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OBJETO DA CONCESSÃO
REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS
Constituição Federal (LGL\1988\3), arts. 21, IX, XI, 22, IV, 25, § 3.º, 37, XXI e 43.
Lei 9.472/1997, arts. 1.º, 19, 22, 38, 40, 42, 69 e 108.
1. Consulta
A dúvida está na proposta de adicionar, como mais um dos critérios aptos a definir uma
Área Local, a área correspondente a uma Região Metropolitana ou a uma Região
Integrada de Desenvolvimento, desde que inserida na mesma Área de Numeração (art.
4.º, III, da minuta de regulamento em discussão). De acordo com a proposta,
independentemente de estudo, avaliação ou consulta pública específica da Agência, a
criação de Região Metropolitana ou de Região Integrada de Desenvolvimento implicaria a
constituição de nova Área Local, fundindo-se as ali existentes.
O conceito de Área Local do STFC não é, nem jamais foi, dado meramente geográfico ou
geopolítico. Não surgiu a partir de mera constatação da existência de elemento natural
ou social, que tenha sido tomado como relevante para a prestação desse serviço de
telecomunicações. Tal conceito nasceu e permanece como criação regulatória; trata-se
de elemento tecnicamente concebido para estruturar a distinção entre modalidades do
serviço de telefonia fixa: o STFC Local e o STFC de Longa Distância.
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Chamadas telefônicas entre pontos situados na mesma Área Local são consideradas, por
definição regulamentar, STFC Local. Chamadas que liguem pontos situados em Áreas
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Locais diferentes constituem prestação de STFC de Longa Distância.
Critérios técnicos e econômicos conduzem à demarcação dos limites de cada Área Local.
A partir dessa definição, surgem as obrigações e as fontes de receita dos contratos de
concessão de STFC Local e de Longa Distância. A definição dos limites de cada Área
Local constitui, portanto, uma das mais impactantes matérias sujeitas à regulamentação
da Anatel. Ao estabelecer novas dimensões às Áreas Locais a Agência atribui,
inarredavelmente, novos objetos aos contratos de concessão de STFC. A mudança nesse
item regulatório proporciona, sem exagero, uma mudança geral, por atacado, nas
concessões de STFC.
Com tal movimento, o cerne das concessões é afetado. O conjunto de deveres e também
as perspectivas de receitas variam em função do âmbito de atuação ao qual estiverem
circunscritas as prestadoras. Modificação de tal porte na estrutura dos contratos, por
óbvio, haveria de ser implementada com extremo cuidado e rigorosa fundamentação.
(…)
“Art. 8.º A revisão dos Anexos I e II deverá ser realizada pela Anatel periodicamente, a
cada 12 (doze) meses, a contar da data da publicação deste Regulamento, por meio de
Ato do Conselho Diretor, que estipulará os prazos para adaptação às novas definições
das Áreas Locais e de Tratamento Local.
Pretende-se, assim, criar sistema automático de alteração das Áreas Locais. Dada a
criação de Região Metropolitana ou Região Integrada de Desenvolvimento, o Conselho
Diretor, automaticamente, no processo de atualização periódica da lista de Áreas Locais,
procederia à alteração correspondente. Isso tudo seria feito sem prévia consulta pública,
como se os efeitos da mudança não operassem mudanças normativas profundas e com
efeitos econômicos significativos no STFC.
Ademais, propõe-se a alteração do art. 8.º, a fim de torná-lo mais claro, bem como
delimitar o meio considerado adequado para a realização das alterações dos Anexos I e
II do Regulamento, dispensando-as da realização de Consulta Pública. Nota-se que as
alterações dos Anexos I e II é mera consequência da aplicação das disposições do
Regulamento, sendo bastante reduzida a margem de discricionariedade de mencionadas
alterações, não contendo caráter normativo, motivo pelo qual é dispensável a realização
de Consulta Pública (Análise 436/2010 GCJR, p. 7-8).
