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SOFRIMENTO FETAL

A abrangência da reparação dos danos à criança que


sobrevive aos problemas do parto – algumas considerações.

Andréa Araujo Bostelmam Mandelli1


Claudia Aparecida Soares 2

Resumo: A vida é o bem mais precioso que o ser humano tem como garantia constitucional e
tem como direito social a saúde e a proteção à infância. Assim, buscou-se neste trabalho
conhecer algumas diretrizes sobre o dever de indenizar pela legislação civil vigente quando
ocorre o sofrimento fetal e a criança consegue sobreviver aos efeitos do parto. Indicou-se quais
os profissionais que fazem parte da equipe de saúde que deve acompanhar a parturiente nos
partos considerados normais e nos cirúrgicos. Em seguida, discorreu-se sobre as sequelas
apresentadas pelas crianças que se mantém com vida após os problemas durante o seu
nascimento, os quais normalmente são de ordem neurológica, psicomotoras e outras delas
decorrentes, devendo ser considerado cada caso em concreto. A reparação de danos deve ser
integral, devendo abranger os agravos materiais, morais e estéticos, conforme entendimento do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Palavras-chave: Sofrimento. Fetal. Reparação. Danos. Indenização.

FETAL SUFFERING
The scope of reparation for damages to the child who
survives the problems of childbirth - some considerations.
Abstract: Life is the most precious thing that the human being has as constitutional guarantee
and has as social right the health and the protection to infancy. Thus, we sought in this work to
know some guidelines on the duty to indemnify the existing civil legislation when fetal distress
occurs and the child can survive the effects of childbirth. It was indicated which professionals
are part of the health team that should accompany the parturient in deliveries considered normal
and in the surgical ones. Then, the sequelae presented by the children who remained alive after
the problems during their birth, which are usually of a neurological, psychomotor and other
origin, are analyzed and should be considered in each case. The reparation of damages must be
integral, and must cover the material, moral and aesthetic damages, according to the
understanding of the Santa Catarina Court of Justice.
Keywords: Fetal. Repair. Damage. Indemnity.

1
Especialista em Direito Processual Civil, Direito Penal a Administração de Pessoas. Graduada em Psicologia.
bostelmam@yahoo.com
2
Pedagoga. Psicopedagoga. Mestre em Educação. claudiabromer@conection.com.br.
2

1 INTRODUÇÃO

A vida é o bem mais precioso que o ser humano tem, razão pela qual é uma garantia
fundamental de todo o cidadão assegurada na Constituição Federal (BRASIL, 1988) e que tem
previsão na lei civil de resguardo da personalidade desde o nascimento com vida, retroagindo
este direito até o momento da concepção do nascituro, bem como é direito social do cidadão a
saúde e a proteção à maternidade e à infância, dentre outros.

Por sua vez, existe previsão constitucional como direito de todo cidadão o recebimento
de indenização por danos morais, materiais e à imagem. Esta matéria também está presente no
Código Civil de 2002 que disciplina o dever de reparar o dano pela prática de ato ilícito,
especificando em seu artigo 186 que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito”.

O sofrimento fetal é um tema atualmente bastante discutido em virtude das


complicações que esta situação pode acarretar ao recém-nascido por problemas ocorridos
durante o parto da mãe que até então tinha como seu estado gravídico como saudável e sem
maiores dificuldades para o bebê, ainda que tenha desenvolvido uma gravidez de risco. Muitas
vezes, restam à criança muitas sequelas que lhe acompanharão por todo o decorrer de sua vida,
além das complicações e dificuldades já nos primeiros momentos de vida extrauterina.

Assim, com o conhecimento adquirido durante os estudos direcionados à temática


escolhida, apresenta-se este trabalho a fim de pontuar a abrangência da reparação de danos à
criança que sobrevive ao parto quando há sofrimento fetal por problemas no atendimento da
equipe de saúde durante o nascimento.

