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AULA 5 - OFICINA DE ESTUDOS LITERÁRIOS I – O TEMA DA

VIOLÊNCIA NA MPB

Tema da aula: Formação e conformação hegemônica do imaginário de massa


urbano
Aspecto fundamental: analisar a dinâmica da produção e do consumo da cultura

no Brasil.

Estratégias para melhor desenvolver a questão:

1) Examinar manifestações culturais que ocorrem no país, verificando, em

primeiro lugar, em que grupos se originam e o que representam para

eles.

2) Analisar como são encaradas estas manifestações culturais pelo restante

da sociedade e em que momento e porque motivos elas são apropriadas e

reelaboradas por outros grupos.

3) Estudar os mecanismos através dos quais certas manifestações culturais

que estavam inicialmente restritas a determinadas classes sociais

tornam-se uma prática disseminada em toda sociedade e são

ressamantizadas e transformadas em símbolos nacionais, assumindo um

caráter de identidade brasileira.

Objeto de observação: O Carnaval

- Manifestação cultural de origem europeia

- Até 1930, mantida com aspectos muito pouco brasileiros e

sob a hegemonia das classes dominantes.


- Quando as classes populares começam a criar formas

próprias e nacionais de brincar o carnaval, estas são inicialmente perseguidas,

depois toleradas e finalmente apropriadas – através do Estado e dos meios de

comunicação de massa – e transformadas em símbolos nacionais.

Elemento de singularidade: O Brasil é um país com imensas desigualdades

socias e econômicas, na qual se verifica uma tendência de transformar

manifestações culturais em símbolos de coesão social, que são manipulados

como formas de identidade nacional.

- Procurando conhecer melhor as articulações entre o que é tradicionalmente

chamado de cultura popular e o que tradicionalmente é chamado de cultura

dominante, verificamos dois tipos de movimentos opostos:

1º. Ocorre quando as classes dominantes se apropriam, reelaboram e

posteriormente transformam em símbolos nacionais manifestações culturais

originalmente restritas às camadas populares e que frequentemente eram

reprimidas pelo Estado.

A volta do boêmio (Adelino Moreira/1956)

Boemia, aqui me tens de regresso


e suplicante te peço
a minha nova inscrição
Voltei, pra rever os amigos que um dia
eu deixei a chorar de alegria,
me acompanha o meu violão
Boemia, sabendo que andei distante
sei que essa gente falante
vai agora ironizar
Ele voltou, o boêmio voltou novamente
partiu daqui tão contente
por que razão quer voltar?
Acontece, que a mulher que floriu meu caminho
de ternura, meiguice e carinho,
sendo a vida do meu coração
Compreendeu, e abraçou-me dizendo a sorrir:
meu amor você pode partir,
não esqueça o seu violão
Vá rever, os seus rios, seus montes, cascatas,
vá sonhar em novas serenatas
e abraçar seus amigos leais
Vá embora, pois me resta o consolo e a alegria
de saber que depois da boemia
é de mim que você gosta mais

2º. Percorre trajetória inversa e ocorre quando as classes populares se

apropriam, reelaboram e posteriormente transformam em símbolos nacionais

manifestações culturais originalmente restritas às classes dominantes e que

frequentemente lhes conferiam uma marca de distinção.

MULATA ASSANHADA (Ataulfo Alves -1956)


Ô, mulata assanhada
Que passa com graça
Fazendo pirraça
Fingindo inocente
Tirando o sossego da gente!

Ah! Mulata se eu pudesse


E se meu dinheiro desse
Eu te dava sem pensar
Esta terra, este céu, este mar
E ela finge que não sabe
Que tem feitiço no olhar!

Ai, meu Deus, que bom seria


Se voltasse a escravidão
Eu pegava a escurinha
E prendia no meu coração!...
E depois a pretoria
Resolvia a questão!

- O que há de comum a ambos os movimentos?

a) Apropriação de expressões de outros grupos.


b) A recodificação e introdução num outro circuito no qual os elementos

são dotados de novo significado e, portanto, utilizados de forma a

afetar seu significado original.

c) O processo de ressemantização envolve um grau de complexidade

bem maior do que pode parecer à primeira vista, já que, além da

relação entre a cultura popular e a cultura hegemônica, envolve

também a intervenção do Estado e ação dos meios de comunicação de

massa.

TRÊS MOVIMENTOS DO PROCESSO DE DOMINAÇÃO CULTURAL

1) REJEIÇÃO – A cultura popular é vista como “delito” ou “desordem” e

contra ela são acionados os aparelhos repressivos.