A questão central, que acarreta uma série de nulidades na proposta lançada na Consulta
Pública 23, está na indiscutível transferência de competência decisória da Anatel para
outras esferas político-administrativas, em completa desobediência ao que determina a
Constituição, a Lei Geral de Telecomunicações e todo o sistema normativo concebido
para disciplinar os serviços de telecomunicações.
A Anatel pretende criar sistema pelo qual, a partir de decisões de caráter político e
desvinculadas da regulação das telecomunicações, venha a ser operada considerável
alteração no modo de prestação do STFC. Ao atrelar a definição das Áreas Locais do
STFC à criação de Regiões Metropolitanas ou de Regiões Integradas de
Desenvolvimento, a Agência abriria mão de sua competência e, mais, incluiria fator
completamente aleatório na definição de elemento fundamental da regulação setorial,
que afeta sensivelmente a equação econômico-financeira das concessões de STFC.
Mesmo que a Anatel tenha pretendido, com sua proposta, sinalizar a tendência de reunir
na mesma Área Local os conglomerados urbanos existentes e aqueles que porventura
venham a surgir, o mecanismo regulatório escolhido foi completamente despropositado.
A criação dessas regiões depende de deliberação política de entes federativos diversos e
não está atrelada a qualquer fator que leve em consideração as peculiaridades da
regulação dos serviços de telecomunicações. A criação de região atende a demandas
político-organizacionais; por isso, não reúne a menor condição para servir de baliza
prévia em torno dos destinos de regulação que deve ser técnica e planejada. A decisão
da Área Local, a persistir essa proposta, tornar-se-ia questão completamente aleatória.
normativo. Por isso, há de ser implementada por deliberação do Conselho Diretor (art.
22, IV da LGT) e sujeita a consulta pública (art. 42 da LGT). A proposta em análise,
porém, desobedece essa determinação, pois atrela a definição da Área Local à criação de
Regiões Metropolitanas (ou de Regiões Integradas de Desenvolvimento), mediante mera
homologação da Agência, a ser feita por ato do Conselho Diretor, sem consulta pública
prévia (art. 8.º da minuta em análise). Confiram-se os dispositivos do Plano Geral de
Outorgas em referência:
“Art. 1.º O serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral é o
prestado nos regimes público e privado, nos termos dos arts. 18, inciso I, 64, 65, inciso
III, e 66 da Lei 9.472, de 16.07.1997, e do disposto neste Plano Geral de Outorgas.
§ 1.º Serviço telefônico fixo comutado é o serviço de telecomunicações que, por meio da
transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos
determinados, utilizando processos de telefonia.
§ 2.º São modalidades do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público
em geral o serviço local, o serviço de longa distância nacional e o serviço de longa
distância internacional, nos seguintes termos:
Nem se diga que o sistema proposto representaria decisão regulatória da Anatel acerca
do tema, isto é, que a Agência estaria dando cumprimento às suas atribuições ao decidir
que Área Local seria identificável com as áreas de Regiões Metropolitanas ou Regiões
Integradas de Desenvolvimento. Ora, ao atribuir tal competência ao órgão regulador das
telecomunicações, buscou-se que a definição a respeito das Áreas Locais fosse,
efetivamente, da Anatel e não que ela, simplesmente, a atrelasse a outro sistema
decisório, totalmente alheio aos objetivos almejados com a regulação setorial.
Art. 35. Compete ao Conselho Diretor, sem prejuízo de outras atribuições previstas na
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(…)
(…)
a) (…)
A criação de novos ônus, bem como a redução de receitas, que afetem contrato de
concessão é competência tipicamente administrativa. No caso em tela, tal atribuição foi
legalmente imposta à Anatel, que não pode transferi-la ou atrelá-la a decisão das várias
Assembleias Legislativas ou mesmo do Congresso Nacional (quando decidisse sobre a
criação de Regiões Integradas de Desenvolvimento).
econômico-financeiro do contrato.
