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Revista de Psicologia

Os mecanismos de defesa presentes na neurose


obsessiva: Um olhar sobre a formação sintomática
Revista The main defense mechanisms found in obsessive neurosis:
de Psicologia A look at the formation of symptoms

Henrique Guilherme Scatolin 1

Resumo
Este artigo pretende enfocar os principais mecanismos de defesa presentes na neurose obsessiva, tais como o deslocamento, a
formação reativa, o isolamento e a anulação. Para desenvolver tal discussão, parte de uma releitura das obras pré-psicanalíticas até
Inibições, Sintomas e Ansiedade de 1926, enfocando nesta a compreensão freudiana da formação do sintoma obsessivo e dos seus
principais mecanismos de defesa. Conclui que, para uma melhor compreensão da etiologia sintomática nesta neurose, é necessário
analisar cada mecanismo em sua particularidade; já que este expressa a singularidade de cada sintoma em sua essência. Estes
mecanismos de defesa podem ser considerados como uma máscara que encobrem o sintoma, mas ao encobrir, revelam todos os
desejos recalcados, denotando a história singular de cada paciente.
Palavras chave: Neurose obsessiva, mecanismos de defesa, sintoma obsessivo.

Abstract
This article intends to focus the main defense mechanisms found in obsessive neurosis, such as displacement, reaction formation,
isolation and annulment. To develop this discussion, part of a reassessment of the pre-psychoanalytic work to Inhibitions, Symptoms
and Anxiety published in 1926, focusing on this understanding the Freud’s idea of the symptom and the main defense mechanisms
present in this neurosis. It concludes that for a better understanding of the etiology symptomatic neurosis, it is necessary to examine
each mechanism in its particularity, since it expresses the uniqueness of each symptom in its essence. These defense mechanisms
can be regarded as a mask to cover up the symptoms, but to conceal, reveal all repressed desires, denoting the unique history of
each patient.
Key words: Obsessive neurosis, defense mechanisms, obsessive symptoms.

Recebido em 01 de março de 2013


Aprovado em 10 de maio de 2013
Publicado em 15 de julho de 2013.

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Introdução O início dos estudos sobre a obses-


siva neurose: um olhar nos rascu-
nhos e cartas de Freud no período
Ao final do século XIX, Freud se de- pré-psicanalítico.
teve principalmente na questão da histeria
cujo interesse foi despertado pelo contato
As cartas de Freud a Fliess, segun-
com Charcot e Breuer, sendo tanto a his-
do Sctrachey, “parecem ter uma significa-
teria como a neurose obsessiva frutos de tiva conexão com a história da psicanálise
um evento traumático ocorrido na remota e a evolução dos pontos de vista de Freud”
infância da criança. (1950/1996, p. 219). É ao longo das car-
tas a Fliess que o mestre vai desenvolven-
Após abandonar a teoria trau-
do os seus primeiros apontamentos sobre
mática das neuroses em 1897 devido a as psiconeuroses; ou seja, sobre a histeria
sua auto-análise, a questão da neurose e a neurose obsessiva. Em relação às ob-
obsessiva é retomada em Atos Obsessi- sessões, é na carta nº 18 para Fliess que
vos e Práticas Religiosas, de 1907. Neste Freud (1894/1996) destaca os três meca-
artigo, a neurose obsessiva é vista como nismos de transformação do afeto, entre os
quais, a obsessão é tratada como um des-
uma neurose particular, individual, sen-
locamento do afeto.
do esta neurose um correlato de uma
religião individual, particular do neuró- Ainda sob a vigência da teoria trau-
mática das neuroses, no rascunho K inti-
tico, enquanto que o mestre comparava
tulado “As Neuroses de Defesa: um Conto
a religião como um correlato da neurose
de Fadas para o Natal”, Freud (1896/1996)
obsessiva universal com as suas leis e afirma que a causa da neurose obsessiva
regras próprias. é de natureza sexual e esta ocorreria ante-
Por outro lado, os mecanismos riormente à maturidade sexual. Não acre-
ditava que a hereditariedade determinasse
de defesa presentes nesta neurose (tais
a escolha de uma neurose defensiva espe-
como a anulação, a formação reativa, o
cial. Assim, na neurose obsessiva, a idéia
deslocamento o isolamento) foram elen-
obsessiva seria fruto de uma conciliação:
cados ao longo dos estudos de Freud. correto quanto ao afeto e categoria presen-
No artigo Atos Obsessivos e Práticas Reli- te, no entanto falso devido ao deslocamento
giosas já encontramos dois mecanismos cronológico e à substituição por analogia.
principais dessa neurose: o deslocamen-
Neste caso, Freud afirma que:
to e a formação reativa, mecanismos de
defesa estes que foram retomados ao lon- “o ego observa a obsessão como algo
go do caso clínico do Homem dos Ratos. que lhe é estranho. Ocorre na neu-
Assim, para retomar estes quatros meca- rose obsessiva uma luta defensiva
nismos de defesa nas publicações psica- do ego contra a obsessão, levando à
nalíticas, é necessário realizar uma breve produção de novos sintomas de de-
retomada dos escritos dirigidos a Fliess fesa secundária. A idéia obsessiva
é atacada pela lógica, embora sua
como também nos artigos intitulados As
força compulsiva fosse inabalável”
Neuropsicoses de Defesa e Observações
(1894/1996, p. 306).
Adicionais Sobre as Neuropsicoses de De-
fesa, ambos publicados anteriormente a A relevância da defesa já era alvo de
Interpretação dos Sonhos de 1900. Freud desde os primórdios da psicanálise;

