Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Indice
As Mulheres na
Capoeira
Por
Nasceu nas senzalas, veio para a cidade. Capoeira é luz que harmoniza o corpo, a
Cresceu nos quilombos, conheceu a alta-sociedade. mente, a vida. Arte bela proporcional a alegria de
Está fazendo a volta ao mundo da pré-escola a seus criadores, negros fortes, responsáveis pela
universidade. Diga quem não quer jogar o jogo da felicidade de seus discípulos, dos mais antigos aos
liberdade? Negros, brancos, amarelos... Vai da mais jovens. Capoeira razão de vida. Conquista só
criança à terceira idade. É a capoeira de norte a sul quem pratica com seriedade, determinação e
meu Senhor, entrando na roda e mostrando o seu persistência. Sabe o retorno das respostas
valor. Axé! adquiridas por tentar aproximar-se da perfeição de
um mestre.
A capoeira
Capoeira, uma vez capoeira, impossível largar
A Capoeira é a história, filosofia de vida, essa filosofia, porque o objetivo não é derrubar o
dança, música ritmo educação, jogo, cultura, poesia oponente, mas sim jogar e gingar com ele. Isto se
e arte de brincar com o nosso próprio corpo. Não só chama “mandinga”, que é utilizada dentro da roda,
da psicomotricidade, mas da flexibilidade, e da vida de um capoeirista.
criatividade, agilidade, explosão e alongamento,
resistência muscular e aeróbica. Tudo isto é Capoeira é respeitar e orgulhar-se de seus
movimento físico, mental. Benefício da atividade, e ancestrais. Ter consciência de que eles foram
saúde e da disciplina e da percepção. Isto é extremamente explorados, mas o principal foi que
capoeira. Axé! nada chegou a ofuscar a cultura desta forte raça
com poder suficiente para brilhar nos dias atuais.
Pensamento
Diz-ser que esta ignorância, da parte de quem A África é o berço da civilização, como tal,
escreve a história, de modo consciente ou não, trás seus estudos geográficos deveriam iniciar todo e
consigo a idéia de não fornecer modelos de qualquer outro relacionado à história da
referência àqueles indivíduos de origem africana. humanidade, já que os fluxos migratórios que ali
começaram, deram origem aos demais povos ao
A eliminação cultural não é novidade na redor do globo. Desta forma dizemos que trata-se
relação entre povos dominadores e dominados e no de um paradoxo ignorar-se tal importância.
nosso caso, começou ainda na colonização. Ao
observamos registros fim do século XIX,
encontramos, por exemplo, documentos sobre a
“higienização” do centro de Salvador – BA.
Naquela ocasião, os negros foram afastados para a
periferia da cidade com claros objetivos estéticos.
Isto, analisado friamente, e somado às idéias
coloniais, justifica o comportamento encontrado
conhecidas as letras, a alfabetização era luxo de poucos estudiosos, estes registraram alguns
alguns ricos e do clero e, na maior parte das vezes, aspectos da vida nas colônias. Mais fácil ainda é
utilizada apenas para o controle das finanças e compreender que, por falta de conhecimento de um
bens. sistema de comunicação escrita, pelo menos dos
primeiros negros que aqui desembarcaram, parte de
Muito do que sabemos hoje acerca da sua própria história foi perdida.
diáspora e da vida dos povos daqui e da África
durante os primeiros séculos da colonização, é À tragédia anterior, some-se que no Brasil e
resultado de pesquisas em livros europeus que demais países americanos, tivemos a ocorrência
registravam a compra e a venda das pessoas daquilo que podemos chamar de eliminação
africanas. Nestes registros tais pessoas eram cultural, como dito anteriormente: para exercer um
tratadas apenas como gado. controle mais fácil dos homens e mulheres
escravizados, os europeus misturavam indivíduos
Ora ditas estas coisas, pergunta-se: há de povos de diferentes origens e línguas, povos
quinhentos anos, a quem interessaria, fala-se aqui estes, muitas vezes inimigos entre si em sua terra
do europeu dominador, conhecedor da palavra de natal. Desta forma, com a comunicação
escrita, o que o negro ou o índio faziam em seus dificultada, africanos, e também os índios,
poucos momentos de ócio? Ou aquela dança enquanto brigavam entre – si, facilitavam o
desengonçada praticada pelos mais jovens? Ou os controle do dominador. Não atentando, muitas
cultos e as celebrações? Os europeus fizeram vezes, que eram hostilizados por um dominador
poucos registros destas coisas, provavelmente por comum. Criado o empecilho à comunicação torna-
ser o cotidiano. Tornou-se o “lugar comum”. A se evidente que registrar-se a vida diária tornara-se
exceção ficou por conta dos artistas e de alguns impraticável.
