Você está na página 1de 6

FILOSOFIA

DO DIREITO – JOÃ O LORDELO

A ULA 2 - SENTIDO ESTRITO DE JUSTIÇA COMO V A LOR JURÍDICO - POLÍTICO

1. SENTIDO ESTRITO DE JUSTIÇA COMO VALOR JURÍDICO- POLÍTICO

A justiça como valor jurídico-político é desenvolvida por uma série de autores. O elemento

comum é a ideia de que a justiça não é um dado apriorístico, mas sim uma construção social,

produto da cultura humana. Trata-se de uma visão positivista do direito, pois, nesse caso, o direito

é algo construído.

Essa compreensão é interessante dado que as pessoas costumam ver o positivismo como

algo ruim, mas, em alguma medida, todos são positivistas.

No livro de Dimitri Dimoulis, "O P ositivismo Jurídico", o autor declara a dificuldade em

conceituar o positivismo jurídico, destacando que o principal elemento do conceito é que o direito é

uma construção social.

1.1. KELSEN

P ara Kelsen, não é possível falar em critério único de justiça. P or essa razão, o autor tentou

desenvolver uma teoria dogmática do direito, não se preocupando com critério de justiça válido

universalmente.

Em realidade, a justiça está ligada à noção de felicidade (visão Aristotélica), que se revela

bastante variável nas pessoas e no tempo. Dessa forma, o justo para os Maias é diferente do

justo para quem está em algum lugar do Brasil.

Atualmente, há uma certa homogeneidade em diversos aspectos, mas existem pontos

fortes de dissenso. P or exemplo, a questão do aborto é puramente moral, pois tem-se a vida da

mãe e a do feto. Se a pessoa compreende que o justo é valorizar sempre o feto, tem-se um

critério. Entretanto, se há valorização sempre da mãe, outro critério é fixado.

P artindo dessa premissa, esse ponto revela que justiça e moral ainda são muito próximas,

de modo que é preciso pensar na relação entre direito e moral atualmente, uma vez que, na

antiguidade, ética, moral, direito e política eram conceitos iguais.

ATENÇÃ O: Hoje, o que prevalece é que os conceitos não são iguais, mas existem

intercessões.

Na questão do aborto, muito se discute se cabe ao STF decidir acerca dessa questão. O

professor afirma ser favorável ao aborto atendendo a algumas circunstâncias, de modo que não

seria razoável permitir no nono ou oitavo mês ou a partir do desenvolvimento do sistema nervoso.

Ocorre que trata-se de uma opinião moral que não pode ser imposta.

Curso Ênfase © 2019


1
Filosofia do Direito – João Lordelo
Aula2 - SENTIDO ESTRITO DE JUSTIÇA COMO VALOR JURÍDICO - POLÍTICO

Desse modo, parece complicado permitir ao Judiciário decidir a respeito da positivação de

questões morais, que deveriam ficar a cargo do Legislativo.

1.2. JOHN RA WLS

John Rawls defende o chamado liberalismo igualitário.

Em sua origem, o liberalismo não era democrático, pois convivia com a escravidão e

descriminação da mulher e dos povos indígenas, sendo algo perverso em diversos aspectos. A

título de exemplo, quanto às comunidades indígenas, o liberalismo foi mais perverso na origem do

que as autoridades católicas da Idade Média, uma vez que o tratamento que os indígenas

recebiam da Igreja era melhor do que o aplicado após as revoluções liberais. Isso ocorreu devido

às revoluções liberais partirem da ideia de extermínio, ao passo que a Igreja parte da ideia de

assimilação, buscando catequizar os povos indígenas.

Desse modo, o liberalismo não nasceu democrático, todavia, ao longo do tempo, percebeu-

se que o liberalismo era essencial para a democracia e vice-versa. Atualmente, não é possível

imaginar a democracia sem liberalismo, uma vez que este diz respeito à limitação de poder, e a

democracia não pode ser pensada sem limitação do poder constituído.