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já que o efeito da defesa sobre o impulso não se trata mais de passividade se-
inconsciente produziria vários sintomas de xual, mas de atos de agressão pra-
natureza secundária; tais como as idéias ticados com prazer e de participa-
obsessivas. ção prazerosa em atos sexuais – ou
seja, trata-se de atividade sexual”
Freud retoma o efeito desta defesa
(1896/1996, p. 169).
em três artigos que considero fundamen-
tais para as primeiras compreensões freu-
Sob a ótica desta teoria, a neurose
dianas relacionadas à formação sintomáti-
obsessiva apresenta um caráter ativo e não
ca obsessiva.
passivo como na histeria. Freud (1896/1996)
O primeiro artigo seria As Neurop- ressalta que a neurose obsessiva é mais co-
sicoses de Defesa. Neste texto, segundo mum no sexo masculino; como também em
Freud (1894/1996), a importância do papel todo sintoma obsessivo há um substrato de
desempenhado pela sexualidade começa a sintomas histéricos atribuídos a uma cena
ganhar destaque. O mestre releva que mui- de passividade sexual que precedeu a ação
tos obsessivos não têm idéia quanto à ori- prazerosa. Assim, na etiologia do sintoma
gem das suas obsessões, sendo a obsessão obsessivo, existiriam substratos da passi-
um substituto da idéia sexual incompatí- vidade oriundos da histeria.
vel, tomando seu lugar na consciência. O
Segundo Freud:
afeto presente nas obsessões se caracteriza
como desalojado ou transposto (deslocado). “a natureza da neurose obsessi-
Assim, a defesa visaria separar a idéia in- va pode ser expressa numa fór-
compatível do afeto. Conseqüentemente, a mula simples. As idéias obsessi-
idéia permaneceria na consciência (enfra- vas são, invariavelmente, auto-
quecida e isolada), mas isolada do afeto. acusações transformadas que
O segundo artigo seria A Heredi- reemergiram do recalcamento e
tariedade e Etiologia das Neuroses. Freud que sempre se relacionam com
(1896/1996), neste artigo, aponta que as algum ato sexual praticado com
idéias obsessivas são meras acusações di- prazer na infância” (1896/1996,
rigidas pelo sujeito a si mesmo devido ao p. 169).
antecipado gozo sexual. Estas acusações
são distorcidas por um trabalho psíquico Para compreender o curso típico
inconsciente de transformação e substitui- desta neurose, Freud aponta quatro mo-
ção. Convém lembrar que tal apontamento mentos. O primeiro momento seria o de
veio a ser reiterado nas Observações Adicio- imoralidade infantil onde ocorrem as expe-
nais sobre as Neuropsicoses de Defesa de riências de sedução sexual. Em um segun-
1896. do momento, as auto-acusações ficariam
ligadas à lembrança das ações prazerosas
Assim, neste terceiro texto, que
e a conexão com a experiência inicial pas-
considero de extrema importância para
siva só ocorreria após os diversos esforços
as primeiras compreensões freudianas
conscientes de recalcá-las e substituí-las
sobre a neurose obsessiva, o mestre re-
por um sintoma primário de defesa, tais
toma a teoria traumática das neuroses,
como a conscienciosidade, a vergonha e a
ressaltando que:
autodesconfiança, dando início ao tercei-
“as experiências sexuais da primeira ro período; ou seja, o período de aparente
infância têm na etiologia da neuro- saúde e de defesa bem sucedida. O quarto
se obsessiva a mesma importância momento seria o da doença que é caracte-
que na histeria. Aqui, entretanto, rizado “pelo retorno das lembranças recal-

