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As Mulheres na Capoeira

Indice
As Mulheres na
Capoeira
Por

Elias Fernando Ribeiro


(Mestre Xoroquinho)

Irani Jorge da Silva


(Aluno Camaleão)

Porto Velho – RO Página 1 5/12/2021


As Mulheres na Capoeira

Palavras do Mestre Xoroquinho Declaração

Nasceu nas senzalas, veio para a cidade. Capoeira é luz que harmoniza o corpo, a
Cresceu nos quilombos, conheceu a alta-sociedade. mente, a vida. Arte bela proporcional a alegria de
Está fazendo a volta ao mundo da pré-escola a seus criadores, negros fortes, responsáveis pela
universidade. Diga quem não quer jogar o jogo da felicidade de seus discípulos, dos mais antigos aos
liberdade? Negros, brancos, amarelos... Vai da mais jovens. Capoeira razão de vida. Conquista só
criança à terceira idade. É a capoeira de norte a sul quem pratica com seriedade, determinação e
meu Senhor, entrando na roda e mostrando o seu persistência. Sabe o retorno das respostas
valor. Axé! adquiridas por tentar aproximar-se da perfeição de
um mestre.
A capoeira
Capoeira, uma vez capoeira, impossível largar
A Capoeira é a história, filosofia de vida, essa filosofia, porque o objetivo não é derrubar o
dança, música ritmo educação, jogo, cultura, poesia oponente, mas sim jogar e gingar com ele. Isto se
e arte de brincar com o nosso próprio corpo. Não só chama “mandinga”, que é utilizada dentro da roda,
da psicomotricidade, mas da flexibilidade, e da vida de um capoeirista.
criatividade, agilidade, explosão e alongamento,
resistência muscular e aeróbica. Tudo isto é Capoeira é respeitar e orgulhar-se de seus
movimento físico, mental. Benefício da atividade, e ancestrais. Ter consciência de que eles foram
saúde e da disciplina e da percepção. Isto é extremamente explorados, mas o principal foi que
capoeira. Axé! nada chegou a ofuscar a cultura desta forte raça
com poder suficiente para brilhar nos dias atuais.

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Só participando a todo momento para saber Dedicatória


um pouco desta arte-cultura tão admirável por seus
momentos únicos. Logo, enquanto tiver vida, quero
estar ao lado do berimbau, atabaque, pandeiro do
agogô e também dos mestres, e ouvindo histórias
dos ancestrais. Capoeiristicamente falando!

Pensamento

Faz-se necessário que a juventude caminhe na


trilha dos exemplos. Que se guie, sobretudo, por
aqueles que deixaram uma pegada mais profunda
nos caminhos do mundo. Só assim poderá surgir
nela a luz de novas inspirações! Quando se faz o
bem conscientemente, quando se faz com
naturalidade, sem soberba e nem arrogância, por
uma necessidade espiritual, a vida logicamente se
amplia. Axe!

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Introdução ainda hoje nos livros de geografia editados por


brasileiros. Nestes, o continente africano está,
Mesmo com o enorme legado africano na quase sempre, colocado no fim das publicações e o
formação das nações americanas, no Brasil esta conteúdo normalmente é mínimo, se comparado ao
massa de conhecimentos e cultura tem sido conteúdo dispensado às demais áreas do planeta.
ignorada enquanto objeto de estudos nas classes No século XIX, o Brasil totalmente influenciado
estudantis do ensino regular. pela Europa, queria ser branco.

Diz-ser que esta ignorância, da parte de quem A África é o berço da civilização, como tal,
escreve a história, de modo consciente ou não, trás seus estudos geográficos deveriam iniciar todo e
consigo a idéia de não fornecer modelos de qualquer outro relacionado à história da
referência àqueles indivíduos de origem africana. humanidade, já que os fluxos migratórios que ali
começaram, deram origem aos demais povos ao
A eliminação cultural não é novidade na redor do globo. Desta forma dizemos que trata-se
relação entre povos dominadores e dominados e no de um paradoxo ignorar-se tal importância.
nosso caso, começou ainda na colonização. Ao
observamos registros fim do século XIX,
encontramos, por exemplo, documentos sobre a
“higienização” do centro de Salvador – BA.
Naquela ocasião, os negros foram afastados para a
periferia da cidade com claros objetivos estéticos.
Isto, analisado friamente, e somado às idéias
coloniais, justifica o comportamento encontrado