a sua vida através da resistência a escravidão e à tempo, mais ou menos até 1545. “O regimento ao
extrema violência do colonizador. Encontramos qual eles deveriam se submeter deixava claro que
neste fato, a adaptação do n`Golo africano à nova seus contatos com os nativos deveriam restringir-se
realidade de seus conhecedores, os quais ao estritamente necessário” [Eduardo Bueno –
transformaram-no, em um processo gradual, na arte 1998].
marcial conhecida hoje por capoeira do Brasil.
Naquela ocasião, problemas econômicos na
Os Índios metrópole fizeram os portugueses voltarem seus
olhos para o Brasil. O caminho das Índias já não
A princípio, foi o índio explorado como mão era mais tão lucrativo. “Por outro lado, na Índia,
de obra sem se dar conta disto. No início da como se não bastasse o perigo permanente e os
colonização os portugueses não se aventuravam constantes conflitos com os muçulmanos, Portugal
pelo interior das terras recém descobertas, obtinha cada vez menos dinheiro com as
preferindo o comércio baseado na troca de bens, especiarias. Além de ter inundado o mercado
cabendo ao índio a coleta. Os portugueses traziam europeu com grandes quantidades de pimenta, noz-
facas, machados, espelhos, etc., ou seja, bens moscada, canela e gengibre – o que forçara a
manufaturados e produtos de metalurgia e levavam diminuição do preço daqueles produtos – os
o pau-brasil, peles e animais, alimentos vegetais, portugueses encontravam cada vez mais
entre outros. dificuldades para a sua obtenção: os freqüentes
combates contra os muçulmanos impunham uma
Esta forma de comércio denominada série de obstáculos ao comércio e ao tráfego das
escambo, foi muito incentivada pelo rei de Portugal especiarias.” [Eduardo Bueno – 1999].
na época do descobrimento; deu certo até certo
Somam-se a isto, as frequêntes invasões uma tradição ancestral, ele caça ou pesca para
franco-holandesas no litoral brasileiro. Assim, comer hoje. Suas plantações produzem o suficiente
tornou-se necessário o estabelecimento de colônias apenas para uma determinada época. Tal
nas terras do pau-brasil, bem como a produção de comportamento “econômico” é compreensível à luz
bens na nova colônia ao menor custo possível, do clima chuvoso nas Américas tropicais: há
mesmo porque era necessário pagar-se os praticamente duas estações, a chuvosa e a menos
investimentos no Brasil e nas Índias, chuvosa, desta forma, a produção agrícola dura o
principalmente com os navios. Não sendo mais o ano todo, variando-se apenas o que se produz. A
escambo tão lucrativo, condenou-se então o índio caça e a pesca abundantes eliminam a necessidade
ao trabalho escravo! do trabalho contínuo. Observava-se ainda o senso
de comunidade entre os indígenas, o que fazia que
No entanto, o índio, desacostumado que era à estes não se vissem como os donos dos meios de
economia de acúmulo, principal característica do produção ou do que fosse produzido: tudo era
sistema capitalista, não se adaptou ao trabalho compartilhado por todos, já que terra não podia, na
contínuo. Assim, dada a sua resistência, foi visão indígena, ser possuída. Podemos afirmar que
considerado preguiçoso, tornando-se, numa uma os indígenas viviam em um sistema econômico
visão portuguesa, indolente e inapto para o parecido ao socialista.
trabalho.