John Rawls assevera que o liberalismo político limita o poder, haja vista que este surgiu

como uma forma de contenção do antigo regime. Tal contenção se desenvolveu a partir da

insatisfação de uma classe burguesa que depois conseguiu desenvolver o liberalismo econômico,

afirmando que o Estado deveria ser limitado na atividade econômica, o que, por si só, não gera

um ambiente justo, pois é possível ter desigualdade social em um ambiente liberal.

O liberalismo clássico, sem nenhum compromisso com direitos trabalhistas ou com direitos

humanos, gerava muita desigualdade social. A partir disso, Rawls dizia que o liberalismo deveria

ser pensado como elemento democrático, mas que deve ser incrementado com aspectos

igualitários, o que é chamado de social democracia, estado de bem-estar social, que tem sido

buscado por vários países na Europa, América e América Latina.

Todos os países que não possuem uma base autoritária buscam um país com economia

desenvolvida sem grandes interferências estatais, mas que, ao mesmo tempo, assegure um rol

de direitos fundamentais.

John Rawls é o autor que resgata o contratualismo, sendo, portanto, um neocontratualista.

O contratualismo foi uma teoria que surgiu para justificar o Estado Nacional, criado por Hobbes,

Locke e Rousseau, e discorria que o estado nascia a partir de um pacto social, um contrato social

que seria uma ficção, em que as pessoas renunciam a liberdade para que um dirigente controle a

vida das pessoas.

Curso Ênfase © 2019


2
Filosofia do Direito – João Lordelo
Aula2 - SENTIDO ESTRITO DE JUSTIÇA COMO VALOR JURÍDICO - POLÍTICO

Logo, J. Rawls resgata, mais uma vez, esse conceito, trazendo-o como uma espécie de

exercício hipotético, pensando especificamente na justiça retributiva, esta que preocupa-se em

distribuir bens e posições sociais às pessoas. P ara que a justiça retributiva seja justa, é preciso

realizar um raciocínio hipotético com base na posição original e no véu da ignorância.

C omo exemplo do que Rawls chama de véu da ignorância, imagine duas pessoas que

debatem a respeito do sistema de cotas e que estas estão prestes a nascer e não sabem onde,

podendo ser em uma família pobre ou em uma família riquíssima. Indaga-se, a partir dessa

hipótese, se é justo que a vida seja sempre marcada pelo local de origem de uma pessoa. A

resposta da maioria das pessoas dirá que não é justo, visto que o nascimento é um critério

arbitrário.

Os revolucionários liberais combatiam a utilização do critério arbitrário na Revolução

Gloriosa inglesa, pois questionavam o fato de os monarcas dominarem o Estado em virtude da

origem familiar, dado que o nascimento é um critério arbitrário, não fazendo sentido haver essa

dominância. P ortanto, J. Rawls trata da definição de regras básicas sobre justiça distributiva, a

partir do véu da ignorância, questionando se seria justo o estabelecimento de ação afirmativa para

uma pessoa pobre, como cotas.

A partir do véu da ignorância, o indivíduo pensará em sua resposta levando em conta a

possibilidade de nascer em uma família rica ou não. Logo, desenvolvem-se regras para assegurar

o mínimo de igualdade, a partir do exercício de colocar-se no lugar do outro, no que se chama de

empatia, característica que falta ao psicopata.

Os critérios, segundo John Rawls, são:

a) Os princípios e liberdades iguais e básicas - Liberdade de expressão, de

imprensa, de locomoção e os demais princípios básicos que toda sociedade deve ter.

b) O princípio da diferença - As desigualdades sociais e econômicas devem ser

permitidas em sociedade, uma vez que é algo que acontece, de modo que não é possível colocar

todos em um mesmo patamar de igualdade.

