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LAI NAS REDAÇÕES

Como acessar dados públicos para


produzir reportagens de impacto

FICHA TÉCNICA | Agosto/2021

SECRETÁRIA EXECUTIVA - ABRAJI: Cristina Zahar

GERÊNCIA EXECUTIVA- ABRAJI: Maria Esperidião

DIREÇÃO - FIQUEM SABENDO: Maria Vitória Ramos

SUPERVISÃO E EDIÇÃO: Maria Vitória Ramos

ORGANIZAÇÃO E REDAÇÃO : Taís Seibt

CONTEÚDO-BASE: Bruno Morassutti, Léo Arcoverde,


Luiz Fernando Toledo e acervo Fiquem Sabendo

DIAGRAMAÇÃO: Tiffany Magaldi

FINANCIAMENTO: IFEX - International Freedom of


Expression Exchange
ÍNDICE
Apresentação 04
LAI no jornalismo 10
1. Por que usar a LAI se posso falar com a assessoria de imprensa? 11
2. Em quais editorias a LAI pode ser útil? 12
Onde encontrar dados públicos 14
3. Como e onde posso cadastrar um pedido com base na LAI? 15
Para quais órgãos posso fazer pedidos com base na LAI? 16
4. Como devo escrever o pedido? 18
Pense no lide ao escrever um pedido 19
5. E se a resposta do órgão for insatisfatória? 20
I. Trabalhos ou custos adicionais 21
II. Pescaria ou fishing expedition 22
III. Informação pessoal 22
6. O que fazer se nada disso der certo? 24
7. Ok, mas como esses pedidos viram notícia? 25
I. Descobrir “funcionários fantasma” 26
II. Revelar casos de nepotismo 27
III. Mapear uso de redes e influenciadores 29
IV. Desvendar prioridades em agendas 31
V. Cavar manchetes nas entrelinhas de ofícios 33
VI. Encontrar falhas de gestão a partir de notas técnicas 34
VII. Revelar interesses ao nomear cargos em comissão 36
8. Como implementar a LAI na redação? 38
I. Invista em treinamento 39
II. Integre a LAI na rotina 39
III. Compartilhe suas solicitações de informações, respostas e dados 40
IV. Crie uma planilha compartilhada para monitorar pedidos 40
V. Faça cópia dos dados obtidos 41
VI. Consulte um advogado quando precisar 41
VII. Não desconsidere um pedido negado 41
VIII. Coloque a transparência em pauta 42
Conheça as legislações de transparêcia 43
9. Para concluir 44
APRESENTAÇÃO
Este guia sobre a Lei Federal 12.527/2011, ou Lei de Acesso à Informação (LAI), foi
produzido pela Fiquem Sabendo, agência de dados independente especializada
no acesso à informação, para o programa “LAI nas Redações” da Abraji - Associa-
ção Brasileira de Jornalismo Investigativo, com financiamento da IFEX - Interna-
tional Freedom of Expression Exchange.

O conteúdo é baseado em artigos e tutoriais produzidos pela equipe da Fiquem


Sabendo, especialmente os cofundadores Bruno Morassutti, Léo Arcoverde e Luiz
Fernando Toledo. Com centenas de pedidos protocolados em diferentes órgãos
governamentais nos últimos sete anos, a Fiquem Sabendo acumula conhecimen-
to teórico e experiência prática no uso da LAI, chegando a um conjunto de boas
práticas que costumam aumentar as chances de sucesso na obtenção de dados
públicos para produzir reportagens de impacto.

Este material é exclusivo para os participantes dos treinamentos do programa


“LAI nas Redações” que responderam à pesquisa de conclusão do curso e não
deve ser compartilhado com terceiros.

Abraji e a LAI
A Abraji foi uma das autoras no processo de aprovação da Lei de Acesso à Infor-
mação (LAI), juntamente com outras organizações da sociedade civil. O amplo
acesso a informações públicas é um tema caro à Abraji desde a sua fundação, em
2002, fazendo parte, inclusive, do estatuto da associação. Em 2003, foi realizado
o Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, onde
se destacou a urgência de se regulamentar esse direito no Brasil. Houve uma
crescente inserção do tema em debates nacionais e na mídia, forçando os entes
públicos a se posicionar.

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Após o evento, foi constituído o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas,
coalizão que reúne 24 entidades da sociedade civil e é coordenada pela Transpa-
rência Brasil. O Fórum teve importante participação nas iniciativas pela aprovação
de uma lei de acesso a informações públicas: em maio de 2009, após o 2° Seminário
Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, a Casa Civil da Pre-
sidência da República enviou à Câmara dos Deputados o PL 5228/2009, que deu
início efetivo ao processo legislativo para a aprovação da Lei de Acesso à Informação.

Desde a aprovação da LAI, em 2011, a Abraji vem acompanhando sua implementa-


ção e estimulando o uso dessa ferramenta entre jornalistas, seja inserindo oficinas
e debates sobre o acesso à informação em seus congressos anuais, seja realizando
pesquisas com jornalistas sobre sua experiência com a LAI. Em 2021, a quarta edi-
ção do relatório bianual iniciado em 2013 com o objetivo de avaliar o uso da LAI por
jornalistas do Brasil mostrou que praticamente metade dos jornalistas participantes
(48,44%) nunca fizeram pedidos de acesso à informação para apurar reportagens.
Esse resultado inspirou a criação do programa “LAI nas Redações”, com o objetivo
de realizar treinamentos dentro dos veículos de mídia brasileiros.

Sobre a Fiquem Sabendo


A Fiquem Sabendo é uma agência de dados independente especializada no aces-
so à informação. Instituição sem fins lucrativos e apartidária, a Fiquem Sabendo
realiza pedidos de acesso, denúncias e processos com uma equipe multidisciplinar,
atuando na abertura de dados de interesse público e social em todas as esferas do
poder público (Executivo, Legislativo e Judiciário) e em todas as instâncias (Munici-
pal, Estadual e Federal).

A agência trata os dados, analisa os documentos e distribui informações do poder


público para cidadãos, jornalistas, pesquisadores, veículos de mídia, ativistas e ONGs
comprometidas com a transparência governamental. Produz, ainda, reportagens

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inéditas sobre diversos temas, como Economia, Saúde, Segurança e Meio Ambien-
te, em colaboração com diversos veículos de abrangência local e nacional, além
de disponibilizar tutoriais e dados em seu próprio site e nas edições quinzenais da
newsletter Don’t LAI to me, que conta com mais de 6 mil assinantes.

O trabalho da Fiquem Sabendo é financiado por projetos especiais e doações indi-


viduais através da campanha de financiamento coletivo disponível em catarse.me/
fiquemsabendo.

LAI nas Redações


Abraji e Fiquem Sabendo se unem no programa “LAI nas Redações”,
financiado pela IFEX, para levar treinamento a jornalistas de 10 veí-
culos brasileiros sobre o uso da Lei de Acesso à Informação (LAI) no
processo de apuração de reportagens. A iniciativa surgiu a partir da
pesquisa “Uso da Lei de Acesso a Informações por Jornalistas: 4º Re-
latório de Desempenho”, que revelou o desconhecimento ou pouco
uso desse dispositivo legal entre os profissionais de imprensa no Brasil.

O curso online e gratuito será oferecido a partir de outubro de 2021


aos veículos de comunicação contatados previamente pela Abraji
durante a elaboração da pesquisa. O projeto tem duração de um
ano, e a meta é treinar 300 jornalistas de todo o país. Além de uma
resposta à pesquisa, o programa também visa fortalecer o jornalismo
brasileiro, em um cenário de desinformação e ataques à imprensa.

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O direito de acesso à informação já estava previsto no artigo 5º da Constituição
Federal de 1988, mas a cultura do sigilo herdada de décadas de governos militares
prevalecia até a regulamentação da Lei nº 12.527/2011, mais conhecida como Lei de
Acesso à Informação (LAI), que estabelece de forma ainda mais clara a transparên-
cia como regra e o sigilo como exceção. Como ocorre com qualquer legislação, se
não houver fiscalização constante e pressão social significativa, sua efetividade fica
limitada, abrindo margem para retrocessos.

