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FILOSOFIA

DO DIREITO – JOÃ O LORDELO

A ULA 6 - PRINCIPA IS MÉTODOS DA HERMENÊUTICA JURÍDICA CONSTITUCIONA L

1. PRINCIPAIS MÉTODOS DA HERMENÊUTICA JURÍDICA CONSTITUCIONAL

C omo visto, a hermenêutica jurídica é uma ciência que estuda os métodos e princípios da

interpretação jurídica. O prefixo da hermenêutica, vem de Hermes, o deus grego mensageiro.

Nesse sentido, hermenêutica tem relação com mensagem, com significado passado por meio de

elementos linguísticos.

A hermenêutica constitucional é o pedaço mais relevante, pois é o mais complexo, dado

que a C onstituição, depois de um paradigma pós-positivista, transformou-se em um documento

complexo, com uma força normativa própria, com carga principiológica alta e, ao mesmo tempo,

reconhecendo os princípios como espécies de norma ao lado das regras.

A interpretação da C onstituição é o que há de mais importante na interpretação jurídica.

Este tema é muito cobrado em concursos públicos, de modo que as questões costumam vincular

um determinado autor a uma ideia ou um título de um autor específico a uma ideia.

OBSERVA ÇÃ O: Quando o aluno pensar em hermenêutica jurídica, deve-se ter em mente

os princípios e métodos interpretativos, pois este é o objeto da ciência da hermenêutica jurídica.

Nesta aula serão abordados os métodos, pois existem milhares de princípios, que são

muito aplicados, especificamente, no campo do controle de constitucionalidade, como o princípio

da interpretação conforme a constituição, do efeito integrador, da unidade, que são muito

cobrados.

Os métodos, diferentemente dos princípios, traduzem concepções gerais a respeito do que

deve ser a atividade de interpretar, ou seja, os métodos são gerais, sendo, portanto, uma forma

de compreender a atividade interpretativa como um todo. P or outro lado, os princípios

interpretativos funcionam como postulados que orientam a aplicação de outras normas, seguindo

o entendimento de Humberto Ávila. Assim, o princípio do efeito integrador, por exemplo, orienta a

tomada de decisão no momento de interpretar uma determinada norma.

IMPORTA NTE: Em síntese, os métodos são paradigmas interpretativos.

1.1 HERMENÊUTICO CLÁ SSICO OU JURÍDICO (ERNEST FORSTHOFT)

ATENÇÃ O! É necessário saber o nome do método, o autor e a ideia, pois isto é objeto de

cobrança em concurso público.

O método hermenêutico clássico ou jurídico é vinculado ao autor Ernest

Forsthoft, que é o autor de referência nesse método.

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O método hermenêutico clássico ou jurídico entende que a atividade de interpretação

jurídica deve valer-se dos elementos clássicos da interpretação, ou seja, dos princípios clássicos que

são trazidos, por exemplo, por Savigny.

OBSERVA ÇÃ O: O Savigny trata dos critérios clássicos, como o método lógico, gramatical,

sistemático, histórico. Lembre-se, portanto, que o método teleológico não veio de Savigny.

C umpre destacar que o método hermenêutico clássico lida com constituições de um

período anterior ao neoconstitucionalismo por se valer de critérios de interpretação mais antigos,

simples, menos complexos, que não são completos e aplicáveis a situação atual.

Logo, esse método vale-se de critérios clássicos que são os preconizados por Savigny, mas

a crítica que se faz é que esses métodos são insuficientes diante da complexidade da

interpretação jurídica nos dias de hoje, o que não significa que deva ser completamente

abandonado.

1.2 CIENTÍFICO- ESPIRITUA L (RUDOLF SMEND)

O termo espiritual é muito utilizado em Alemão, com a ideia da ciência do espírito, das

virtudes, utilizando a palavra para se referir a algo metafísico, que vai além do sensitivo.

Rudolf Smend diz que a interpretação não deve se limitar a análise da literalidade de um

texto jurídico, pois quando se interpreta um texto jurídico existem elementos ocultos, porque

denomina-se de método científico espiritual, no sentido de que há algo que não se enxerga.

P ortanto, o intérprete deve considerar a realidade social e também os valores subjacentes ao

texto, ou seja, o enunciado a ser interpretado.

