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AS AGÊNCIAS REGULADORAS E OS PRINCÍPIOS

CONSTITUICIONAIS

AS AGÊNCIAS REGULADORAS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUICIONAIS


Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 58/2007 | p. 220 - 234 | Jan -
Mar / 2007
Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo | vol. 6 | p. 1023 - 1040 | Nov / 2012
DTR\2007\85

Marcos Juruena Villela Souto


Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor do Mestrado em Direito da
Universidade Gama Filho. Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

Área do Direito: Constitucional


Resumo: Apresentação, em linguagem simples, das agências reguladoras em face dos
princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência, da eficiência, da
segurança jurídica, do devido processo legal, da legitimidade, da legalidade e da
separação de poderes, com apreciação de potenciais conflitos.

Palavras-chave: Regulação - Agências reguladoras - Concorrência - Eficiência -


Princípios constitucionais
Abstract: Presentation, in simple language, about the relation and potentially conflicts
between regulatory agencies and constitutionals principles as: free enterprise, free
competition, efficiency, juridical security, due process of law, legitimacy, legality and
separation of powers.

Keywords: Regulation - Regulatory agencies - Concurrence - Efficiency - Constitutionals


principles
Sumário:

- 1. Princípio da livre iniciativa e a origem das agências reguladoras - 2. Princípio da livre


concorrência e agência reguladora - 3. Princípio da subsidiariedade e regulação - 4.
Princípio da segurança jurídica e a independência do regulador - 5. Princípio da eficiência
pela regulação promotora da competição - 6. Princípio da legitimidade e agência
reguladora - 7. Princípio da separação de poderes e agências reguladoras - 8.
Conclusões

*
Introdução

O presente texto tem por objetivo fazer uma breve apresentação do tema das agências
reguladoras em face dos princípios constitucionais à luz dos quais têm surgido diversas
discussões nos planos acadêmico e judicial. São, assim, apresentadas as agências
reguladoras e examinados, panoramicamente, os conflitos, potenciais ou efetivos, com
os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência, da eficiência, da segurança jurídica,
do devido processo legal, da legitimidade, da legalidade e da separação de poderes.

1. Princípio da livre iniciativa e a origem das agências reguladoras

A origem das agências reguladoras é ligada a uma situação de contenção de abuso de


poder econômico. A Interstate Commerce Comission - ICC teve por objetivo regular as
tarifas cobradas no transporte ferroviário, tendo em vista haver ali um monopólio natural
exercido abusivamente pelos carregadores, que cobravam os valores que bem
pretendiam, dada essa posição exclusiva no citado mercado.

Na Inglaterra, o desenvolvimento das agências reguladoras é vinculado aos processos de


liberalização da economia, com a substituição de empresas estatais, em setores
ocupados pelo Estado, que passaram a ser atribuídos à iniciativa privada. O Estado
passou a disciplinar, por meio da regulação, o exercício das atividades que ele antes
executava.
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No Brasil, esse fenômeno da agencificação teve início não só em função do déficit fiscal,
mas, também diante da concepção de que os monopólios não levavam à eficiência (por
não estarem submetidos a um processo competitivo, que levaria a um maior proveito
para usuários, consumidores e empresários). Flexibilizados os monopólios, deu-se a
substituição da estrutura e da técnica de intervenção do Estado na economia, deixando o
Estado de ser o empresário-executor de atividades econômicas.

Nem por isso descurou do interesse público envolvido naquelas atividades. O fato de
privatizar empresas e de atribuir atividades outrora executadas com exclusividade pelo
Poder Público não operou o retorno ao modelo liberal puro, em que o Estado
simplesmente se retirava de um segmento econômico e deixava de dele se ocupar. Ao
contrário; simplesmente aconteceu uma mudança de técnica de intervenção. O Estado
deixou de ser o empresário, mas passou a disciplinar, pela regulação, o comportamento
do empresário privado.

As agências reguladoras passaram a representar a preocupação do Poder Público em


impregnar de competição os setores outrora atribuídos ao regime de monopólio. Passou
a caber à agência reguladora a tarefa de "criar" um mercado onde ele não existia; afinal,
não basta flexibilizar um monopólio constitucional e imaginar que a partir dali vai surgir
a livre competição desejada pelas emendas constitucionais; ainda existirá, no período
imediato ao "pós-emenda", uma situação de fato a corrigir, que é a dominação do
mercado pelo agente até então monopolista.

Destarte, o papel da agência reguladora, num primeiro momento, vai ser o de induzir o
surgimento de novos competidores e, ao mesmo tempo, lidar com o problema da
concentração, da possível barreira à entrada de novos competidores (que poderia ser
mantida pelo então agente monopolista).

Mas a regulação não se limitou aos setores objeto de processos de reforma do Estado,
pela via da desestatização.

O Estado passou, também, a se ocupar de setores absolutamente desorganizados, onde


reinava uma competição absolutamente desordenada. Um exemplo está na disciplina da
comercialização de planos de saúde, em que não havia maiores critérios para uma
competição homogênea entre os diversos agentes que se colocavam no mercado,
captando poupança popular. A busca de critérios de maior prudência no exercício dessa
atividade econômica almejava evitar o risco não só à saúde como também aos recursos
transferidos por consumidores, muitos deles sem maiores rendas, às empresas privadas
de administração de tais planos.

Assim, pode se afirmar que o surgimento das agências reguladoras sempre foi
relacionado à correção de falhas de mercado, o que tem influência no ponto a seguir
examinado.