Nesse sentido, ao reafirmar o acesso a dados públicos como um direito do cidadão,


a lei publicada em novembro de 2011 e em vigor desde maio de 2012 se apresenta
como uma ferramenta fundamental para a imprensa cumprir seu papel de fisca-
lizar o poder. Após quase uma década de existência, porém, a legislação ainda é
pouco utilizada - e até mesmo pouco conhecida - pela maioria dos repórteres. Con-
forme o mais recente levantamento da Abraji sobre o tema, publicado em maio
de 2021, quase metade (48,44%) dos 384 entrevistados nunca fizeram pedidos de
acesso à informação para apurar reportagens.

Você já fez pedido(s)


baseado(s) na Lei de
Acesso à Informação 52% 48%
na apuração para
reportagens?

SIM NÃO

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É por isso que a Abraji, em parceria com a Fiquem Sabendo, e financiamento da
IFEX, lança este guia para o uso da LAI nas redações, aliado a um programa de trei-
namentos que tem por objetivo disseminar esse dispositivo como ferramenta de
apuração jornalística.

Em um ambiente de turbulência institucional e ascensão de ataques ao exercício


da profissão, pressionar pelo acesso a dados públicos nunca foi tão necessário para
a atuação de jornalistas em defesa da democracia. Assumir protagonismo na co-
brança por transparência pública, colocando-se em posição de destaque no con-
trole social das instituições governamentais, é uma oportunidade estratégica para o
jornalismo no cenário atual. Isso está ao alcance de redações de todos os tamanhos
e em todas as partes do país, como você vai ver nas páginas a seguir.

O guia parte de perguntas-chave comuns entre jornalistas iniciantes no uso da LAI,


mesclando orientações gerais, exemplos práticos de reportagens produzidas com
dados públicos e templates de pedidos e recursos que podem ser utilizados no dia
a dia das redações, além de dicas para implementar processos de organização e
monitoramento de solicitações feitas ao poder público com base na LAI. O princi-
pal objetivo é descomplicar a LAI para que ela possa ser mais utilizada na produção
de reportagens de impacto com base em dados públicos, fortalecendo o jornalis-
mo e a democracia.

Boa leitura!

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LAI NO JORNALISMO
1. Por que usar a LAI se posso falar
com a assessoria de imprensa?
Esse é um questionamento inicial que pode ocorrer a muitos jornalistas e tam-
bém aos assessores de imprensa de órgãos governamentais, pois existe uma rela-
ção construída ao longo de décadas de prática jornalística entre repórteres e as-
sessores de imprensa. Por melhor que seja essa relação, no entanto, não se pode
esquecer que o assessor defende os interesses da instituição que ele representa
e, muitas vezes, pode fornecer apenas parte da informação ou ainda usá-la como
moeda de troca.

Ao fazer um pedido usando o Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), como é cha-


mado o canal para se registrar solicitações com base na LAI, o repórter terá acesso
à informação direto da fonte, sem a mediação de uma assessoria de imprensa.
Inclusive, usar esse mecanismo pode ser uma saída quando a manifestação do go-
vernante é dificultada pelo assessor. Diferentemente do assessor em comunicações
informais com jornalistas, o servidor público que responde pelos canais oficiais é
obrigado por lei a conceder a íntegra da informação e pode ser punido caso des-
cumpra a legislação. Além disso, o repórter pode avaliar a experiência que teria um
cidadão interessado naqueles dados, sem o privilégio de contatar uma assessoria
de imprensa.

Nem sempre o poder público colabora para isso, pois é comum que o responsável
pelo SIC encaminhe à assessoria de comunicação pedidos feitos por jornalistas,
quando consegue identificar a profissão no cadastro ou pela prática de pesquisar
o nome do solicitante na internet. É importante esclarecer que isso contraria os
parâmetros da LAI e o próprio princípio constitucional da impessoalidade da admi-
nistração pública, previsto no art. 37 da Constituição: não se pode fazer diferença

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no tratamento de uma demanda conforme quem solicita, todos os cidadãos de-
vem ser atendidos da mesma forma.

Usar os canais de atendimento ao cidadão, portanto, pode render informações in-


teressantes para uma reportagem tanto pela forma quanto pelo conteúdo da res-
posta. Inclusive, a falta de uma determinada informação pode virar manchete. Mas
também não é preciso decretar o rompimento total de relações com assessores
de imprensa. Em muitos casos, o arranjo ideal é fazer consultas via SIC e repercutir
com a assessoria para cruzar respostas e obter esclarecimentos adicionais.

2. Em quais editorias a LAI pode


ser útil?
Existe uma noção distorcida de que a LAI faz sentido apenas para reportagens
na editoria de política ou em investigações de corrupção, por estar intimamente
ligada a ações de governo. Só que o governo atua em todas as áreas da vida social:
saúde, educação, emprego, meio ambiente, cultura, moradia, esporte, etc. Não
há restrições temáticas para se obter informação com base na LAI. A ideia básica
é: tudo o que envolve um “bem público” pode ser perguntado e o governo deve
prestar contas.

Como “bem público” podemos entender, de forma geral, tudo o que é do governo
e, portanto, não pertence a uma pessoa física ou empresa privada. O fato de um
bem ser privado não necessariamente impede de obter informações sobre ele.
Todo bem privado está sujeito à observância e cumprimento de regras públicas
(sanitárias, estruturais, segurança, trânsito, ambientais, urbanísticas, regulatórias,
etc.) para sua utilização, sob pena de aplicação de alguma penalidade em caso
de descumprimento. Assuntos relacionados a essas questões de “ordem pública”

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podem ser requisitados aos órgãos governamentais responsáveis por meio da LAI,
mesmo que envolvam pessoas ou empresas privadas.

É possível pedir informações sobre qualquer questão que envolva dinheiro públi-
co, pois a Constituição Federal (art. 70) exige prestação de contas de “qualquer
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, geren-
cie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União res-
ponda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”. Toda
pessoa física ou jurídica que receba algum recurso público, independentemente
do valor, deve prestar contas.

Também está previsto na LAI que certas informações devem ser disponibilizadas
sem necessidade de solicitação, ou seja, por transparência ativa. Quando os dados
são fornecidos mediante solicitação, usando os canais do SIC, por exemplo, ocorre
a transparência passiva. Todos os órgãos do poder público devem disponibilizar
por transparência ativa dados de despesas, salários, receitas, informações classifi-
cadas e desclassificadas, entre outros (consulte a lista completa no Art. 8º da LAI).
Essas informações geralmente estão no site oficial do órgão público ou em por-
tais de transparência e de dados abertos (conheça alguns sites úteis no quadro).
A Lei do Governo Digital, sancionada em 2021, colocou ainda mais obrigações de
transparência ativa no governo federal.

As regras da LAI se aplicam às três instâncias governamentais (federal, estadual


e municipal), com algumas exceções em exigências de transparência ativa para
municípios com até 10 mil habitantes. Mesmo estes, vale destacar, não ficam de-
sobrigados de responder demandas de cidadãos por transparência passiva, ou
seja, deve ser disponibilizado um canal para o cidadão entrar em contato com o
poder público para pedir informação, mesmo que seja um telefone, um e-mail ou
um protocolo em meio físico (papel). As exigências da LAI também se estendem
aos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

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Onde encontrar dados públicos

Poder Executivo Poder Judiciário


Federal Federal
• Portal Brasileiro de Dados • Portal da Transparência do STF
Abertos | CGU • Remuneração dos magistrados
• Portal da Transparência | CGU | CNJ
• Painel de Viagens (passagens • Repositório de Dados Eleitorais
aéreas e diárias) | ME | TSE
• Painel de Compras (itens e
preços) | ME
• Painel Coronavírus (dados Outras fontes
Covid-19) | MS
• Busca e-SIC (pedidos já
de dados
respondidos via LAI) | CGU • Achados e Pedidos (reúne

• Tesouro Transparente pedidos de diversos órgãos e

| Tesouro Nacional monitora a transparência de dados


socioambientais) | Transparência
Brasil e Abraji
• Base dos Dados (trata e republica
Poder Legislativo bases de dados públicas)
Federal • Brasil.io (otimiza acesso a grandes
• Portal da Transparência bases de dados)
da Câmara dos Deputados • Catálogo de dados ambientais
• Portal de Dados Abertos | Escola de Dados
da Câmara do Deputados • Querido Diário (diários oficiais em
• Portal da Transparência formato aberto) | Open Knowledge
do Senado Brasil

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Dica: Se você ainda não é assinante da newsletter Don’t LAI to me, cadastre-se
para receber quinzenalmente em sua caixa de entrada uma série de dados públi-
cos obtidos pela equipe da Fiquem Sabendo no governo federal, estados e muni-
cípios. Os dados são de livre reprodução para uso jornalístico (consulte as normas
de republicação).

