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Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

DIÁRIOS DE BORDO: EXPERIÊNCIA ESTÉTICA COM PROFESSORES EM


FORMAÇÃO INICIAL
Wilson Cardoso Junior
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo
O projeto Diários de Bordo é um subprojeto interdisciplinar que envolve
departamentos de Fundamentos da Educação e de Didática, tendo por objetivo incentivar
práticas artísticas junto a graduandos em pedagogia e de diferentes licenciaturas de modo a
favorecer experiências estéticas em suas formações iniciais uma vez que investigamos, no
projeto mãe, a contribuição de uma formação estética, inicial e continuada, para as práticas
do professor de ensino básico.
A partir das aulas ministradas nos cursos de didática, didática especial e filosofia da
educação, visamos favorecer um ambiente de pesquisa participativa no qual temos
proposto, aos alunos, a confecção de trabalhos artísticos que lhes permitam refletir as
possibilidades de construção de conhecimento através do uso do corpo, do som, de
imagens e textos em suas diversas plataformas através da criação de trabalhos estético-
visuais que são expostos e debatidos em aulas-vernissage abertas ao público. Os alunos são
orientados a partirem de conceitos abordados nas aulas e buscar expressá-los através da
confecção de uma obra o que os leva a reverem conceitos de linguagem, arte e cultura, de
modo a experimentarem uma noção de cultura artística em sentido ampliado.
Nas aulas-vernissage os trabalhos são debatidos pelo público presente, inclusive
pelos alunos sem que, entretanto, seja concedido ao aluno-artista explicar a própria obra,
com o que intencionamos que experimentem a multivocidade significativa dos
conhecimentos estabelecidos esteticamente.
Ao final do processo, cada aluno é convidado a escrever sua vivência e a
compartilhar com todos no sentido de refletir, avaliar e auxiliar-nos a sistematizar as
experiências.
No âmbito dessa apresentação traremos a ação pedagógica empreendida junto a
licenciandos da área das artes visuais, considerando de especial interesse que, justamente
junto a estudantes que já lidam com experiências estéticas, essa inserção tenha-lhes
parecido uma novidade, ao menos no território acadêmico, como veremos em seus
depoimentos.

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Palavras-Chave: Estética, Currículo, Cultura


Introdução
Na contemporaneidade a formação cultural e artística dos indivíduos vem
recebendo destaque uma vez que se entende que esta formação permite-lhes uma inserção
mais consciente e crítica nos valores simbólicos e estéticos forjados no seio das culturas,
além da compreensão mais profunda das práticas e tecnologias que formalizam o
cotidiano, não a partir de um entendimento teórico prescritivo, mas pela imersão nas
configurações das artes do fazer humano (Durand, 1988; Geertz, 1997; Certeau, 1994).
No anseio social desta formação notamos a ênfase que as escolas, municípios e
estados têm dado à divulgação de suas realizações artísticas seja através dos currículos
escolares do ensino regular, ou através da realização de projetos específicos que adentram
espaços educativos não formais como Museus, Centros Culturais e Organizações Não
Governamentais ligadas às artes através de suas ações educativas.
A ênfase nessas ações e a valorização do ensino de arte junto à sociedade nos
remetem à necessidade de promover modos para formar o/a professor/a de artes visuais,
aprofundando-o/a na experiência estética e artística para garantir a reflexão, produção e
fruição necessárias que lhe assegurem um estado de agentes e autores culturais junto a seus
futuros alunos/as. Tal formação também tem se mostrado fundamental na medida em que
professores/as, instituições escolares e governos reconhecem a dimensão estética da
sociedade que, através de diferentes plataformas, impregna toda forma de conteúdo e
informação, passando a ser objeto de estudo e produção escolares e universitárias.
Para pensarmos tal formação adotaremos como premissas alguns preceitos de
Canclini (2012), Dewey (2010), Durand (1988) e Geertz (1997), considerando pontos de
encontro e de complementação nos pensamentos destes autores.
Como já nos apontou Durand (1988, p. 23-39), a aproximação subjetiva do sujeito
com o mundo circundante, em um sentido semiológico, implica admitir o pensamento
simbólico e indireto como formador de conhecimento válido em oposição “à pedagogia do
saber, como vem sendo instituída há dez séculos no Ocidente”, pautada em uma
racionalidade que nega valor à experiência sensível.
Este entendimento propõe que, através da atitude sensível reflexiva e receptiva dos
homens para com os objetos, ocorre uma intensificação do sujeito frente ao seu estado de
prazer e de harmonia, tratando-se de uma experiência ligada àquilo que é anterior à
determinação do conhecimento racional-formal já adquirido e às determinações dos objetos