Ressalta-se, de início, que apesar de o tema sugerir discussões de diversas áreas


científicas, a pesquisa será direcionada para uma leitura embasada na legislação brasileira e
seus requisitos para a possível reparação de danos frente aos prejuízos experimentados pela
criança recém-nascida.
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O principal objetivo deste trabalho é conhecer a abrangência da reparação dos danos


para o recém-nascido que passou pelo sofrimento fetal durante o parto e que sobreviveu às
dificuldades desde os primeiros minutos de vida quando ocorre algum tipo de problema no
atendimento prestado pela equipe de saúde que acompanhou o nascimento e, a partir disto,
apresentar algumas pontuações. Para tanto, foi examinada legislação brasileira no que diz
respeito à reparação de danos e apontar sua abrangência, investigando-se algumas diretrizes
sobre o trabalho da equipe médica durante o processo de parto e sua conduta para o sofrimento
fetal, bem como conheceu-se algumas das consequências que a criança pode apresentar ao
sobreviver à violência e ao sofrimento durante o parto; pesquisando-se, por fim se existem casos
já publicados em nível nacional sobre reparação de danos em casos de criança que passou pelo
sofrimento fetal durante o nascimento

A investigação foi de cunho qualitativo, numa avaliação integral, de enfoque


exploratório e descritivo, utilizando-se de pesquisa documental e bibliográfica, reunindo-se
materiais já publicados sobre o assunto e com abrangência em nível nacional sobre informações
de crianças que passaram pelo temido sofrimento fetal ao nascer e em razão disto buscaram
discutir a possível reparação de danos junto ao Poder Judiciário.

2. O DEVER DE REPARAR OS DANOS NO DIREITO CIVIL

O direito à vida é uma garantia fundamental de todo cidadão brasileiro prevista no artigo
5º da Constituição Federal e quando violado é passível de indenização. De modo a corroborar
isto, o Código Civil dispõe em seu artigo 927 que “aquele que, por ato ilícito [...], causar dano
a outrem, fica obrigado a repará-lo”, sendo para tanto considerado “ilícito aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (artigo 186 do Código Civil).

A matéria relativa à reparação de danos ou a responsabilidade civil é bastante extensa,


razão pela qual se apresentam apenas algumas de suas nuances neste trabalho. Via de regra, a
responsabilidade civil surge de um ato ilícito que viola algum direito, mas pode ter sua origem
em um ato licito, quando há expressa previsão legal. É objetivo da responsabilidade civil,
restituir o dano por completo.
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Destaca-se sobre as teorias da responsabilidade civil que:

Duas são as teorias de Responsabilidade Civil: a subjetiva e a objetiva. À primeira


impõe-se a necessidade de um ato ou omissão que viole o direito de uma segunda
pessoa, o dano produzido por este ato ou omissão, a responsabilidade de causalidade
entre o ato ou omissão e o dano e, finalmente, a culpa. À segunda, ou seja, a
responsabilidade objetiva, subtrai-se a culpa, ou seja, o causador da ação responde
sem culpa, pois a norma se baseia na teoria do risco, a qual menciona que o prejuízo
deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de
ter, ou não, agido com intenção. Responsável é aquele que causou o dano, não
importando o que ele tenha a dizer.
Para identificar a responsabilidade objetiva, utiliza-se a presunção de culpa, isto é,
mesmo que não o acredite, a reclamada parte do pressuposto de uma responsabilidade
inequívoca e não da necessidade de se lhe apurar culpa.
Enquanto Responsabilidade Civil Contratual, duas são as obrigações de um
profissional: a de resultado, ou seja, a obrigação de alcançar determinado objetivo ou
resultado, sem o qual extingue-se a relação contratual, e a de meio, ou seja, obrigação
de empregar os modos para consecução de seu objetivo.
[...] No Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu Art. 14, §4º, lê-se: "A
responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa". Portanto, há que se demonstrar que o mesmo agiu sem dolo ou
com negligência, imprudência ou imperícia a estes profissionais (CORDEIRO et al,
2011, p. 59-60).