3. Como e onde posso


cadastrar um pedido com base
na LAI?
O meio mais utilizado para registrar pedidos é o Serviço Eletrônico de Informação
ao Cidadão, o e-SIC. Cada órgão tem seu próprio canal, cujo link deve estar dispo-
nibilizado no site oficial. O governo federal adotou em 2020 uma nova plataforma
unificada à Ouvidoria, o FalaBR, onde podem ser registrados pedidos para os dife-
rentes órgãos federais, inclusive hospitais e universidades, além de alguns órgãos
estaduais e municipais, mas a maioria dos Estados e municípios continua operan-
do por meio de e-SICs próprios. Você encontra links para esses serviços estaduais
nesta lista organizada pela Fiquem Sabendo e de serviços municipais no Colabo-
radados. A Data Privacy Brasil também oferece uma tabela com links e contatos
de e-SICs municipais e estaduais em todo o país.

O primeiro passo, portanto, é fazer um cadastro no e-SIC do órgão de seu interesse,


informando seus dados pessoais para criar login e senha de acesso. Vale reforçar
que seus dados ficam à disposição somente do gestor do sistema, não sendo infor-
mado ao órgão destinatário do pedido quem é o solicitante, de forma a garantir o
princípio da impessoalidade no atendimento, como já comentamos. No governo
federal e em alguns Estados existe a opção de fazer o pedido marcando a opção de
não se identificar (pedido anônimo). Na falta desse recurso no próprio sistema, você

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pode usar o serviço Queremos Saber, da Open Knowledge Brasil. Eles cadastram
seu pedido e depois te encaminham a resposta por e-mail.

Em geral, os sistemas eletrônicos são bastante intuitivos, com campos para você se-
lecionar o órgão destinatário (a secretaria específica do governo do seu Estado, por
exemplo), um espaço para redigir o texto do pedido (em alguns casos, há limitação
de caracteres) e a possibilidade de incluir documentos anexos (caso você queira indi-
car uma referência que possa ajudar o órgão a compreender e atender seu pedido).
O sistema gera um número de protocolo para você acompanhar a demanda pela in-
ternet. É importante guardar este número para rastrear e documentar seus pedidos.

Geralmente, as movimentações são informadas pelo e-mail cadastrado, portanto,


cadastre um endereço que você possa acessar com alguma frequência para não
perder respostas e prazos para recursos. No Senado, em alguns Estados e municí-
pios não há um sistema de cadastro único do usuário e, para acompanhar o pedi-
do, é preciso ter em mãos o protocolo e senha gerados no cadastro da solicitação.
Por isso, é importante manter um arquivo pessoal com essas informações (veja
mais sobre isso no capítulo 8).

Para quais órgãos • Serviços Sociais Autônomos, como


o Sistema S (Sebrae, Senac, etc.);
posso fazer pedidos • Parcerias Público Privadas (PPP),

com base na LAI? como companhias de saneamento,


transporte público, administração de
hospitais, presídios e outros serviços,
• Administração pública direta: nas informações relacionadas ao uso
secretarias, ministérios, conselhos, de dinheiro público, indicadores de
comissões, etc.; atendimento e dados de acesso aos
• Estatais, como a Petrobras serviços;
e os Correios; • Organizações sem fins lucrativos
• Autarquias, como Incra, ICMBio no que se referem a recursos obtidos
e agências reguladoras (Anvisa, do poder público, como associações
Ancine, etc.); de assistência social.

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1. O prazo estabelecido na LAI para um pedido ser atendido é de 20
dias corridos, ou seja, contam dias úteis, feriados e finais de semana.

2. O prazo pode ser prorrogado por mais 10 dias corridos, median-


te justificativa. Se você não receber nenhuma resposta nesse tempo,
pode registrar uma reclamação, usando a opção de recurso no pró-
prio e-SIC.

3. Se você recebeu uma resposta, mas ela foi insatisfatória por estar
incompleta ou não corresponder ao que você solicitou, você pode re-
correr no prazo de 10 dias a contar do registro da resposta no sistema.

4. São quatro instâncias de recurso. Nas duas primeiras, que correm


dentro do órgão questionado, o poder público tem cinco dias para
responder - acatando ou não a sua justificativa.

5. A terceira e a quarta instância têm prazo variável para resposta,


uma vez que são julgados, no caso do governo federal, pela Controla-
doria-Geral da União (CGU) e pela Comissão Mista de Reavaliação de
Informações (CMRI), respectivamente, ou pelas ouvidorias e controla-
dorias estaduais e municipais.

Também é possível protocolar pedidos de informação pessoalmente, por e-mail,


por telefone ou até pelos correios. Todo site governamental possui uma seção es-
pecífica destinada ao acesso à informação com essas informações de contato.

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4. Como devo escrever
o pedido?
Não há um formato específico de redação recomendado na LAI, mas observar al-
guns cuidados é importante. Com milhares de pedidos registrados nos últimos
anos, a Fiquem Sabendo chegou a uma receita de 10 passos que têm gerado bons
resultados. O passo a passo completo foi publicado no Guia de Bolso da LAI, edi-
tado em 2020 e oferecido como uma das recompensas aos apoiadores da cam-
panha de financiamento contínuo da agência, mas resumimos as principais dicas
para te ajudar a redigir um bom pedido.

Ser claro e objetivo é a primeira delas. Não se preocupe em escrever formalmen-


te ou parecer um advogado. O principal é que sua demanda seja compreendida
facilmente pelo servidor público que irá receber a solicitação. Inclusive, repetir a
mesma palavra várias vezes pode ser mais eficaz do que buscar sinônimos, para
evitar confusão quando seu pedido for avaliado.

Outra dica importante é, de preferência, pedir uma só informação em cada deman-


da, pois dentro de um mesmo órgão público é possível que cada dado que você
pede seja de responsabilidade de um setor interno específico. Organizar o pedido
em itens numerados também é uma alternativa. A lista numerada também facilita
na hora de registrar um recurso se a resposta vier incompleta, pois você pode indicar
de forma clara e direta que os itens X e Y da lista não foram respondidos pelo órgão.

Sempre que for possível indicar o link de um site para dar referência da informação
que você está pedindo, como uma notícia do portal oficial do governo ou de um
site jornalístico em que o agente público falou sobre o assunto, inclua no pedido.

Anexar documentos de referência, como pedidos protocolados anteriormente que


possam servir como precedentes, também ajuda.

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Especialmente se o seu pedido envolve dados estatísticos e você espera receber
uma planilha em formato aberto, especifique isso no pedido: Requisito que as
informações indicadas no item 1 sejam fornecidas em formato aberto (planilha
em .csv ,.ods, etc), nos termos do art. 8º, §3º, III da Lei Federal 12.527/11 e art. 24, V
da Lei Federal 12.965/14. Arquivos em formato *.pdf não são abertos (vide o item
6.2 da Cartilha Técnica editada pelo Ministério da Economia em: http://dados.
gov.br/pagina/cartilha-publicacao-dados-abertos)”.

Lembre-se que é expressamente proibido ao órgão público questionar o motivo


do cidadão para requerer informações, assim como não se deve informar dados
pessoais no texto do pedido e nem pode ser exigida identificação do cidadão pelo
órgão destinatário do pedido.

Pense no lide ao escrever


um pedido
O clássico lide jornalístico é bastante útil para escrever um pedido
de informação claro, conciso e completo. Um exemplo:

Requisito acesso ao estudo (o quê?) mencionado pelo secretário (quem?)


em entrevista presencial (como?) realizada em 21/07/2019 (quando?) na
rádio da cidade (onde?) em resposta à pergunta do entrevistador sobre as
medidas tomadas para ampliação da rede pública de ensino (por quê?).

Fique atento! Não confunda o “por quê?” do pedido com o “para quê?”
você pretende usar o dado que está solicitando. Você não precisa nem
deve justificar a razão de um pedido de informação, pois isso contraria a
LAI. O governo tem obrigação de fornecer os dados de interesse público e
jamais pode exigir que o cidadão apresente o motivo da pergunta.