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na intervenção dos conceitos: o mundo dos objetos enquanto representação genuína.


Assim, Durand (1988, p. 35) aponta que “como uma certa gnose, o símbolo é
“conhecimento beatificante”, um “conhecimento salvador” que não necessita de um
intermediário social, isto é, sacramental e eclesial”.
De outro lado, entendemos que é inevitável, em tempo de pós-estruturalismo,
notarmos a dimensão estrutural que o autor sustenta ao reportar suas reflexões a um
princípio primeiro: o de considerar a existência prévia de schèmes matriciais que seriam a
base da formação original dos símbolos.
Geertz (1997, p. 142-181) tem nos ajudado a dar conta desta questão sugerindo a
indissociabilidade dos pares opostos criados pelo pensamento racional formal e pelos quais
se têm tentado abordar a questão estética e a manifestação artística enquanto estética. Ou
seja, nem significado, nem significante, ao serem partes constitutivas de uma mesma
manifestação, podem determinar um ao outro. Ao mesmo tempo, são mutuamente
estruturantes e estruturados um no outro. Em seus estudos o autor irá propor que tanto é
inadequado pensar a arte separando forma e conteúdo, quanto separando a manifestação
estética da localidade concreta na qual esta se forma, seja em relação às suas tecnologias,
ou em relação a seus significados e coloca que (Id, p. 179):
Teremos que nos dedicar a uma espécie de história natural de indicadores e de
símbolos, uma etnografia dos veículos que transmitem significados. Tais
indicadores e símbolos, tais transmissores de significado, desempenham um papel
na vida de uma sociedade, e é isso que lhes permite existir. (...) O que desejamos é
que os poderes analíticos da teoria semiótica – sejam esses os de Pierce, Saussure,
Lévi-Strauss ou Goodman – não sejam utilizados em uma investigação de
indicadores abstratos, e sim no tipo de investigação que os examine em seu habitat
natural – o universo cotidiano em que os seres olham, nomeiam, escutam e fazem.

Assim, tenta sanar a remissão aos princípios primeiros e universais, devolvendo a


experiência estética à uma concretude social e lembrando que “expor a estrutura de uma
obra artística e explicar seus impactos são coisas bem diferentes” (Id, ibd).
Dewey (2010, p. 109-143), por sua vez, sugere que a busca a um princípio primeiro
e também a construção de discursos que pretendem apresentar uma conclusão sobre a
experiência são exercícios mentais e construções de pensamento posteriores, não inerentes
à experiência sensível. Deste modo, como em Geertz, propõe que um discurso sobre a
experiência não significa a experiência em si. Para o autor, a existência é experiência,
porém nem toda experiência é estética. A experiência estética deweyana é aquela que se
distingue das inumeráveis experiências cotidianas - muitas delas automatizadas -,
apresentando-se ao sujeito como um processo completo, cuja “conclusão’ não é uma coisa

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distinta e independente; é a consumação de um movimento” (Id., p. 113). Em suas


palavras, “essa experiência é um todo e carrega em si seu caráter individualizador e
autossuficiente” (Id., p. 110). Nesta perspectiva, Dewey vai apontar a fruição da arte como
um tipo privilegiado de experiência estética uma vez que busca e permite a completude
daquilo que se experimenta. Deste modo entende tal experiência não apenas como
resultado de apreciação, mas como resultante, também, dos processos de criação da própria
arte:
A relação existente ao se ter uma experiência entre o agir e o ficar sujeito a algo,
indicam que a distinção entre o estético e o artístico não pode ser levada a ponto de
se tornar uma separação. A perfeição na execução não pode ser medida ou definida
em termos da execução; implica aqueles que percebem e desfrutam o produto
executado (id., p. 127).

