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Boécio

Anício Mânlio Torquato Severino Boécio (em latim: Anicius Manlius Torquatus


Severinus Boethius, Roma, ca. 480 — Pavia, 524 ou 525), conhecido como Severino
Boécio ou simplesmente Boécio, foi um filósofo, poeta, estadista e teólogo romano, cujas
obras tiveram uma profunda influência na filosofia cristã do Medievo. Inclui-se entre os
fundadores da Escolástica.[1]
O Papa Leão XIII aprovou o culto a Boécio pela Diocese de Pavia, que guarda os seus
restos mortais na basílica de San Pietro in Ciel d'Oro e o festeja no dia 23 de outubro.[2]
Boécio notabilizou-se por sua tradução e comentário do Isagoge, de Porfírio, obra que
transformou-se num dos textos mais influentes da Filosofia medieval europeia. Traduziu,
comentou ou resumiu, entre outras obras dos clássicos gregos, para além
do Isagoge de Porfírio e do Organon de Aristóteles, vários tratados
sobre matemática, lógica e teologia. Notabilizou-se também como um dos teóricos da
música da antiguidade clássica greco-latina, escrevendo a obra De institutione musica,
também aparentemente com base em antigos escritos gregos. Sendo senador de Roma,
no ano de 510 foi nomeado cônsul e em 520 foi elevado a chefe do governo e dos serviços
da corte pelo rei ostrogótico Teodorico, o Grande (r. 474–526). Pouco depois, devido a
desacordos políticos e por ter apoiado um senador apontado pelo rei como traidor, foi ele
próprio acusado de traição a favor do Império Bizantino e de magia, sendo
subsequentemente torturado, condenado à morte e executado. Na prisão, enquanto
aguardava sua execução, escreveu De Consolatione Philosophiae (A Consolação da
Filosofia), obra que versa, entre outros temas, sobre o conceito de eternidade e na qual o
filósofo visa demonstrar que a procura da sabedoria e do amor de Deus é a verdadeira
fonte da felicidade humana.
Membro de uma família ligada ao então nascente cristianismo, Boécio é
considerado santo pela Igreja Católica Romana (desde 1883)[3][4] e pela Igreja Ortodoxa,
[5]
 pelo seu contributo para a teologia cristã e pelos serviços que prestou aos cristãos,
um mártir e um dos Padres da Igreja.

Índice

 1Biografia
 2Obras
 3Referências
 4Bibliografia
 5Ligações externas

Biografia
Iluminura de um manuscrito da De Consolatione Philosophiae, feita em Itália no ano de 1385,
mostrando Boécio a ensinar os seus pupilos.

Boécio na prisão (iluminura de um manuscrito da De Consolatione Philosophiae feito em Itália no


ano de 1385).

Tumba de Boécio em San Pietro in Ciel d'Oro, Pavia.