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5. E se a resposta do
órgão for insatisfatória?
Ao receber a resposta do seu pedido, você tem 10 dias de prazo para recorrer, caso
a informação solicitada não seja fornecida de forma satisfatória. Uma primeira aná-
lise a ser feita é comparar se todas as perguntas feitas foram respondidas - por isso
apresentar o pedido em forma de lista numerada é importante. Se há itens não
respondidos, recorra.

Caso não tenha entendido alguma informação, divida a resposta com um colega
ou especialista no assunto. Se faltou clareza sobre algum item, tente pedir escla-
recimentos em um recurso ou registre um novo pedido requisitando informações
complementares. Informe o protocolo do pedido original e anexe uma cópia do
pedido e da resposta para ajudar.

Quando o órgão não possui a informação requerida, e por isso responde negativa-
mente, a LAI estabelece que deve ser indicado na resposta, se for do conhecimento
daquele órgão, qual a entidade detentora da informação. Se possível, deve reme-
ter o requerimento a esse órgão ou entidade, cientificando o requerente de que
o pedido foi encaminhado. Fique atento a isso para avaliar se deve protocolar um
recurso ou fazer um novo pedido ao órgão correto.

Se o acesso for negado, o órgão deve indicar as razões da recusa total ou parcial da
solicitação. Se for citado algum parecer, informação, nota técnica, estudo, etc., esse
documento deve ser anexado à resposta. Se esses requisitos não estiverem presen-
tes, você pode recorrer. Se estiverem, observe as justificativas apresentadas pelo
órgão para negar acesso ao dado solicitado para redigir um recurso convincente.
Conheça os motivos mais comuns e saiba como argumentar.

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I. Trabalhos ou custos adicionais

Uma das justificativas mais frequentes é a restrição de acesso em razão de “traba-


lhos adicionais”. Entende-se que um requerimento de informação não deve, em
tese, inviabilizar o funcionamento de uma entidade ou órgão público, por isso, é
comum aparecer mais ou menos isso em respostas negativas: “Conforme o Decre-
to Federal 7.724/2012, não serão atendidos pedidos de acesso à informação que
exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados
e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de
competência do órgão ou entidade”.

Muitas vezes, essa hipótese é usada de forma abusiva ou sem critérios, mas a le-
gislação estabelece que, nesses casos, o órgão público deve informar, no lugar da
informação requerida:

a) O estado atual de armazenamento das informações/dados requeridos (se


em mídia física ou eletrônica);
b) O volume aproximado de informações/dados (em folhas ou megabytes, gi-
gabytes, etc);
c) O tipo de tratamento que seria necessário para analisar, interpretar ou con-
solidar os dados ou informações;
d) A quantidade de horas de trabalho necessária para realizar o tratamento
indicado no item “c”;
e) A informação da quantidade de recursos humanos à disposição do órgão;
f) A informação da análise de impacto do requerimento (“quantidade de ho-
ras” vs “recursos humanos disponíveis” vs “carga de trabalho regular do órgão”).

Caso não informe todos os itens, não é lícita a utilização da hipótese de negativa
de fornecimento por trabalho adicional. Você pode recorrer citando os requisitos
acima e exigir que o órgão forneça a informação ou, no lugar disso, indique os ele-
mentos listados.

21
Com relação a “custos adicionais desproporcionais e não previstos”, o mesmo de-
creto estabelece que deve ser apresentada “análise sobre a quantificação de tais
custos e sobre a viabilidade da inclusão das bases de dados em edição futura do
Plano de Dados Abertos”. Caso a resposta negativa não apresente essa análise, você
pode recorrer citando a norma para que o órgão forneça os dados ou, pelo menos,
apresente o estudo exigido por lei para negar o acesso.

II. Pescaria ou fishing expedition

Outra recusa que tem aparecido com alguma frequência é por “fishing expedition” ou
“pescaria”. Uma reportagem recente da Agência Pública abordou esse tema. Órgãos
públicos costumam chamar de “pescaria” o pedido ou conjunto de pedidos de infor-
mações cujo objeto é amplo, alcançando muitos documentos, ou quando a temática
dos arquivos não possui uma vinculação aparente. O termo em inglês fishing expedi-
tion é usado juridicamente para descrever uma pesquisa ampla por informações em
busca de algum fato que possa incriminar uma pessoa ou instituição a qualquer custo.

A expressão foi utilizada em alguns pareceres da Controladoria-Geral da União


(CGU) para caracterizar situações em que um pedido poderia ser considerado des-
proporcional, mas “pescaria” não é uma justificativa válida para negar acesso a da-
dos com base na LAI. Casos em que o pedido é considerado desproporcional se
enquadram na lógica dos trabalhos ou custos adicionais e devem ser justificados
conforme estabelecido na regulamentação, ou seja, cabe recurso quando não é
claramente explicada a desproporção.

III. Informação pessoal

Por fim, também têm se mostrado cada vez mais frequentes negativas fundamen-
tadas em sigilo da informação, motivadas principalmente pela Lei Geral de Prote-

22
ção de Dados (LGPD), que passou a vigorar em agosto de 2020. Não raro, essa justi-
ficativa é acionada de forma abusiva, até porque a LGPD deixa claro que a proteção
de dados pessoais não pode prejudicar a divulgação de informações de interesse
público. Quando a LGPD entrou em vigor, a Fiquem Sabendo ouviu especialistas
sobre o tema, e segue acompanhando os desdobramentos.

Como citamos logo de entrada, a LAI estabelece a “observância da publicidade


como preceito geral e do sigilo como exceção”, o que já era garantido pela Consti-
tuição de 1988. De acordo com a LAI, informações públicas podem ser classificadas
como ultrassecretas, secretas e reservadas. Para cada um desses graus de sigilo há
um prazo máximo de restrição, a ser contado a partir da data da produção da infor-
mação. Os prazos são, em ordem, até 25 anos, até 15 anos e até cinco anos.

Encerrado o prazo de sigilo, a informação se torna automaticamente pública, não


sendo necessário que alguém faça uma nova análise ou declare que as infor-
mações se tornaram públicas. Para que possa legalmente restringir o acesso, o
órgão deve indicar expressamente qual grau de sigilo é aplicável à informação,
o assunto sobre o qual versa a informação, o fundamento fático e o jurídico da
classificação, o prazo do sigilo e a identificação da autoridade classificadora. Caso
quaisquer desses requisitos não constem na resposta, você pode recorrer citando
no recurso as exigências previstas na LAI. Recorra pedindo ao órgão a cópia do
Termo de Classificação da Informação (TCI), documento obrigatório para se colo-
car uma informação em sigilo.

Infelizmente, em casos de sigilo expirado o governo pode lançar mão de algumas


manobras para driblar a abertura das informações. Em artigo para a piaui, Luiz Fer-
nando Toledo recupera o caso que motivou a criação do projeto Sem Sigilo, da Fi-
quem Sabendo, em 2019, quando Toledo e Maria Vitória Ramos reuniram voluntários
em vários estados para acessar esses documentos. Em sua pesquisa de mestrado, o
jornalista se propôs novamente a desafiar o “sigilo eterno” das Forças Armadas, refa-
zendo os passos da apuração que resultou em reportagem para o UOL.

23
A Marinha sugeriu que fossem solicitados 15 documentos por vez, já que milhares
de documentos são desclassificados todos os anos. Considerando que havia 69.315
mil documentos desclassificados pela Marinha entre 2013 e 2020, e o órgão leva,
em média, 21 dias para responder um pedido, conforme a CGU, seriam necessários
4.621 pedidos de informação. Levaria 97.041 dias, ou 265 anos, para alcançar todos
os documentos - e nesse meio tempo outros milhares de documentos seriam des-
classificados, tornando o trabalho impossível. Denunciar esse tipo de abuso é uma
forma de produzir reportagens de impacto usando a transparência - ou a falta dela
- como pauta.

6. O que fazer se nada disso


der certo?
Se você esgotou todas as instâncias de recursos ou se o órgão descumpriu os prazos
legais de resposta previstos na LAI, você tem duas alternativas: fazer uma denún-
cia ou registrar uma nova demanda a respeito da demanda anterior. A segunda
alternativa costuma ter resposta mais rápida, pois passam a contar novamente os
prazos legais do pedido - 20 dias prorrogáveis por mais 10. Denúncias levam meses
ou até anos para serem julgadas.