Adiante, conclui que “o processo da arte em produção relaciona-se organicamente


com o estético na percepção” (Id., p. 130).
Por fim, o filósofo nos ajudará a pensar a experiência estética não apenas como
vivência perceptiva, mas criativa, ao falar do trabalho do artista, recorrendo à capacidade
humana da imaginação e sugerindo que um projeto “sendo artístico, pressupõe um período
anterior de gestação, no qual os atos e percepções projetados na imaginação interagem e se
modificam mutuamente” (Id., p. 134).
Canclini, ecoa Geertz e, na trilha sociológica, põe em suspenso a estética filosófica
moderna ao inquiri-la enquanto instrumento da independência e autocontenção das práticas
artísticas que delimitou quem tinha legitimidade para dizer o que é arte. Ele pergunta: “É
possível estender esta noção de arte a sociedades não modernas nem ocidentais?” (2012, p.
38). Na obra em que se propõe a pensar a arte como iminência – “as obras tratam os fatos
como acontecimentos que estão a ponto de ser” (Id., p. 20) – em um mundo (globalizado)
marcado por incertezas que, diante de insignificâncias e discordâncias de relatos não
consegue articular uma orientação histórica e um modelo de desenvolvimento social – “a
sociedade sem relato” -, ele questiona a universalidade da arte. O autor sustenta que a arte
encontra-se numa época pós-autônoma – “(...) o entrelaçamento da prática artística com as
demais é tamanha que põe em suspenso as noções de mundo da arte (Becker) e de campo
da arte (Bourdieu)” (Id., p. 22) – em que é possível compreender como a estética filosófica
separou a arte de seus condicionamentos externos (Id, p. 37):
A estética filosófica procurou universalizar a sua reflexão, mas estava associada ao
desenvolvimento da modernidade européia, da razão ilustrada ou do romantismo. O
pensamento estético foi intérprete da autonomização da arte quando do capitalismo e
a secularização geraram instituições específicas e públicos dispostos a se

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relacionarem com as obras usando critérios de avaliação diferentes dos empregados


pelos poderes religiosos ou políticos. O traço predominante das estéticas modernas
foi o que Kant denominou objetos construídos, seguindo uma finalidade sem fim; nas
palavras de Umberto Eco, as experiências nas quais as formas prevalecem sobre a
função.

A proposta de Canclini, atuando na fronteira entre ciências sociais e estéticas,


ultrapassa o confinamento disciplinar da arte e, no contexto dessa pesquisa, permite-nos
uma via de conversação em que a produção artística/criação estética dos alunos podem ser
concebidas não como uma mensagem explícita a ser decifrada, mas como obras que abrem
conversas que geram mais conversas e permitem a expressão e a ressignificação de
sentidos, a produção de conhecimentos e a afirmação da possibilidade de novas relações
com o real que ensaie “uma visão da arte expandida pelas zonas da vida social, sem obrigá-
la a representar ‘estratégias de distinção’, a exercer ‘violência simbólica’ ou dominação
dos legítimos sobre os demais.” (Id., p. 30).
Em decorrência das questões acima colocadas, investimos na hipótese de que uma
formação estética permitirá aos professores no exercício de sua profissão olhares
inovadores para as relações com o mundo, sensibilizando-os para novos significados
possíveis à experiência e à lida com os objetos do conhecimento e com os modos de gerar
o conhecimento através da produção criativa e imaginativa, contribuindo para uma
formação que visa o protagonismo, a originalidade e novas formas de atuação na escola.
Dentro desta perspectiva, tem nos motivado a preocupação com certo triunfo de
uma racionalidade discursiva e cientificista e buscamos experimentar outra racionalidade
possível à construção dos conhecimentos e à formação inicial dos professores,
legitimando-a por si mesma e investindo na premissa de que seu desenvolvimento traz o
incremento da capacidade imaginativa, criativa, original e de protagonismo dos sujeitos.
Tais problematizações nos levaram a concentrarmo-nos na investigação e
compreensão de modos pelos quais possamos lograr experiências estéticas significativas na
formação inicial dos futuros professores que não se pautem na necessidade de legitimação
por via de balizadores extrínsecos à própria experiência sensível, bem como avaliar sua
significação e permanência para esses alunos.