EXEMPLO: Imagine a situação de um indivíduo que entra em um ônibus que possui uma

placa proibindo a entrada de cachorro e que um cidadão entre nesse mesmo ônibus com um

rinoceronte. Nesse sentido, motorista advertirá essa pessoa acerca da placa. Ocorre que o

indivíduo alega que a proibição diz respeito aos cachorros apenas.

C om relação ao exemplo dado acima, se fosse utilizado o método literal, gramatical, que é

um dos critérios clássicos, não haveria violação da norma. P orém, Rudolf Smend argumenta a

relevância de levar em conta os valores subjacentes ao texto e o que pode ser atingido por meio

de um critério, que não foi trazido por Savigny, que é o teleológico, no sentido de analisar qual o

objetivo do legislador no caso, chegando a compreensão de que o que leva a proibição da entrada

de cachorros no transporte público também se aplica aos rinocerontes.

P ara esse método, o Estado, o Direito e a C onstituição são elementos culturais, de modo

que é relevante levar em consideração a realidade social, as razões de ser do Estado, a cultura de

um povo, moral e todos os valores que estão por trás de uma norma jurídica. Assim, a

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interpretação é a integração de todos esses valores.

ATENÇÃ O! Em síntese, a ideia de Rudolf Smend é valer-se de valores subjacentes

ao texto ou enunciado. Importante gravar essa expressão.

A crítica que se pode fazer ao método é a de que este gera uma certa insegurança jurídica,

uma vez que tratar da realidade social, que não gera tanta certeza na atividade interpretativa.

Assim, poderia ser utilizado esse argumento com a alegação de que o método literal e gramatical

é o único que seria capaz de gerar segurança. P orém, cumpre destacar que esta é uma crítica

limitada que os críticos fazem com vistas a adotar uma postura mais conservadora, haja vista que

este método (científico-espiritual) é menos conservador por levar em consideração elementos de

fora do texto.

1.3 TÓPICO- PROBLEMÁTICO (THEODOR V IEHWEG)

O método tópico-problemático leva em consideração a ideia de que a interpretação jurídica

deve partir do problema para a norma e não da norma para o problema. Viehweg foi um dos

primeiros autores a analisar o direito de uma forma desvinculada dos valores próprios das ciências

naturais, pois nasceu em uma época em que havia uma atenção cientificista muito grande, com a

compreensão de que o direito era uma ciência social e, como tal, deveria ser testado a luz dos

critérios das ciências naturais.

O império das ciências naturais é algo que remonta até séculos antes do Iluminismo, com a

ideia do ser humano como um agente capaz de controlar a natureza, pois, recordando tempos

anteriores, os gregos viviam em contemplação, admiração da natureza, de modo que esta era

imaginada como um produto da ordem racional, harmônica e, até mesmo, divina, que deveria ser

mimetizada pelos seres humanos.

No Iluminismo, esta compreensão se inverte por completo, pois, apesar de se retomarem

valores clássicos humanistas, o ser humano entra em contato com a natureza de outra forma,

pois acredita que pode controlar a natureza, e esta é uma grande ideia da modernidade, que

surgiu de forma concomitante com o paradigma positivista e também influenciou o nascimento do

positivismo jurídico.

O positivismo jurídico é um fenômeno muito complexo, que, ao ser analisado detidamente,

chega-se a conclusão de que todos são positivistas, pois acreditam que o direito é um produto

cultural e não algo dado por uma divindade ou razão. P orém, há um positivismo mais radical e

outro menos, tanto é que o paradigma pós positivista não anula o positivismo, mas simplesmente

o torna menos radical.

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No momento de desenvolvimento deste método, o direito é visto como uma ciência social.

Ocorre que não faz muito tempo que a antropologia e a sociologia tinham ideias bastante

estranhas na tentativa de abraçar técnicas e métodos das ciências naturais que depois revelaram-

se rudimentares. P or exemplo, os frenologistas que acreditavam que a inteligência da pessoa -

que é um atributo metafísico - teria uma relação com o tamanho do cérebro, o que foi

desmistificado a partir do tamanho do cérebro de Kant, que não era muito grande e era

considerado um gênio. Além disso, a ideia do criminoso nato e o entendimento Lombrosiano são

teorias que tentaram trazer para o direito um paradigma das ciências naturais que acabou

gerando muito preconceito, eugenia.