Caso você vá apresentar uma nova demanda, pergunte ao órgão em que setor está
seu protocolo, qual o nome do agente público responsável, por que razões a de-
manda está atrasada e qual o prazo para resposta.

Se sua opção for por uma denúncia, que basicamente é uma manifestação formal
para informar uma irregularidade, não é necessário fazer um tratado sobre o as-
sunto. Escreva objetivamente o que aconteceu e o motivo de isso estar errado ou
ser proibido. Anexe os documentos que comprovam o que você está descrevendo.

24
Quando for preciso tratar de algum requisito técnico específico de alguma área, ex-
plique claramente o conceito, presuma que o leitor da denúncia é leigo no assunto.
Ainda, a denúncia deve convencer o leitor de que sua demanda é relevante, por-
tanto apresente os argumentos positivos para abertura da informação pretendida
e negativos da não abertura. Seja propositivo, sugerindo o passo a passo que você
considera adequado para solucionar sua demanda.

No caso do governo federal, o descumprimento do dever de publicidade e transpa-


rência por parte de agentes públicos é considerado um desvio de conduta ética. Qual-
quer cidadão pode apresentar uma denúncia à Controladoria-Geral da União (CGU).

Também o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU)


têm competência para controlar e fiscalizar o cumprimento da legislação em âm-
bito federal. O Ministério Público Estadual (MP) e os Tribunais de Contas dos Esta-
dos (TCE) cumprem esse papel na esfera estadual e municipal. Os órgãos podem
agir tanto por iniciativa própria quanto mediante denúncia pela população, po-
dendo conduzir inquéritos, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ação civil pú-
blica (ACP) ou ainda ação de improbidade e até ação penal, dependendo do caso.

7. Ok, mas como esses pedidos


viram notícia?
Como em tudo na vida, o melhor aprendizado no trabalho com dados públicos
ocorre na prática. Por isso, fechamos com sete exemplos em que informações obti-
das graças à LAI foram peças fundamentais na apuração de reportagens. Os exem-
plos são complementados por templates de pedidos elaborados com ajuda do
advogado Bruno Morassutti, que é um dos cofundadores da Fiquem Sabendo. Os
modelos podem - e devem - ser usados para inspirar novas pautas.

25
I. Descobrir “funcionários fantasma”

Em 2019, a Agência Pública mostrou que cinco ex-assessoras do então deputado


federal Jair Bolsonaro não tinham crachá e nunca se registraram sequer como visi-
tantes da Câmara dos Deputados. O The Intercept Brasil revelou caso semelhante,
também em 2019: a assessora Nathalia Queiroz não tinha documentos que com-
provassem sua presença no trabalho. Já o jornal O Estado de S. Paulo apontou que
ex-assessores do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, não
tinham registro na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Em todos esses episódios, os jornalistas descobriram os “funcionários fantasmas”


usando a LAI. Folhas de registro de ponto e registros de entrada e saída de fun-
cionários e de visitantes devem ser fornecidos por qualquer órgão público fede-
ral, estadual ou municipal. Vale não só para políticos em cargos eletivos, mas para
qualquer servidor público. A única exceção é para cargos que envolvam trabalhos
sob sigilo, como agentes de inteligência. Assim, você pode registrar um pedido de
informação para investigar a falta de médicos em determinado hospital num feria-
do ou para apurar ausências de um servidor que não atua no órgão em que está
alocado, por exemplo.

Boa parte dos órgãos públicos já aderiu ao ponto eletrônico, o que torna a negativa
mais difícil. Caso o órgão de seu interesse tenha registro manual do ponto dos ser-
vidores, é possível que neguem pela justificativa de trabalho adicional ou pedido
desproporcional. Nesses casos, você pode fazer um recorte mais específico de um
período mais curto ou de um determinado servidor que você esteja investigando,
reduzindo a proporção da demanda.

Lembre-se que pedir “o outro lado” da história faz parte da apuração. A obtenção
de dados públicos é uma parte do processo, mas o trabalho jornalístico de cruzar
informações e realizar entrevistas continua sendo necessário para evitar manchetes

26
equivocadas. Dados públicos podem conter erros de registro, por limitações téc-
nicas ou por imperícia de quem preenche. Busque informações complementares
para ter segurança da denúncia.

MODELO
Solicito acesso aos registros de entrada e saída de funcionários (registro de
ponto) do [nome do órgão ou departamento] no período de [data de início
e data final do período de interesse com dia, mês e ano]. Requisito que os
dados sejam fornecidos, se possível, em formato aberto (planilha em *.xls,
*.csv,*.ods, etc), nos termos do art. 8o, §3o, III da Lei Federal 12.527/11 e art.
24, V da Lei Federal 12.965/14. Arquivos em formato *.pdf não são abertos
(vide o item 6.2 em: https://dados.gov.br/pagina/cartilha-publicacao-da-
dos-abertos).

II. Revelar casos de nepotismo

A jornalista Juliana Dal Piva revelou 102 nomeações de pessoas ligadas à família
Bolsonaro em uma reportagem especial para o jornal O Globo, em 2019. Desde
2018, acompanhando suspeitas de que assessores do presidente Jair Bolsonaro e
de seus três filhos que possuem mandato (Flávio, Eduardo e Carlos) não atuavam,
de fato, como assessores parlamentares, ela registrou pedidos de informação na
Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e Câmara
de Vereadores do Rio requisitando o nome de todos os assessores nomeados.

“Com os primeiros dados que chegaram foi possível notar um padrão. Diversas pes-
soas com parentes nomeados e, por uma pesquisa prévia, muitas com indícios de
serem fantasmas. Eram diversos além da família Bolsonaro e Queiroz. Muitos sobre-
nomes se repetiam”, contou em entrevista à Fiquem Sabendo.

27
Outra ferramenta que pode ajudar a investigar suspeitas de nepotismo é o Cruza
Grafos, da Abraji em parceria com o Brasil.io. No CruzaGrafos, você pode buscar re-
lações entre políticos e empresas. Se um político contratou serviços de uma empresa
cujo sócio é seu parente, isso também se enquadra como nepotismo.

MODELO
Para investigar casos de nepotismo, é necessário primeiro conhecer a lista
de nomeados por um determinado agente público. Se você não tem esses
dados, pode fazer um pedido de informação:

Solicito acesso à lista de todos os servidores em cargos comissionados


nomeados por [nome e cargo] no período de [data de início e data final do
período de interesse com dia, mês e ano], detalhados por nome completo,
cargo, data de nomeação, salário e lotação atual. Requisito que os dados
sejam fornecidos em formato aberto (planilha em *.xls, *.csv,*.ods, etc), nos
termos do art. 8o, §3o, III da Lei Federal 12.527/11 e art. 24, V da Lei Federal
12.965/14. Arquivos em formato *.pdf não são abertos (vide o item 6.2 em:
https://dados.gov.br/pagina/cartilha-publicacao-dados-abertos).

Ao identificar casos suspeitos na lista de nomeados, você pode dirigir outro


pedido de informação para obter dados de frequência de um ou mais servi-
dores para checar se o funcionário está mesmo comparecendo ao trabalho:

Solicito acesso ao registro de ponto do servidor [nome, cargo, lotação] no


período de [data de início e data final do período de interesse com dia,
mês e ano]. Requisito que os dados sejam fornecidos em formato aberto
(planilha em *.xls, *.csv,*.ods, etc), nos termos do art. 8o, §3o, III da Lei Fe-
deral 12.527/11 e art. 24, V da Lei Federal 12.965/14. Arquivos em formato
*.pdf não são abertos (vide o item 6.2 em: https://dados.gov.br/pagina/car-
tilha-publicacao-dados-abertos).

28
III. Mapear uso de redes e influenciadores

Gastos com publicidade digital devem ser divulgados por órgãos de qualquer es-
fera do poder público, pois envolvem dinheiro público. Assim, é possível perguntar
ao governo quanto foi gasto para contratar influenciadores digitais para divulgar uma
campanha ou política pública. Em março de 2021, com dados obtidos pela Fiquem
Sabendo, a Agência Pública noticiou que o governo federal aplicou mais de R$ 1,3
milhão em ações de marketing com influenciadores sobre a Covid-19, incluindo R$
85,9 mil para pagamento de cachê a 19 “famosos” contratados para divulgar a cam-
panha em suas redes sociais. Também com base em dados obtidos pela Fiquem Sa-
bendo, em agosto de 2021, o Núcleo revelou que campanhas do Ministério da Saúde
no Twitter camuflaram publicações sobre “tratamento precoce” contra a Covid-19.