Corrobora a distinção da responsabilidade civil subjetiva e objetiva, o estudo feito por


Luz (2011), no qual esclarece que, fundamentando em diversos doutrinadores, na
responsabilidade subjetiva o ilícito é o fato gerador (ação ou omissão), sendo o causador
responsável pelo ressarcimento do prejuízo se ficar comprovada a existência de dolo ou culpa
e a ligação existente entre o evento e a consequência. Já a responsabilidade objetiva a vítima
deve demonstrar o prejuízo, o nexo de causalidade entre o dano e a ação que foi causa da sua
existência.

Nesse pensar, havendo a configuração de algum ato que gere um prejuízo (dano) por
ação ou omissão de alguma pessoa e que ela tenha dado causa ao evento, resta configurada a
responsabilidade civil e surge o dever de reparar o agravo.

Os danos podem ser classificados em materiais, morais e estéticos. O dano material é


aquele que “vem a ser a lesão concreta, que afeta o interesse relativo ao patrimônio da vítima,
consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem,
sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável”. (DINIZ, 2007, p.
66). Já o dano moral é “aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todo dano não material.
[...] Para os que preferem um conceito positivo, dano moral é dor, vexame, sofrimento,
desconforto, humilhação – enfim, dor da alma”. (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 106). E, por
5

fim, o dano estético é “alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as
deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob
qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num
permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade [...]”. (DINIZ,
2007, p. 80).

3 O ATENDIMENTO DA PARTURIENTE E DE SEU FILHO POR EQUIPE DE


SAÚDE E O PARTO

Inicialmente, indica-se que existem dois tipos de partos, o normal/natural e o por meio
de cesariana (cirurgia). O primeiro traz consigo inúmeros benefícios para mãe e bebê por ser
“[...] próprio da fisiologia humana [...], tendo em vista que o corpo da mulher foi preparado
para tal. A maioria das parturientes e dos neonatos é capaz de atravessar de maneira saudável o
momento crítico do nascimento, sem necessidade de intervenção médica” (NASCIMENTO et
al, 2015, p. 123).

Já o segundo, o parto cirúrgico, é especificado por Oliveira et al (2002) pela prática


médica advinda da Segunda Guerra Mundial e que culminou na redução da morbidade e
mortalidade maternas, ressaltando a incorporação de intervenções desnecessárias.

A espera pelo nascimento de um filho é algo muitas vezes planejado pela parturiente e
seu médico durante várias semanas e que no momento do parto pode resultar em situações
diferenciadas. As Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, do Ministério da Saúde
e publicada em 2017, trazem algumas questões importantes sobre o nascimento em hospital,
indicando quais profissionais estão diretamente ligados a este acontecimento:

[...] Profissionais/usuários destas Diretrizes [...] Todos os profissionais envolvidos


diretamente na assistência ao parto, tais como: médicos obstetras, pediatras,
neonatologistas, anestesiologistas, generalistas, enfermeiras obstétricas, obstetrizes,
enfermeiras assistenciais, técnicos de enfermagem, etc. (p. 6- 10)

Em seu estudo sobre as percepções da equipe de enfermagem no parto humanizado,


Marque, Dias e Azevedo (2006) apontam que o enfermeiro assiste a mulher na sala de parto
quando normal ou acompanhando a sua evolução. Além disto, se a criança é saudável o
enfermeiro especialista em obstetrícia/neonatologista ou o médico podem promover os
primeiros cuidados do recém nato.
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Malheiros et al (2012) em sua pesquisa apontam que tanto médicos quanto enfermeiros
obstetras estão capacitados e têm autorização para assistir nos partos de risco habitual.
Ressaltam, no entanto, que os médicos têm formação mais voltada para as complicações da
gestação e do parto e situações de risco fazendo uso de tecnologias. Em conclusão à sua
pesquisa de campo, relataram que muitos profissionais da saúde desconhecem algumas nuances
de sua profissão, sendo que alguns admitiram a utilização de técnicas não recomendadas pela
Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde. Diversamente, quando há durante
o pré-natal a verificação de problemas com o binômio mãe-bebê, é necessária a intervenção
médica, utilizando-se de todos os meios necessários para a preservação das duas vidas.

