Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Héctor H. Bruit1
Resumo
O artigo visa explicitar o processo de invenção e adoção do nome e idéia de América Latina.
A latinidade e a idéia de América Latina, têm a ver com a consciência cultural do continente.
O nome e a idéia não existiram na consciência dos intelectuais americanos do século xix. O
nome se popularizou após a Segunda Guerra mundial.
Abstract
The aim of the present article is to make explicit the invention process that led to the name
and Idea of Latin América. The so called “latinidade” and the central concept around Latin
América are certainly .linked to the cultural consciousness of the whole continent. However,
the name did not exist in the mind of the American intelligentsia of the xix century and it
became popular only after the Second World War.
***
1
Departamento de História e Centro de Memória - UNICAMP.
1
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
Em seu Ensaio político sobre a ilha de Cuba, publicado em Paris em 1826, Humboldt
alertava para a injustiça histórica de chamar de americanos só os cidadões dos Estados Unidos
da América do Norte.
Realmente, o nome de América Latina, independentemente das razões ideológicas e
políticas que envolveram seu nascimento, veio para rebatizar um continente que tinha perdido
seu nome originário.
Se atribui aos franceses esta invenção. Não obstante, a invenção foi de dois sul-
americanos, o argentino Carlos Calvo e o colombiano José Maria Torres Caicedo
Carlos Calvo foi um jurista importante, especialmente pelos tratados de Direito
Internacional público e privado que publicou por volta de 1868 Nestas obras ele formulou o
principio de que nenhum governo deveria apoiar com as armas reclama-ções pecuniárias de
países devedores. Este principio se tornaria famoso em 1902, quando Venezuela enfrentou a
fúria das potencias européias pelo não pagamento de empréstimos Então, o Ministro das
relações Exteriores da Argentina, Luis M. Drago, invocou o principio de Calvo, ficando com
o nome de doutrina Drago
Por volta de 1864, Calvo publicou, em Paris, uma obra monumental em vinte volumens
com um título tão cumprido como a própria obra: Recueil complet dês traités, conventions,
capitulations,armistices et outres actes diplomatiques de tous lês Etats de l’Amérique latine
compris entre lê golfe du Mexique et lê Cap Horn depuis l’année 1493 jusqu’à nos
jours..Era a primeira vez que se empregava a expres-são América Latina numa obra
acadêmica. Calvo disse na dedicatória a Napoleão III que a obra era um reconhecimento e
gratidão da raça latina à inteligência superior do Imperador.
A finalidade do jurista argentino, que também se apresentava como historiador,
economista e geógrafo nos círculos acadêmicos de Paris, era dar a conhecer um continente
muito mal conhecido na França e na Europa em geral. De fato, o que se sabia provinha da
imagem desenvolvida no século XVIII por Buffon, Reynal e Robertson entre outros. Isto é, o
mundo americano era hostil, degenerado, nocivo e sofocante.
O colombiano Torres Caicedo, também residente em Paris, lançou a idéia de criar a liga
Latino-Américana. Em 1865, publicou um livro com o título Unión Latinoamericana. O
projeto de Caicedo era organizar um movimento contrario à política pan-americana dos
Estados Unidos. Ele escreveu : “Hay uma América anglosaxona, dinamarquesa, holandesa
etc.,hay uma española, francesa, portuguesa e a este grupo que denominación científica darle
sino el de latina”? (Ardao,1986).
2
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
A expressão usada com freqüência na década de sessenta era “raças latinas”, até existia
uma publicação periódica com esse nome, Revue des Races Latines.
Nessa época, França se preparava para invadir México. O ideólogo desse
expansionismo era o historiador Michel Chevalier, então senador do Império francês. Em seu
livro, Le Mexique ancien et moderne , publicado em 1863, desenvolveu a idéia de que
França era a herdeira das nações católicas e lhe correspondia levar à América a tocha das
raças latinas, isto é, francesa, italiana, espanhola e portuguesa. Considerava que estas três
últimas nações estavam em decadência. França era a única nação católica que podia deter o
expansionismo protestante e anglosaxão. Esta missão começaria em México (Phelan,1993)
É significativo que nos artigos escritos na Revue dex Deux Mondes e em seu livro
sobre México, Chevalier não usou a expressão América Latina.