Em junho de 2020, o Jornal Nacional, da TV Globo, revelou que o governo federal


gastou R$ 2 milhões em anúncios pagos sobre a Reforma da Previdência em 2019.
A lista de páginas e sites que receberam anúncios da Secretaria de Comunicação
da Presidência da República (Secom) era parte de um relatório feito por consulto-
res legislativos da Câmara dos Deputados com dados obtidos por meio da LAI, a
pedido da CPMI das Fake News. Segundo o documento, havia na lista sites de con-
teúdo inadequado, como notícias falsas, conteúdo sexual e jogos de azar.

Na época, o governo federal justificou que a agência de publicidade contratada


para gerenciar a campanha utilizou ferramentas como o Google Adsense para di-
recionar os anúncios. Mesmo que o trabalho tenha sido realizado por agências de
publicidade privadas, o dinheiro usado na campanha é público, por isso deve haver
transparência quanto à destinação dos recursos.

29
MODELO
Quanto à contratação de marketing digital para campanhas institucionais,
solicito acesso às seguintes informações:

a) lista contendo nome do influenciador, plataformas e postagens patroci-


nadas, e os valores pagos a cada influenciador em cada campanha;

b) lista com nome das empresas contratadas para gerenciar cada cam-
panha;

c) íntegra dos contratos referentes a tais campanhas;

d) detalhamento na própria planilha quanto ao valor pago a cada influen-


ciador, valor pago por direito de uso de imagem, valor pago diretamente
para o indivíduo, taxa cobrada pela agência, entre outros.

Requisito que as informações sejam fornecidas em formato aberto (pla-


nilha em .xls.csv,*.ods, etc), nos termos do art. 8o, §3o, III da Lei Federal
12.527/11 e art. 24, V da Lei Federal 12.965/14. Arquivos em formato *.pdf
não são abertos (vide o item 6.2 em: https://dados.gov.br/pagina/cartilha-
-publicacao-dados-abertos).

Ou:

Este ministério, alguma de suas secretarias ou órgãos usa ou já fez uso de


ferramentas de distribuição de publicidade online, como o Google Adsen-
se? Se sim, solicito, por gentileza, as seguintes informações:

1. Quando foi feito o uso, e para qual campanha. Favor enviar a íntegra dos
materiais que foram veiculados na publicidade, como fotos, vídeos, textos
e áudio.

30
2. Acesso a todos os dados da plataforma que mostram quais
sites/aplicativos/canais no Youtube exibiram a publicidade, indi-
cando a data, número de acessos e valor recebido pelos sites/apli-
cativos/canais no Youtube.

3. Acesso à íntegra dos critérios estabelecidos (microtargeting) pela cam-


panha no Google Adsense ou plataforma semelhante, indicando qual é o
público-alvo escolhido, idade, gênero, regiões, tipos de conteúdo acessado
pelo público alvo e qualquer outra variável que tenha sido usada. Reforço
que o Google Adsense permite tanto a extração dessas informações quan-
to dos canais que receberam a publicidade.

4. Favor informar se houve qualquer tipo de filtro para evitar algum site,
página ou termo específico na campanha. Caso tenha havido mais de
uma campanha/peça, favor enviar os dados separadamente para cada
uma delas.

5. Favor especificar, caso sejam enviadas planilhas, o que significa cada


campo da planilha, de forma que seja possível entender exatamente o
significado dos dados enviados.

IV. Desvendar prioridades em agendas

A agenda oficial de autoridades deve ser disponibilizada por transparência ativa de


acordo com a lei federal 12.813/2013, como forma de fiscalizar conflito de interesses
no exercício de um cargo público. Esse é um caso em que, a princípio, você não
precisa fazer um pedido de informação, pois os compromissos de autoridades de-
vem ser atualizados publicamente sem necessidade de solicitação. Isso funciona

31
para verificar se um encontro foi registrado oficialmente ou não - quando não é,
pode ser notícia, como percebeu O Globo quando Bolsonaro recebeu advogados
para discutir o caso Queiroz sem colocar na agenda.

No governo federal, a Resolução nº 11 de 2017 da Comissão de Ética Pública (CEP)


determina que todos os registros devem “permanecer disponíveis para visualização,
em transparência ativa, por dois anos e, após esse prazo, deverão compor banco
de dados acessível e em formato aberto”. Porém, solicitações feitas pela Fiquem
Sabendo nos últimos anos mostram que o arquivo é disponibilizado em apenas
algumas pastas. Ter acesso aos arquivos completos e em formato aberto seria fun-
damental para análises mais completas e uma efetiva fiscalização social de lobby
no poder, objetivo que a Fiquem Sabendo se propõe a cumprir no projeto Agenda
Transparente, com apoio da Google News Initiative.

Em 2020, a Fiquem Sabendo analisou a agenda do presidente Jair Bolsonaro em


reportagem para o portal Yahoo e revelou que o deputado federal Osmar Terra
(MDB) esteve no gabinete do presidente com muito mais frequência do que os
ministros da Saúde que passaram pelo governo durante a pandemia da Covid-19.
Um levantamento semelhante foi feito pelo Aos Fatos em 2019, com a agenda do
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles: 23% das reuniões de que ele participou
nos primeiros cinco meses de mandato envolveram deputados e senadores ligados
à bancada ruralista ou a pautas que apoiam o agronegócio.

MODELO
Solicito acesso ao inteiro teor da agenda oficial do [nome e cargo da
autoridade] no período de [data de início] até [data final do período de
interesse], conforme a Lei No 12.813/2013. Requisito ainda que os dados

32
sejam fornecidos em formato aberto (planilha em *.xls, *.csv,*.ods, etc), nos
termos do art. 8o, §3o, III da Lei Federal 12.527/11 e art. 24, V da Lei Federal
12.965/14. Arquivos em formato *.pdf não são abertos (vide o item 6.2 em:
https://dados.gov.br/pagina/cartilha-publicacao-dados-abertos).

V. Cavar manchetes nas entrelinhas de ofícios

Por regra, sempre que um ente público formaliza um pedido de providência, re-
comenda algum tipo de ação ou solicita apoio para determinada política pública,
essa comunicação ocorre por meio de ofícios. E-mails de servidores públicos tam-
bém são considerados meios de comunicação oficial, porém são mais informais.
Ambos podem ser solicitados com base na LAI.

Em novembro de 2019, quando o caso Mariana Ferrer estava em evidência na im-


prensa após a defesa do empresário acusado de estupro ter acionado uma ideia
infundada de “estupro culposo”, a Fiquem Sabendo obteve ofícios do Ministério
da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) solicitando providências.
Os documentos mostravam que a pasta se manifestou “em veemente repúdio ao
termo ‘estupro culposo’”. Durante a CPI da Pandemia, em 2021, ofícios também se
destacaram na cobertura. O site O Antagonista, por exemplo, obteve via LAI dois
ofícios que registram o recebimento de ofertas de vacina contra Covid-19 por parte
da Pfizer em setembro de 2020. As ofertas foram ignoradas pelo governo, conforme
depoimento do presidente da Pfizer na América Latina à CPI.

33
MODELO
Solicito acesso à íntegra das comunicações (ofícios, memorandos, e-mails)
entre este órgão e [nome do outro órgão ou entidade] referentes a [assun-
to ou número do processo] no período de [data inicial e data final, com
dia, mês, ano].

VI. Encontrar falhas de gestão a partir de notas


técnicas

Nota técnica é um documento produzido por técnicos especializados com o obje-


tivo de oferecer aos gestores públicos uma análise completa do contexto, histórico
e bases legais que interferem em uma determinada política pública ou programa
de governo. Nas notas técnicas, os especialistas devem indicar se uma determina-
da proposta do governo é viável ou não e por quê. Com isso, é possível evidenciar
quando decisões políticas contradizem pareceres técnicos no governo.