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Capoeira - Origens Olhando-se para a capoeira enquanto esporte


nacional, de fato, as origens são irrelevantes, dado
Há muito tempo há discussões acerca de quais o grau de absorção de seus conceitos pela
são as reais origens da capoeira. Há quem diga que população brasileira, e estrangeira também. A
a capoeira não é uma arte genuinamente brasileira, aceitação de “ser este um esporte brasileiro” é
suas origens estariam nas savanas africanas e que geral. Entretanto, entendemos que há alguns dados
nós brasileiros apenas nos apropriamos deste pouco analisados os quais permitem creditar às
extrato cultural de algum, ou alguns, dos povos mulheres uma parte importante do processo de
trazidos ao Brasil durante a diáspora africana. Há criação e maturação da capoeira desde a África,
também aqueles que repudiam tal afirmação, pois entra aí a importância de suas origens. Neste livro
estudos recentes demonstraram que em toda a queremos mostrar a importância da mulher naquela
África não existe outra manifestação cultural que é considerada, desde o século passado, a
semelhante à capoeira tal e qual a praticada no “ginástica nacional”.
Brasil, hoje e em tempos passados. “Pessoalmente,
acredito que esta discussão seja inútil. A origem África e Europa – século XV
africana ou brasileira é irrelevante, tendo em vista
que a Capoeira já se encontra tão arraigada no Na áfrica do século XV, poucos povos
contexto histórico e cultural do país, que virou conheciam a escrita. Registros históricos
patrimônio brasileiro, independentemente de sua demonstram que alguns povos do norte da África já
origem, tal como ocorreu com o futebol.” [José a conheciam, principalmente os povos islâmicos
Augusto Maciel Torres – 2008]. eram letrados devido ao comércio e as necessidades
religiosas. Incluem-se neste grupo os egípcios. Na
Europa e suas insipientes colônias, mesmo

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conhecidas as letras, a alfabetização era luxo de poucos estudiosos, estes registraram alguns
alguns ricos e do clero e, na maior parte das vezes, aspectos da vida nas colônias. Mais fácil ainda é
utilizada apenas para o controle das finanças e compreender que, por falta de conhecimento de um
bens. sistema de comunicação escrita, pelo menos dos
primeiros negros que aqui desembarcaram, parte de
Muito do que sabemos hoje acerca da sua própria história foi perdida.
diáspora e da vida dos povos daqui e da África
durante os primeiros séculos da colonização, é À tragédia anterior, some-se que no Brasil e
resultado de pesquisas em livros europeus que demais países americanos, tivemos a ocorrência
registravam a compra e a venda das pessoas daquilo que podemos chamar de eliminação
africanas. Nestes registros tais pessoas eram cultural, como dito anteriormente: para exercer um
tratadas apenas como gado. controle mais fácil dos homens e mulheres
escravizados, os europeus misturavam indivíduos
Ora ditas estas coisas, pergunta-se: há de povos de diferentes origens e línguas, povos
quinhentos anos, a quem interessaria, fala-se aqui estes, muitas vezes inimigos entre si em sua terra
do europeu dominador, conhecedor da palavra de natal. Desta forma, com a comunicação
escrita, o que o negro ou o índio faziam em seus dificultada, africanos, e também os índios,
poucos momentos de ócio? Ou aquela dança enquanto brigavam entre – si, facilitavam o
desengonçada praticada pelos mais jovens? Ou os controle do dominador. Não atentando, muitas
cultos e as celebrações? Os europeus fizeram vezes, que eram hostilizados por um dominador
poucos registros destas coisas, provavelmente por comum. Criado o empecilho à comunicação torna-
ser o cotidiano. Tornou-se o “lugar comum”. A se evidente que registrar-se a vida diária tornara-se
exceção ficou por conta dos artistas e de alguns impraticável.