Anício Mânlio Severino Boécio nasceu em Roma por volta do ano 480, quando o Império
Romano do Ocidente vivia os seus últimos anos e quando na Europa a Antiguidade
Clássica já cedia lugar à Idade Média. Era filho de Flávio Mânlio Boécio, pertencente a
uma importante e antiga família patrícia dos Anícios, cristianizada há mais de um século,
que tinha dado a Roma vários cônsules e o imperador Anício Olíbrio. Na linha paterna
contava, pelo menos, dois papas e a linhagem materna incluía alguns imperadores
romanos. O pai seria feito cônsul em 487, já depois de Odoacro depor o último imperador
romano do ocidente. O pai faleceu pouco depois de ter sido nomeado cônsul, deixando
órfão Boécio com apenas sete anos, que em resultado foi educado por Quinto Aurélio
Mêmio Símaco (Quintus Aurelius Memmius Symmachus), amigo da família, também ele
um patrício e cristão pio.
Desconhece-se onde Boécio aprendeu a língua grega com tamanha proficiência e
profundidade e onde adquiriu os profundos conhecimentos sobre os autores clássicos
greco-latinos que a sua obra demonstra. Os documentos históricos conhecidos são
ambíguos, mas alguns estudiosos apontam como muito provável que tenha estudado
em Atenas ou em Alexandria, sendo esta última hipótese mais provável dado existirem
referências a um Boécio, talvez o seu pai, que seria, por volta do ano de 470, proctor de
uma escola daquela cidade.
Qualquer que tenha sido a sua origem, os conhecimentos de grego e de literatura e
filosofia grega que Boécio demonstrou estava muito além do que era então a norma,
mesmo para a classe mais educada, até porque se vivia um período de grande
conturbação social, marcado pelo desmoronar do Império e pelas invasões bárbaras, em
que o ensino estava em decadência e havia um marcado recuo no conhecimento da
filosofia clássica.
Casou com Rusticiana, uma filha do seu mentor Símaco, tendo, pelo menos dois filhos.
Seguindo a tradição familiar, era senador e em 510 foi escolhido cônsul, já quando Roma
se encontrava sob domínio dos ostrogodos.
Face à crescente escassez de pessoas com formação avançada, resultado das
convulsões do tempo e do declínio dos estudos clássicos, o jovem Severino Boécio entrou
ao serviço do rei ostrogótico Teodorico, o Grande (r. 474–526), sendo encarregado de
múltiplas funções de grande responsabilidade.
Por volta do ano 520, quando tinha cerca de 40 anos de idade, Severino Boécio já
ocupava a posição de mestre dos ofícios, posição correspondente à de governador da
corte e chefe dos serviços governamentais do rei Teodorico, o Grande. Reflectindo a
importância política e o prestígio do pai, os seus dois filhos foram escolhidos para co-
cônsules no ano de 522.
Acabou por se tornar amigo e confidente daquele rei, o que o não livraria de no ano
de 523 ser preso por sua ordem. A prisão ocorreu supostamente por Boécio ter defendido
abertamente o senador Albino, caído em desgraça e acusado de traição por ter escrito
uma missiva ao imperador bizantino Justino I queixando-se da governação de Teodorico.
Outras fontes acusam-no de estar envolvido numa conspiração para restaurar a república,
com o favor do imperador bizantino.
Estas acusações têm como enquadramento a profunda rivalidade política e religiosa
existente entre Justino I, um cristão ortodoxo imperador bizantino e Teodorico, que
defendia as teses do arianismo e pretendia manter o domínio sobre Roma. Apesar de no
ano de 520 se ter conseguido ultrapassar o cisma religioso existente entre o Império
Bizantino e Roma, as relações eram tensas e seguramente o helenismo de Boécio fazia
dele um alvo óbvio. Foi acessoriamente acusado de magia, por estar envolvido em
estudos de astrologia, algo então considerado como sacrílego, mas que ele negou
veementemente, atribuindo a sua prisão a difamação pelos seus rivais pessoais.
Qualquer que tenha sido a causa, foram-lhe retiradas todas as honras, viu os seus bens
confiscados e foi aprisionado em Pavia, onde foi torturado. Ainda assim, pôde escrever na
prisão a obra De Consolatione Philosophiae, um dos seus melhores trabalhos, na qual
reflecte sobre a instabilidade de um Estado cujo governo depende de um único homem,
como era o caso do rei Teodorico, e sobre conceitos metafísicos, entre os quais o conceito
de eternidade.
Por ordem de Teodorico, ratificada pelo Senado aparentemente sob coacção, foi
executado em Pávia em finais do ano de 524 ou princípios de 525, sem chegar a ser
julgado. Considerado desde logo como um mártir cristão, morto pela sua ortodoxia face
ao arianismo do rei, os seus restos mortais foram recolhidos e ainda hoje repousam
como relíquias num altar da basílica de San Pietro in Ciel d'Oro de Pavia.
Considerado o "Último dos Romanos" e o primeiro dos filósofos escolásticos, a fama de
Boécio foi duradoira, propagando-se através da suas obras, as quais serviram durante
a Idade Média europeia como forma de acesso à filosofia, à matemática e à música
da Antiguidade Clássica, com destaque para os autores greco-latinos.
O Bem-aventurado Severino Boécio é, também, afamado teólogo e padre da Igreja.
Venerado como mártir pela Igreja Católica Romana, Leão XIII sancionou seu culto público
para a Diocese de Pavia aos 25 de dezembro de 1883, Natal. É celebrado a 23 de
Outubro.
Em sua homenagem, o nome de Cratera Boécio foi dado a uma estrutura
da orografia da Lua e de Mercúrio.

Obras

A Filosofia conversa com Boécio. Iluminura da obra De Consolatione Philosophiae (Ghent, 1485).