De nossa organização: que conteúdos curriculares abordamos e com que formas de


tratamento didático

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Buscamos trabalhar um conteúdo centrado na experimentação, uso e


desenvolvimento da experiência estética, tomando-a por experiência de cognição. Aqui não
consideramos a imagem, ou o som, ou o corpo como conteúdos em si, mas o próprio
sentido estético do homem como conteúdo a ser desenvolvido na formação do professor de
Artes Visuais.
Assim, propusemos aos alunos a elaboração de trabalhos artísticos, chamados
Diários de Bordo, que se caracterizam pela realização de uma criação artística que dê
significado ao processo trabalhado em sala de aula, durante o curso, e que são apresentadas
coletivamente em aula-vernissage aberta ao público da universidade.
Nesta perspectiva, acreditamos que isto se caracterize como um método didático, se
o entendermos como a constituição de práticas que permitem a experiência por parte dos
alunos, como coloca Charlot (2001, p 18):
Quando a didática abre-se assim à questão da relação com o saber, ela deixa de
pressupor o "Eu epistêmico" (o sujeito do conhecimento racional) como já
constituído e à espera, de algum modo, de condições didáticas que lhe permitirão
nutrir-se do saber de forma exemplar. Ela se indaga sobre a própria constituição do
Eu epistêmico; portanto, sobre suas relações com o "Eu empírico" (com um sujeito
portador de experiências que, inevitavelmente, ele já buscou interpretar).

É justamente o investimento nas formas de saber que se estabelecem pelo "Eu


empírico" e pelas possibilidades multívocas das interpretações e significações das
experiências que nos possibilita pensar a produção de arte como meio didático e
simultaneamente autônomo de formação estética dos futuros professores, não restringindo
a formação artística nem ao exercício linguístico formal e lexical que parte de um modelo
exemplar de visualidade e de domínio técnico, nem à racionalização da experiência estética
por via de um conhecimento conceitual e desafetado das filosofias estéticas e/ou das
teorias fundadas na crítica e na historia da arte, normalmente, ocidental.
Ainda na perspectiva proposta por Charlot (Id, p 20), "aprender é também
apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo
mesmo... que existe antes que eu a aprenda, exterior a mim", é, portanto, "a conexão entre
o sujeito e o saber, entre o saber e o sujeito".
Temos tentado enfrentar essa dialética da relação sujeito/saber com a elaboração
dos Diários de Bordo justamente na medida em que não observamos a formação estética a
partir de conteúdos a serem assimilados, mas pelo esforço interno e sensível do sujeito em
seu próprio enfrentamento ao criar a obra e nos debates que estabelece com ela e com seu
grupo maior - seus colegas de classe e seu público geral -, no intuito de multiplicar seus

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meios de conexão às infinitas possibilidades de significação. Cremos que essa perspectiva