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sistema econômico escravagista. Mesmo na África,


Sabemos que a história analisada apenas pelos muitos povos tinham escravos.
dados do vencedor da guerra, trás uma visão
monocular e distorcida dos fatos. Também registra muitas atrocidades
cometidas do homem para com o seu semelhante e
O Período Colonial contra a natureza, porquanto na busca do lucro, em
muitas épocas, adaptou-se a sociedade a economia
É impossível compreender o processo de e não a economia à sociedade. A escravidão afro-
criação, ou adaptação, da capoeira no Brasil sem Americana estabelece o dito anterior porque foi um
entendermos como viviam as pessoas no período acidente sem precedentes na história do homem.
colonial e como se dava a divisão social. Demonstra que, durante quatro séculos, no caso do
Brasil, milhões de pessoas foram arrancadas de sua
Gilberto Freire afirma [Casa Grande e terra, tiveram sua dignidade extinta e passaram à
Senzala – 1930] que devemos considerar condição de animais, pela ganância de uns e o
preponderante o fato de que as técnicas de medo de outros. Mesmo sendo a escravidão lugar
produção influenciam a estrutura da sociedade e na comum nas sociedades da época, os escravos eram
“caracterização de sua fisionomia moral. É uma normalmente os perdedores de uma guerra ou
influência sujeita às reações das outras.” Tal pessoas endividadas, vendidas para saldar seus
afirmativa corrobora a afirmativa anterior. compromissos. Diferente da situação que se
desenrolava na America, local para onde milhões
A história das sociedades demonstra que de africanos foram enviados apenas para a
diversos povos em variadas épocas, usaram o dinamização da economia da Europa e o aumento
dos lucros dos reinos e sociedades locais.

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Considerando-se a pequena quantidade de


Ora, o modo de produção de bens e serviços indivíduos brancos por cá, há que se pensar que o
adotados, influenciou o modo como se extratificou método de controle do trabalho e das pessoas,
a sociedade que nascia no Brasil e moldou suas deveria ser implacável. E não é exagero pensar:
ações. Para citar um exemplo, sabemos que o baseado no medo já que temos aqui o indivíduo
plantio da cana-de-açúcar requeria grande dominador em pequena quantidade, branco,
quantidade de mão de obra. Se considerarmos que europeu, dono dos meios de produção, armas e
havia poucos brancos e milhares de escravos, pode- benfeitorias; e os indivíduos dominados: mulheres
se deduzir que o único expediente para o controle brancas (em pequeníssimas quantidades) e os
da população, era o da violência pelo dominador e brancos pobres assalariados ou artesãos. Abaixo
o medo, pelo indivíduo dominado. Violência esta disto, os índios e os negros africanos. Assim, a
que começava na busca desta mão de obra. pirâmide da sociedade colonial brasileira, as
Estabelecemos aqui a adaptação da estrutura social relações dos brancos portugueses com os demais
às necessidades econômicas. indivíduos, condicionou-se ao sistema econômico
adotado.
A extração, as monoculturas, o ciclo do ouro,
a pecuária e todas as demais atividades econômicas Temos então, conforme Gilberto Freire,
primárias desenvolvidas na época, exigiam grande estabelecido que o sistema econômico europeu, na
quantidade de mão de obra; a intensificação na época do descobrimento e período colonial, moldou
busca por esta mão-de-obra era incentivada pela o sistema social brasileiro estabelecendo o regime
crescente exportação de produtos para as de trabalho escravista e o modelo social chamado
metrópoles. patriarcal. Originando daí, por parte principalmente
do negro, a necessidade de busca de segurança para