2. Princípio da livre concorrência e agência reguladora

Como se pode verificar, a origem das agências reguladoras é diretamente relacionada à


defesa da livre concorrência e da busca da eficiência pela competição.

A defesa do princípio da livre concorrência é atribuída ao Estado como um corolário


natural do princípio da livre iniciativa; isto enseja o surgimento de conflito envolvendo a
convivência entre as agências reguladoras e o Cade.

Nos setores ocupados por agências reguladoras ainda não existe a mesma liberdade de
concorrência que acontece nos setores maduros, acompanhados pelo Cade, cujo objetivo
é preservar - e não, criar - esse cenário de livre troca e de livre acesso de consumidores
e fornecedores, para que no mercado se desenvolva a atividade econômica. No caso dos
segmentos regulados, o papel da agência reguladora é construir esse cenário; portanto,
as regras de funcionamento desse segmento são especiais e diferenciadas.

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Há uma diferença de regimes de atuação, porquanto o Conselho Administrativo de


Defesa Econômica - Cade é passivo, ou seja, atua mediante a existência de um dano -
efetivo ou potencial - à livre concorrência (atuação judicante), enquanto que as agências
reguladoras exercem funções normativas e executivas, além dessa função judicante de
solucionar conflitos na esfera administrativa.

O que se pretende sustentar, a partir dessa premissa, é que o sistema constitucional de


defesa da concorrência é composto de dois subsistemas, a saber, o direito antitruste,
encabeçado pelo Cade, pela Secretaria de Direito Econômico - SDE e pela Secretaria
Especial de Acompanhamento Econômico - Seae, que compõem o Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência, e o subsistema do direito regulatório, conduzido pelas agências
reguladoras, cada qual orientada por um conselho setorial de políticas públicas. A tese
proposta é no sentido de que o Cade não pode substituir as valorações das agências
reguladoras nem suprimir-lhes competências nos segmentos regulados.

Num primeiro momento, quando se fala em agência reguladora de serviço público a


colocação é mais evidente. Isto porque o Cade é uma estrutura administrativa de defesa
do princípio da livre concorrência, que é uma vertente do princípio da livre iniciativa.

Quando se fala em serviço público não se fala em livre iniciativa, porque ninguém pode
explorar um serviço público pela sua livre decisão empresarial; somente pode explorar
um serviço público quem receba do poder público uma delegação, o que representa,
antes, uma opção política por delegar, já que o poder público pode optar pela gestão
direta, ou pela criação de uma entidade na administração indireta para a condução
daquela atividade. Portanto, não são livres o ingresso, a permanência ou a saída nos
segmentos definidos como serviços públicos.

Logo, as estruturas de defesa da livre concorrência vocacionadas a viabilizar o princípio


da livre iniciativa não representam, em princípio, o instrumento adequado para lidar com
os conceitos do regime de solidariedade inerente ao serviço público. Não ocorre a
definição, pelo regulado, das condições de acesso e permanência no mercado. A rigor,
nem a expressão mercado seria adequada para se referir a serviço público, exatamente
porque o mercado é um cenário onde se desenvolve, por meio do livre ingresso
permanência e saída, uma liberdade de trocas nas atividades econômicas e na fixação da
remuneração dos agentes envolvidos. No campo do serviço público essa não é uma
realidade jurídica válida para países como o Brasil, que ainda aplicam a distinção entre
serviços públicos e atividades econômicas; estas se encontram no plano da titularidade
da livre iniciativa do setor privado enquanto que aqueles estão sob titularidade estatal,
só o exercendo quem recebe do Estado uma delegação (portanto, frise-se, não há que
se falar em livre ingresso nem livre iniciativa); a concorrência é completamente
disciplinada pelo Poder Público, notadamente, na era da regulação, por meio de
agências.

Já no plano da regulação das atividades econômicas privadas, o conflito se resolve com a


aplicação da regra de hermenêutica pela qual a norma especial derroga a norma geral. O
Cade é a estrutura administrativa vocacionada para a defesa da concorrência dos
mercados em geral. Onde há segmentos econômicos específicos, que justificaram a
criação de uma disciplina jurídica diferenciada e uma estrutura administrativa específica
para a sua disciplina, se afasta a incidência da norma geral. A concorrência, naquele
espaço, é regulada e não ditada pelo mercado. Quanto à estrutura, o direito
administrativo trata do tema sob o princípio da especialidade administrativa, que
vocaciona a atuação de uma entidade e não de outra.

É claro que essa não parece ser a tendência a se manifestar no direito administrativo
brasileiro.

Isso já se visualiza na Lei Geral de Telecomunicações, que, no art. 7.º, coloca a agência
reguladora no mesmo patamar da Secretaria de Direito Econômico, como agente
instrutor do processo de repressão aos abusos de poder econômico, cabendo ao Cade o
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julgamento do fato apurado. Foi, pois, a lei disciplinadora do serviço público de


telecomunicações quem tomou a decisão de natureza política de partilhar competência
entre agência reguladora e estrutura de defesa da concorrência para a defesa da
concorrência naquele segmento.

Essa também é a tendência materializada no projeto de lei que disciplina o novo regime
jurídico das agências reguladoras, aí sim uma disciplina geral.

Portanto, a tendência pode ser a partilha de competências entre Cade e agência


reguladora, especialmente porque isso poderá decorrer de uma decisão de natureza
política na disciplina do segmento econômico objeto de intervenção. O que se quer dizer
é que a sede para fixar a solução desse conflito de competências ou partilha de
competências é a lei.