Existe razão de cunho prático muito forte para que o STF preserve esse núcleo da função
administrativa. Gerir contratos é atribuição inerente à atividade executiva. É a
Administração quem dispõe dos instrumentos e do aparato técnico necessário para
apurar o impacto das medidas nas concessões, de modo a preservar o seu equilíbrio
econômico-financeiro e, consequentemente, o ato jurídico perfeito que cada uma
constitui. Excluir parte da receita de concessionário, incluir novos ônus para outros, são
providências que, em tese, podem até ser adotadas unilateralmente, mas só pela
Administração e com plena demonstração de que será preservado o equilíbrio
econômico-financeiro original das concessões. Incluir pura e simplesmente novos ônus
ou retirar parte significativa das receitas, sem apontar qualquer compensação ou mesmo
avaliar o impacto das medidas, fere o pactuado originalmente e, por isso, torna a
providência carente de validade.
Pois bem, em que pese a inegável repercussão que a medida em análise exerceria sobre
contratos de concessão de telefonia fixa, protegidos por cláusulas que asseguram a
preservação do equilíbrio econômico-financeiro, a divulgação da proposta submetida a
consulta pública foi feita sem qualquer divulgação prévia de estudos econômicos que lhe
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sirvam de base.
O mais grave é que não houve apenas falta de divulgação. Reconheceu-se a inexistência
de tais estudos. A decisão foi tomada sem que se saiba o impacto econômico-financeiro
que causará. Essa omissão foi reconhecida no parecer da Procuradoria da agência, em
trecho reproduzido na análise do conselheiro relator do processo. Veja-se:
(…)
Ganha especial relevo, entre o plexo de explicações que devem ser divulgadas no
processo de consulta pública, a demonstração de fontes de recursos para arcar com
novas obrigações ou perdas de receita. Seria descabido se a agência pura e
simplesmente lançasse novas regras sob a genérica justificativa de que, apesar delas, o
equilíbrio estaria mantido em virtude de ganhos de produtividade, aumento de receita ou
redução de despesas em relação ao originalmente previsto. Fundamentar a viabilidade
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da medida não significa apontar, sem qualquer demonstração, situações genéricas que
potencialmente equilibrariam financeiramente o contrato. Para cumprir seu dever de
motivar a pro-posta, a Anatel se vê obrigada a apontar, objetivamente, os mecanismos
que seriam empregados para reequilibrar os contratos afetados.
Ressalte-se que esse dever se aplica em relação a qualquer ônus ou perda de receita
que venha a ser proposto pela agência. Também é importante destacar que esse dever
de indicar as fontes de receita para cobrir despesas ou perdas de receita, introduzidas
nas concessões, vem sendo reconhecido nos últimos anos pelos tribunais superiores
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brasileiros. Decisões recentes do STJ e do STF vêm considerando inválidas as
decisões do poder concedente que, sem apontar as fontes de recursos necessárias,
criam novos ônus às concessionárias de serviços públicos. Como já dito, até leis
instituidoras de ônus vêm sendo declaradas inconstitucionais quando desprovidas da
indicação da fonte de recurso para suportá-los.
Os fundamentos empregados por essa jurisprudência são muito claros. Aponta-se como
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garantia constitucional a preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos,
que seria violado pela criação de novos encargos ou supressões de receitas, desprovidas
da indicação de fontes que reparassem as perdas. Importante também notar que a
jurisprudência não entrou no mérito de eventuais prejuízos causados pelas medidas. A
falta se mostrou, antes de tudo, de caráter formal. A completa ausência de motivação,
de justificativa técnico-econômica para criar novo ônus, foi suficiente para decretar a
nulidade da medida, por ofensa ao preceito constitucional (também reproduzido em
diversas leis e nos próprios contratos) que assegura a preservação da situação
econômica das concessionárias.
6. Conclusão
a) Carece de validade a vinculação proposta das Áreas Locais do STFC às áreas das
Regiões Metropolitanas e Regiões Integradas de Desenvolvimento já existentes e que
venham a ser criadas.