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a sua vida através da resistência a escravidão e à tempo, mais ou menos até 1545. “O regimento ao
extrema violência do colonizador. Encontramos qual eles deveriam se submeter deixava claro que
neste fato, a adaptação do n`Golo africano à nova seus contatos com os nativos deveriam restringir-se
realidade de seus conhecedores, os quais ao estritamente necessário” [Eduardo Bueno –
transformaram-no, em um processo gradual, na arte 1998].
marcial conhecida hoje por capoeira do Brasil.
Naquela ocasião, problemas econômicos na
Os Índios metrópole fizeram os portugueses voltarem seus
olhos para o Brasil. O caminho das Índias já não
A princípio, foi o índio explorado como mão era mais tão lucrativo. “Por outro lado, na Índia,
de obra sem se dar conta disto. No início da como se não bastasse o perigo permanente e os
colonização os portugueses não se aventuravam constantes conflitos com os muçulmanos, Portugal
pelo interior das terras recém descobertas, obtinha cada vez menos dinheiro com as
preferindo o comércio baseado na troca de bens, especiarias. Além de ter inundado o mercado
cabendo ao índio a coleta. Os portugueses traziam europeu com grandes quantidades de pimenta, noz-
facas, machados, espelhos, etc., ou seja, bens moscada, canela e gengibre – o que forçara a
manufaturados e produtos de metalurgia e levavam diminuição do preço daqueles produtos – os
o pau-brasil, peles e animais, alimentos vegetais, portugueses encontravam cada vez mais
entre outros. dificuldades para a sua obtenção: os freqüentes
combates contra os muçulmanos impunham uma
Esta forma de comércio denominada série de obstáculos ao comércio e ao tráfego das
escambo, foi muito incentivada pelo rei de Portugal especiarias.” [Eduardo Bueno – 1999].
na época do descobrimento; deu certo até certo

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Somam-se a isto, as frequêntes invasões uma tradição ancestral, ele caça ou pesca para
franco-holandesas no litoral brasileiro. Assim, comer hoje. Suas plantações produzem o suficiente
tornou-se necessário o estabelecimento de colônias apenas para uma determinada época. Tal
nas terras do pau-brasil, bem como a produção de comportamento “econômico” é compreensível à luz
bens na nova colônia ao menor custo possível, do clima chuvoso nas Américas tropicais: há
mesmo porque era necessário pagar-se os praticamente duas estações, a chuvosa e a menos
investimentos no Brasil e nas Índias, chuvosa, desta forma, a produção agrícola dura o
principalmente com os navios. Não sendo mais o ano todo, variando-se apenas o que se produz. A
escambo tão lucrativo, condenou-se então o índio caça e a pesca abundantes eliminam a necessidade
ao trabalho escravo! do trabalho contínuo. Observava-se ainda o senso
de comunidade entre os indígenas, o que fazia que
No entanto, o índio, desacostumado que era à estes não se vissem como os donos dos meios de
economia de acúmulo, principal característica do produção ou do que fosse produzido: tudo era
sistema capitalista, não se adaptou ao trabalho compartilhado por todos, já que terra não podia, na
contínuo. Assim, dada a sua resistência, foi visão indígena, ser possuída. Podemos afirmar que
considerado preguiçoso, tornando-se, numa uma os indígenas viviam em um sistema econômico
visão portuguesa, indolente e inapto para o parecido ao socialista.
trabalho.
Este comportamento sócio-econômico
A explicação para a “indolência” indígena permitia ao índio permanecer mais tempo com sua
encontra-se no fato de que, em seu ambiente e família, estreitando desta forma os laços
dentro de sua cultura, o índio produz apenas o comunitários e o cuidado mútuo.
suficiente para o seu consumo imediato; dentro de

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Tal visão foi absolutamente incompreensível explorações pela costa atlântica da África,
ao explorador português da época, que não aceitou enquanto buscavam o caminho para as índias,
a cultura diferente da sua. Os índios foram Portugal instalou diversas feitorias para o
considerados pelos europeus, uma sub-raça. abastecimento e cuidado dos navios em trânsito.

Os Africanos Estudos comparativos conferem ao negro, por


Waldo Frank [Casa Grande e Senzala – 1930], o
No Brasil, o clima favorecia o título de “verdadeiro filho dos trópicos”, dadas as
estabelecimento da indústria canavieira. Esta, por suas adaptações físicas e psicológicas. O negro era
sua vez, demandava quantidades enormes de perfeito para o trabalho que se propunha nas
trabalhadores. A partir desta constatação, Américas devido à sua estrutura física, adaptada ao
incrementou-se o transporte de Africanos para o clima tropical. A adaptação psicológica deve ser
Brasil. Sabe-se que bem antes do ciclo da cana-de- entendida através da visão que o negro tinha de sua
açúcar, já havia negros escravizados no Brasil. nova condição: era escravo, mas em um sistema
econômico que já conhecia; isto é claro, facilita a
Dada a extrema dificuldade encontrada na compreensão de que o negro cativo adaptou-se
escravização do índio americano, os portugueses, e mais facilmente, mas não nos leva necessariamente
demais povos europeus, voltaram seus olhos para a idéia de que ele aceitou o fato. Tais homens e
África. Os portugueses já tinham experiência na mulheres, presumindo o conhecimento de técnicas
escravização dos africanos, dadas as necessidades de metalurgia, manejo de gado, culinária, etc., com
de mão-de-obra em suas novas colônias ao longo certeza tiveram sua adaptação facilitada por serem
da costa africana onde também produziam cana-de- estas atividades já praticadas em sua terra de
açúcar. Acrescente-se a isto que em suas origem.