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cadas” ( Freud, 1896/1996, p. 169). Neste temente, um colapso da defesa original-


ocorre o fracasso das defesas, ocorrendo mente alcançada. É na luta defensiva do
uma formação de compromisso entre as re- ego contra as lembranças recalcadas que
presentações recalcadas e as recalcadoras. o ego desenvolve sintomas que são classi-
Estas viriam a substituir as representações ficados como frutos da defesa secundária;
e afetos obsessivos. tais como as medidas protetoras. Caso a
obsessão venha a ser transferida para as
Assim, durante a teoria traumáti-
medidas protetoras é criada uma tercei-
ca, Freud aponta dois tipos de neurose
ra forma de neurose obsessiva: as ações
obsessiva. A primeira “ inclui as repre-
obsessivas. Essas ações contêm um des-
sentações obsessivas típicas, nas quais o
vio para outros pensamentos de conteúdo
conteúdo retém a atenção do paciente e,
tão contrário quanto possível; tais como
à guisa de afeto, ele sente apenas um des-
a compulsão a testar coisas e a mania de
prazer indefinido” (1896/1996, p. 170).
duvidar. Assim, a defesa secundária con-
O conteúdo obsessivo seria distorcido de
tra os afetos obsessivos leva a um con-
dois modos em relação ao ato obsessivo
junto ainda mais vasto de medidas pro-
praticado com prazer na infância. Em um
tetoras passíveis de se transformarem em
primeiro momento, alguma coisa contem-
atos obsessivos. Nestes atos obsessivos
porânea toma o lugar de algo do passado
encontramos medidas penitenciais, medi-
e, em um segundo momento, alguma coi-
das de precaução (como as superstições,
sa sexual é substituída por algo não se-
manias de minuciosidade) e etc
xual que lhe é análogo. Essas duas altera-
ções são efeito da tendência ainda vigen- .
te a recalcar, que Freud atribui ao ‘ego’.
Para o mestre “sempre que uma obsessão
neurótica emerge na esfera psíquica, ela A contribuição do período psicana-
provém do recalcamento” (1896/1996, p. lítico para a compreensão da neu-
170). Assim, as representações obsessi- rose obsessiva: um enfoque sobre
vas têm, por assim dizer, uma circulação os mecanismos de defesa do ego.
psíquica compulsiva em virtude da fonte
de que derivam.
Após abandonar a teoria traumá-
Uma segunda forma de neurose tica das neuroses em 1897 devido a sua
obsessiva “manifesta-se quando o que
auto-análise, Freud retoma o estudo sobre
forçou sua representação na vida psíqui-
a neurose obsessiva em Atos Obsessivos e
ca consciente não é o conteúdo mnêmico
Práticas Religiosas. Neste artigo, ele releva
recalcado, mas a também auto-acusação”
(1896/1996, p. 171). Lembremos que que:
esta auto-acusação seria fruto da práti-
ca sexual na tenra infância da criança. “as pessoas que praticam atos
São estas auto-acusações que podem se obsessivos ou cerimoniais per-
transformar em vergonha, em angústia tencem à mesma classe das que
hipocondríaca, em angústia social (medo sofrem de pensamento obsessi-
de ser socialmente punido pelo delito), em vo, idéias obsessivas, impulsos
angústia religiosa, em delírios de ser ob- obsessivos e afins. Isso, em con-
servado ou em medo da tentação. Assim, junto, constitui uma entidade
a neurose obsessiva desenvolve vários clínica especial que comumente
sintomas de compromisso que represen- se denomina de neurose obses-
tam o retorno do recalcado e, conseqüen- siva” (1907/1996, p. 109).