Na volumosa correspondência do Mariscal Bazaine com Napoleãn III e com o
Ministério das Relações Exteriores , entre 1862 e 1865, publicada no México por Genaro
Garcia, não existe a idéia de América Latina, não existe a idéia de pan-latinismo. A finalidade
de conquistar México, era basicamente econômica:
Se observa, nesta carta de Napoleão III ao general Forey datada de 1862, que as
regiões são designadas com os nomes usados ao longo do século XIX, isto é, América do Sul,
Antilhas, Estados Unidos e Novo Mundo.
Não é fácil determinar se o nome de América Latina tinha alguma divulgação na
FRANÇA e na Europa ocidental na segunda metade do século XIX .Não conhecemos todos
os números da Revue Das races Latines e é mais que provável que em alguns números se
falasse ou se usasse a expressão América Latina. Nos dois números que temos podido
consultar, de 1858, nos permitem afirmar que a revista era mensal e dedicava um extenso
capítulo a “les hommes de la race latine”. No número de julho, esse homen era José de San
Martin; no número de agosto se fala sobre o general espanhol Leopoldo O’Donnel. Tinha uma
outra sessão dedicada à correspondência italiana, espanhola, belga, e a correspondência da
América do Sul. Esta sessão tinha um conteúdo econômico. Mas também há estudos sobre as
cidades italianas, espanholas,etc.
3
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
4
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
5
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
Nos Estúdios Econômicos de Alberdi, obra editada em 1916 e a mais importante das
obras póstumas, chama nossa atenção o primeiro sub-título do terceiro capítulo:
“La América em España, o antecedentes de la pobreza que forma la condición
económica de la América Latina”. Nas quatrocentas páginas do livro, Alberdi chama o
continente de Hispano-América ou América do Sul. Então, parece ser que a expressão
América Latina do sub-título, foi obra dos editores. Sería necessário consultar o manuscrito.
O mesmo pode-se falar de José Martí. Para o pensador cubano, América, Nossa
América, só pode ser a América indígena, a negra, a mestiça, a “criolla”, a América do século
XVI, isto é, Ibero-América. Os Estados Unidos são de Norte-América. Em nenhum momento,
passa pelo pensamento de Martí a idéia de latinidade, pois América, Nossa América, deve
procurar em suas raízes, no autóctone, sua cultura, seu governo, seu progresso. Rejeita a
disjuntiva de Sarmiento de civilização ou barbárie:
“Por eso el libro importado ha sido vencido en América por el hombre natural. Los
hombres naturales han vencido a los letrados artificiales. El mestizo autóctono ha
vencido al criollo exótico. No hay batalla entre la civilización y la barbarie, sino
entre la falsa erudición y la naturaleza” (Martí,1973).
José Enrique Rodó, o mais afrancesado dos escritores do inicio do século XX,porque a
devorado a Renan e a Anatole France, usou a expressão América Latina duas vezes em seu
livro Ariel, publicado em 1900, em um discurso de 1905 em homenagem a Anatole France
que visitava Montevideo, em uma corta nota jornalística com o título de “La voz de la Raza” a
propósito da Primeira Guerra Mundial e no Mirador de Próspero.Porém, a expressão só tem
um significado literário, sem conotações ideológicas que a vinculem com a latinidade. Muito
pelo contrario, quando Rodo fala sobre o continente, sobre a unidade americana, sempre esta
pensando em Hispano-América. Mas vejamos um texto do escritor uruguaio:
“No necesitamos los suramericanos, cuando se trata de abonar esta unidad de raza,
hablar de uma América Latina; no necesitamos llamarnos latino-americanos para
levantarnos a un nombre general que nos comprenda a todos, porque podemos
llamarnos algo que signifique una unidad mucho más íntima y concreta: podemos
llamarnos “iberoamericanos”, nietos de la heroica y civilizadora raza que sólo
políticamente se ha fragmentado en dos naciones europeas; y aun podríamos ir más
allá y decir que el mismo nombre de hispanoamericanos conviene también a los
nativos del Brasil; y yo lo confirmo con la autoridad de Almeida Garret; porque
siendo el nombre de España, en su sentido original y propio, un nombre geográfico,
un nombre de región, y no un nombre político o de nacionalidad, el Portugal de hoy
tiene, en rigor,tan cumplido derecho a participar de ese nombre geográfico de
España como dos partes de la península que constituyen la actual nacionalidad
española; por lo cual Almeida Garret, el Poeta por excelencia del sentimiento
nacional lusitano, afirmaba que los Portugueses podían, sin menoscabo de su ser
independiente, llamarse también, y con entera propiedad, españoles”(Rodó,1956).