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A Diáspora
Assim, a escolha africana por parte dos
Europeus parece-nos obvia: os povos indígenas Já a partir do transporte marítimo, cujas naves
americanos, à época de seu primeiro contato com eram conhecidas pelo nome de navios negreiros,
os europeus, encontravam-se na idade da pedra, ou podemos deduzir a precariedade das condições a
pré-agrícola, segundo alguns historiadores. A que os africanos foram submetidos. Ao analisarmos
exceção ficava por conta dos Maias, Astecas e o outro nome comum destas embarcações:
Incas, povos estes que viviam na cordilheira do tumbeiros, clara alusão às criptas, pois muitos dos
Andes e América Central e que foram aniquilados cativos não chegavam a conhecer a nova terra,
pelos europeus, mais precisamente os espanhóis, vindo a falecer dos maus tratos e das várias
quando estes descobriram ouro em seus domínios. doenças disseminadas, verificamos a extrema
crueldade do colonizador.
Em contraponto à condição dos povos
americanos, a maioria dos povos africanos possuía “Se há hábito que faça o monge, é o do
uma cultura muito desenvolvida, em alguns escravo; e o africano foi muitas vezes obrigado a
aspectos muitas vezes em condições superiores às despir a sua camisola de Malê para vir de tanga,
encontradas na Europa. “Os escravos vindos das nos negreiros imundos, da África para o Brasil.
áreas de cultura mais adiantadas foram um Para de tanga tornar-se carregador de “tigre”. A
elemento ativo, criador e, quase que se pode escravidão desenraizou o negro do seu meio social
acrescentar, nobre na colonização do Brasil, e familiar, soltando-o entre gente estranha e muitas
degradado apenas pela condição de escravos” vezes hostil.” [Manoel Correia de Andrade – 1987].
[Gilberto Freire – 1930]. O termo Malê, em iorubá, um idioma africano,
significa “islâmico”.

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A Nova Sociedade Brasileira


Ao fazer tal referencia a “hábito” e “male”,
Manoel Correia deixa claro que este povo em No convívio das três etnias: brancos, negros e
particular tinha rígidas tradições relacionadas ao índios, no período colonial, favoreceram-se mais os
cuidado pessoal, alimentos e higiene, justamente brancos e índios, porquanto estes receberam dos
por serem muçulmanos, mas foram obrigados a negros, novas técnicas, consideradas avançadas,
acomodar-se numa condição vil imposta para a realização de muitos trabalhos. “Os negros
colonizador. Acomodação esta levada pelo cuidado não abandonaram a sua cultura, transmitiram-na
com a própria vida, no sentido de não perdê-la, e aos índios” [Gilberto Freire -1930].
pela esperança de voltar a ver a terra ancestral.
Entretanto o banzo, que hoje entendemos ser uma O ambiente americano impôs ao europeu a
depressão extrema, tirou a vida de muitos necessidade de transigir com índios e africanos
africanos, quando estes concluíram ser quase quanto às relações genéticas e sociais [Gilberto
impossível livrar-se da opressão. Freire – 1930]. Praticamente não havia mulheres
brancas disponíveis, assim, mesmo mantidas as
A partir de tal constatação, os negros relações superiores/inferiores, o passar do tempo
reagiram à escravidão, às vezes com o suicídio, no afrouxou os padrões e permitiu a criação de
extremo do banzo, outras vezes com o assassinato famílias dentro de novas circunstâncias.
de seus senhores e capatazes e, na maioria das Obviamente que tal comportamento social
vezes, com a fuga. Esta última invariavelmente caminhou no sentido da redução das distancias
terminava em algum quilombo. entre as camadas sociais em alguns rincões. Temos
agora, entre brancos, negros e índios, indivíduos
livres resultados desta miscigenação.