auxilie a construção de uma relação de autoria com o saber e com a experiência, tendo
vistas, por um lado, ao aspecto de que o estabelecimento de significados construídos pela
arte e por sua produção tem uma subjetividade intransponível e positiva na direção
apontada por Geertz (1997, p 148) ao colocar que "os meios através dos quais a arte se
expressa e o sentimento pela vida que os estimula são inseparáveis"; e, por outro lado, à
possibilidade aventada por Dewey de que o exercício artístico é organicamente constituído
junto à possibilidade de fruição artística, resultando que fazer arte nos forma na
sensibilidade estética.
Na experiência aqui relatada, que ocorreu em 2013, envolvendo duas turmas de
licenciandos em artes visuais e desenho, propusemos que as aulas-vernissage servissem
como avaliação de curso realizado em 2012, uma vez que as obras apresentadas pelos
alunos deveriam significar seus processos em sala de aula.
A dinâmica da aula-vernissage incluía um primeiro momento de montagem dos
trabalhos para exposição; a abertura da exposição; a visitação por todos os presentes e por
fim um debate sobre as obras apresentadas.
Qualquer pessoa presente poderia comentar qualquer um dos trabalhos, fosse por
empatia ou antipatia, fosse para compartilhar alguma interpretação que tenha lhe parecido
interessante. Neste momento, foi vetado ao aluno-artista comentar sua própria obra com o
que intencionamos proporcionar, de um lado, interpretações sobre as obras que fossem
desprovidas de explicações cujo sentido fosse dado pelo próprio autor e, de outro,
estimular a experiência do autor em suportar leituras possíveis e díspares de seu trabalho
que não foram intencionadas no momento de criação. Por fim e ao final os autores
poderiam falar de suas obras apresentando suas intencionalidades e debatendo, na medida
do desejável, os olhares deflagrados por seu público.

De como os alunos-artistas viveram essa experiência


Solicitamos a alunos-artistas que nos apresentassem relatos escritos acerca da
experiência na realização dos Diários de Bordo. Estimamos, a início, que tal proposta
didática não lhes apresentaria grandes desafios em relação à forma, uma vez que estariam
acostumados à prática artística. Para nossa surpresa seus textos avaliativos anunciam outra
realidade.

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No âmbito das relações de educação, ou seja, na perspectiva de um ensinamento


das artes em ambiente de formação acadêmica, esses alunos idealizavam um curso com
uma perspectiva teórica mais conceitual, pautada no discurso verbal e no modelo exemplar
para que a relação ensino/aprendizagem viesse a tomar forma, fosse em suas próprias
aprendizagens, fosse na aquisição de um modelo didático para ser aplicado nas escolas.
Entretanto, a proposta foi bem aceita e simbolizou uma fratura com o padrão estabelecido
no ensinamento universitário que, pareceu, privilegia, ainda, construções teórico-racionais
em detrimento das experimentações sensíveis, como observaremos em alguns recortes de
textos avaliativos que apresentamos a seguir.

Aluno 1:
Nos reunimos com a turma da professora A no dia 26 de Fevereiro de 2013 afim de
realizar uma exposição com trabalhos plásticos baseados nas nossas experiência no
campo de estágio. A princípio, me preparei para falar do meu trabalho mas, para a
minha surpresa, nos sentamos no chão para falarmos sobre o trabalho do outro. A
turma estava muito inibida pra falar, não sei se por conta das câmeras ou por conta
do evento, da exposição. (...)
O que eu concluí deste evento? Muito bom! Este espaço de debate deveria ser
frequente nas nossas aulas de formação. Promove reflexão, desenvolvimento de
pensamento crítico, interação com os colegas das outras turmas e com outros
professores, trocas de experiência e de quebra é uma fonte de referência para os
nossos trabalhos plásticos, para a nossa formação como professor e como cidadãos
no mundo.

Aluno 2:
Em primeiro lugar, adorei chegar à sala e sentir um clima de vernissage, só faltou um
coquetel para complementar.

Aluno 3:
Gostei muito dos trabalhos! Mas achei que o momento da roda, aberto às discussões,
ficou muito travado. Acredito que tenha sido pela presença da câmera, que acaba
inibindo os mais tímidos, e por incrível que pareça, até os mais falantes se
manifestaram pouco.

Aluno 4:
Achei boa a proposta da dinâmica da apresentação, porque é sempre mais difícil
falar do trabalho dos outros do que do nosso próprio.

Aluno 5:
É muito diferente analisar trabalhos de alunos (refere-se a alunos do ensino básico) e
analisar trabalhos de colegas. Antes de dizer algo sobre o trabalho de alguém eu
penso se não interpretei-o de forma errada, como não gostaria que o meu fosse
interpretado, ou se minha análise seria tão pouco óbvia e profunda, diferente de

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como os senhores professores (refere-se, no caso, aos professores pesquisadores que


conduziram a aula-vernissage) o fazem.