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Assim, na entidade clínica denomi- periências sexuais do sujeito. O cerimonial


nada neurose obsessiva, encontramos pes- obsessivo surgiria como um ato de defesa,
soas que praticam atos cerimoniais (ou ob- uma medida protetora. Assim, todas as mi-
sessivos) como também pessoas que apre- núcias do ato cerimonial são significativas
sentam impulsos obsessivos e idéias ob- e possuem um sentido simbólico que ex-
sessivas, sendo que nem todas as idéias ou pressam motivos e idéias inconscientes.
impulsos finalizam em atos cerimoniais.
Além do ato cerimonial, ao abordar
No artigo “Pensando a neurose ob- a falha do recalcamento, o mestre aponta
sessiva a partir de ‘Atos Obsessivos e Prá- o mecanismo da formação reativa; já que
ticas religiosas’ de Freud”, Franco consi- nesta neurose “no decurso da repressão
dera que “há uma família de sintomas que do instinto cria-se uma consciência espe-
marcam a neurose obsessiva, sendo que os cial dirigida contra os objetivos do instin-
atos obsessivos [...] são apenas um dentre to; essa formação reativa, porém, sente-
outros. Há também pensamentos, idéias e se insegura e constantemente ameaçada
impulsos obsessivos que nunca se concreti- pelo instinto emboscado no inconsciente”
zam em atos [...]” (Berlinck, 2005, p. 153). (Freud, 1907/1996, p. 114). Assim, devi-
do à formação reativa que vem a recalcar
Freud (1907, 1996), em Atos Obses-
o ódio no inconsciente, cria-se uma cons-
sivos e Práticas Religiosas, além de ressal-
ciência especial dirigida contra os objeti-
tar os inúmeros sintomas obsessivos pre-
sentes nesta neurose, retoma a idéia do vos do instinto e é na formação reativa que
fracasso da defesa. Convém apontar que foi encontramos a ambivalência do amor e do
neste texto que Freud abordou, pela primei- ódio na constituição psíquica deste neuró-
ra vez, a neurose obsessiva desde o artigo tico. Mas quando que se inicia este meca-
intitulado Observações Adicionais Sobre as nismo de defesa?
Neuropsicoses de Defesa de 1896. Assim, Segundo Freud “durante o perío-
passou quase dez anos sem se aprofundar do que vai do final do quinto ano às pri-
na etiologia da neurose obsessiva. meiras manifestações da puberdade [...]
Em Atos Obsessivos e Práticas Reli- criam-se na mente formações reativas [...]”
giosas, o mestre aponta que nesta neuro- (1908/1996, p. 160). Ou seja, devido a fa-
se “há sempre a repressão de um impulso lha do recalcamento surge as formações
instintual [...] mas que sucumbiu posterior reativas como uma maneira de impedir o
à repressão. O processo de repressão é um retorno do recalcado, mas esta formação
processo que só obtêm êxito parcial, estan- reativa psíquica encontra-se insegura e
do constantemente sob a ameaça de uma constantemente ameaçada pelos desejos
fracasso” (Freud,1907/1996, p. 127). Como inconscientes. Conseqüentemente, os atos
conseqüência da falha do recalcamento há cerimoniais ou obsessivos “surgem como
a formação de inúmeros sintomas obsessi- uma proteção contra a tentação, [...] con-
vos; tais como os atos obsessivos. O ceri- tra o mal esperado” (Freud, 1907/1996, p.
monial do neurótico obsessivo; ou melhor, 114-115).
o seu ato obsessivo, seria elaborado como
se tivesse de obedecer a leis tácitas, como No artigo “Pensando a neurose ob-
deixar o par de sapatos sempre na mesma sessiva a partir de ‘Atos Obsessivos e Práti-
posição (um ao lado do outro, antes de dor- cas Religiosas’ de Freud”, Franco expõe que
mir). Qualquer afastamento do cerimonial “a neurose obsessiva nada mais é do que
levaria a uma intolerável ansiedade e todo uma formação psíquica reativa, uma defe-
detalhe dos atos obsessivos possuiriam um sa contra o impulso preso no inconsciente”
sentido que estaria em conexão com as ex- (Berlinck, 2005, p. 154).

