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Internacional
Geologia
Congresso científico discute o início do Antropoceno, marcado pelo impacto da humanidade no planeta. Não é
uma boa notícia
University of Wollongong / AFP
Pesquisadores na Groenlândia, onde fósseis de 3,7 bilhões de anos foram encontrados. A vida na Terra está mudando, por conta dos
humanos
Os atuais habitantes deste planeta desfrutam de um privilégio duvidoso, mas ainda mais raro do que o de ter comemorado a chegada
do terceiro milênio. É compartilhado apenas com a geração que, há quase 12 mil anos, começou a experimentar com agricultura
enquanto se derretia a Idade do Gelo e mirravam os campos de caça. Ou, se ampliarmos o conceito de “humano”, com os hominídeos
ancestrais que, 2,58 milhões de anos antes, enquanto surgiam as geleiras, desceram das árvores para começar a se alimentar de
carniça. É a segunda ou terceira expulsão da humanidade do Paraíso e a primeira da qual ela é a única culpada.
No 35º Congresso Geológico Internacional, de 27 de agosto a 4 de setembro na Cidade do Cabo, África do Sul, a comissão encarregada
pela União Internacional das Ciências Geológicas (UICG) recomendou o reconhecimento oficial do início de uma nova época geológica,
chamada Antropoceno. Para melhor se compreender o significado disso, recorde-se como os geólogos dividem os 4,55 bilhões de anos
da história da Terra.
https://www.cartacapital.com.br/revista/917/antropoceno-nos-humanos-criamos-uma-nova-epoca-geologica 1/5
30/01/2018 Nós, humanos, criamos uma nova época geológica — CartaCapital
Para começar, em quatro éons: Hadeano (sem vida), Arqueano (primeiras formas de vida bacteriana), Proterozoico (células complexas e
primeiros multicelulares) e Fanerozoico (formas de vida diversificadas). Cada éon divide-se em várias eras, que no caso do Fanerozoico
são três: Paleozoico (plantas, peixes, insetos, anfíbios e primeiros répteis), Mesozoico (“era dos dinossauros”) e Cenozoico (“era dos
mamíferos”). O Mesozoico divide-se em três períodos, Triássico, Jurássico e Cretáceo, e o Cenozoico em outros três: Paleogeno,
Neogeno e Antropogeno (mais conhecido como Quaternário).
Cada período divide-se, por sua vez, em duas a quatro épocas, a maioria das quais com duração de 5 milhões a 30 milhões de anos,
cada uma marcada por mudanças notáveis na composição das camadas de rochas e no caráter de distribuição de fósseis, resultantes
de alterações drásticas do ambiente. Contavam-se 37 épocas desde o início do Paleozoico, sete das quais no Cenozoico, incluídas as
duas que formam o Quaternário: o Pleistoceno, “Idade do Gelo”, no qual as geleiras cobriram a maior parte da América do Norte e da
Europa, e o Holoceno, quando o clima voltou a se aquecer e surgiram a agricultura e a civilização.
O Antropoceno é, portanto, a 38ª época do Fanerozoico e a terceira do Quaternário. O Nobel de Química Paul Crutzen, que em 2000 foi
o primeiro a propor a ideia com seriedade, indicou 1800 como o início do “primeiro estágio”, de difusão das máquinas a vapor
industriais, consumo maciço de combustíveis fósseis e aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera, e 1945 do
“segundo estágio”, de aceleração súbita da industrialização e do crescimento demográfico.
A maioria dos membros da comissão da UICG sugere uma data precisa: 16 de julho de 1945, detonação da primeira bomba atômica, o
experimento Trinity.
Outros sugeriram os anos de 1610, data de uma marcada retração no gás carbônico atmosférico e expansão de florestas devidas ao
colapso das civilizações e ao genocídio das populações ameríndias após a conquista europeia (acompanhada pela redistribuição de
espécies vegetais e animais pelas navegações) e 1964, auge do depósito de isótopos radioativos pelos testes nucleares pela superfície
da Terra.
Do ponto de vista estritamente técnico, essas datas teriam a vantagem de estar mais claramente marcadas na geologia, mas os
próprios geólogos parecem, na sua maioria, inclinados a deixar o cientificismo de lado para enfatizar o significado ético, social e
histórico dessa virada. A detonação da primeira bomba atômica apropriada como símbolo, um equivalente real e laico do momento
mítico no qual Adão e Eva comeram o fruto proibido. A Revolução Industrial é ainda mais importante pelas consequências (enquanto
não houver uma guerra nuclear generalizada), mas é um processo de mais de dois séculos com o qual nos acostumamos demais.
A questão é que o impacto da humanidade no funcionamento do ambiente planetário tornou-se comparável a grandes forças da
natureza, como a expansão e retração das geleiras, ou mesmo o meteorito cuja queda teria liquidado os dinossauros.