Desse modo, Viehweg chegou a conclusão de que o direito não era visto como uma ciência

exata, mas está muito mais próximo da retórica do que das ciências naturais. P ortanto, o direito é

um ambiente de argumentação, convencimento e consenso.

C umpre destacar, ainda, a proximidade deste pensamento com Habermas e P erelman,

por meio da compreensão de que é preciso pensar no direito a partir de um discurso, de modo que

este prevalecerá a partir de um método, que pode ser arbitrário - imposição - ou democrático, que

ocorre a partir da construção de um consenso em um ambiente em que todos possam participar e

opinar, o que é também preocupação de Habermas com a democracia procedimentalista.

Viehweg percebeu que o direito não seria uma ciência natural, mas sim um ramo do

conhecimento argumentativo. Logo, quando se está diante de um problema jurídico, não se deve

recorrer a norma como se houvesse um império absoluto desta, mas deve-se partir do problema.

Assim, primeiro pensa-se em uma solução que se reputa razoável, pois o direito é mais retórico do

que ciência natural, de modo que apenas posteriormente é que se parte para o direito para tentar

fundamentar o resultado encontrado.

Dessa forma, partir do problema para a norma, em tese, não é errado por si só, mas

desde que se respeite alguns limites, pois a melhor solução interpretativa é a que convencer mais

pessoas, ou seja, a que conseguir chegar em um consenso. Esse, portanto, é o método tópico-

problemático.

IMPORTA NTE: Método tópico-problemático: parte do problema para o direito.

As críticas são variadas, em razão de que geraria um casuísmo ilimitado, ou seja, seria

possível decidir qualquer coisa sobre qualquer coisa. Nesse sentido, com o método tópico

problemático pode-se convencer alguém de que o quadrado é redondo.

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Lembre-se de Sócrates, pai da filosofia, que chegava em competições de retórica atrasado

e pedia para que os sofistas resumissem tudo que haviam dito antes de sua chegada com o

intuito de desconstruir todo o floreio argumentativo. P ortanto, os que criticam este método,

afirmam que pode gerar este floreio da argumentação, fazendo com que o texto seja

desvalorizado, devendo a interpretação partir da norma e não do problema, o que poderia gerar

uma desvalorização do texto e da jurisprudência, já que cada caso poderia chegar a uma solução

diferente a depender do ambiente da discussão.

Além disso, poderia ocorrer a desvalorização também da jurisprudência, uma vez que cada

caso poderia chegar a uma conclusão diferente, a depender do ambiente em que está sendo

discutido. Isso acontece muito nos tribunais eleitorais, que chegam a diversas conclusões o tempo

todo, pois a composição não é fixa.

1.4 HERMENÊUTICO- CONCRETIZA DOR (KONRA D HESSE)

Hesse opõe-se fortemente ao método tópico-problemático, pois questiona a ideia de sair

do problema para a norma, afirmando deve ser feito o movimento contrário, uma vez que deve-

se conhecer o direito primeiro para depois saber uma resposta adequada. P or isso, o autor

defende a ideia de um círculo fechado de intérpretes, entendendo que a interpretação jurídica

deve ficar a cabo de juristas e não de qualquer pessoa.

Segundo Hesse, a interpretação pressupõe um problema concreto, em que a aplicação e a

interpretação do direito ocorrem da mesma forma, ou seja, interpretar seria, acima de tudo,

aplicar o direito. Assim, aplicar e interpretar o direito são duas atividades que se realizam de forma

conjunta. Além disso, a atividade ocorre diante de um caso concreto, assim como pressupõe um

conhecimento da norma, pois deve-se partir da norma para o problema e não do problema para a

norma. Logo, haveria um círculo fechado de intérpretes constitucionais.

Este autor também é um defensor da força normativa da C onstituição e confrontou muito

Ferdinand Lassale, que defendia a existência de dois tipos de constituição, uma real e outra

escrita. A real seria a soma dos poderes efetivos, ou seja, a soma dos poderes que, de fato, ditam

o poder em determinado país, dos fatores reais de poder. Assim, Lassale dizia que se a

constituição escrita não reflete o que é a constituição real, a constituição escrita não passaria de

uma folha de papel. Dessa forma, a constituição escrita deve corresponder a real, no sentido

sociológico, que diz respeito a ideia da soma dos fatores reais de poder.