Frisa-se que a tendência será essa partilha porque, quando se fala que o papel da
agência reguladora é construir um mercado onde ele não existe, a partir do momento
que esse mercado é criado e protegido, tornando-se maduro, transforma-se num cenário
livre para as trocas, e pode ser tutelado por meio dos órgãos de defesa da concorrência.

Mas, até que essa realidade se confirme, parece que tanto em matéria de serviço público
como em matéria de atividades econômicas típicas, há competência prevalente das
agências reguladoras sobre o Cade (ainda que a tendência possa ser, pela via legislativa,
alterada). Isso já se confirmou no caso do conflito entre o Banco Central e o Cade, por
meio de parecer da Advocacia Geral da União (que tem a competência para interpretar o
ordenamento jurídico nacional e o fez em caráter normativo aprovado por decreto pelo
Presidente da República, no exercício da competência prevista no art. 84, II, da CF/1988
(LGL\1988\3), voltado para o exercício da direção superior da administração pública).

3. Princípio da subsidiariedade e regulação

A atividade regulatória não é, necessariamente, privativa do Estado. Na lógica da


subsidiariedade, o Estado só deve agir se a sociedade não estiver apta a atuar com
eficiência pelas suas próprias forças.

Alguns exemplos de regulação privada podem ser citados, como é o caso do Conselho
Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, o Conar, que reúne, por meio de uma
convenção de natureza jurídica privada, os anunciantes e os meios de comunicação para
disciplinar a ética na colocação de bens e serviços da publicidade.

Os selos de qualidade de vinhos e de café, bem como os códigos de gestão de fundos de


investimentos, conferidos por associações de classe, são, também, exemplos de
auto-regulação privada.

Outro exemplo, este reconhecido pelo ordenamento jurídico constitucional, é o próprio


sistema de organização da Justiça Desportiva e do direito desportivo como um todo;
aliás, esta é a única exceção ao princípio da jurisdição una, por força do qual nenhuma
lesão ou ameaça de lesão escapa à apreciação do Poder Judiciário, não sendo necessário
esgotar previamente a esfera administrativa. A Constituição Federal (LGL\1988\3)
cuidou de ressalvar as situações submetidas ao direito desportivo, que exige que, antes
de ir ao Judiciário, seja esgotada a via da Justiça Desportiva. Isso é um instrumento de
reconhecimento constitucional da auto-regulação privada.

Também as bolsas de valores representam um mercado de auto-regulação


supervisionado pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, mas representam uma
instância de regulação privada reconhecida pelo ordenamento jurídico pátrio, no âmbito
do mercado de capitais.

4. Princípio da segurança jurídica e a independência do regulador

A regulação também não exige que para a sua estruturação seja criada uma agência
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reguladora. As primeiras atividades regulatórias no Brasil envolviam estruturas que não


tinham nem a característica e nem o nome de agências reguladoras, como, por exemplo,
o Instituto do Açúcar e do Álcool e o Instituto Brasileiro do Café, que já desempenhavam
uma atividade de regulação econômica do setor agrícola, sobre a produção de açúcar,
álcool e café, respectivamente. Também, como mencionado, a CVM, que já desenvolvia
uma função regulatória antes mesmo de ter passado por um processo de reestruturação
normativa, pelo qual recebeu um tratamento jurídico bastante semelhante ao das
agências reguladoras. O mesmo se diga da Susep, que desenvolve uma atividade
regulatória do setor de seguros privados, que ainda continua a ser uma autarquia
comum, sem maior autonomia, sem um colegiado e sem uma disciplina de edição de
atos regulatórios. Nem mesmo a personalidade jurídica é indispensável (embora
desejável) para o desempenho da função regulatória; era o caso, por exemplo, do
Departamento de Aviação Civil - DAC, que desempenhava a função regulatória no setor
de transporte aéreo, que só recentemente ganhou um tratamento jurídico diferenciado
com a criação da Agência Nacional de Aviação Civil.

É necessário destacar que, embora não seja indispensável, é desejável que a agência
reguladora tenha uma estrutura jurídica diferenciada para viabilizar o exercício da função
de regulação, que representa uma atividade de ponderação entre interesses em tensão
(por exemplo, interesses de consumidores versus o interesse de fornecedores).

É preciso que o regulador seja absolutamente independente desses interesses e não se


deixe capturar por qualquer deles ou mesmo pelo Poder Público (seja em favor dos
fornecedores, que financiam campanhas eleitorais, seja em favor de consumidores, que
fornecem os votos para que sejam vencidas as campanhas eleitorais). A captura do
regulador por qualquer desses agentes envolvidos no processo de ponderação de
interesses em tensão pode colocar em risco o exercício eficiente da função regulatória, já
que esta busca alcançar um ponto ótimo, um ponto de equilíbrio entre esses interesses,
de modo que, exemplificamente, os bens e serviços não sejam colocados no mercado em
valores tão elevados como poderiam desejar os fornecedores nem por um custo tão
baixo, como desejariam os consumidores. É a busca desse ponto de equilíbrio que vai
motivar o exercício da atividade regulatória, sendo, pois, desejável a independência no
seu exercício.

Essa "independência" é o verdadeiro elemento caracterizador da agência reguladora, e


não a "autonomia", que é inerente a qualquer entidade da administração indireta, em
razão do fato de receber, por lei, uma personalidade jurídica própria, passando a
personificar uma função pública de desempenho de atividade de interesse geral. A
autonomia, nos planos gerencial, patrimonial, financeira e administrativa, não
representa, pois, uma distinção das agências reguladoras para as demais entidades da
administração pública. Característica é a independência, no sentido de se repudiar a
intervenção político-partidária nos critérios técnicos de busca de um ponto de equilíbrio
entre os interesses em tensão.