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Em Os Instintos e as suas Vicissitu- formada, como ansiedade social, ansiedade


des, Freud retoma a formação reativa, res- moral e autocensura ilimitada.
saltando que “o amor e o ódio não se ajus-
Segundo Freud, “as formações rea-
tam ao esquema dos instintos” (1915/1996,
tivas no ego do neurótico obsessivo [...] de-
p. 143). Convém lembrar que, na fase sádi-
vem ser consideradas [...] como ainda ou-
co-anal,2 o amor, pela luta pelo objeto, apa-
tro mecanismo de defesa e situadas ao lado
rece sob a forma de uma ânsia de dominar.
da regressão e da repressão” (1926/1996,
O amor, nesta fase, quase não se distingue
p. 116-117). Na neurose obsessiva, como
do ódio em sua atitude para com o objeto e,
há a regressão libidinal à fase anal-sádica,
segundo as sábias palavras de Freud, “só
intensifica-se o conflito entre o ego e o su-
depois de estabelecida a organização geni-
perego; uma vez que o superego torna-se
tal é que o amor se torna o oposto do ódio”
severo e rude, e o ego, em obediência a esta
(1915/1996, p.143). O ódio, enquanto re-
instância, desenvolve fortes formações rea-
lação com os objetos, é bem mais antigo
tivas sob a forma de consciência, piedade e
que o amor. O ódio provém do repúdio pri-
asseio. Na neurose obsessiva, a consolida-
mordial do ego narcisista ao mundo exter-
ção do superego, a edificação de barreiras
no. Se uma relação de amor com um dado
éticas e estéticas no ego e a dissolução do
objeto foi rompida, freqüentemente o ódio
surgirá em seu lugar, de modo que temos a complexo de Édipo são processos levados
impressão de uma transformação do amor muito longe do que é normal. Nos sintomas
em ódio. O ódio, neste contexto, pode vir a obsessivos há a impressão de que uma luta
ser reforçado por uma regressão do amor incessante está sendo travada contra o re-
à fase sádica. primido. Assim, nesta neurose, o conflito
entre as instâncias psíquicas tem uma par-
Freud reitera esta ambivalência
cela especialmente grande na formação dos
no artigo intitulado O Recalque. Segundo
sintomas obsessivos.
Freud, na neurose obsessiva, “o recalque,
no início, é cercado de êxito. O conteúdo Além da formação reativa, a neuro-
ideacional é rejeitado, fazendo com que o se obsessiva apresenta outros mecanismos
afeto desapareça” (1915/1996, p. 161). O de defesa. Nos sintomas obsessivos, encon-
recalque faz uso da formação da reação tram-se também o deslocamento, o isola-
para atingir este propósito, intensificando mento e a anulação. Sobre o deslocamen-
um oposto. É nesta ambivalência que cons- to, Freud assevera:
titui o ponto em que o reprimido consegue
retornar, momento este em que a idéia re- Os cerimoniais [obsessivos] se pren-
jeitada é substituída, por deslocamento, dem aos atos menores da vida co-
para algo pequeno ou indiferente. tidiana e se expressam através de
Na neurose obsessiva, o trabalho da restrições e regulamentações tolas
repressão se prolonga numa luta estéril e em conexão com eles. Só compre-
interminável. Conseqüentemente, a repres- endemos esse singular aspecto do
são, fazendo o uso da formação de reação, quadro clínico quando percebemos
atinge o seu propósito, intensificando o que os mecanismos do deslocamen-
amor em relação ao ódio. E a emoção de- to psíquico […] domina os processos
saparecida retorna, de uma forma trans- mentais da neurose obsessiva […].

