser utilizado como guia para

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EMERSON SOARES MENDES, FRANCISCO LUIZ P. HORTA & TIAGO GOMES CUNHA - 303

a consecução de seu objeto social e para a maximização do lucro, ou seja,


deve nortear o exercício da atividade econômica organizada e exercida pela
sociedade anônima, incluindo-se a atuação dos seus órgãos internos, que
buscarão o interesse social por meio de decisões e atos que tenham por objetivo
a prosperidade da companhia.
Não poderia ser diferente em relação ao exercício do direito de voto, o
qual deve ser guiado pelo interesse social, ou seja, conforme dispõe o art. 115,
caput, da Lei nº 6.404/76, o acionista deve exercer seu voto em conformidade
com o interesse da companhia.
Muito embora o direito de voto não esteja elencado entre os direitos
essenciais dos acionistas listados nos incisos do art. 109 da Lei nº 6.404/76, tal
direito possui fundamental importância no âmbito das sociedades anônimas,
uma vez que se trata de direito, cujo exercício contribui para a formação da
vontade social, não podendo, por isso, ser exercido contrariamente aos interesses
da companhia.
Neste sentido, o próprio legislador, no caput, do art. 115 da Lei nº
6.404/76, prevê a figura do voto abusivo, bem como previu, no § 1º do art. 115
da lei nº 6.404/76, hipóteses de impedimento de voto e a hipótese de conflito
de interesses.
Haverá conflito de interesses sempre que o interesse individual do acionista
estiver em posição antagônica ao interesse da companhia, situação esta que
deve ser real e não meramente hipotética. Ou seja, em nosso entendimento, a
posição mais acertada é aquele que defende não bastar simples existência de
uma alternativa que favoreça o acionista em detrimento da companhia, será
preciso que o acionista efetivamente exerça o seu voto nessa direção.
Assim sendo, é importante notar que, após todas as considerações feitas
no estudo trazido acima, concluímos que o método mais acertado para a
identificação de um conflito de interesses é o da verificação da existência de
conflito com base no teor do voto, o conflito material.
Concluímos, ainda, que para a verificação do conflito material seria
necessária a identificação de duas situações cumulativas em relação ao voto do
acionista, quais sejam: (i) o voto do acionista visar a seu benefício próprio; e
(ii) o voto do acionista não buscar o interesse (a prosperidade) da companhia.
Afinal, não é impossível uma situação em que a melhor alternativa para
determinada companhia, seja mais favorável a um acionista e prejudicial a outro.

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304 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

A dificuldade maior reside na identificação de qual é a melhor alternativa para a


companhia, não obstante seja possível afirmar com convicção que não deve ser
identificado o conflito de interesse no voto daquele acionista que, de maneira
isenta, vota pela alternativa que melhor favoreça a companhia, sem deixar-se
influenciar pelos benefícios ou prejuízos de seus próprios interesses individuais.
Desse modo, no caso Casino versus Grupo Diniz, questiona-se se tanto o
Grupo Diniz quanto o Grupo Casino estariam impedidos de votar a respeito
da associação com o Grupo Carrefour, diante de possível conflito de interesses.
O impedimento prévio ao exercício do direito de voto apenas decorreria
da adoção da teoria do conflito formal, o que já afirmamos não ser a melhor
alternativa para a solução de casos como esse, pois implicaria na presunção de
que o acionista não seria capaz de exercer o seu papel de boa-fé.
Pela doutrina que defende a verificação do conflito a posteriori, a questão
seria de simples solução, se fosse uma tarefa simples a identificação de qual a
alternativa mais benéfica ao Grupo Pão de Açúcar, o que evidenciaria o conflito
material no voto do acionista na alternativa que lhe seja mais favorável, embora
contrária à alternativa mais benéfica à companhia.
Em nossa singela opinião, parece-nos que, conforme extraído das notícias
veiculadas na mídia, ambos possuíam interesses individuais que não foram
assumidos publicamente por questões óbvias. Contudo, ambos apresentaram
estudos bem fundamentados que, dada a intensa complexidade da questão,
traziam conclusões diversas a respeito de qual seria a decisão que melhor
alcançaria o interesse social, a associação ou não com o Grupo Carrefour.
Neste caso, como forma de demonstrar a isenção dos controladores diretos
da Wilkes e indiretos do CBD, caso a operação tivesse sido levada à votação
(ou caso venha a ser votada), acreditamos que a melhor solução seria deixar a
cargo dos conselheiros do Conselho de Administração da Wilkes (excluídos
os conselheiros conflitados como, por exemplo, Abílio Diniz) a livre decisão
acerca da aprovação, ou não, da operação com o Carrefour, pois, conforme
dispõe o art. 154, § 1º, da LSA, o administrador eleito por um grupo ou classe
de acionistas continua tendo todos os deveres dos administradores, dentre eles
o de decidir conforme os interesses da companhia e não os interesses específicos
de seus “eleitores”.