Entre as obras de Boécio, a mais conhecida é De consolatione philosophiae (A


Consolação da Filosofia), sua última obra, escrita na prisão enquanto aguardava a
execução da pena de morte. É um texto neo-platónico, no qual a procura da sabedoria e
do amor de Deus é considerada como a verdadeira fonte da felicidade humana. Contudo,
toda a sua obra, e um esforço intelectual que ocupou toda a sua vida, foi uma tentativa
deliberada de preservar o conhecimento antigo, particularmente a filosofia, então em risco
face ao desmoronar do Império Romano e das suas estruturas sociais perante a chegada
das hordas de bárbaros incultos que submergiam a sociedade romana.
Tencionava traduzir do original grego para o latim e comentar todas as obras
de Aristóteles e traduzir e talvez comentar as de Platão, o que infelizmente não conseguiu.
Pretendia com isso restaurar as ideias daqueles pensadores e formar com elas um todo
harmónico. Neste labor, Boécio prosseguia o mesmo ideal de helenismo que já tinha
animado Cícero.
Apesar de não ter conseguido atingir o objectivo a que se propunha, ainda assim traduziu
os seis volumes de lógica do Organon de Aristóteles, com o seus comentários gregos,
num trabalho que produziu a única porção significativa das obras de Aristóteles disponíveis
na Europa até ao século XII. Algumas das suas traduções aparecem enriquecidas com o
seu próprio comentário, reflectindo os conceitos aristotélicos e platónicos que perfilhava. É
o caso da sua tradução de Topica de Aristóteles, onde as bases retóricas do inventio são
apresentadas numa perspectiva bem diferente da original.
Outras obras de Boécio que teve profunda repercussão no pensamento europeu foi a sua
tradução comentada do Isagoge de Porfírio, feita antes do ano 510, na qual ele ressalta
o problema dos universais, discutindo se os conceitos são entidades auto-subsistentes,
isto é que existiriam independentes do pensamento, ou se eles são meramente ideias cuja
existência é resultado directo do pensamento. Este tópico, relativo à
natureza ontológica das ideias universais alimentou um das controvérsias mais duradouras
da filosofia medieval, com reflexos que atingem a filosofia contemporânea.
Também traduziu, por volta do ano 511 e quando era cônsul, o
tratado Categorias (Kategoriai) e escreveu comentários ao tratado Sobre a
Interpretação (Peri hermeneias), ambos de Aristóteles. Um curto comentário a outra das
obras de Aristóteles, a Análise Prévia (Analytika Protera), bem como dois curtos textos
sobre silogismos também parecem datar desta época.
Para além de obras de Filosofia, Boécio também traduziu, acrescentando-lhes muito do
seu pensamento, textos gregos de carácter didáctico, cobrindo os tópicos do Quadrívio.
Entre esses textos destacam-se os relativos aos campos da aritmética e da música, que
são conhecidos, e que são baseados em textos didácticos de Nicómaco de Gerasa, um
matemático palestiniano do século I. Pouco sobreviveu da parte do Quadrívio relativa
à geometria e perdeu-se toda a parte referente à astronomia.
Apesar de hoje incompletas, as suas obras para o Quadrívio, foram, na acepção moderna
do termo, um dos manuais que serviram de base à educação europeia durante muitos
séculos.
Boécio também escreveu trabalhos sobre teologia, em boa parte propondo argumentos
para suportar a ortodoxia cristã contra o arianismo e o debate de temas importantes
da cristologia da época. A autoria desses trabalhos foi frequentemente disputada, em parte
por uma aparente falta de congruência com a sua obra De Consolatione Philosophiae,
onde não é feita qualquer menção a Cristo ou a conceitos claramente cristãos. Contudo, a
descoberta de uma sua biografia, escrita pelo seu contemporâneo e colega
senador Cassiodoro, veio afastar essas dúvidas. Naquela biografia, Cassiodoro aponta-o
como um poeta, autor de um poema pastoril, tradutor dos clássicos gregos, e como
um orador consagrado, a quem coubera fazer o eulogio do rei Odoacro.
A Roda de Boécio, ou mais comummente a Roda da Fortuna, foi um conceito explicitado
por Boécio na sua De Consolatione Philosophiae que ganhou grande popularidade por
toda a Europa durante a Idade Média e que ainda mantém actualidade. Baseia-se na
aceitação de que a sorte dos indivíduos se alterna, permitindo que os ricos e poderosos
sejam humilhados e destruídos e que os desprotegidos possam ascender à grandeza.
Múltiplas obras de arte, pictóricas, escultóricas, poemas e textos vários, incluindo
composições musicais recentes (como a canção Wheel in the Sky da banda rock Journey).
Boécio é autor de múltiplas obras, das quais as mais conhecidas são:

 De categoricis syllogismis
 De consolatione philosophiae ou Philosophiae consolatio
 De differentiis topicis, comentário a Topica de Cícero
 De divisione
 De fide catholica
 De institutione arithmetica
 De institutione musica
 Quomodo trinitas unus Deus ac non tres dii ou De Trinitate
 Geometria Euclidis a Boethio in latinum translata
 Introductio ad syllogismos categoricos
 Liber contra Eutychen et Nestorium
 Tractatus Theologici
 Quomodo substantiae in eo, quod sint, bonae sint ou De hebdomadibus
 Utrum Pater et Filius et Spiritus sanctus de diuinitate substantialiter
praedicentur
 In Porphyrii Isagogen commentorum editio prima, tradução e comentário
à Isagoge de Porfírio
 Tradução e comentário dos tratados de lógica de Aristóteles

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