Aluno 6:
A dinâmica proporcionou maior interação entre os discentes e também entre
discentes e docentes pelo fato de estarem duas turmas juntas. Fugiu da rotina, pois
havia outros olhares e maneiras de se colocar diferentes das aulas de todas as terças.

Aluno 7:
Criar uma aproximação entre o conhecimento do aluno e o conhecimento do
professor é fundamental, pelo menos deveria, para qualquer metodologia do ensino
da arte. Contudo, o que vemos é uma grande preocupação em justificar o ensino das
artes visuais nas escolas através de currículos racionalistas, axiomáticos,
eurocêntricos.

Aluno 8:
Meu diário de bordo remonta os principais acontecimentos compreendidos entre os
meses de abril de 2012 e fevereiro de 2013. O diário contêm imagens, desenhos,
frases e simbologias que resumem situações ocorridas não só no campo do estágio,
mas também durante as aulas da faculdade e na minha vida pessoal. (...)
Cada página foi trabalhada e pensada com intimidade e carinho. Pensar sobre esses
acontecimentos faziam parte da criação de cada tema, afinal eu queria mostrar da
forma mais clara possível o que eu passei e o quanto mudei durante esses dias. Por
mais que o curso de Licenciatura não exija uma monografia, o diário de bordo serviu
muito bem como tal instrumento.

Aluno 9:
As questões colocadas, em sua maioria, eram de denúncia ao ensino da arte, da
maneira como é conduzido e pensado nas escolas, e poucos relatavam ou expunham
situações positivas do ensino da arte.
Os trabalhos estavam muito interessantes e me chamou atenção que muitos se
preocupavam com o fato do ensino artístico ser pré-determinado e exercido como as
outras disciplinas, preocupado com o cumprimento de um currículo acadêmico
lançando matéria atrás de matéria, massificando o aluno que, por isso, deixa de
vivenciar a arte como experiência, como construção do pensamento crítico e
formação cultural.

Aluno 10:
Achei perturbador ter que elaborar esteticamente uma questão de meu estágio.
Entendo que os professores devem incentivar nossa prática artística, mas não me
sentia confiante em expor algo relacionado a esse tema. Realizo trabalhos de
ilustrações, e essa forma de expor meus trabalhos é onde me sinto mais confiante em
fazer o que me é pedido.
Talvez a insegurança tenha vindo relacionada ao próprio estágio, quando comecei a
pensar na minha elaboração, estava pensando também em regências e talvez por isso
tenha gasto toda minha capacidade de ser desinibida, toda minha capacidade crítica
nestas e sobrando tão pouco em minha elaboração e verbalização sobre os trabalhos
de meus colegas. O fato que pude perceber e me deixou mais descontente com essa
apresentação foi o de as pessoas não entenderem o ponto principal de meu trabalho,
mas como disse. Talvez a culpa seja minha por não ter pensado melhor nele, para

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que a obra falasse por si só. Meu consolo é que nós talvez interpretemos errado até
mesmo as obras e poesias dos mais famosos artistas e poetas!

Aluno 11:
Quando me deparei com a tarefa de criar um diário de bordo, senti que teria
dificuldades em expressar talvez de maneira mais enfática as minhas experiências.
Foi quando então visualizei à distância todo o leque de possibilidades do qual
poderia criar, vi elementos separados e decidi que meu foco seria uni-los, alguns
desses elementos seriam as aulas mais marcantes que tive com a professora A e
outros o contato com a escola e com os alunos.