Usualmente, todas as políticas públicas são embasadas por documentos desse


tipo, e eles podem ser acessados com base na LAI. A jornalista Larissa Fafá contou
à newsletter Don’t LAI to me que notas técnicas do Ministério de Minas e Energia
(MME) obtidas via LAI pela EPBR foram fundamentais para mostrar que a Eletro-
norte assumiu o programa Mais Luz para Amazônia no Amapá “porque a pasta en-
tendeu que o serviço da distribuidora estadual não tinha qualidade suficiente para
o programa - mesmo que o decreto estipulasse que a iniciativa fosse executada
pelas distribuidoras de energia”.

No governo federal, também é possível encontrar notas técnicas diretamente no


Sistema Eletrônico de Informações (SEI), nos órgãos que disponibilizam consulta

34
externa ao sistema. Em consulta direta ao SEI, a Fiquem Sabendo obteve nota téc-
nica sobre os potenciais impactos da redução de 31% no orçamento da Agência
Nacional de Mineração (ANM) prevista para 2021 nas atividades de fiscalização e
prevenção de novos desastres, como os de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em
2019, ambos em Minas Gerais. A nota foi tema de reportagem para o portal Yahoo
quando a tragédia de Mariana completou cinco anos.

A importância de notas técnicas na orientação de políticas públicas também ganhou


destaque no debate público durante a CPI da Pandemia, em 2021. Um dos temas
do interrogatório foi a elaboração de notas técnicas por parte do Ministério da Saúde
sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no “tratamento precoce” da Covid-19,
como publicou o El País Brasil. O tratamento não tem embasamento científico.

Outro caso que pautou a CPI da Pandemia foi a falta de oxigênio no colapso do sis-
tema de saúde em Manaus, em janeiro de 2021. Uma decisão do Comitê-Executivo
de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) aumentou o imposto
de importação sobre cilindros de oxigênio em 24 de dezembro de 2020, às véspe-
ras do caos em Manaus. Em nota técnica editada semanas antes, o Ministério da
Saúde solicitou a prorrogação de uma resolução de março que havia zerado a taxa
de importação sobre produtos considerados críticos para o combate à pandemia,
como máscaras, álcool em gel e desinfetantes, mas não citou cilindros de oxigênio.
Os documentos foram revelados pela newsletter Don’t LAI to me.

MODELO
Solicito acesso a ofícios, pareceres e notas técnicas produzidos por
este órgão referentes a [assunto ou número do processo] no período de
[data inicial e data final, com dia, mês, ano].

35
VII. Revelar interesses ao nomear cargos em
comissão

É possível obter informações sobre a formação de quem ocupa cargos em comis-


são usando pedidos de informação para obter currículos desses servidores. Não
há obrigatoriedade expressa na LAI sobre isso, mas com a Lei 14.129/2021, também
chamada de Lei do Governo Digital, tornou-se obrigatório aos órgãos do governo
federal divulgar ativamente na internet currículos dos ocupantes de cargos de che-
fia e direção.

Detalhes do currículo de servidores comissionados podem revelar desde conflitos


de interesse por vinculação a instituições que poderiam obter alguma vantagem
ou promover lobby junto ao órgão público em questão, até o despreparo de nome-
ados, por não terem domínio sobre a área em que irão trabalhar, ou ainda informa-
ções inverídicas sobre a qualificação do nomeado.

Com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, o Brasil viu diversos militares
da ativa e da reserva nomeados para cargos-chave do governo federal, desde minis-
tros e secretários, até chefes de departamento, autarquias e fundações. Também
dá para saber quem são os integrantes das Forças Armadas que ocupam cargos
em comissão fazendo pedidos de informação. Em 2020, a partir de pedidos feitos
a vários ministérios, o projeto Achados e Pedidos publicou informações inéditas
sobre a presença de militares na gestão socioambiental. O projeto é da Abraji e da
Transparência Brasil, em parceria com a Fiquem Sabendo, financiado pela Fun-
dação Ford.

Também geraram repercussão informações inverídicas publicadas no currículo do


ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que afirmava ser mestre em Direito
Público pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, considerada uma das dez

36
melhores do mundo. O The Intercept Brasil revelou que não havia qualquer regis-
tro de Salles naquela universidade.

Situação parecida vivenciou Carlos Decotelli, nomeado para o Ministério da Educa-


ção em 26 de junho de 2020 e dispensado do cargo três dias depois, devido à re-
percussão das mentiras que ele expunha no currículo Lattes. A titulação como dou-
tor em Administração pela Universidade Nacional de Rosário (UNR), na Argentina, e
o pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha, foram desmentidos
pelas instituições, conforme checagem da Agência Lupa. Para completar, a Funda-
ção Getúlio Vargas (FGV) abriu investigação por plágio na dissertação de mestrado
defendida por Decotelli em 2008, conforme publicou o G1.

MODELO
Para saber detalhes de currículos:

Solicito acesso ao inteiro teor dos currículos de servidores públicos lo-


tados no [nome do setor/departamento] do [nome do órgão]. A trans-
parência de currículos de servidores é assegurada pelo art. 29 da Lei
14.129/2021 (Lei do Governo Digital). Destaca-se que informações como
telefones e endereços eventualmente presentes nos currículos podem ser
tarjados, garantindo o sigilo de dados pessoais sem prejuízo a informa-
ções de interesse público.

Para obter dados de integrantes das Forças Armadas:

Solicito a lista de militares nomeados para cargos em comissão no órgão


ou sob coordenação do órgão ou ocupando qualquer posto dentro da

37
pasta (incluindo conselheiros), no período de [data inicial e final, com dia,
mês e ano], detalhados por: cargo, órgão de origem, UF de lotação, data
de nomeação e exoneração do cargo comissionado, se militar da ativa,
reserva ou reformado. Requisito que os dados sejam fornecidos em for-
mato aberto (planilha em *.xls, *.csv,*.ods, etc), nos termos do art. 8o, §3o,
III da Lei Federal 12.527/11 e art. 24, V da Lei Federal 12.965/14. Arquivos
em formato *.pdf não são abertos (vide o item 6.2 em: https://dados.gov.
br/pagina/cartilha-publicacao-dados-abertos).

8. Como implementar a LAI na


redação?
Usar a LAI no processo de apuração costuma ser uma trajetória individual de cada
jornalista, o que é bastante positivo como diferencial de carreira, pois a LAI pode
ajudar a cavar boas pautas para discutir em reuniões de editoria ou emplacar frilas.
Mas também é possível implementar o uso rotineiro da LAI como uma prática edi-
torial compartilhada tanto no monitoramento de temas relevantes para a editoria
ou veículo quanto na produção de investigações mais pontuais. Em todos os casos,
é necessário organizar o processo interno, estabelecer rotinas e responsabilidades
de cada um dos envolvidos, e documentar todos os trâmites para não perder o fio
da apuração.

Nesse sentido, vale considerar que é possível cadastrar um usuário nos sistemas de
acesso à informação com o CNPJ do veículo. Essa pode ser uma opção interessante
para dar mais coesão e segurança jurídica ao processo em investigações mais lon-
gas. Além disso, usar uma conta institucional evita situações em que um repórter

38
está apurando uma história para o veículo com base na LAI usando seu próprio
login e acaba se afastando por motivos de saúde ou se desvinculando da empre-
sa, comprometendo a continuidade do monitoramento que estava sendo feito. Se
essa for a opção, no entanto, é imprescindível avaliar quantos e quais profissionais
terão acesso ao sistema e manter cuidados com proteção de senhas para evitar o
compartilhamento indevido de informações do veículo.

O jornalista Luiz Fernando Toledo, diretor da Abraji e um dos cofundadores da Fi-


quem Sabendo, publicou um guia em inglês e um artigo completo (também em
inglês) com cinco passos para implementar a LAI em redações. O trabalho foi de-
senvolvido como parte do estágio realizado pelo jornalista no Instituto Reuters. Re-
produzimos parte das dicas do repórter e complementamos com experiências que
acumulamos ao longo dos últimos anos administrando milhares de pedidos. Che-
gamos a oito pontos-chave:

I. Invista em treinamento

Encorajar a equipe a fazer treinamentos sobre o tema é um passo, mas promovê-los


dentro da redação, como já acontece com monitoramento de mídia social ou oti-
mização de mecanismos de pesquisa, seria um grande avanço. Os congressos anu-
ais da Abraji sempre oferecem esse tipo de oficina, a Fiquem Sabendo promove
cursos sobre LAI no jornalismo sob demanda, os treinamentos do Cruza Grafos e da
Escola de Dados para jornalistas também costumam abordar esse tema. Opções
existem, um incentivo sempre ajuda.