Este comportamento sócio-econômico
A explicação para a “indolência” indígena permitia ao índio permanecer mais tempo com sua
encontra-se no fato de que, em seu ambiente e família, estreitando desta forma os laços
dentro de sua cultura, o índio produz apenas o comunitários e o cuidado mútuo.
suficiente para o seu consumo imediato; dentro de
Tal visão foi absolutamente incompreensível explorações pela costa atlântica da África,
ao explorador português da época, que não aceitou enquanto buscavam o caminho para as índias,
a cultura diferente da sua. Os índios foram Portugal instalou diversas feitorias para o
considerados pelos europeus, uma sub-raça. abastecimento e cuidado dos navios em trânsito.
A Diáspora
Assim, a escolha africana por parte dos
Europeus parece-nos obvia: os povos indígenas Já a partir do transporte marítimo, cujas naves
americanos, à época de seu primeiro contato com eram conhecidas pelo nome de navios negreiros,
os europeus, encontravam-se na idade da pedra, ou podemos deduzir a precariedade das condições a
pré-agrícola, segundo alguns historiadores. A que os africanos foram submetidos. Ao analisarmos
exceção ficava por conta dos Maias, Astecas e o outro nome comum destas embarcações:
Incas, povos estes que viviam na cordilheira do tumbeiros, clara alusão às criptas, pois muitos dos
Andes e América Central e que foram aniquilados cativos não chegavam a conhecer a nova terra,
pelos europeus, mais precisamente os espanhóis, vindo a falecer dos maus tratos e das várias
quando estes descobriram ouro em seus domínios. doenças disseminadas, verificamos a extrema
crueldade do colonizador.
Em contraponto à condição dos povos
americanos, a maioria dos povos africanos possuía “Se há hábito que faça o monge, é o do
uma cultura muito desenvolvida, em alguns escravo; e o africano foi muitas vezes obrigado a
aspectos muitas vezes em condições superiores às despir a sua camisola de Malê para vir de tanga,
encontradas na Europa. “Os escravos vindos das nos negreiros imundos, da África para o Brasil.
áreas de cultura mais adiantadas foram um Para de tanga tornar-se carregador de “tigre”. A
elemento ativo, criador e, quase que se pode escravidão desenraizou o negro do seu meio social
acrescentar, nobre na colonização do Brasil, e familiar, soltando-o entre gente estranha e muitas
degradado apenas pela condição de escravos” vezes hostil.” [Manoel Correia de Andrade – 1987].
[Gilberto Freire – 1930]. O termo Malê, em iorubá, um idioma africano,
significa “islâmico”.
criar e manter uma diferenciação nos Gilberto Freire compara com a vida da mulher
relacionamentos com os índios e africanos, na árabe, a vida da mulher brasileira da época colonial
maioria das vezes usando a violência. Desta forma, até o fim do século XIX. Reclusa e sem direitos!
as crianças negras e índias eram tratadas como [nota do autor]
objetos pelas outras crianças brancas, normalmente
da mesma idade, além dos adultos, seus pais. As senhoras de engenho eram, conforme já
Normalmente, as crianças negras e índias dito, mais cruéis que os homens no trato com as
tornavam-se brinquedos nas mãos das demais mulheres negras ao seu serviço. Atribui-se este fato
brancas. “Enfim, a ridícula ternura dos pais anima o à competição pela atenção do marido já que este
insuportável despotismo dos filhos.” [Gilberto quase sempre dividia seu leito com as escravas.