No caso da regulação, a atividade estatal personificada nas agências é o


acompanhamento dos segmentos econômicos com falhas de mercado (o que representa
um critério de razoabilidade para a criação de agências reguladoras; afinal, não é para
todo e qualquer assunto que se pode pretender criar uma agência reguladora). Deve
haver, em primeiro lugar, uma relevância do setor escolhido e que esse setor tenha
algum tipo de falha de mercado que justifique a intervenção do Estado no domínio
econômico, eis que, de outro lado, ela representa uma redução de outro valor
fundamental, reconhecido como princípio fundamental da República que é a liberdade de
iniciativa.

Como a lógica da intervenção é a busca do ponto de equilíbrio, que é uma função de


natureza técnica, isso exige conhecimentos técnicos sobre o adequado funcionamento do
setor que é objeto dessa intervenção; esse critério técnico não deve ser substituído por
uma valoração política, despreparada, despida dos conceitos indispensáveis para se
manejar um determinado segmento econômico.
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Na grande maioria dos setores regulados, há enormes quantidades de recursos


investidos, que, para alavancarem o desenvolvimento nacional, objetivo da República
(art. 3.º, da CF/1988 (LGL\1988\3)), ensejam o direito do investidor receber o adequado
tratamento para essa decisão de investir. Em outras palavras, isto está relacionado,
necessariamente, ao adequado tratamento da segurança jurídica, proporcionando um
círculo virtuoso que trará os recursos para que se alcance o desenvolvimento nacional.
Tudo isso se frustra se a intervenção do Estado na economia se desenvolver sem
qualquer método, sem qualquer tipo de preparo e a qualquer momento, por uma mera
decisão de natureza política, surpreendendo a todos.

Para se assegurar a independência dos agentes reguladores, optou-se pela via da


diluição do poder, por meio da separação entre os domínios do político e do técnico.
Cabe à lei formular políticas públicas e às agências reguladoras implementar essas
políticas.

Não há que se falar, portanto, em violação do princípio democrático, já que a agência


reguladora não formula políticas públicas, cuidando, apenas, da sua concretização.

O poder de implementar essas políticas num regime democrático é diluído por um


colegiado, provido em função da competência técnica dos indicados; em outras palavras,
a lei exige notório saber no segmento regulado para ser indicado para uma agência
reguladora. Essa indicação passa por um segundo processo de obediência ao princípio
democrático que é a legitimação política, por meio da qual o agente indicado deve ser
sabatinado no Poder Legislativo para, uma vez aprovado, ser nomeado pelo chefe do
Poder Executivo.

Somente a partir dessa nomeação é que se opera a independência (técnica), não mais
existindo possibilidade de exoneração ad nutum do dirigente da agencia reguladora, tal
como ocorre com os servidores públicos ocupantes de cargos em comissão (admitidos
sem prévia aprovação em concurso público, e, por não serem ocupantes de cargos de
provimento efetivo, podem ser exonerados sem qualquer motivação e a qualquer
momento).

Previu-se nesse modelo, exatamente para assegurar a independência e a inviolabilidade


desse juízo técnico, que o regulador deve ter uma nomeação por um mandato fixo, que
não pode ser prejudicado durante a sua vigência, salvo em razão do cometimento de
falta grave.

Mais que isso, esse colegiado deve ser composto de maneira que os mandatos não
sejam coincidentes entre si ou com os do Chefe do Poder Executivo, justamente para
que uma mesma autoridade política não tenha a possibilidade de nomear todos os
dirigentes de uma só vez, interferindo na atuação daquele colegiado com a sua vontade
política. Assim, o colegiado da agência reguladora terá várias orientações políticas, todas
elas idealmente compostas por técnicos conhecedores daquele segmento regulado.

Claro que esse formato foi intensamente criticado, por violar o princípio republicano. Isto
porque é da essência da República a alternância no poder e, uma vez investida pelo voto
universal, a autoridade tem o direito de nomear os ocupantes dos cargos de sua
confiança. No caso das agências reguladoras, isto ficaria inviabilizado diante do mandato
fixo, que impede a substituição dos reguladores nomeados por governantes anteriores.

Aqui, mais uma vez, se sustenta que nem todas as funções públicas são de natureza
política. Aliás, o próprio regime dos cargos em comissão representa uma anomalia, que
dificulta a atração de investimentos de longo prazo, que levam mais de um governo para
produzirem retorno aos investidores. O regime jurídico dos agentes reguladores parte da
distinção entre funções de Estado e funções de Governo, entre funções políticas e
funções técnicas, sendo fundamental identificar as funções típicas do Estado e as
carreiras de Estado, para as quais deve ser explicitada essa independência. O modelo de
cargos em comissão resgata o antigo sistema de espólio, pelo qual cada governante que
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entrava trazia os seus "protegidos" e afastava os do antecessor, sem qualquer relação


de continuidade de projetos ou de relevância das funções. Essa linha de pensamento
facilita a violação do princípio da segurança jurídica e da eficiência, investindo-se num
sistema de favores, de trocas, de corrupção e de toda sorte de imoralidade, sem
qualquer compromisso com o dia seguinte. A função dura enquanto durar a confiança, o
que exige que se "agrade" diariamente a autoridade que pode praticar o ato de
exoneração do agente ocupante do cargo.