II. Integre a LAI na rotina

Conhecimento ganha sentido quando é posto em prática, e para isso é preciso


tempo. Reserve algum tempo da rotina de repórteres interessados em usar a LAI

39
para que eles possam se dedicar à produção e ao acompanhamento de pedidos de
informação ao poder público. Outra opção é promover coberturas planejadas com
base na LAI envolvendo um grupo de profissionais, no estilo força-tarefa, como é
feito em outras frentes de investigação.

III. Compartilhe suas solicitações de


informações, respostas e dados

A base da LAI é a transparência pública. Como vamos cobrar transparência sem


ser transparentes? Ao publicar reportagens usando a LAI informe o público sobre
como as histórias foram obtidas: quantas solicitações foram necessárias, para quem
e para quê. Compartilhe links para todos os dados ou documentos recebidos. Além
de ajudar o leitor a entender como a reportagem foi feita, essa é uma forma de o
jornalismo incentivar o cidadão a também usar os mecanismos de controle social
que são de seu direito. Do mesmo modo, é importante compartilhar o que está
sendo solicitado ou monitorado pela equipe para que todos saibam o que está
sendo apurado, evitando solicitações duplicadas.

IV. Crie uma planilha compartilhada para


monitorar pedidos

Uma alternativa simples e flexível para proceder o monitoramento dos pedidos fei-
tos pela redação é criar uma planilha compartilhada. Cada redação pode adaptar
os campos da forma que fizer mais sentido para o seu uso. Algumas colunas são
básicas: responsável pelo pedido (nome do repórter ou editor que cadastrou e vai
monitorar a demanda), órgão destinatário, número do protocolo (e chave de aces-
so, quando for o caso), data de cadastro, data de resposta, situação da tramitação
(respondido, em recurso, etc), palavra-chave (o assunto do pedido, para ajudar a

40
indexar quando a planilha começar a ficar grande demais). Alguns profissionais op-
tam por colocar a íntegra do texto do pedido na mesma planilha. Outro campo
bastante útil é o link de acesso para a resposta, para que a equipe possa visualizar
de forma mais rápida o resultado das demandas.

V. Faça cópia dos dados obtidos

Indicar a fonte original é o ideal, mas as bases de dados públicas nem sempre são
confiáveis e mudanças de plataforma podem fazer com que dados se percam por
motivos de “link quebrado”. Além do link para a fonte original, guarde uma cópia
dos dados obtidos em arquivo próprio - e adicione esse campo na planilha de mo-
nitoramento para poder recuperar a informação se for preciso.

VI. Consulte um advogado quando precisar

Têm surgido cada vez mais exceções e interpretações “criativas” da LAI para negar
o acesso a dados públicos. Muitas vezes, não basta apenas pedir, é preciso lutar por
informações. Criar uma linha de comunicação entre sua redação e seu departa-
mento jurídico pode ajudar quando surgirem essas situações, até porque denun-
ciar o descumprimento da LAI a órgãos de controle, como tribunais de contas e
ministérios públicos, é uma opção quando a tramitação convencional não resolve.

VII. Não desconsidere um pedido negado

A falta de informação também é pauta, pois gerar dados sobre suas ações e progra-
mas é uma das funções do governo. Um pedido negado com a justificativa de ine-
xistência de dados sobre o que foi perguntado pode virar uma notícia. Um exemplo
prático em que a cobertura jornalística teve esse efeito foi uma reportagem da Folha
de 2015 em que Artur Rodrigues e André Monteiro saíram com a manchete de que

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o então governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) havia classificado relató-
rios sobre falhas no metrô com sigilo de 25 anos. Após a repercussão, a classificação
foi reavaliada. “Noticiar essas situações ajuda a fomentar a cultura de transparência
no poder público”, resume Rodrigues. Um pedido negado também pode servir de
inspiração para a produção de um levantamento próprio. A partir de pedidos de in-
formação registrados nos 645 municípios de São Paulo, em 2020, a diretora da Abraji
Kátia Brembatti e o jornalista Samuel Lima publicaram no Estadão que dois terços
das cidades desrespeitaram prazos legais ou tiveram falhas em sistemas.

VIII. Coloque a transparência em pauta

Monitorar o cumprimento da LAI pode render boas manchetes e causar impacto.


Vale acompanhar relatórios sobre falhas de transparência produzidos por organiza-
ções da sociedade civil. Em 2020, durante a pandemia, a Open Knowledge Brasil
publicou rankings semanais a partir do Índice de Transparência da Covid-19 sobre
a oferta de indicadores da situação sanitária nos Estados e capitais brasileiras, além
do governo federal. A Transparência Internacional também avaliou a transparên-
cia sobre contratações emergenciais, doações e medidas de proteção social nos
mesmo entes. O projeto Achados e Pedidos, da Abraji e Transparência Brasil em
parceria com a Fiquem Sabendo e financiamento da Fundação Ford, acompanha
a transparência de dados socioambientais.

Órgãos públicos de controle interno e externo também monitoram a transparência.


A Controladoria-Geral da União (CGU) mantém o Painel da Lei de Acesso à Infor-
mação, com dados sobre a quantidade de pedidos recebidos por cada órgão, cum-
primento de prazos e perfil dos solicitantes; e também o Painel de Dados Abertos,
onde é possível consultar a implementação da Política de Dados Abertos em cada
órgão do governo federal. Já a Escala Brasil Transparente apresenta rankings de
Estados e municípios (capitais e outras cidades selecionadas por meio de sorteio
eletrônico). O Ministério Público Federal produz um ranking de transparência so-

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cioambiental. Alguns Tribunais de Contas Estaduais (TCE) produzem avaliações de
transparência, como o Ranking da Transparência do TCE-RS, que analisa o cum-
primento das exigências de transparência ativa nas cidades gaúchas. A prefeitura
de São Paulo publica relatórios mensais de atendimentos ao cidadão.

Conheça as legislações de
transparêcia
Junto com a Constituição Federal de 1988, a LAI é a principal legis-
lação de referência em acesso à informação, mas há outras normas
jurídicas complementares que podem ser úteis em casos específicos:

• Lei de Arquivos Públicos (Lei 8.159/91): estabelece a Política Nacio-


nal de Arquivos Públicos, para gestão de documentos e garantia de
consulta, se requerida, por pessoas físicas ou jurídicas;

• Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000):


estabelece limites de gastos, investimentos e metas de arrecada-
ção. Vale para o poder Executivo, Legislativo e Judiciário, em todos
os níveis federativos (municípios, estados e União);

• Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014): assegura direitos e deveres


de usuários e empresas que demandam acesso e serviços online.

• Política Nacional de Dados Abertos (Decreto 8.777/2016): define a


maneira como o governo federal vai abrir seus dados e obriga à cria-
ção do Plano de Dados Abertos em cada órgão do governo federal;

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• Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018): regulamenta o
tratamento de dados pessoais;

• Lei do Governo Digital (Lei 14.129/2021): normatiza a transforma-


ção digital no governo federal para desburocratizar serviços e am-
pliar a participação cidadã.

9. Para concluir
Este guia reúne orientações básicas para começar a lidar com dados públicos, mas
sabemos que não esgota todas as possibilidades, até porque o entendimento e o
direcionamento das questões de transparência podem variar conforme cada esfe-
ra do poder e de acordo com os interesses de cada governo. Quando surgir uma
situação dessas no seu dia a dia e você não encontrar neste guia as respostas que
precisa, use os canais de contato da Abraji e da Fiquem Sabendo para trocar ideias
com outros colegas.

O acesso à informação é um trabalho coletivo e colaborativo. Implementar a LAI


em grandes coberturas, inclusive, pode ser uma oportunidade de ampliar a coope-
ração entre jornalistas de diferentes veículos, como ocorreu na liberação de dados
sobre pensões pagas pelo governo federal, com coordenação da Fiquem Saben-
do, ou no projeto Comprova, coordenado pela Abraji. Em um ambiente político
instável em que o debate público é tomado por desinformação, trabalhar de forma
conjunta por mais transparência governamental é mais do que uma oportunidade,
é um compromisso do jornalismo profissional.

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