SAUDOSA MALOCA (Adoniran Barbosa – 1951)

Si o senhor não está lembrado


Dá licença de contá
Que aqui onde agora está
Esse edifício arto
Era uma casa velha
Um palacete assobradado
Foi aqui seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construímos nossa maloca
Mais, um dia
Nós nem pode se alembrar
Veio os homi cas ferramenta
Que o dono mandô derrubá
Peguemo todas nossas coisa
E fumos pro meio da rua
Apreciar a demolição
Que tristeza que nós sentia
Cada táuba que caía
Doía no coração
Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
Os homi tá cá razão
Nós arranja outro lugar

Só se conformemo quando o Joca falou:


"Deus dá o frio conforme o cobertor"
E hoje nóis pega a páia nas grama do jardim

E prá esquecê nóis cantemos assim:


Saudosa maloca, maloca querida,
Que dim donde nóis passemos dias feliz de nossa vida.

2) DOMESTICAÇÃO – O aparelho científico das classes dominantes é

utilizado para separar os componentes da cultura popular considerados

perigosos daqueles considerados apenas figurativos ou exóticos. Esta é a

fase da dominação simbólica que se caracteriza pelos registros,

conceituações, tipologias, interpretações, teorias e modelos.

DEIXE ESSA VERGONHA DE LADO (Odair José – 1973)

Eu já sei que essa casa onde você diz morar


Onde todo dia no portão eu venho lhe esperar
não é a sua casa
Eu já sei que o seu quarto fica lá no fundo
E se você pudesse fugia desse mundo e nunca mais voltava
Eu já sei que esse garoto que você leva pra brincar
E que todo dia na escola você vai buscar
não é o seu irmão
Ele é filho dessa gente importante
E às vezes também é seu por um instante
Apenas dentro do seu coração

Deixe essa vergonha de lado!


Pois nada disso tem valor
Por você ser uma simples empregada
não vai modificar o meu amor

Eu já sei porque você não me convida pra entrar


E se falo nessas coisas, você procura disfarçar
Fingindo não entender
Eu já sei porque você não me apresenta seus pais
Eu entendo a razão de tudo isso que você faz:
É medo de me perder
Eu já sei que na verdade nada disso você quis
você simplesmente pensou em ser feliz
Aí, não quis dizer
Mas você tem uma coisa, pode ter certeza
O amor que você tem por mim é a maior riqueza
Que eu preciso ter

Deixe essa vergonha de lado!


Pois nada disso tem valor
Por você ser uma simples empregada
não vai modificar o meu amor.

3) RECUPERAÇÃO – Ação simultânea dos aparelhos ideológicos e da

indústria cultural transforma as expressões culturais das classes

dominadas em itens codificados de museus e exposições, em mercadoria

exótica para consumo turísticos, em instrumentos ideológicos de

inculcação pedagógica, etc.

ASSUM PRETO (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira – 1950)


Tudo em vorta é só beleza
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor (bis)
Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá de mió (bis)
Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá (bis)
Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus.
MANIFESTAÇÕES DE OPOSIÇÃO/INTERVENÇÃO QUE IMPLICAM

EM CONSTANTE REPOSICIONAMENTO DOS GRUPOS SOCIAIS NA

DINÂMICA DAS RELAÇÕES DE CLASSE

CONSTRUÇÃO (Chico Buarque – 1971)


Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último


Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina


Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague

Morro Velho (Milton Nascimento – 1967)

No sertão da minha terra, fazenda é o camarada que ao chão se deu


Fez a obrigação com força, parece até que tudo aquilo ali é seu
Só poder sentar no morro e ver tudo verdinho, lindo a crescer
Orgulhoso camarada, de viola em vez de enxada
Filho do branco e do preto, correndo pela estrada atrás de passarinho
Pela plantação adentro, crescendo os dois meninos, sempre pequeninos
Peixe bom dá no riacho de água tão limpinha, dá pro fundo ver
Orgulhoso camarada, conta histórias prá moçada

Filho do senhor vai embora, tempo de estudos na cidade grande


Parte, tem os olhos tristes, deixando o companheiro na estação distante
Não me esqueça, amigo, eu vou voltar, some longe o trenzinho ao deus-dará

Quando volta já é outro, trouxe até sinhá mocinha pra apresentar


Linda como a luz da lua que em lugar nenhum rebrilha como lá
Já tem nome de doutor, e agora na fazenda é quem vai mandar
E seu velho camarada, já não brinca, mas trabalha.

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