Embora essa nomeação técnica para mandato fixo pareça ideal, não é menos exato que
muitas das vezes isso não se respeita; essas anomalias, no entanto, não devem colocar
em risco o modelo; isto porque cada uma dessas nomeações representa um ato
administrativo, cujos elementos podem ser controlados pelo Poder Judiciário. Portanto,
em se nomeando autoridades administrativas para o exercício de função regulatória sem
preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei, não só esses atos são nulos, como
também aqueles por elas praticados, posto que oriundos da manifestação de vontade de
autoridades que, viciadamente, foram galgadas a uma função que não poderiam ocupar.

Um formato a ser debatido poderia ser a participação da sociedade civil organizada no


processo de sabatina, de modo a viabilizar a observância do princípio da transparência
(mais amplo que a publicidade), permitindo o controle do atendimento do requisito
notório saber.

5. Princípio da eficiência pela regulação promotora da competição

Adentrando nas duas funções básicas da agência reguladora, o esperado é que elas
introduzam e busquem maximizar o atendimento do princípio da eficiência pela via da
competição. A agência reguladora deve zelar para que o mercado seja competitivo, de
modo que os melhores bens e serviços sejam colocados à disposição das coletividades.
Como nem todas as situações, especialmente as que envolvem monopólios naturais,
viabilizam a competição, um outro objetivo esperado da agência reguladora é a redução
dos malefícios decorrentes das situações de monopólio ou de oligopólio (o que remonta à
própria origem das agências reguladoras).

Essa competição pode ser alcançada de diversas formas.

Um primeiro formato é a introdução da competição pelo direito de acesso ao "negócio"


transferido pelo Estado. Em algumas situações decorrentes do processo de reforma do
Estado, essa competição se dá no procedimento formal da licitação.

Mas a idéia de reforma do Estado não quer que a competição se esgote nesse momento,
posto que o agente entrante no mercado poderia se acomodar por ter adquirido um
"privilégio" (como era tratado no modelo clássico dos serviços públicos o direito à
exploração no regime de concessão).

Daí por que se introduziu a regra do art. 16, da Lei de Concessões (Lei 8.987/95), que
trata da vedação das delegações em caráter exclusivo; logo, salvo nas situações em que
a competição seja comprovadamente inviável do ponto de vista físico, técnico ou
financeiro, a regra é a não exclusividade.

Mais que isso, se idealiza, também, a competição entre setores. Por exemplo, no
segmento dos transportes, a competição deve se dar entre os modais de serviços
(ônibus, metrô, barcas, táxis, trens, bondes).

Num último estágio, talvez o mais importante e o mais delicado de se lidar, almeja-se a
competição entre os serviços públicos e os serviços econômicos de interesse geral
(atividades econômicas privadas).

Um exemplo disso já se vive no campo das comunicações; no setor postal convivem o


serviço comum, de acesso universal a preços módicos, e o serviço diferenciado, do tipo
transporte expresso de encomendas, com outro custo e outro tipo de qualidade. A
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própria Lei Geral de Telecomunicações estabeleceu um regime diferenciado entre os


serviços públicos prestados em regime público (mediante concessão com remuneração
paga pelos usuários por meio de tarifa regulada pelo Poder Público) e serviços públicos
prestados em regime privado (prestados por meio de autorização e remunerados por
preços livres, sem fixação pelo Poder Público).

Outro exemplo surgiu no campo da energia. Nos setores do gás e do petróleo, com o
desenvolvimento de novas tecnologias, permite-se a atividade de importação desse
insumo. Também bastante relevante para se viabilizar a introdução da competição onde
existia um monopólio ocorre pela via de uma nova disciplina das redes de transporte de
gás e de petróleo. Essas redes, chamadas de facilidades essenciais para o
desenvolvimento de atividades econômicas, ficam submetidas ao princípio do livre
acesso. Isto porque de nada adiantaria flexibilizar o monopólio se todas as estruturas
necessárias para o transporte do bem continuam a pertencer a um único agente
econômico. Este empresário poderia invocar o seu direito de propriedade para impedir
que a produção chegasse ao seu destino, porque entre o local de produção e o local de
consumo, há distâncias enormes, que só podem ser percorridas com o uso das
instalações existentes ou com a construção de novos dutos ou com o advento de novas
tecnologias, cujo investimento é elevadíssimo e de pouca e lenta rentabilidade. Isso
representaria uma barreira a entrada de novos competidores, que não viabilizaria o
objetivo de flexibilização dos monopólios com vistas a se alcançar a competição. Para
tanto era indispensável, ao menos por um período, se dar um tratamento adequado ao
exercício do direito sobre aquelas propriedades construídas num regime de monopólio.
Passaram, assim, a ser afetadas por uma função de viabilizar a competição. Cuidou-se,
pois, da concretização do princípio da função social da propriedade e do princípio da livre
concorrência, para viabilizar o surgimento de um mercado onde ele não existia.

Esse livre acesso aos dutos e redes por qualquer competidor existe também nos campos
da eletricidade, das telecomunicações, que envolvem, ainda, o princípio da interconexão
obrigatória. Isto porque não adianta imaginar que novos agentes vão entrar no mercado
se eles não puderem se integrar às redes existentes, pois, do contrário, seus
destinatários vão ficar isolados dos demais que já estejam interligados às estruturas em
funcionamento.