A composição da atmosfera está sendo drasticamente modificada – de, no máximo, 280 partes por milhão de há mais de 300 mil anos
(antes do surgimento do Homo sapiens) até a invenção de James Watt para mais de 400 hoje –, com efeitos na temperatura média do
planeta, no clima e na acidificação dos oceanos e, em breve, no nível do mar. Isótopos e compostos químicos persistentes e
inexistentes na natureza, do plutônio ao PVC, misturaram-se ao solo e à água e deixam marcas indeléveis nos sedimentos marinhos e
lacustres, nas geleiras e nas estalactites e estalagmites das cavernas.
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30/01/2018 Nós, humanos, criamos uma nova época geológica — CartaCapital
Espécies de animais e vegetais extinguem-se a um ritmo cem a mil vezes mais rápido do que em tempos normais. A maioria das
espécies selvagens de médio e grande porte está hoje extinta ou aparentemente condenada – inclusive algumas das mais icônicas,
como leões, rinocerontes, onças e elefantes – e os domésticos se multiplicaram absurdamente.
Não foi uma mudança de grau, mas de qualidade, da qual nos damos conta tarde demais para revertê-la. É possível, no máximo, tentar
desacelerá-la, e isso se mudarem de direção os ventos direitistas hoje prevalecentes na política e na economia e o desenvolvimento,
promoção e difusão de tecnologias mais limpas se tornarem a prioridade máxima.
Não adianta fechar os olhos ao inexorável: a população do planeta atingirá pelo menos 9 bilhões em 2050 e, enquanto não se cogitar
de mudar radicalmente o sistema econômico, o crescimento econômico a qualquer custo continua a ser objetivo de pobres sufocados
pela miséria e pelo desemprego, da classe média em busca de melhores oportunidades e de ricos atrás de lucros ainda maiores. Para
não falar de indivíduos, governos e empresas não enxergam além das dificuldades presentes ou, quando muito, do tempo de vida dos
atuais dirigentes.
Restam duas possibilidades. Uma é a humanidade aprender a sustentar um ponto de equilíbrio artificial com o ambiente terrestre, no
qual seja possível sobreviver ainda que em condições muito diferentes daquelas às quais a espécie humana se adaptou biologicamente
e nas quais construiu suas culturas e civilizações. Será um mundo mais quente, de ar viciado, oceanos ácidos, terras habitáveis
reduzidas em extensão, sem consumo de combustíveis fósseis ou materiais não recicláveis e – o que talvez seja ainda mais difícil de
imaginar – sem crescimento econômico ou capitalismo tal como os entendemos hoje.
Não é possível a produção crescer sem fim em um mundo finito e, sem perspectiva de crescimento indefinido, não se pode falar de
acumulação de capital e concorrência, a não ser no sentido mais primitivo, predatório e suicida. Imagine-se um mundo de crescimento
zero, no qual o consumo seja criteriosamente racionado e restrito a substâncias recicláveis, todo desperdício seja um crime, nenhum
território novo possa ser ocupado e nenhuma inovação possa ser testada sem controles e autorizações especiais. Nossos descendentes
aprenderão sobre como nossa geração os expulsou do Paraíso da irresponsabilidade ambiental e os obrigou a tomar consciência do
bem e do mal contidos em cada pequena escolha de consumo.
Nem mesmo a eventual exploração da Lua, de Marte ou dos asteroides ou do planeta recém-descoberto em Próxima Centauri
permitiria fugir da questão. Se acaso for possível sobreviver lá, será igualmente necessário conservar em equilíbrio forçado um
ambiente artificial finito, ou a aventura humana nesses mundos seria muito mais breve do que foi aqui até agora.
A outra possibilidade é esse equilíbrio não ser atingido e o ambiente entrar em uma espiral incontrolável de deterioração ambiental até
a vida humana se tornar impossível. Tanto pior para a humanidade e para a maioria das espécies vivas ainda existentes, mas o planeta
recuperou-se de crises comparáveis. Um extraterrestre de passagem encontraria daqui a dois séculos um mar contaminado e um solo
https://www.cartacapital.com.br/revista/917/antropoceno-nos-humanos-criamos-uma-nova-epoca-geologica 3/5
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erodido, habitado apenas por ratos, baratas e outras espécies igualmente resistentes e adaptáveis.
Mas, se voltar a averiguá-lo depois de 20 milhões de anos, provavelmente encontrará fauna e flora
renovadas pela evolução, tão surpreendente para nós quanto seriam as baleias, girafas e
passarinhos para um dinossauro.
Com a orientação do geólogo Dougal Dixon, a curiosa minissérie Futuro Selvagem (no original, The
Future Is Wild) da britânica BBC, de 2002, fez uma especulação inteligente sobre essa hipótese e
imaginou fascinantes animais do futuro distante, descendentes plausíveis das espécies mais
capazes de sobreviver ao desastre humano – roedores, insetos, aranhas, certos peixes e moluscos.
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30/01/2018 Nós, humanos, criamos uma nova época geológica — CartaCapital
https://www.cartacapital.com.br/revista/917/antropoceno-nos-humanos-criamos-uma-nova-epoca-geologica 5/5