E para finalizar este tópico, colaciona-se as explicações de Silva et al (2017, p. 2) sobre


o parto cirúrgico e suas indicações ou não, bem como as consequências para a parturiente e o
neonato:
De acordo com o American College of Obstetricians and Gynecologists, a cesárea
eletiva indicada antes de 40 semanas gestacionais, não permite o completo
desenvolvimento cerebral do feto, que tem seu término estimado entre 35 a 39
semanas. Diante disso, o neonato pode apresentar problemas respiratórios,
dificuldades de controle térmico, dificuldades de sucção/alimentação, icterícia por
excesso de bilirrubina, problemas auditivos, visuais, de aprendizagem e de conduta.
Além disto, o neonato apresenta maior risco de: morte, necessidade de internação em
Centros de Terapia Intensiva, período prolongado de internação e maior procura por
serviços de saúde no primeiro ano de vida. Além dos riscos inerentes ao procedimento
cirúrgico, as mulheres submetidas à cesárea apresentam risco de desenvolvimento de
infecções e hemorragias, e, em gestações futuras, podem apresentar maior risco para
placenta prévia, acretismo placentário, hemorragia pós-parto e histerectomia. Desta
forma, preconiza-se que na ausência de indicação materna ou fetal, o parto vaginal é
sempre o mais seguro e apropriado.
Assim, dentre as indicações de cesáreas são justificáveis: distócias ou falha na
progressão do trabalho de parto após instalação do mesmo, desproporção
cefalopélvica, intervalo interpartal menor que dois anos após cesárea, apresentações
anômalas fetais, sofrimento fetal agudo, mecônio espesso (sofrimento fetal) e
alterações na frequência cardíaca fetal.

Ressalta-se que não será tratado o tema da violência obstétrica neste trabalho em que o
foco seria mais voltado à parturiente, apesar de ser tema bastante interligado ao sofrimento fetal
e de relevante importância.

4 SOFRIMENTO FETAL E A ABRANGÊNCIA DA REPARAÇÃO DOS DANOS


CAUSADOS À CRIANÇA QUE SOBREVIVE AOS PROBLEMAS DO PARTO –
algumas considerações
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É interessante, antes de discorrer sobre o sofrimento fetal, destacar as palavras de Lara,


Goulart e Carmo (2010, p. 35) em estudo sobre a assistência ao recém-nascido durante o parto
e os cuidados com a parturiente e o bebê:

O nascimento de um bebê é considerado um acontecimento emocional e fisiológico


marcante e exaustivo para a mãe e o recém-nascido. Mesmo que esse processo ocorra
normalmente, é natural que o recém-nascido passe por modificações extremas, saindo
de um ambiente acolhedor, aquático, termo estável, com sonoridade própria, com
estimulação sinestésica livre dentro das limitações do tamanho uterino. As mudanças
pelo qual o neonato passa durante o parto causam ao recém-nascido estresse de
natureza e intensidade distintas (KENNER, 2001). Portanto, o cuidado ao binômio
mãe/bebê durante o parto visa não só à saúde da mulher, como também visa ao preparo
de um ambiente favorável ao recém-nascido (KOLPEMAN et al., 2004).

O sofrimento fetal (hipóxia neonatal) é a diminuição ou ausência da assimilação de


oxigênio recebida pelo feto por meio da placenta, podendo ser agudo ou crônico. Esclarece
Meldau (2019, p. 1) que

Em muitos casos este sofrimento é implicado por uma patologia materna que ocasiona
redução na sua concentração de oxigênio sanguíneo, como, por exemplo, em um
quadro de anemia significativa, um problema respiratório ou cardíaco. Existem
também outras patologias maternas que resultam em uma irrigação placentária
ineficiente, como no caso da hipertensão arterial ou a diabetes gestacional, levando,
consequentemente, à diminuição da oxigenação fetal. Apesar de estes problemas não
apontarem alterações evidentes na oxigenação ao longo da gestação, podem ocasionar
uma insuficiência da mesma no momento do parto, em decorrência do esforço
realizado pela mãe ou quando há associado uma redução da irrigação placentária
durante as contrações uterinas. Além disso, problemas ocorridos no momento do
parto, como placenta prévia e o descolamento prematuro da placenta, podem resultar
em problemas mais severos na oxigenação do feto.