Como dito, essa competição é delicada. O que deve ser objeto de maior preocupação no
Brasil é o fato de que certas inovações tecnológicas (por exemplo, por meio de
congelamento do gás para transporte para outras regiões), se, por um lado, estimulam a
competição e a inventividade, por outro, podem colocar em risco o atendimento da
população de baixa renda, que não possa adquirir tais produtos, colocando em risco a
prestação do serviço público. É importante lembrar que, no Brasil, a distribuição de gás
canalizado é serviço público de competência dos Estados (art. 25, § 2.º, da CF/1988
(LGL\1988\3)), enquanto a produção e o transporte do gás integram a competência
federal (art. 177, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Ora, é fundamental que a disciplina
federal, por conta do pacto federativo (que contempla a harmonia entre as entidades
federadas), não aniquile o exercício da competência estadual sobre seus serviços,
especialmente em função do fato de que a competição que se busca ampliar (até mesmo
entre serviços públicos e atividades econômicas) não pode servir de base para que uma
atividade destrua a outra. Afinal, é no conceito de serviço público que se busca garantir
o princípio da dignidade da pessoa humana, proporcionando inclusão social
especialmente pelo atendimento das populações de baixa renda. Se os instrumentos de
transformação, com emprego de modernas tecnologias, retirarem escala para que as
concessionárias de serviço público invistam na construção de dutos que chegariam às
regiões afastadas, a população menos abastada ficará privada do serviço de baixo custo
(sem falar na exposição aos riscos do transporte de carga perigosa).

6. Princípio da legitimidade e agência reguladora

Como dito, a agência reguladora tem funções normativas, executivas e judicantes (nisso
se distinguindo do Cade, que só exerce esta última). Essa função normativa deve atentar
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para o princípio da legitimidade, sob pena de violar, também, o princípio da eficiência;


explica-se; se a regulação é um processo de ponderação de interesses, para que seja
alcançado o ponto ótimo, de equilíbrio entre custos e benefícios da regulação, é
fundamental a participação dos interessados para que os interesses a serem ponderados
sejam conhecidos. Assim, a audiência pública e a coleta pública de opiniões representam
o cenário adequado para a identificação e valoração desses interesses em conflito, sendo
o direito de participação instrumento de atendimento dos princípios republicano,
democrático, do devido processo legal, da eficiência, da legitimidade e da publicidade.

Afinal, quem administra bem alheio tem o dever de dar contas de suas ações, em
homenagem ao princípio da publicidade, que viabiliza o controle social da administração
pública. A formação da vontade do Estado decorre da vontade da sociedade, livremente
manifestada, não podendo ser desconsiderada ou inviabilizada tal manifestação.

Como dito, a complexidade de vida em sociedade exige que a lei seja implementada por
comandos técnicos, emanados de agentes especializados, capazes de valorar o peso dos
interesses em tensão. Tudo isso deve se desenvolver no devido processo legal, porque a
decisão regulatória, ainda que de caráter normativo, implica em escolhas que restringem
direitos, devendo ser assegurada a observância do princípio da ampla defesa no
procedimento de ponderação. Só assim será atendido o dever de bem administrar, no
exercício da função regulatória, que, frise-se, impõe a ponderação entre interesses, que
devem, antes, ser conhecidos para serem pesados.

As audiências públicas permitem que os administrados tomem conhecimento prévio do


conteúdo e opinem na formulação de atos que afetarão suas rotinas e direitos, tendo,
para a administração, a função de ser um evento no qual poderá ser feita a aferição das
repercussões sobre a sociedade, e sobre os diversos setores regulados, ampliando seu
conhecimento sobre a realidade em que vai ser aplicado o ato regulatório. Se é certo que
tal audiência não possui caráter decisório, tendo natureza consultiva, não é menos exato
que se trata de um ato oficial e que, nesta condição, deve ter os seus resultados levados
em consideração. É o que se denomina de princípio do hard look, como sendo a
obrigação de decidir de acordo com elementos fornecidos, constantes dos registros da
audiência, o que diminui a autonomia da administração. Do contrário, de nada adiantaria
o mero ato formal de audiência pública e coleta de opinião se as contribuições oferecidas
não fossem consideradas. A noção de interesse público representa o somatório de
interesses privados, que a Administração deve harmonizar e não um mero ato unilateral
da administração.

É o cumprimento do princípio do devido processo legal, observando o direito de


participação, que permite o controle da razoabilidade das decisões regulatórias, a exigir
demonstração não só do critério adotado como a escolha entre diversas opções (o que
envolveria a oitiva de muitos grupos, num processo de controle social).

A partir dessas funções normativa, executiva e judicante vão surgir diversos conflitos
entre as agências reguladoras e os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

7. Princípio da separação de poderes e agências reguladoras

7.1 Conflito entre agências reguladoras e Poder Legislativo

A entrada das agências reguladoras e da função regulatória na administração pública


veio acompanhada de alguns conflitos com as funções e estruturas então existentes.

Um conflito, que parece estar superado, é entre agência reguladora e Poder Legislativo.
O argumento era no sentido de que o agente regulador produz normas, que interferem
na liberdade empresarial, quando, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, só a lei
produz direitos e obrigações.