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É nesta fase que a neurose obsessiva apresenta sua fixação libidinal

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Os simbolismos desses […] atos jacente dos cerimoniais obsessivos,


resultam de um deslocamento, da sendo o primeiro tomar precauções
substituição do elemento real e im- a fim de impedir a ocorrência ou re-
portante por um trivial (1907/1996, corrência de algum evento específi-
p. 106). co (1926/1996, p. 120).

Pertence à etiologia da neurose Nos atos cerimoniais, o mecanismo


obsessiva realizar a mais plena utilização da anulação está presente como um meio
possível do mecanismo do deslocamento, de desfazer um evento específico, momen-
pois o simbolismo presente em certos atos to este em que as fórmulas protetoras en-
cerimoniais são resultados do deslocamen- contram sua contrapartida nas fórmulas
to, da substituição de um elemento impor- da magia. A importância deste mecanismo
tante por um elemento banal, corriqueiro. para o cerimonial consiste no fato que, na
Conseqüentemente, essa tendência para o anulação, a primeira razão do cerimonial
deslocamento transforma um ato extrema- obsessivo é tomar precauções a fim de evi-
mente banal em algo da maior urgência e tar a ocorrência de um evento especifico e
importância. a segunda razão é a finalidade de desfazer,
implícito dos cerimoniais.
Ao publicar as Conferências Intro-
dutórias, Freud ressalta que “existe uma Freud define o mecanismo da anu-
coisa apenas, que ela [a neurose obsessi- lação ou a técnica de desfazer como uma
va] pode fazer: realizar deslocamentos, tro- “mágica negativa e que se esforça por meio
cas, pode substituir uma idéia absurda por do simbolismo motor por ‘dissipar com um
outra um pouco mais atenuada, em vez sopro’ [...] o próprio evento”(1926/1996, p.
de um cerimonial pode realizar um outro. 120). Nesta neurose, as duas partes do sin-
Pode deslocar a obsessão, mas não remo- toma geralmente encontram-se separadas.
vê-la” (1917/1996, p. 267). A possibilida- Conseqüentemente, o sintoma torna-se bi-
de de deslocar qualquer sintoma para algo fásico, ou seja, divide-se em dois estádios.
muito distante de sua conformação origi- Essa divisão em estádios consiste em duas
nal é uma das principais características da ações, uma depois da outra, as quais se
neurose obsessiva. A obsessão consiste em anulam reciprocamente. Assim, neste me-
deslocamentos para pequenos detalhes ou canismo, uma ação é cancelada por uma
minúcias, momento este em que o neuró- segunda, de modo que é como se nenhuma
tico obsessivo se preocupa com fatos apa- ação tivesse ocorrido, ao passo que, na re-
rentemente insignificantes. alidade, ambas ocorreram.

Além do deslocamento, a anula- Um exemplo deste mecanismo está


ção também é outro mecanismo presente presente em um ritual apresentado pelo
na neurose obsessiva. Para Freud: Homem dos Ratos. No dia em que a sua
amada devia partir, Lanzer “bateu com o
Na neurose obsessiva a técnica de seu pé numa pedra da estrada e foi obri-
desfazer o que foi feito é encontrada gado a afastá-la do caminho, pondo-a à
pela primeira vez nos sintomas ‘bi- beira da estrada, pois lhe veio a idéia ob-
fásicos’, nos quais uma ação é can- sessiva de que o carro dela iria passar [...]
celada por uma segunda, do modo pela mesma estrada e poderia acidentar-se
que é como se nenhuma ação tivesse nesta pedra” (Freud, 1909/1996, p. 167).
ocorrido, ao passo que, na realida- Minutos depois, o Homem dos Ratos pen-
de, ambas ocorreram. A finalidade sou que era um absurdo isso acontecer e
de desfazer é o segundo motivo sub- restitui a pedra à sua posição onde estava.