Outra forma de sofrimento fetal é a asfixia perinatal, a qual se traduz em “diminuição


do fornecimento nutricional e metabólico da mãe para o feto, levando a má perfusão dos órgãos
vitais, com consequente hipoxemia, acidose metabólica e hipercapnia.” (RODRIGUES, 2019,
p. 1). Adverte-se que existem outras situações que podem ser responsáveis pelo sofrimento fetal
que são apresentadas pela literatura médica, não sendo possível explorar neste artigo todas elas
à exaustão, ainda que não se desconheça sua existência.

As consequências do sofrimento fetal devem ser avaliadas de acordo com a intensidade,


podendo-se encontrar

[...] lesões cerebrais difusas de baixa severidade, que ocasionam problemas de


comportamento e atraso no desenvolvimento psicomotor do indivíduo; Lesões
encefálicas extensas mais severas, podendo resultar em paralisia cerebral infantil,
epilepsia ou atraso mental. Além disso, as lesões encefálicas também podem levar à
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morte do feto no decorrer do parto ou algumas horas após o nascimento, em virtude


do comprometimento das funções vitais do mesmo (MELDAU, 2019, p. 1).

Em estudo específico sobre crises convulsivas e hipóxia neonatal, Greggio e Costa


(2008, p. 47) ponderam que a hipóxia no nascimento é um dos principais distúrbios associados
às crises convulsivas neonatais e as crianças acabam por apresentar também “sequelas, que
podem variar de leves disfunções comportamentais até risco aumentado para o
desenvolvimento de epilepsia, retardo mental e/ou paralisia cerebral na fase adulta”.

Resulta certo, assim, que o grau de consequências decorrentes do sofrimento fetal varia
de criança para criança, não havendo como indicar uma linha única de efeitos e estes devem ser
avaliados na hora de se fixar a reparação de danos para que a indenização seja integral ao
prejuízo causado ao recém-nascido.

Neste sentido, demonstrada a ocorrência de sofrimento fetal e evidenciados os requisitos


para a reparação de danos como discorrido acima, resulta certo o dever de indenizar, buscando
restabelecer a vida saudável ou mais próxima disto para a criança que sobrevive à violência no
momento do parto e desta forma seguindo as diretrizes legais o desagravo deve ser com a maior
abrangência possível, ponderando-se também as condições clínicas da mãe durante a gestação.

A respeito do dever de indenizar em casos em que ocorre o sofrimento fetal e suas


sequelas para a família e o neonato já se posicionou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E


MATERIAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DOS
AUTORES.
ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ART. 14, § 4º, DO CDC.
ESCULÁPIO QUE ACOMPANHOU A GESTANTE DURANTE TODO O PRÉ-
NATAL, SEM QUAISQUER COMPLICAÇÕES. PARTO NATURAL COM USO
DE FÓRCEPS. RECÉM-NASCIDO QUE APRESENTOU FRATURA DE CRÂNIO
E ANOXIA NEONATAL GRAVE. CIRCUNSTÂNCIAS INCONTROVERSAS
NOS AUTOS. FRATURA DECORRENTE DA IMPRUDÊNCIA DO ESCULÁPIO
EM MANUSEAR O INSTRUMENTO. NEGLIGÊNCIA, ADEMAIS, AO DEIXAR
DE CONSTATAR O SOFRIMENTO FETAL. CRIANÇA QUE SOFREU
SEQUELAS NEUROLÓGICAS IRREVERSÍVEIS. CULPA, DANO E NEXO DE
CAUSALIDADE COMPROVADOS. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO.
DECISÃO REFORMADA.
VERBAS INDENIZATÓRIAS. (1) DANOS MATERIAIS. DESPESAS COM
INTERNAÇÃO EM UTI, MÉDICOS, EXAMES E MEDICAMENTOS.
REEMBOLSO DEVIDO. (2) DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO.
SOFRIMENTO E FRUSTRAÇÃO QUE ULTRAPASSAM A ESFERA DE UM
ABORRECIMENTO EFÊMERO. GENITORES QUE, POR FORÇA DE ERRO
MÉDICO, FORAM COMPELIDOS A ENFRENTAR ETERNAMENTE A DIFÍCIL
SITUAÇÃO DE SEU FILHO, QUE CARECE DE CUIDADOS VITALÍCIOS.
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MENOR QUE SOFRE LIMITAÇÕES VISUAIS E MOTORAS, SENDO PRIVADO