Freira – 1930] Estas, por sua vez, além de violentadas pelos
caprichos de homens sem pudores, sofriam na
É de supor que a repercussão psíquica sobre sequência, a violência das esposas ciumentas.
os adultos (brancos) de semelhante tipo de relações
infantis – seja favorável ao desenvolvimento de Indo um pouco mais longe, devemos
tendências sadistas e masoquistas. Sobre a criança considerar que muitos povos africanos trazidos para
do sexo feminino, principalmente, se aguça o o Brasil tinham cultura muçulmana. Neste
sadismo pela maior fixedez e monotonia nas particular, a mulher que sofria a violência sexual,
relações da senhora com a escrava. De fato, a normalmente era segregada de seu grupo social,
mulher branca da época colonial era quase quando este existia, e dificilmente conseguia
prisioneira em sua casa. Muitas vezes analfabeta, estabelecer novas relações afetivas com outros
dependia em tudo de seu marido e senhor, sendo homens de sua etnia e cultura, já que além de
este muitas vezes mais senhor do que marido. depender da autorização de seu senhor branco,
vinha a ser considerada impura pelos de sua Neves e Souza o qual na ocasião disse-lhe que
cultura. conhecera na África uma dança semelhante a nossa
capoeira com o nome de N’golo.
No Brasil-Colônia, na recém formada
sociedade patriarcal, o Senhor branco, ditava os Contou-lhe Albano que o n’golo era um ritual
rumos: tudo era por si e para si. O regime praticado no sul de Angola onde dois oponentes
econômico escravagista criava cepas de cidadãos tentavam atingir-se mutuamente no rosto apenas
cujos direitos variavam em função das posses e, com os pés em um local demarcado no chão ao som
neste particular, é claro, os escravos não tinham de palmas; um movimento em particular chama a
direito algum, posto serem eles apenas objetos. atenção: é o que imita o movimento do coice da
zebra, que é, aliás, o significado de N’golo (zebra).
Origens da Capoeira
Este ritual era praticado durante o “mufico,
Dentre as várias hipóteses para a origem da efico ou efundula”, que é o período no qual a
capoeira, a que tomou destaque nas três últimas menina é considerada apta ao casamento, passando
décadas é a que confere ao n’golo africano as bases à condição de mulher.
para a criação da capoeira brasileira.
Esta teoria tem grande credibilidade já que
Segundo estudos de Mathias Röhrig nos meios urbanos como Salvador e Rio de Janeiro,
Assunção, o mestre cobra mansa, esta arte ambas as cidades portuárias de grande afluxo de
praticada em algumas regiões da África chegou ao navios negreiros, a capoeira difundiu-se
nosso conhecimento quando, em 1960, o mestre principalmente entre os negros originários da
Pastinha recebeu em sua academia o pintor Albano África centro-ocidental e mais especificamente, do
Congo, Angola e Benguela. Esta, já no século XIX, Assim, podemos afirmar que a capoeira é, de
era chamada de “brincadeira dos negros-angola”. fato, algo afro-brasileiro. Na sua forma mais
rudimentar, uma dança ritual africana. Porém, um
Tais afirmativas permitem-nos, inicialmente, produto marcial desenvolvido e aperfeiçoado no
chegar a duas conclusões: a primeira acerca do Brasil, em função da necessidade de defesa de
caráter também marcial da “dança”, termo usado alguém que, desprovido de outras armas, nada
por Albano Neves e Souza, desde a sua origem, já usava, além do próprio corpo. Esta foi levada a
que era utilizada para derrotar um oponente na efeito pela extrema crueldade dos dominadores na
busca por um prêmio; a segunda, que coloca a época do Brasil-Colônia.
mulher como centro motivador da criação e
desenvolvimento da “dança” marcial. A Capoeira no Século XIX
Ora, devemos supor que, além das artes A capoeira no século XIX era praticada por
religiosas, culinária, metalúrgica e pecuária, os grupos de escravos africanos de diversas etnias.
negros também trouxeram suas danças e jogos Esta prática tinha relação direta com a resistência à
marciais. “Sabe-se que os exércitos congolês e escravidão e curiosamente teve seu principal ponto
angolano eram formados por guerreiros exímios na de desenvolvimento nas principais cidades
luta corporal. Vários cronistas destacaram a costeiras do Brasil na época colonial: Recife,
habilidade com que eles evitavam golpes, jogando Salvador e Rio de Janeiro. Não podemos esquecer
o corpo para o lado de maneira imprevisível e que a capoeira também era praticada nos quilombos
confundindo o aniversário.” [Matthias e Mestre ou regiões rurais, já que nestes lugares, decerto as
Cobra Mansa – 2008]. condições eram ideais para o aprendizado e o
treino. A liberdade de expressão e de ir e vir
proporcionado pelos quilombos, decerto foram colônias britânicas e francesas no Caribe onde
preponderantes para a perpetuação e o levantes de negros forçaram a independência.
desenvolvimento da arte.