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Assim, o ato de retirar a pedra e, posterior- ordens mais antigas e fundamentais da neu-
mente, colocá-la no mesmo lugar exempli- rose obsessiva, o tabu de tocar” (1926/1996,
fica o mecanismo da anulação na dinâmica p. 122). Quando um neurótico isola uma im-
psíquica deste obsessivo. pressão, um pensamento ou uma atividade,
este sujeito está permitindo que se compre-
Além da anulação, o último meca-
enda simbolicamente que o mesmo não tole-
nismo de defesa presente na neurose ob-
ra que seus pensamentos sobre uma deter-
sessiva é o isolamento. Sobre este mecanis-
minada impressão ou atividade estabeleça
mo, Freud propõe:
uma associação com outros pensamentos.

O efeito desse isolamento é o mesmo


Em seu artigo “Mecanismos de De-
que o efeito da repressão com am-
fesa na Neurose Obsessiva”, Telles inter-
nésia e o isolamento recebe refor-
preta que:
ço motor para finalidades mágicas
[...]. O isolamento motor destina-se “a obsessão deve ficar separada
assegurar uma interrupção da liga- do desejo, assim como o sujeito de
ção do pensamento [...]. Enquanto o suas fezes. Daí no pensamento, de-
neurótico está empenhado em pen- sejo (obsessão ou fezes) não pode
sar, seu ego tem de manter muita encontrar-se com o objeto (realiza-
coisa afastada - a intrusão de fanta- ção do desejo) [...]. Mas não é o iso-
sias inconscientes e a manifestação lamento que explica a desconexão;
de tendências ambivalentes [...]. O ele apenas a possibilita e mantém.
ego fortifica essa compulsão a con- O isolamento é a conseqüência da
centrar e a isolar mediante a aju- necessidade prévia de impedir a
da dos atos mágicos de isolamento junção. Desse modo, tais mecanis-
que, sob a forma de sintoma, se de- mos de defesa (a anulação e o iso-
senvolvem, passando a ser tão dig- lamento) representam e realizam as
nos de nota e a ter tanta importân- duas faces contraditórias do proble-
cia prática para o paciente, mas que ma: mantém a proibição, e no mes-
são, naturalmente, inúteis em si e mo ato, são sua realização” (Berlin-
que têm a natureza de cerimoniais ck, 2005, p. 427).
(1926/1996, p. 120-121).
Assim, devido ao mecanismo do iso-
O isolamento, como a anulação, lamento, o pensamento obsessivo não entra
também ocorre na esfera motora. Neste me- em contato com o desejo recalcado. Conse-
canismo, a experiência é separada do seu quentemente, o obsessivo desenvolve rituais
que preservam os seus tabus, transparecen-
afeto e suas conexões associativas são su-
do, de um lado, toda a ambivalência entre o
pridas, permanecendo isoladas, não sendo
desejar e o temer, como também as pulsões
reproduzidas nos pensamentos obsessivos.
agressivas que o paralisam em seu dia a dia.
O ego, cuja função é orientar a corrente do
pensamento, realiza isolamentos nos pen-
samentos obsessivos devido ao alto grau de
tensão existente entre o superego, que na
neurose obsessiva torna-se cruel e rígido, e Conclusão
o id, pólo das pulsões destrutivas.
Freud entende que “nesse esforço Gostaria de iniciar esta conclusão
para impedir associações e ligações de pen- com as sábias palavras de Fenichel sobre
samento, o ego está obedecendo a uma das a neurose obsessiva e de seus respectivos

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mecanismos de defesa. Para este autor, “a Referências Bibliográficas