DE REALIZAR DIVERSAS ATIVIDADES PRÓPRIAS DE CRIANÇAS NA SUA
IDADE. (3) PENSIONAMENTO. PERÍCIA QUE ATESTOU A
IMPOSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO TOTAL E A NECESSIDADE DE
ACOMPANHAMENTO MULTIDISCIPLINAR VITALÍCIO. REDISTRIBUIÇÃO
DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0006531-
61.2002.8.24.0011, de Brusque, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, Segunda Câmara
de Direito Civil, j. 15-09-2016).

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS,


ESTÉTICOS E MATERIAIS POR ERRO MÉDICO. PARTO NORMAL. EQUIPE
MÉDICA DA MATERNIDADE CARMELA DUTRA QUE, AO REALIZAR O
PROCEDIMENTO DE PARTO NORMAL NA REQUERENTE, DEIXOU DE SE
ATENTAR AOS SINAIS INDICATIVOS DE SOFRIMENTO FETAL AGUDO.
EVIDENTE NEGLIGÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DO ENTE ESTATAL.
RECÉM-NASCIDO QUE APRESENTOU QUADRO DE ANÓXIA PERINATAL,
RESULTANDO EM PARALISIA CEREBRAL. RESPONSABILIDADE CIVIL
OBJETIVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
DANO E NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE ESTE E A CONDUTA DOS
AGENTES PÚBLICOS COMPROVADOS. DEMONSTRADO ERRO MÉDICO.
DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. De acordo com o art. 37, § 6º, da Carta
Magna, "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa". Tratando-se de responsabilidade civil objetiva, se o dano e o nexo
causal entre este e a conduta do ente público foram devidamente demonstrados,
caracterizado está o dever de indenizar por parte do Estado. [...] DANOS MORAIS.
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA DOS AUTORES. ERRO
MÉDICO QUE CONSISTIU EM ANÓXIA PERINATAL COM SEQUELA DE
PARALISIA CEREBRAL. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. "Qualquer
ofensa à integridade física, mesmo quando passageira e sem deixar marcas estéticas,
produz, muito além da sensação de incômodo, um decaimento na auto-estima da
vítima que, ao se ver nesta situação, nunca se conformará com o fato de ter de padecer,
física e psiquicamente, em razão da conduta culposa de outrem. Eis aí identificado o
dano moral [...] DANOS ESTÉTICOS. ATRASO GLOBALIZADO NAS ÁREAS
DE DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR. QUADRO DECORRENTE DA
PARALISIA CEREBRAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. QUANTUM FIXADO EM
R$ 500.000,00 NA ORIGEM. PLEITO DE MINORAÇÃO ACOLHIDO.
REDUÇÃO QUE SE IMPÕE [...] DANO MATERIAL. CONDENAÇÃO AO
PAGAMENTO DE DESPESAS FUTURAS PARA O TRATAMENTO DA
AUTORA. POSSIBILIDADE. "Tendo sido comprovada a necessidade de realização
de cirurgias futuras e devendo ser a reparação de danos a mais completa possível, é
autorizado ao julgador determinar indenização, cujo quantum deverá ser estabelecido
em liquidação de sentença, a fim de recompor prejuízo vindouro. (TJSC, AC n.
2004.032863-2, rel. Des. Volnei Carlin, j. 18.8.05 (TJSC, Apelação Cível n.
2013.081455-7, da Capital, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de
Direito Público, j. 10-11-2015).