Para termos uma idéia desta quantidade, O
No inicio do século XIX, normalmente os Iorubá foi a língua mais falada na Bahia em
capoeiristas eram homens, trabalhadores das áreas determinada época. Dentre os Bantus, muitos
portuárias das cidades litorâneas e, geralmente, o outros povos foram transportados para o Brasil.
cais do porto era o seu teatro. Eram carregadores, Entre as línguas faladas pelos negros, destacavam-
vendedores de rua, estivadores ou outros tipos de se o Gegê, Haussá, Nagô ou Iorubá. [Varnghagen –
trabalhadores marcados pela pobreza e pelo viver em Casa Grande e Senzala – 1930], donde se
urbano. explica a preocupação do colonizador com o
aumento da população negra cativa.
Em Salvador, Rio de janeiro e Recife, os
registros policiais dão a dimensão da importância Ainda no século XIX a capoeira era utilizada
que arte marcial tomou ao se tornar, inclusive, um por desordeiros, trapaceiros, valentões e até
instrumento de guerra utilizado contra o Paraguai, policiais, após a chegada da república. Nesta época,
para citar um exemplo. Naquela guerra, os negros aliás, a sua prática foi oficialmente proibida de
foram enviados para as primeiras fileiras armados 1890 até 1938. “O artigo 402 do código penal, ao
apenas com paus. Historiadores contam que este criminalizar a capoeira esteve baseado em suas
expediente fora tomado também com a intenção de práticas sociais no decorrer do século XIX: Não há
controle populacional, já que o contingente de hoje desordeiro, faquista, perverso, criminoso por
negros no Brasil era muito maior que a população ferimentos ou assassino, que não seja um capoeira;
branca. Temia-se no Brasil o que ocorrera nas é um modo de dizer, é uma locução que se tornou
vulgar e que está linguagem do povo, direi mesmo demonstrando, com sua penetração nas camadas
da polícia.” [Antônio L. C. S. Pires – 2004]. mais altas da sociedade, a aceitação da capoeira
como algo intrinsecamente brasileiro.
O capoeirista daquela época usava, com
freqüência, armas como facas e navalhas, paus, Este decreto demonstra de modo indefectível
pedras e, em alguns casos, revólveres. Costumavam o poder marcial que a capoeira adquiriu ao longo
também agregar-se a outros capoeiristas em grupos dos anos em que esteve sendo desenvolvida. Ao
que, no Rio de Janeiro e Salvador, eram chamados colocar as autoridades como reféns de uma situação
de Maltas. Estas por sua vez, tinham suas criada pela violência que agora se voltava contra o
características próprias e seus rituais específicos já seu principal expoente, ironicamente a capoeira
que cada malta estava associada a uma área da devolveu a dignidade aos povos africanos, que
cidade. Na cidade de Salvador havia maior agora, já se consideravam brasileiros.
tolerância policial a pratica da capoeira, talvez
porque ela estivesse mais concentrada nos A Capoeira e as Mulheres no Século XIX
subúrbios de Salvador, este fato associado a
“higienização do centro de Salvador”, o qual fora Não há muitos registros do século XIX, ou
tornado área de circulação de brancos. anteriores a este, que indiquem a presença feminina
nas maltas de capoeiristas no Rio de Janeiro ou em
Antônio L. C. S. Pires afirma que, mesmo Salvador. Antônio L. C. S. Pires indica em
tendo penetrado no mundo do trabalhador, após sua pesquisas nos registros policiais do século XIX e
origem no mundo escravo, a capoeira carioca e início do século XX, que menos de 3% dos
baiana, foram eminentemente negras, apesar da processados pela justiça eram mulheres. Entretanto,
participação de membros das classes média e altas entre as vítimas, este número sobe para 10%,
“Com certeza mais uma mulher que enfrentou No caso da capoeira, em seus estudos
a moral social da época e esteve presente na prática realizados em revistas com publicações regulares
cultural da capoeira, tornando-se lendária e acerca da capoeira no período entre 1998 e 2000,
ela destaca que a presença da mulher, em muitos utilizavam algumas mulheres apenas como
aspectos, era até então, apenas estético. A mulher modelos.