EXEMPLO: Uma mãe coloca duas maçãs na mesa, uma pequena e outra grande. O filho

mais velho pega a maior, ao passo que o mais novo fica indignado com a escolha e, ao ser

questionado pelo irmão sobre qual seria a maçã que ele daria para o irmão mais velho, caso fosse

mais velho, afirma que daria a ele a grande. Logo, o mais velho entende que não fez diferença

sua escolha. P orém, o irmão mais novo afirma que o justo não é o resultado, mas as condições,

uma vez que a desigualdade, por si só, não é o problema e sim as diferentes condições, dado que

foi retirado do mais novo a possibilidade de escolher.

Curso Ênfase © 2019


3
Filosofia do Direito – João Lordelo
Aula2 - SENTIDO ESTRITO DE JUSTIÇA COMO VALOR JURÍDICO - POLÍTICO

Desse modo, John Rawls afirma que as desigualdades sociais devem existir, mas devem

ser permitidas apenas se trabalharem, em especial, para beneficiar os menos favorecidos, isto é,

as desigualdades devem existir na medida em que necessárias para que as coisas funcionem.

P or meio do pensamento de J. Rawls, pode-se assegurar as ações afirmativas, pois o

indivíduo pode nascer em um local ruim, de modo que deve-se corrigir o desequilíbrio.

1.3. JÜRGEN HA BERMA S

Jürgen Habermas foi cobrado em concurso da Defensoria, bem como no TJMG, abordando

o conceito de equiprimordialidade e cooriginalidade. A maior contribuição desse autor foi a

chamada teoria da ação comunicativa, que é muito difícil de compreender. Além disso, o autor

trata de diversos temas, por isso destaca-se que, para os estudos de concurso público, é

importante verificar o que o edital traz.

No MP F, o edital traz a democracia deliberativa e procedimentalista, de modo que

Habermas fala que a ideia de cidadania e direitos fundamentais andam juntas, ou seja, as formas

de participação na formação da vontade do Estado e a proteção de direitos fundamentais são

unidas.

O autor preocupa-se com o aspecto procedimental da democracia, visto que este está

ligado à atribuição de direitos. A democracia deve permitir que as pessoas possam falar, portanto

não adianta uma democracia criada para que as leis sejam aplicadas a determinadas pessoas,

sendo que estas pessoas são destinatárias das leis, mas não participaram da formação das

mesmas.

Desse modo, Habermas constrói essa concepção de democracia procedimentalista, em

que o direito é justo apenas se o destinatário participou da sua construção, de forma que as

pessoas seriam auto-legisladoras, sendo este um elemento que confere legitimidade ao direito.

P ercebe-se que o autor não entra na substância, pois, para ele, o que é relevante é o

processo de escolha. De acordo com essa compreensão, para que o aborto seja legítimo ou não, é

preciso verificar como a norma que proíbe o aborto foi construída, de modo que, se houve

participação do destinatário, trata-se de norma legítima.

IMPORTA NTE: Existe legitimidade e justiça apenas se as pessoas forem auto-legisladoras.

C umpre destacar que a participação feminina no C ongresso Nacional é pífia. C ontudo,

existem situações discutidas que interessam muito mais às mulheres. Logo, como as mulheres

serão destinatárias de uma norma se elas não participaram do processo de produção?

Curso Ênfase © 2019


4
Filosofia do Direito – João Lordelo
Aula2 - SENTIDO ESTRITO DE JUSTIÇA COMO VALOR JURÍDICO - POLÍTICO

O procedimento democrático e os direitos fundamentais (assim como forma e conteúdo,

esfera pública e privada, direito e moral) são elementos cooriginários e equiprimordiais. Assim,

Habermas faz uma mediação entre pensamentos antagônicos a partir de uma diferença criada

entre Hobbes e Rousseau, que gerou a criação do partido liberal e republicano nos EUA, diferentes

entre si.