Na verdade, quando, por força do princípio da legalidade, se fala que "ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", é a lei que
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AS AGÊNCIAS REGULADORAS E OS PRINCÍPIOS
CONSTITUICIONAIS

atribui função normativa às agências reguladoras, para que possam implementar as


políticas públicas idealizadas pelo legislador; isso decorre do reconhecimento de que o
legislador não tem nem o conhecimento técnico, nem a proximidade e nem a celeridade
que se exige para o acompanhamento do fenômeno econômico, que é cada vez mais ágil
que a atividade legislativa do Estado; essa celeridade dos fatos econômicos exige um
acompanhamento mais próximo e mais adequado, com o devido tratamento técnico,
para se alcançar a eficiência por meio de conhecimentos que permitam a adequada
disciplina do setor; dai o formato de agências reguladoras.

7.2 Conflito entre agência reguladora e Poder Executivo

Antes mesmo da discussão sobre a violação do princípio da legalidade, o primeiro


conflito foi causado pelo fato de a Constituição só ter mencionado dois órgãos
reguladores, a saber, para os setores de petróleo e gás natural e para as
telecomunicações. Logo foi levantada a tese no sentido de que só ali poderiam surgir
agências; nenhuma outra seria constitucionalmente admissível porque a agência
reguladora estaria subvertendo funções de intervenção do Estado na economia sem
previsão constitucional.

Esta tese não prosperou, exatamente em função de que o art. 174, da CF/1988
(LGL\1988\3) já previa na intervenção do Estado na economia por meio da regulação. A
agência reguladora é apenas uma estrutura administrativa para o desempenho dessa
função da administração pública. Logo, se a função de regulação já existia, havia uma
discricionariedade legislativa para criar ou não agências reguladoras que a
personificassem. Foi esta discricionariedade legislativa que o constituinte procurou
afastar nos segmentos do petróleo, gás e telecomunicações. Isto porque, nesses casos,
deixou de haver um monopólio, sendo obrigatório que surgissem agências para
disciplinar o surgimento do mercado nesses setores. Nos demais casos, foi mantida essa
discricionariedade legislativa (que exige iniciativa privativa do Chefe do Poder
Executivo).

Reconhecido que em virtude de lei, a atividade regulatória é uma atividade


administrativa, surge, então, um outro conflito, entre a agência reguladora e o Poder
Executivo, no que concerne ao desempenho da função regulamentar.

No art. 84, IV, da CF/1988 (LGL\1988\3) dispõe que compete privativamente ao Chefe
do Poder Executivo expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei. Diante
de tal disposição constitucional, entendeu-se que a agência reguladora não poderia
editar regulamentos.

Na verdade, a agência reguladora não edita regulamentos; ela exerce uma função
regulatória, que pode envolver a produção de normas, mas abrange, também, a
produção de atos executivos e de atos judicantes (de solução de conflitos entre os
agentes regulados). Nesse passo, a regulação é bem mais ampla que a simples função
regulamentar. Mas as diferenças não param por aí. Mais que isso, a agência reguladora
exerce uma função de natureza técnica de intervenção do Estado na economia por meio
da ponderação entre interesses; essa responsabilidade, de exercício de uma função
técnica, não é exigida da autoridade política e singular do chefe do Poder Executivo, que
não tem o compromisso de atuar tecnicamente, embora não esteja proibido de fazê-lo; a
idéia da atividade regulatória é chegar a um resultado de intervenção após um processo
administrativo (normativo, executivo ou judicante) de ponderação entre interesses e
atingir motivadamente o ponto de equilíbrio.

Cabe um exemplo para demonstrar como essa motivação técnica difere dos atos de
natureza política. Cite-se a disciplina do artigo do Código de Defesa do Consumidor, que
determina que os preços devem ser ostensivamente colocados à disposição do
consumidor. Esse conceito jurídico indeterminado foi politicamente interpretado para dar
resposta a alguns inconvenientes noticiados pela imprensa. Por meio do emprego de
códigos de barra, alguns supermercados expunham o consumidor a situações
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AS AGÊNCIAS REGULADORAS E OS PRINCÍPIOS
CONSTITUICIONAIS

constrangedoras, de verem os preços dos produtos nas gôndolas serem diferentes


daqueles encontrados no pagamento. Resolveu-se interpretar, de imediato, por decreto,
que o termo ostensivamente deveria ser atendido com a fixação do preço do produto por
meio de etiquetas, contrariando toda a evolução tecnológica representada pelo uso do
código de barras. Ora, isso obrigou todos os fornecedores ao custo da aquisição das
etiquetas, ao custo do serviço para aposição do preço das mercadorias nas etiquetas, ao
custo da contratação de mais funcionários para a operação de máquinas registradoras
para poderem liberar os supermercados das filas; obviamente, num regime de livre
iniciativa, esses custos adicionais criados para a comercialização foram repassados aos
preços dos produtos; isso não representaria um aumento arbitrário de lucros. Em
síntese, a despeito de produzir defesa do consumidor, o resultado, despido do
compromisso técnico da ponderação, foi elevar o preço dos produtos para o consumidor
que se buscou defender. Isso jamais seria considerado como válido numa atividade
regulatória, que tem por compromisso a ponderação entre os interesses envolvidos com
vistas a maximizar os benefícios e minimizar os custos, mas sempre ponderando entre
interesses em tensão.

Assim, as funções não são semelhantes; a própria Constituição trata da regulação no


art. 174, e da regulamentação, no art. 84; são termos constitucionais distintos, que
produzem, portanto, um resultado obrigatoriamente diverso. Não se pode presumir que
o constituinte fez uso de dois termos diversos para alcançar o mesmo resultado.