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b) A criação dessas Regiões demanda decisão legislativa (de Estados e, no caso das
Regiões Integradas de Desenvolvimento, da União) que leva em conta apenas a
conveniência quanto à instituição de novas unidades geopolíticas, para fins de prestação
de serviços comuns. Tais decisões não consideram, nem poderiam, os efeitos que teriam
caso suas áreas viessem a se tornar unidade de prestação (Área Local) dos serviços de
telefonia fixa.
d) Apesar do inegável impacto nas receitas das concessionárias, a medida foi proposta
sem que a agência realizasse qualquer estudo econômico-financeiro para avaliar a
conveniência e a viabilidade da medida. Tal omissão faz com que a proposta seja nula
por ausência da devida fundamentação e motivação prévia.
2 A competência para a criação de regiões metropolitanas está prevista no art. 25, § 3.º,
da CF/1988 (LGL\1988\3). Confira-se: “Art. 25. (…) § 3.º Os Estados poderão, mediante
lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.”
6 A Lei Geral das Telecomunicações definiu que a competência federal para regular o
setor de telecomunicações seria exercida pelo órgão regulador (Anatel). Veja-se: “Art.
1.º Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas
estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços
de telecomunicações. Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o
disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e o uso dos serviços e da
implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos
recursos de órbita e espectro de radiofrequências.” Entre as competências da Agência,
figura com destaque a expedição de normas para disciplinar os serviços prestados em
regime público, caso do STFC: “Art. 19. À Agência compete adotar as medidas
necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das
telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade,
impessoalidade e publicidade, e especialmente: (…) IV - expedir normas quanto à
outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público;”.
Outra competência expressa da Agência, que seria violada com a manutenção da
proposta em análise, seria a de definir as modalidades de serviços de telecomunicações
(art. 69 da LGT). Como é a definição da Área Local do STFC o fator que identifica uma
dada chamada como pertencente à modalidade Loca ou Longa Distância, ao delegar ao
Legislativo de Estados a delimitação dessas áreas, o regulamento, na prática, está
delegando a competência contida no art. 69 da LGT. Confira-se o teor do dispositivo:
“Art. 69. As modalidades de serviço serão definidas pela Agência em função de sua
finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou
de outros atributos.”
8 As decisões mais relevantes do STF sobre a matéria foram tomadas no bojo de ações
diretas de inconstitucionalidade. Destaco as seguintes: ADI 2299/ RS, publicada em
28.03.2001; ADI 2.337/SC, publicada em 20.02.2002; ADI 2733/ES, publicada em
26.01.2005. A única gratuidade (que importa ônus) admitida sem indicação de fontes
para ressarcimento do valor investido foi a instituída em favor de idosos. Trata-se de
caso especialíssimo, em que a norma legal impugnada repetia o disposto no art. 230 do
próprio texto constitucional (ADI 3768/DF de 25.10.2007). Vale registrar que, nesses
casos, soma-se ao argumento do desrespeito à garantia do equilíbrio
econômico-financeiro o de violação ao princípio da separação de poderes. Nos casos,
como as medidas foram tomadas pelo Legislativo, o STF constatou intromissão indevida
em atividade tipicamente administrativa, referente à gestão dos contratos de concessão.
9 LGT, art. 40: “Os atos da Agência deverá ser sempre acompanhados da exposição
formal dos motivos que os justifiquem”.
11 Esse dever é decorrência direta do que prevê o art. 108, § 4.º, da LGT, que aponta
como um das causas de revisão do contrato “a oneração causada por novas regras sobre
os serviços”.
14 Decorrente do art. 37, XXI, que assegura aos contratados pela Administração o
direito à manutenção das “condições efetivas” da sua proposta.
15 Decisões nesse sentido foram tomadas pelo STJ nos recursos ordinários em mandado
de segurança 13.084/CE, publicado em 23.09.2002, e 14.865/ RJ, publicado em
11.11.2002. No STF, a mesma linha foi adotada no julgamento de cautelares nas ADIs
436/DF, p. em 12.02.1993, e 1052/RS, p. em 23.09.1994.
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