De como avaliamos o processo de realização didática dos diários de bordo


Ao encerrarmos essa aula-vernissage, no escopo deste projeto, nossa equipe
usufruiu um rápido sentimento de satisfação e de percepção que apontávamos para um
caminho por nós desejado. Os relatos dos alunos que apresentam sensações, sentimentos,
momentos ora de zanga, ora de vitória, a satisfação com a ruptura de algumas estruturas
rígidas que permeiam as relações e ensino/aprendizagem e as instituições que sistematizam
essas relações, a frustração de se sentirem expostos ao olhar do outro, a dificuldade de
romper padrões éticos para falarem do outro, as angústias relacionadas aos olhares que
trazem de si e, por fim, os modos pelos quais esses "elementos separados" podem ser
unidos, sintetizavam um pouco daquilo que buscávamos ao propormos a experiência
estética na contraface de aulas universitárias conceituais, discursivas e lineares.
A ambiguidade expressa nas falas, as complexidades, as contraditoriedades e os
paradoxos, o confronto com aquilo que não pode ser acertado parece-nos ser o
tangenciamento com o que Durand (1988, p 19) definiu por "modo de conhecimento
jamais adequado, jamais objetivo, pois nunca atingiu um objeto", um conhecimento que se
estabelece pela semiótica do contato com o símbolo.
Ao analisar nossa proposta pelo paradigma da experiência que é dada, mas que
nunca poderá ser plenamente apreendida, a realização dos Diários de Bordo e a aulas-
vernissage cumpriram o tipo de provocação que queríamos proporcionar a nossos alunos e
permitiram, como intencionamos em relação a uma sensibilidade estética, gerar
conhecimento e estabelecer relações com o mundo a partir da criação de novos elos e
significações para os objetos cognoscíveis que, parece-nos, acontece privilegiadamente no
sentido multívoco que um símbolo ganha ao ser vivenciado artisticamente e que pode ser
dado à experimentação, mas não pode, nunca, reduzir-se à explicação lógico-formal.

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A surpresa, de nosso lado, ficou por conta de percebermos que, mesmo em uma
turma de licenciatura em educação artística, essa prática surgiu como alijada – totalmente
ou quase totalmente – da prática de construção de conhecimentos dentro da faculdade,
corroborando nossa presunção de que o conhecimento valorizado e construído na academia
ainda é eminentemente pautado em raciocínios que visam o modelo e a aproximação com
uma lógica formal na busca de balizadores verdadeiros e unívocos do objeto a ser
conhecido.
Essas questões, em um primeiro momento, nos levam a considerar que tais
metodologias em sala de aula não poderiam ser tão pontuais e cabe-nos pensar
metodologicamente como expandir a experiência de produção artística e de provocação
estética a outros momentos e situações do curso.
A partir daí, temos sido levados a rever insistentemente a literatura disponível
acerca de uma educação estética dos sujeitos e mais especificamente do professor.
Notoriamente, pela subjetividade e multivocidade do objeto investigado, essa não
tem sido uma tarefa fácil. Se, por um lado, majoritariamente, os depoimentos dos alunos-
artistas indica-nos que trilhamos um caminho desejável, mantém-se em suspensão a árdua
tentativa de imprimir e melhorar justificativas, aparentemente unívocas, a essa formação
didática o que seria, por si, contraditório, uma vez que nossa defesa primeira é em relação
a todo conhecimento que não se conforma às normas da cientificidade acadêmica, mas que,
intuímos, é válido.
Ademais de considerarmos os relatos de nossos alunos que nos dão indícios da
importância de tal iniciativa na medida em que problematizam a inércia instituída por
práticas didáticas da Universidade que sustentam “o cumprimento de um currículo
acadêmico lançando matéria atrás de matéria, massificando o aluno” e que reconhecem a
fragmentação dos conhecimentos – não só os acadêmicos, mas os conhecimentos
constitutivos dos sujeitos aprendentes - que necessitam ser incorporados: “vi elementos
separados e decidi que meu foco seria uni-los”-; observamos a insuficiência de aportes– na
perspectiva de um entendimento estético-sensível – que nos auxilie em uma revisão não
apenas metodológico-didática, mas de consideração às formas do conhecimento humano e
de delimitação de seus objetos.

Bibliografia
CANCLINI, Nestor G. A Sociedade sem Relato: antropologia e estética da iminência. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

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CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994.

CHARLOT, Bernard (org). Os jovens e o saber: perspectivas mundiais. Porto Alegre:


Artmed Editora, 2001.

DEWEY, John. Arte como Experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

DURAND, Gilbert. A Imaginação Simbólica. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1988.

GEERTZ, Clifford. O Saber Local. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

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