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO


MÉDICO E HOSPITALAR. ÓBITO DE BEBÊ E DA GESTANTE.
CULPABILIDADE DEMONSTRADA SOMENTE EM RELAÇÃO A MORTE DO
NASCITURO. SOFRIMENTO FETAL. PÓS DATISMO. RESPONSABILIDADE
DO MÉDICO, DO HOSPITAL E DO MUNICÍPIO. DEVER DE INDENIZAR
INCONTESTE. QUANTUM PRUDENTEMENTE ARBITRADO. REMESSA
NECESSÁRIA PARCIALMENTE ACOLHIDA. APELOS CONHECIDOS E
DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.084476-0, de Correia Pinto, rel.
Des. Júlio César Knoll, Quarta Câmara de Direito Público, j. 23-10-2014).
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Neste pensar, observa-se que em ocorrendo o sofrimento fetal é possível acionar


judicialmente a equipe de saúde (verificando-se quem tem legitimidade para responder) e
buscar a reparação dos danos de maneira integral ou mais próxima a isto para o neonato, não se
olvidando que a parturiente também tem seu direito à indenização.

As consequências para a criança que passou pelo sofrimento fetal e sobreviveu são das
mais diversas, sendo que depende da extensão das sequelas para se avaliar o quantum
indenizatório será fixado, pois será preciso investigar quais as necessidades que serão
enfrentadas para minorar os efeitos ocasionados a fim de garantir a reparação de danos integral
(danos materiais, morais e estéticos).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à vida é previsto constitucionalmente e ocorrendo o abalo a ela por qualquer


forma (física, moral ou estética) resulta no dever de indenizar, conforme previsão do Código
Civil. A responsabilidade civil se divide em subjetiva (ação ou omissão que viole o direito de
outra pessoa, o dano por dolo ou culpa resultante e o nexo de causalidade entre o ato o dano) e
objetiva (teoria do risco em que a indenização independe de culpa, demonstra-se o dano e o
nexo de causal).

O nascimento de um filho é um momento importante tanto para o neonato quanto para


a parturiente, apresentando modificações fisiológicas, psicológicas e de ambiente para ambos.
Existem duas formas de parto: o natural e o cirúrgico, sendo que aqueles realizados com o
auxílio de equipamentos ou com utilização de formas mais humanizadas se amoldam entre os
dois mencionados. Para a escolha do procedimento é necessário que haja bastante diálogo entre
a parturiente e a equipe de saúde que presta o atendimento a ela, respeitando-se em especial as
condições em que se desenvolveu a gravidez, a saúde do nascituro e as verificações do momento
do parto (o desenrolar do trabalho de parto), evitando-se com isto que ocorram dificuldades
extremas e resultem em sofrimento fetal.

O sofrimento fetal, por sua vez, é caracterizado por problemas no parto, sugerindo a
hipóxia neonatal ou a asfixia perinatal que são geradoras de inúmeras sequelas para a criança,
a qual muitas vezes terá que se adequar ao problema e ter uma sobrevida com muito cuidado e
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atenção de equipe multidisciplinar, eis que na maioria das vezes os problemas são de cunho
neurológico evoluindo para as mais diversas limitações (psicomotoras, entre outras).

Por fim, demonstrou-se com base em julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
que ocorrendo o sofrimento fetal em qualquer de suas formas, comprovando-se que ocorreram
problemas no atendimento pela equipe de saúde durante o trabalho de parto e o nascimento do
bebê e desta situação gerou consequências para a parturiente e seu filho, resta caracterizado o
dever de indenizar, devendo a abrangência da indenização ser avaliada individualmente em
cada caso concreto (danos materiais, morais e estéticos).

Resulta, assim, que a reparação de danos à criança que passa pelo sofrimento fetal
durante o parto, sobrevivendo às dificuldades enfrentadas já nas primeiras horas de vida
extrauterina, é matéria que vem ganhando força, diante dos problemas no atendimento pelas
equipes de saúde que deveriam primar pela garantia da vida.

REFERÊNCIAS

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03 fev. 2019.

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12

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