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EMERSON SOARES MENDES, FRANCISCO LUIZ P. HORTA & TIAGO GOMES CUNHA - 305

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306 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

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NEGOCIAÇÃO entre Carrefour e Pão de Açúcar cria atrito com Casino – In: iG Economia.
Disponível em: <http://economia.ig.com.br/empresas/comercioservicos/negociacao+entre+
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NEGOCIAÇÕES entre Pão de Açúcar e Carrefour irritam o sócio Casino – In: O Estado
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ERA Abílio Diniz no Pão de Açúcar pode terminar em 2012 – In: iG Economia. Disponível em:
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CASINO diz que negociação entre Pão de Açúcar e Carrefour é ilegal – In: G1, Seção Economia.
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CARREFOUR anuncia proposta de fusão com Pão de Açúcar – In: G1, Seção Economia.
Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/06/carrefour-anuncia-
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OPERAÇÃO prevê várias etapas e aumento de capital na CBD, diz Pão de Açúcar – In: O
Estado de São Paulo, Seção Economia. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/
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EMERSON SOARES MENDES, FRANCISCO LUIZ P. HORTA & TIAGO GOMES CUNHA - 307

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CVM – obtenção de acordos de acionistas, comunicados ao mercados e fatos relevantes – In:
Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/indexpo.asp>.
Acesso em: 17 out. 2011
JUCESP – obtenção de documentos e informações societárias – In: Junta Comercial do Estado
de São Paulo. Disponível em: <http://www.jucesponline.sp.gov.br/Default.aspx>. Acesso
em: 17 out. 2011

X. ÍNDICE REMISSIVO
ACIONISTA
- acionista controlador: p. 281
- interesse dos acionistas: p. 271
ASSEMBLEIA GERAL
- anulabilidade de deliberação: p. 275
- aprovação de contas: p. 275
- benefício particular: p. 282
- conflito de interesses: p. 276, 277, 278 e 279
- laudo de avaliação: p. 275-282
CÓDIGO CIVIL
- art. 966: p. 270
- art. 981: p. 270
CONCEITO
- conceito de interesse: p. 272
- conceito jurídico indeterminado: p. 272
- zona cinzenta: p. 272
- zona de certeza negativa: p. 272
- zona de certeza positiva: p. 272
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
- diretrizes: p. 278
INTERESSE
- conflito de interesses: p. 276, 277 e 278
- conflito formal: p. 276

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308 - O CONFLITO DE INTERESSES NA SOCIEDADE ANÔNIMA E O IMPEDIMENTO DE VOTO

- conflito material: p. 277


- interesse da companhia: p. 270
- interesse individual: p. 276
- interesse privado: p. 278
- interesse social: p. 271
- limites dos interesses da companhia: p. 274
- proposta de alteração legislativa: p. 278
- razões do veto: p. 278
LEI Nº 6.404/76
- art. 109: p. 273
- art. 115, epígrafe: p. 274
- art. 115, caput: p. 274
- art. 115, § 1º: p. 274
- art. 115, § 3º: p. 274
- art. 116, parágrafo único: p. 278
- art. 142, inciso I: p. 278
LEI Nº 10.303/2001
- § 5º ao § 10 do art. 115 da Lei nº 6.404/76: p. 275.
- razões do veto: p. 278.
PODER JUDICIÁRIO
- decisão de conflitos empresariais: p. 278.
- especialização: p. 278.
- velocidade de decisão: p. 278.
VOTO
- abuso: p. 274.
- conceito: p. ?
- controle a posteriori: p. 276
- controle a priori: p. 276
- exercício: p. 278
- impedimento: p. 274, 275

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- limites: p. 278
- nulidade: p. 275
SOCIEDADE EMPRESÁRIA
- conceito de contrato de sociedade: p. 270

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