Este texto pertenece ao livro El Mirador de Próspero, publicado em 1913.
Um outro intelectual importante, contemporâneo de Rodo, foi José Carlos Mariátegui.
Uma revisão de suas Obras Completas, permite observar o uso da expressão América Latina
6
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
quatro vezes nos Siete Ensayos sobre la realidad peruana, e isto no ensaio sobre educação. A
expressão aparece em Temas de nuestra América, que reúne artigos publicados entre 1924 e
1928. Na realidade a expressão está contida como título de um dos artigos: “La América
Latina y la disputa boliviano-paraguaya”, e aparece uma vez no contexto do artigo. Não
obstante,o artigo anterior se refiere ao Ibero-Americanismo e Pan-Americanismo. Aqui,
Mariátegui discute o significado histórico, político e econômico dessas expressões. O
interessante, é que o pensador peruano opõe a essas duas expressões, a idéia de uma América
Indo-Ibérica. É mais que evidente que o escritor que mais reivindicou o direito dos indígenas,
não podia aceitar essa noção de latinidade que nada tem a ver com os povos aborígenes. Usou
a expressão América Latina, mas não se deu ao trabalho de discuti-la, porque talvez a
encontrasse injusta e inoportuna.(Mariátegui,1994).
Da mesma forma, outro intelectual importante de inicio do século XX, o mexicano José
Vascocelos em seu livro sobre questões americanas, Bolivarismo y Monrroísmo, editado em
1929, usa as expressões Hispano-América, Ibero-América, Novo mundo. Para este pensador,
a latinidade devia ser alguma coisa exótica na medida em que ele pensava América como o
continente criador de uma raça superior, a raça cósmica, que era a fusão final de todas as
raças.(Vasconcelos, 1935)
Uma rara excepção, é o livro de Francisco Garcia-Calderon, Les Démocraties latines de
l’Amérique, de 1914. Este diplomata peruano que tem vivido por anos em Paris, que fala e
escreve com perfeição o francês, segundo disse no prfácio do livro Raimond Poincaré, não só
usou a expressão América Latina, mas talvez tenha sido o primeiro intelectual americano a
discutir a importância e o significado da latinidade. Considerou que a latinidade do
continente, era o resultado de três forças de pressão: o catolicismo, a legislação romana e a
cultura francesa. A lei romana foi a base da legislação espanhola a partir de Alfonso X o
Sábio, com as Partidas. O catolicismo está indissoluvelmente unido à autoridade romana na
pessoa do Rei: na Espanha e na América, o Príncipe é ao mesmo tempo pastor da Igreja. Sob
a dupla pressão do catolicismo e da legislação romana, América se latinizou. América aprende
a respeitar as leis e se disciplina tanto na vida religiosa como na vida civil. Finalmente, as
idéias francesas,juntam-se a essas duas forças, preparam primeiro a revolução, depois passam
a governar os espíritus americanos desde a independência até nossos dias(Garcia-
Calderon,1914).
No geral, se pudéssemos fazer um balanço de todos os escritores americanos que se
interessaran por traçar o perfil do continente, sua identidade, observaríamos que a maior parte
7
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
latine au XIX siècle, de 1945. Especialmente importante foi o livro de Siegfried, uma espécie
de Bíblia dos sul-américanos na época da Segunda Guerra Mundial, particularmente pela
interpretação econômica das causas que levavam a inestabilidade política do continente nessa
década. Para o historiador francês, o colapso fianceiro de 1929 tinha sido a causa
fundamental. Mas não todos os autores franceses usaram a expressão nesse inicio do século
XX. Assim, o geógrafo Pierre Denis, usou o nome de América do Sul em seu valioso estudo
sobre o continen-te de 1933 da Geografia Universal de Vidal de la Blache, volumen XV.