Rousseau é pai do republicanismo e Hobbes é o pai do liberalismo, de modo que os

democratas e republicanos partem da dicotomia entre Hobbes e Rousseau. Em contrapartida, nos

EUA, os nomes ficaram, ao passo que as ideias inverteram-se, visto que os que defendiam a

escravidão eram os liberais, que conseguiam conviver com a escravidão na origem, mas os

republicanos não conseguiam.

No início, os liberais eram conservadores, ao passo que os republicanos eram progressistas.

Após isso, nos anos 60, ocorre uma inversão e os republicanos tornam-se conservadores. É

possível perceber esse fato por meio de Abraham Lincoln, que era antiescravista durante a guerra

de secessão e republicano, ou seja, progressista. Isso se relaciona com a ideia de autonomia

privada e autonomia pública (esfera privada ou pública), pois Locke e Hobbes, que são liberais,

entendem que existe diferença entre autonomia privada e pública, posto que existe um domínio

do pensamento doméstico, da ordem do pai de família, das relações morais que a família tem, e a

palavra economia vem do grego oikonomia, que significa a gestão da casa.

P ara os liberais, a família era uma fonte de direito que estava na ideia doméstica, liberal e

privada. Os liberais concebiam os direitos de liberdade, por exemplo, e compatibilizavam essa

compreensão com a escravidão por entenderem que o espaço público (que é o reservado à

cidadania, ao voto e participação da vontade geral) não se mistura com a autonomia privada, que

é das relações domésticas.

Logo, o dono da casa, pai de família, era o proprietário do escravo, mestre de sua mulher e

filhos. Essa é uma expressão utilizada por Locke e Hobbes, que, em virtude disso, legitimavam a

atitude do pai que dominava o espaço doméstico. P or outro lado, a forma de participação e

cidadania era outro domínio, que deveria respeitar a área doméstica.

Em contrapartida, os republicanos não realizam a divisão entre a esfera privada e outra de

participação política e exercício da cidadania. P or essa razão, muitos afirmam que Rousseau é o

pai da esquerda, uma vez que o pensamento republicano não consegue ver o indivíduo, mas dá

ênfase à coletividade.

Curso Ênfase © 2019


5
Filosofia do Direito – João Lordelo
Aula2 - SENTIDO ESTRITO DE JUSTIÇA COMO VALOR JURÍDICO - POLÍTICO

Habermas, portanto, faz uma diferença, pois discorda da dicotomia dos que pensam

apenas na coletividade ou apenas no individualismo, destacando a necessidade da mistura desses

pensamentos, em uma compreensão de que a autonomia privada e pública são equiprimordiais e

cooriginárias, não sendo possível pensar de forma separada, sabendo-se também que não são

apenas um, pois nascem de forma conjunta.

Desse modo, apenas é possível falar em cidadania e participação da vontade geral

pensando-se que o direito será aplicado às mulheres e que estas devem participar da formação

desse direito, por exemplo. Assim, se o direito será aplicado a todas as pessoas, não é possível

uma pessoa receber a lei e não participar, como acontecia com os escravos.

Esse é um debate contemporâneo, pois, quando se pensa em escola sem partido, por

exemplo, volta-se à ideia liberal de Hobbes e Locke de que o pai de família decide o que o filho

receberá na escola, situação em que esta não pode ensinar um pensamento contrário aos valores

religiosos da família. Essa é a compreensão da escola sem partido, que parte da ideia de que os

pais de família têm o direito de dizer o que o filho aprenderá na escola.

Entretanto, isso é impossível, pois não se pode satisfazer os interesses de todas as formas

de pensamento na escola. Logo, a escola deve partir de um consenso em relação a sua

programação, que deve ser construído democraticamente.

P or fim, Habermas tenta inaugurar uma posição de equilíbrio entre liberais e republicanos,

dizendo que tanto a autonomia privada quanto a pública, bem como o direito e a moral, o

conteúdo do direito e o procedimento de sua formação são equiprimordiais e cooriginários. Desse

modo, ambos têm igual importância e devem ser pensados conjuntamente.

Curso Ênfase © 2019


6

Você também pode gostar