se apresentava para a divulgação de produtos
associados a capoeira sem ter uma participação Quero crer que, num primeiro momento, no
mais profunda nos seus processos de organização e início do século XX, tudo o que a mulher buscou
manutenção e, em muitos casos, sequer eram de na capoeira foi a proteção que nem o estado nem
fato capoeiristas, posando apenas de modelos de seus familiares lhes davam.
apelos comerciais.
As mulheres negras, no período colonial,
Talvez o que explique esta situação seja o fato diga-se escravagista, desde a mais tenra idade,
de que até 1950, segundo a mesma estudiosa, as eram usadas ou alugadas como prostitutas. Em
mulheres eram proibidas da prática de qualquer muitos casos, acabavam por ter mais valor
modalidade esportiva marcial, assim a educação financeiro que o homem negro, já que tinham seus
física feminina limitava-se a trabalhos manuais, filhos escravos engrossavam a economia de seu
jogos infantis e ginástica esportiva. A capoeira, senhor e ainda rendiam um dinheiro a mais através
portanto, que pertencia quase que exclusivamente da prostituição, quando eram alugadas a outros
ao universo masculino, lhes era vedada pelas homens. No mesmo período, à mulher branca cabia
normas morais da época. Ora, sabemos que padrões administrar a propriedade, a jardinagem, os filhos,
morais são dos mais difíceis de serem modificados a comida, inclusive dos escravos, etc. tudo isto,
em quaisquer sociedades, e este fato fica muitas vezes a partir dos treze anos de idade em
demonstrado na análise de algumas revistas casamentos arranjados. Ela comia e bebia na mesa
especializadas no esporte no ano 2000, muitas de seu marido, apesar de chamá-lo de senhor; tinha
sua liberdade de ir e vir totalmente controlada, de realidade da mulher branca, dita livre, a vida da
modo que se diz que ela também não era livre. mulher negra e cativa no século XIX era bem pior,
já que, conforme dito, ela sofria a violência do
Com o fim do regime econômico escravagista senhor e da senhora a quem pertencia, dos
e o início do período republicano, as mulheres não capatazes e de quem mais lhe tivesse poder. O
mais aceitaram a violência masculina estupro era lugar comum e certamente a mais
animosamente. De fato as mudanças com o fim da contundente das violências contra as mulheres.
escravidão deram uma nova visão às mulheres que
mesmo não tendo muitos direitos assegurados, A Capoeira e as Mulheres no Século XX
viram-se diante de novos papéis sociais. A partir
desta constatação, o homem passou a ter sua A doutora Paula Cristina da Costa e Silva
onipotência contestada diante das questões do lar, afirma que a presença da mulher na capoeira deu-se
do trabalho e na criação dos filhos. Ora, o lar era o de modo mais proeminente nas últimas décadas do
único lugar onde o homem podia exercer o seu século XX. Com a emancipação feminina da
poder sem questionamentos externos. Era, num década de sessenta e posteriores. Espaços
falar antropológico, seu reino. masculinos passaram a ser cada vez mais
freqüentados pelas mulheres. Hoje, são poucas as
Até o século XIX a mulher estava sujeita em atividades exercidas pelos homens que não sejam
tudo a seu pai, irmão(s) ou primos e por fim, seu também exercidas pelas mulheres. Em alguns
marido. Certos direitos, mesmo aqueles casos, com muito mais competência. Tal afirmativa
assegurados por lei, lhes eram tolhidos no seio da não deve gerar surpresa já que a mulher passa mais
família, e quando cercear-lhes o direito mostrava-se tempo na escola, é mais dedicada e principalmente,
ineficiente, a violência era aplicada. Se esta era a se faz mais disponível para aprender.