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Atheneu.
p. 64). Ao analisar um caso de neurose
obsessiva, não podemos nos esquecer de FREUD, S. (1996). As Neuropsicoses de
relevar cada mecanismo de defesa na com- Defesa. (J. Salomão, Trad.). In Edição
preensão da etiologia de cada sintoma; já Standard Brasileira das Obras Comple-
tas de Sigmund Freud ( vol. 3, pp. 51-
que cada paciente apresenta uma singula-
72). Rio de Janeiro: Imago. (Original pu-
ridade expressa por cada mecanismo em
blicado em 1894).
sua particularidade, denotando, em seu
sintoma, a sua história libidinal e identi- ______. (1996). Rascunho K. (J. Salomão,
ficatória. Trad.). In Edição Standard Brasileira
das Obras Completas de Sigmund Freud
Devemos enxergar, no sintoma ( vol. 1, pp. 263-267). Rio de Janeiro:
obsessivo, a particularidade de cada me- Imago. (Original publicado em 1896).
canismo defensivo, sempre relevando que
______. (1996). Observações Adicionais
as formações reativas estão a serviço das
sobre as Neuropsicoses de Defesa. (J.
hostilidades inconscientes e o isolamen-
Salomão, Trad.). In Edição Standard
to a serviço do tabu do tocar (o objeto de-
Brasileira das Obras Completas de Sig-
sejado que se tornou perdido para sem-
mund Freud (vol. 3, pp. 163-183). Rio de
pre). Por outro lado, a anulação está,
Janeiro: Imago. (Original publicado em
de certa forma, ligada à formação reati-
1896).
va, realizando um ato imaginário ou real
contrariamente ao que, real ou imagina- ______. (1996). Atos Obsessivos e Práticas
riamente, foi realizado, momento este em Religiosas. (J. Salomão, Trad.). In Edi-
que um segundo ato neutraliza o primei- ção Standard Brasileira das Obras Com-
ro, impossibilitando de que o neurótico pletas de Sigmund Freud (vol. 9, pp.
venha atuar a sua agressividade. 107-117). Rio de Janeiro: Imago. (Origi-
nal publicado em 1907).
Ao lado da anulação, nós temos o
isolamento. Neste mecanismo há a per- ______. (1996). Caráter e Erotismo Anal.
da da seqüência das conexões, isolando a (J. Salomão, Trad.). In Edição Standard
idéia da catexia emocional a ela vinculada. Brasileira das Obras Completas de Sig-
E, por último, o deslocamento vem a subs- mund Freud (vol. 9, pp. 157-164). Rio de
tituir os impulsos e desejos inconscientes Janeiro: Imago. (Original publicado em
por atos banais e corriqueiros expressos 1908).
por atos cerimoniais. Assim, estes quatro ______. (1996). Notas sobre um caso de
mecanismos de defesa podem ser conside- neurose obsessiva. In Edição Standard
rados como uma máscara que encobrem Brasileira das Obras Completas de Sig-
o sintoma, mas ao encobrir, revelam todos mund Freud (vol. 10, pp. 137- 273). Rio
os desejos recalcados, denotando a história de Janeiro: Imago. (Original publicado
singular de cada paciente. em 1909).

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Revista de Psicologia

______. (1996). Totem e Tabu. In Edição


Standard Brasileira das Obras Comple-
tas de Sigmund Freud (vol. 13, pp. 13-
163). Rio de Janeiro: Imago. (Original
publicado em 1913).
______. (1996). Conferência XIX – Resis-
tência e Repressão. In Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sig-
mund Freud (vol. 16, pp. 293-308). Rio
de Janeiro: Imago. (Original publicado
em 1917).
______. (1996). Inibições, Sintomas e Ansie-
dade. In Edição Standard Brasileira das
Obras Completas de Sigmund Freud (vol.
20, pp. 81-170). Rio de Janeiro: Imago.
(Original publicado em 1926).
______. (1996). Extratos dos Documentos
Dirigidos a Fliess. In Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sig-
mund Freud (vol. 1, pp. 219-331). Rio de
Janeiro: Imago. (Original publicado em
1950).

1
Graduado em Psicologia  pela Universidade Metodista de
Piracicaba (UNIMEP), Mestre em Psicologia pela PUC-SP e
doutorando em Psicologia Clínica pela PUC-SP, especificamente
no núcleo de Psicanálise. Atualmente é docente do Centro
Universitário Herminio Ometto (Araras/SP). O email para contato
é henriquescatolin@hotmail.com

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