Vale, também, apontar que este conflito surge, especialmente, em matéria de fixação ou
modificação do valor de tarifas públicas, que, apesar de nem sempre refletirem os
interesses políticos de controle da inflação, devem representar a preservação da equação
econômico-financeira idealizada pelos investidores no momento da celebração do vínculo
com a administração pública. Cabe, pois, ao regulador zelar pela preservação dessa
equação, o que é matéria técnica, que ultrapassa a noção de supervisão administrativa a
que a agência está sujeita por integrar a administração.

7.3 Conflito entre agência reguladora e Poder Judiciário

Há, ainda, conflitos de competência com o Poder Judiciário.

O fato da agência reguladora ser independente não significa que não possa ser objeto de
controle. Esse controle pode ser administrativo, via contrato de gestão, controle social -
por meio do direito de petição a ouvidorias ou aos legitimados à apreciação da validade
dos atos - ou até por meio do recurso hierárquico impróprio (que se limite à declaração
de ilegalidade de atos regulatórios, após prévio parecer jurídico sobre o tema); pode se
dar o controle no âmbito do Poder Legislativo (para sustação dos efeitos dos atos ilegais)
e dos Tribunais de Contas (limitado este ao exame das contas e não da parte regulatória
em si) e, por fim, o controle judicial.

O que não pode haver é a substituição da interpretação técnica do regulador pela


interpretação técnica do controlador, já que isso subverteria todo o processo regulatório,
que começa pela própria investidura dos reguladores ( notório saber, submetido a um
processo de legitimação política de suas investiduras, com indicação pelo Chefe do Poder
Executivo e sabatina pelo Poder Legislativo, o que não se exige do perito do juízo, por
maior que seja seu saber).

O controle dos atos regulatórios pelo Poder Judiciário envolve o exame da validade de
seus elementos - objeto, forma, motivo, competência, e finalidade - buscando-se apurar
se o regulador se manteve eqüidistante dos interesses e alcançou o ponto de equilíbrio
entre custos e benefícios, dentro da lei, observados os princípios da realidade, da
razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica.

O ato pode ser controlado com relação à sua forma, cabendo verificar a observância do
princípio do devido processo legal e do princípio democrático, para assegurar que o
processo de ponderação de interesses foi precedido do conhecimento dos interesses a
serem adequadamente ponderados, o que se dá por meio da participação.
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AS AGÊNCIAS REGULADORAS E OS PRINCÍPIOS
CONSTITUICIONAIS

O princípio da motivação(técnica) é de fundamental observância, já que foi a tecnicidade


que justificou a criação de agências reguladoras, devendo ser apurado se houve correta
ponderação entre os custos e benefícios envolvidos, o que, mais uma vez, exige que
sejam considerados os elementos apresentados pelos interessados (princípio do hard
look review, derivação do princípio da ampla defesa). Claro, no entanto, que para
viabilizar a motivação técnica é indispensável apreciar se foi atendido o requisito da
capacitação dos reguladores, no que concerne aos atributos de notório saber (além da
reputação ilibada).

O princípio da finalidade ou da impessoalidade do ato enseja a verificação do


atendimento do ponto de conciliação de todos os interesses envolvidos. A captura do
regulador por motivos políticos, demagógicos, econômicos ou qualquer imoralidade
representa desvio de finalidade que pode - e deve - ser controlada pelo Poder Judiciário
(princípio da moralidade).

A agência, tanto quanto o Judiciário, desenvolve uma função de solução de conflitos, o


que já existe no processo administrativo; este controle administrativo desenvolvido pelas
agências - que não inibe o controle jurisdicional - se desenvolve em três fases, a saber:
uma fase de conciliação, com identificação dos interesses em tensão e dos conflitantes,
já que as partes têm o poder de encerrar o litígio; frustrada essa etapa, passa-se à fase
de mediação, com a propositura de soluções pelo regulador, que, ainda assim, não
assume o direito das partes de encerrarem o litígio. Somente em último caso, em
homenagem ao princípio da subsidiariedade, se adentra na fase de arbitramento, com
imposição da decisão.

Nesse caso, que permite a retroalimentação do sistema, fazendo com que a experiência
do caso concreto vira norma, há fundamental diferença para o controle jurisdicional. É
que nesse controle se aplica um dever de visão prospectiva do regulador, identificando o
impacto da norma sobre casos futuros e sobre o mercado, de modo que o regulador não
se limita, como o magistrado, aos fatos ocorridos no passado e que envolvem apenas as
partes.

Também é relevante destacar a possibilidade de adoção de acordos substitutivos para


impedir ou encerrar o conflito, sempre em decorrência da noção de ponderação entre
custos e benefícios, já que, não raro, a substituição da penalidade por outra obrigação
pode trazer maiores vantagens à sociedade que a simples cobrança de uma multa ou
imposição de uma suspensão.

8. Conclusões

A busca da eficiência pela via da regulação é função técnica de valoração, ponderação e


busca do equilíbrio entre os interesses envolvidos. Envolve, ainda, uma adequação entre
custos e benefícios. Para tanto, deve ser assegurada a participação, que representa a
aplicação do princípio democrático por uma estrutura imune à interferência
político-partidária. Os atos regulatórios se submetem aos controles administrativo,
legislativo e jurisdicional, no que concerne ao atendimento dos elementos objeto,
motivo, finalidade, forma e competência, submetidos ao devido processo legal, já que
restringem interesses privados em prol do atendimento de outros valores
constitucionalmente reconhecidos.

* Transcrição de palestra proferida no Congresso Brasileiro de Direito Constitucional, em


São Paulo, no dia 25.05.2006.

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