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O PARADIGMA DO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E A CONDIÇÃO DO

IDOSO

A Constituição Federal de 1988 insere-se dentro da fase que podemos


denominar constitucionalismo social. O marco desta fase remonta à Constituição Alemã de
1948 e à Carta Constitucional Italiana, que é do mesmo período. Todavia, alguns dos
princípios que inspiraram as referidas constituições já existiam consagrados nas
Constituições de Weimar e Mexicana, elaboradas na segunda década do século passado. O
constitucionalismo social está assentado em uma visão solidarista, produzindo um modelo
de Estado interventor, que discrepa do modelo de Estado mínimo  do liberalismo. Este
Estado de "bem-estar" consagrado pela Constituição de 1988 tem por fundamentos
a dignidade da pessoa humana (artigo 1º. inc. III, da CF/88) e a cidadania (artigo 1º, inc.
II), e como objetivos "construir uma sociedade livre, justa e solidária" (artigo 3º. inc. I, da
CF/88) e "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação" (artigo 3º, inciso IV, da CF/88).
Estes artigos careciam, todavia, de regulamentação para que pudessem ir além de
meras pautas jurídicas. Assim foi que para o caso das crianças e adolescentes foi criado o
ECA, apenas dois anos depois de vigente a Constituição.
O mesmo, porém, não ocorreu em relação aos idosos, com quem o legislador
permaneceu em mora, que somente recentemente foi resgatada com o advento da Lei nº
10.741/03.

ABRANGÊNCIA

São atributos da norma jurídica a generalidade e a abstratividade. Por isso, a


norma jurídica trabalha, invariavelmente, com parâmetros objetivos. As condições
peculiares de cada indivíduo, não podem, portanto, sempre serem valoradas.
Exemplos de hipóteses em que a imperativa utilização de parâmetros objetivos é
necessária e nem sempre corresponde ao caso posto em análise são o da menoridade penal e
da aplicação de medias sócio-educativas somente para os indivíduos com idade superior a
12 anos. Um jovem de 11 anos pode ter mais desenvolvimento psíquico que um de 17.
DIREITOS FUNDAMENTAIS: ALGUMAS PONTUAÇÕES

O artigo 2º da lei afirma que "o idoso goza de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades,
para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual,
espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade". Trata-se de verdadeira
superfetação, pois é óbvio que a idade não é critério de aplicação dos direitos fundamentais
assegurados na Constituição Federal, em especial, no artigo 5º.
Importante foi, porém, carrear especificamente ao Estado, à família, à comunidade
e à sociedade a obrigação de dar materialização aos direitos dos idosos, pois com esta
especificação, ainda que genérica, rompe-se com a tradição jurídica de tratar do problema
do idoso sob a ótica privatista do direito civil. Esta especificação de obrigação à sociedade
e à comunidade bem espelha uma visão solidarista do Direito que deve nortear o intérprete-
aplicador.
Em complemento, o artigo 5º verbera que "a inobservância das normas de
prevenção importará em responsabilidade à pessoa física ou jurídica nos termos da lei".
De suma importância, igualmente, o artigo 9º, que estabelece ser "obrigação do
Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de
políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de
dignidade".
O artigo 27 também vem por fim, ao menos parcialmente, à questão do limite de
idade para concursos e vem positivar critério que já era acolhido pela jurisprudência, ou
seja, o de que limitações ao ingresso em cargo público somente podem ser estabelecidas em
vista das condições peculiares do seu exercício (2), e jamais de forma arbitrária, genérica
ou injustificada em vista das atribuições.
O artigo 37 estabelece o direito "a moradia digna, no seio da família natural ou
substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em
instituição pública ou privada". E como fica a situação dos carentes? Foi criada uma
obrigação de prover moradia digna ao idoso carente?
A questão da possibilidade de compelir-se o Estado a atuar em vista de casos
isolados para prover condições de vida é espinhosa e demanda reflexões. Há um nítido
confronto de valores constitucionais. De um lado, a necessidade de aplicar de forma efetiva
os direitos sociais e individuais indisponíveis, de outro os vetores da legalidade
da separação de poderes e as limitações orçamentárias.
Corre-se o risco de transformar o Poder Judiciário em sucedâneo da instância
administrativa, imiscuindo-se na questão da alocagem de recursos, em típica atividade
administrativa. Mas também há o risco de transformar-se direitos fundamentais em letra
morta.
Trata-se de uma opção mais política do que jurídica, e se nos parece que o bom
senso recomenda a intervenção jurisdicional em casos graves, sempre observados os
vetores da razoabilidade e proporcionalidade.
Direito que demanda urgente concretização é o previsto no artigo 40, com a
seguinte redação:
"Art. 40- No sistema de transporte coletivo interestadual
observar-se-á, nos termos da legislação específica:
I - a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para
idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-
mínimos;
II - desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no
valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas
gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-
mínimos.
Parágrafo único. Caberá aos órgãos competentes definir os
mecanismos e os critérios para o exercício dos direitos
previstos nos incisos I e II".

O idoso tem direito ao convívio familiar e é notório que as dificuldades financeiras


acabam, em muitos casos, a impedir que possa utilizar-se de serviços de transporte para
visitar familiares. Com a centralização dos serviços de saúde nas capitais e cidades de
maior porte, o transporte também tem reflexo direto na questão da saúde.
Referida norma foi regulamentada pelo Decreto nº 5.130/04, aplicando-se o
benefício para as pessoas com idade superior a 60 anos. A Associação Brasileira das
Empresas de Transporte de Terrestre de Passageiros (ABRATI), ingressou com ação
cautelar (nº 20004.34.00.022884-3) na 14ª Vara de Fazenda Pública de Brasília, onde
logrou acolhida em pedido de liminar para impedir que a ANTT e o Governo Federal
apliquem punições às empresas pelo descumprimento da norma questionada na referida
demanda.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres ingressou com agravo onde foram
suspensos os efeitos da liminar. A ABRATI, ingressou, porém, com mandado de
segurança (nº 2004.01.00037268-5) e obteve, no dia 25/08/2004, restauração da liminar
cassada.
Alguns dos argumentos expendidos na ação mandamental de fato merecem
reflexão, como, por exemplo a comprovação de renda por documento de recolhimento do
INSS, pois o valor recolhido pelo beneficiário nem sempre espelha sua renda.
Outro aspecto que não atendeu à melhor técnica jurídica encontra-se no artigo 9º
do Decreto 5.130/04 (3), pois este delega para a ANTT a tipificação de condutas
correspondentes às infrações, o que parece violar o artigo 5º, inc. II, da CF/88, de modo que
somente lei em sentido formal poderia tratar da matéria.

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