P ara Hesse, ainda que a constituição não corresponda a realidade, é importante ter em

mente que a constituição escrita sempre terá uma força normativa, ainda que sirva apenas como

parâmetro para o controle de constitucionalidade. Assim, a constituição possui uma força inata,

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independentemente dos fatores reais de poder, de modo que se está sendo descumprida, há uma
violação à constituição, não deixando de haver a mesma (não acarreta em uma não constituição).

Destarte, para Lassale, se a constituição não corresponde aos fatores reais de poder, ela é

uma constituição irreal. Em contrapartida, para Hesse, a constituição escrita é a que importa e, se

não corresponde à realidade, está sendo descumprida, de modo que as autoridades devem

restaurar sua força normativa.

P or fim, Hesse opõe-se a Viehwge, pois parte da norma para o problema, assim como

opõe-se a Lassale por compreender a constituição no seu sentido normativo, não havendo

compreensão sociológica, que é uma norma imperativa

1.5 NORMATIV O ESTRUTURA NTE (FRIEDRICH MULLER)

Muller é um dos autores mais influentes da interpretação jurídica atualmente e entende

que a interpretação do direito é uma etapa da concretização das normas jurídicas. Segundo o

autor, o texto é apenas uma parte (a ponta do iceberg), que irá gerar a norma, de modo o texto

não se confunde com a norma, haja vista que esta é o produto da interpretação, ou seja, a norma

é concretizada a partir da interpretação do texto.

Desse modo, norma e texto são elementos diferentes, sendo o texto elemento simbólico,

que não se confunde com o domínio normativo que é a realidade.

A maior contribuição de Muller é a compreensão de que existe uma realidade normatizada,

de modo que esta é repleta de textos, que são criados pelo legislador. No entanto, os textos

precisam ser interpretados de acordo com a realidade, assim como elementos políticos,

dogmáticos, doutrinários, jurisprudenciais, econômicos, pois não são a norma. Esta compreensão

tem grande influência na teoria dos precedentes, uma vez que um mesmo texto pode gerar

normas diferentes e até mesmo antagônicas, a depender do momento histórico.

EXEMPLO: Uma placa de proibição do uso de biquíni em uma praia nos anos 60 pode

significar que isso é considerado um ato muito exposto, tendo, portanto, o objetivo de fazer com

que as mulheres usem um maiô ou traje de banho que cubra mais o corpo. Todavia, a mesma

placa pode ser posta em uma praia nos tempos de hoje, podendo ser interpretada como proibição

de biquíni com o intuito de realizar nudismo por se tratar de praia de nudismo. Ou seja, o mesmo

texto gera consequências distintas de acordo com o momento e local em que a placa está

localizada.

Esses elementos são uma realidade subjacentes, políticos, históricos e circunstâncias

próprias que mudam a interpretação do texto. A constituição americana possui poucos artigos e é

mutante porque permite diversas interpretações, pois texto é diferente de norma.

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1.6 MÉTODO CONCRETISTA DA CONSTITUIÇÃ O A BERTA (PETER HÄ BERLE)

Segundo Häberle, todo cidadão é um interprete constitucional. Assim, a C onstituição não

deve ser um texto interpretado unicamente por juristas ou por ministros de uma Suprema C orte,

de modo que a C onstituição tem a sua interpretação afetada a qualquer pessoa, pois qualquer um

é destinatário da norma, devendo, portanto, participar da interpretação, o que concretiza a

democracia. É algo próximo da auto legislação de Habermas.

Esse método da C onstituição aberta fundamenta o instituto do amicus curiae, que no C P C

2015, passou a ser considerado uma forma de intervenção de terceiros. Nesse sentido, o amicus

curiae é uma pessoa física ou jurídica que tem autoridade reconhecida em um determinado tema
e irá manifestar para enriquecer o debate, demonstrando a devida pertinência temática. P or

exemplo, o amicus curiae tem sido utilizado no âmbito do STF nas discussões a respeito da

descriminalização do aborto por meio da oitiva de instituições de proteção a mulher, instituições

religiosas, de modo que todos possuem o direito a falar, uma vez que são destinatários da norma.

P or fim, para Haberle, tem-se uma sociedade aberta de intérpretes constitucionais. Além

disso, opõe-se a Hesse, que fala em um círculo fechado de intérpretes jurídicos.

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