em agosto de 2000. Originárias do Grupo Almada organizado em Rondônia pelo mestre Xoroquinho,
Santos do Mestre Ananias Tabacow as meninas sua aluna graduada Araúna mostrou-se
decidiram iniciar um trabalho próprio ao extremamente competente ao organizar e ensaiar
constatarem que tinham um diploma que lhes dava um grupo de mulheres para apresentar um número
o direito de andar pelos seus próprios caminhos. de dança onde misturou-se dança afro e
Nas palavras de Viviane “Nós temos muitas idéias, contemporânea. Além disto, organizou outro
muitos projetos, e o grupo limitava nossa número de dança solo, realizado com muita beleza
criatividade.” Observamos nestas palavras o desejo e graça, por um homem. Tudo isto em um período
de ir adiante e apresentar uma metodologia de tempo de 30 dias.
diferente, pois conforme disse Cristiane: “... hoje
em dia, é muito difícil ver mulheres trabalhando Aluna Cris
com a capoeira sem estarem vinculadas a algum
grupo ou mestre. Para arrematar, palavras de Podemos citar também a aluna e esposa do
Viviane: “..., gostaria que as pessoas tivessem mais professor de capoeira de angola PV. Ela é sua
consciência, porque a capoeira, além de ser uma assessora e seu trabalho é de tal forma importante
luta, é cultura, é um patrimônio cultural , e esse que sem ela, muito do trabalho do professor PV
lado precisa ser mais trabalhado, mas não com estaria comprometido.
demagogia, e sim, com um trabalho mais sério.”
Instrutora Felina
Graduada Araúna
Outro trabalho internacional que merece
Recentemente, no grupo Candeias de nossa consideração é o que foi realizado pela então
capoeira, por ocasião do FestPorto de Capoeira, Instrutora Felina (Alessandra Tabosa Simas). A
mesma, sob supervisão do Mestre Boneco em Los feito a instrutora Kalunga reforça o que
Angeles – California - EUA, ministrava aulas em anteriormente já fora falado: a dedicação feminina
escolas públicas norte-americanas em um programa as leva a extremos.
chamado after-school (após a escola). O que mais
chama a atenção aqui, não é a Instrutora Felina Contra-Mestra Iúna
ministrando as aulas, mas sim que os americanos
tenham percebido que o esporte seja um “As mulheres terão muito espaço como
modificador de pessoas tão importante ao ponto de educadoras, pois elas têm o dom da maternidade,
permitir que uma cultura tão diferente da sua tenha são sensíveis e realizarão bons trabalhos nas
um espaço tão relevante. Tomara nossos escolas e nos projetos sociais.” [Contra Mestra Iúna
governantes tenham esta percepção um dia. Tal – 2005]. A goiana Valdise Ângela de Abreu, a
período foi tão importante que no seu retorno para contra-mestra Iúna e um destaque feminino no
o Brasil, iniciou um trabalho com adultos e grupo Candeias de capoeira. Com um currilum que
crianças na Gávea, um bairro do Rio de Janeiro. inclui um vice-campeonato e um tetra campeonato
por equipe nos Jogos Escolares Brasileiros (JEB),
podemos dizer que ela fez por merecer a graduação
Instrutora Kalunga de contra-mestra recebida do mestre Suíno em
2005. Em entrevista do mesmo ano, a capoeirista
“Apesar de estar a pouco tempo na capoeira, que já realizava um trabalho com crianças,
Edvânia (Ferreira de Jesus) destaca-se nas rodas planejava gravar CD’s, imprimir a sua experiência
pela expressão dos movimentos, rapidez e precisão no exterior e, em suas palavras “espero formar
dos golpes.” [Letícia Cardoso de Carvalho – algum aluno e se puder chegar a ser mestra”.
Revista Praticando Capoeira - 2005]. Este elogio
Reflexão BIBLIOGRAFIA
ISSN 1517-6118