Todavia, antes que os franceses, William S. Robertson, já famoso por seus estudos
sobre Francisco de Miranda e a revolução da independência, publicou em Nova Iorque em
1922 a History of the Latin-American Nation.
Na realidade, foi no período da Segunda Guerra, que o nome de América Latina se
popularizou, especialmente pelos estudos dos historiadores e economistas norte-americanos.
Vejamos alguns títulos importantes: Preston E. James, Latin American, N. York, 1942. Este
livro, é um dos primeiros, senão o primeiro, estudo sério da geogra-
fia econômica do continente. William Rex Crawford, A Century of Latin-American
Thought, Cambridge, Mass., 1949. Este livro é um estudo destinado a identificar e definir o
perfil das pricipais tendências do pensamento continental nos séculos XIX e XX. É uma
espécie de manual do pensamento latino-americano.
Willy Feuerlein e E. Hannan, Dollars in Latin American, N.York, 1941. Evidente-
mente, este livro é o primeiro estudo sobre as relações econômicas e financeiras dos
Estados Unidos com América Latina nos anos que anteceden à Segunda Guerra e aos anos da
guerra. A inversão norte-americana é estudada em detalhes.
Fred J. Rippy, Latin América and the industrial age, N.York, 1947. Talvez o primeiro
estudo sobre este tema da industrialização feito por um dos maiores especialistas em assuntos
econômicos do continente, especialmente dos investimentos britânicos e franceses na América
no século XIX.
Samuel F. Bemis, The Latin American policy of United State,N. Haven,1943. Um livro
fundamental e primeiro na análise das intervenções norte-americanas na América Central, e
sua relação com a doutrina do “destino manifesto”
Todavia, temos que lembrar que o Handbook of Latin American, fudamental para os
estudos acerca do continente, começou a ser editado em 1935.
9
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
10
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
Bibliografia
ABRAMSON, Pierre-Luc. Las utopías sociales en América Latina en el siglo XIX. México:
F.C.E, 1999, Segunda Parte, cap. II.
ALBERDI, Juan Bautista. Epistolario, 1855-1881. Santiago: Ed. Andrés Bello, 1967.
BRAUDEL, Fernand. “Y a-t-il una Amérique Latine?”. Paris: Annales, E.S.C., 1948, n. 4.
11
Belo Horizonte - 2000
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC
ISBN 85-903587-1-2
HAYA DE LA TORRE, Victor Raúl. A donde va Indo américa?. Santiago: Ed. Ercilla, 1936,
p. 27-28.
MARTÍ, José. Cuba, Nuestra América, los Estados Unidos. México: Siglo XXI, 1973, p. 113.
PHELAN, John. “El origen de la idea de Latinoamérica”, in: ZEA, Leopoldo (Org.). Fuentes
de la Cultura Latinoamericana. México: F.C.E., vol. 1, 1993, p. 463-475.
RODÓ, José Enrique. Obras Completas. Compilación y Prólogo por Alberto J. Vaccaro.
Buenos Aires: Ed. Antonio Zamora, 1956.
RODRÍGUEZ MONEGAL, Emil. El otro Andrés Bello. Caracas: Monte Avila Editores,
1979.
ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da conquista colonial. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1973,
p. 123.
RONSIN, Albert. La fortune d’um nom: América. Lê baptême du Nouveau Monde à Saint-
Die-des-Vosges. Cosmographie Introductio suivi dês Lettes d’Amerigo Vespucci. Grenoble:
Ed. Jérôm Millon, 1991.
SARMIENTO, Domingo Faustino. Conflicto y Armonia de las razas en América in: ZEA,
Leopoldo (Org.) Fuentes de la Cultura Latinoamericana. México: F.C.E., 1993, vol. 1, p.
401-411.
12