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união de brancos com negras Minas vindas da


“Para o Brasil, a importação de africanos se África como escravas e aqui elevadas a condição de
fez atendendo a outras necessidades e interesses. A Donas de Casa... Quantas terão permanecido como
falta de mulheres brancas, a necessidade de escravas ao mesmo tempo que amantes dos
técnicos em trabalhos de metal, ao surgirem as senhores brancos; preferidas como mucamas e
minas. Duas poderosas forças de seleção.”[Gilberto cozinheiras. A negra Mina apresentou-se sempre no
Freire – 1930]. Brasil com todas as qualidades de uma excelente
companheira: sadia, engenhosa, sagaz, afetiva.
Apesar da religião de Roma impor a Com semelhantes predicados, acrescenta Araripe, e
necessidade da pureza da raça e os costumes nas condições precárias em que no primeiro e
incentivarem a exclusão racial, “o Brasil formou- segundo séculos o Brasil se encontrava em matéria
se, despreocupados os seus colonizadores, da de belo-sexo, era impossível que a Mina não
unidade ou pureza da raça.” [Gilberto Freire – dominasse a situação.” [Gilberto freire – 1930]
1930]. Ou seja, a importação de pessoas também
visava abastecer de mulheres as colônias, fosse Negros e índios também miscigenaram entre
para a satisfação sexual, fosse para o aumento do si. Documentos relatam que, principalmente nos
espólio do senhor branco. Os filhos das mulheres Quilombos, negros fugidos também casavam com
negras, nascidos escravos, já tinham sua mulheres de diferentes etnias. Muitas vezes, uma
propriedade assegurada a custo zero. mulher era de mais de um homem
simultaneamente.
Lemos em Casa Grande e Senzala: “Ilustres
famílias daquele estado, que ainda hoje guardam Na recém criada sociedade brasileira, a
traços negróides, terão tido o seu começo nessa mulher negra foi, indubitavelmente a pessoa mais

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importante ao determinar os novos falares criaram um português diverso do hiato gramatical


brasileiros, muito de sua culinária e principalmente que os jesuítas tentaram ensinar aos meninos índios
as novas feições do povo brasileiro nas principais e semi-brancos em seus colégios... João Ribeiro,
regiões metropolitanas da época, entretanto foi a mestre em assuntos de português e de história da
pessoa que mais sofreu durante este processo. língua nacional, que o diga com voz autorizada:
número copioso de vocábulos africanos penetrou na
Em suas experiências na casa grande, as língua portuguesa, especialmente no domínio do
negras misturaram histórias africanas com histórias Brasil, por efeito das relações estabelecidas com as
portuguesas, introduziram as fábulas na insipiente raças negras.” [Gilberto Freire – 1930].
cultura brasileira além de modificar e acrescentar
palavras no léxico português, tornando-o, nas O mesmo Gilberto Freire afirma que a
palavras de Gilberto freire, mais encantador. contribuição dos “falares dos negros ao idioma
português é tão importante que somos metades
“A ama negra fez, muitas vezes com a confraternizantes que se vêem mutuamente
palavra, o que fez com a comida: machucou-as, enriquecendo de valores e experiências diversas...”
tirou-lhes as espinhas e os ossos, as durezas, só isto porque é impossível dissociar da cultura
deixando para a boca do menino branco as sílabas brasileira os elementos africanos já que desde a
moles...a linguagem geral, a fala séria, solene, da casa grande foram, principalmente pelas mulheres,
gente grande, toda ela sofreu no Brasil, ao contato inseridos no cotidiano nacional.
do senhor com o escravo, um amolecimento de
resultados às vezes delicioso para os ouvidos. ... Percebemos o lado ruim desta história ao
Mães negras e mucamas, aliadas aos meninos e às analisarmos que desde crianças, os meninos e
meninas, às moças brancas das casas grandes, meninas brancos eram ensinados, e incentivados, a

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criar e manter uma diferenciação nos Gilberto Freire compara com a vida da mulher
relacionamentos com os índios e africanos, na árabe, a vida da mulher brasileira da época colonial
maioria das vezes usando a violência. Desta forma, até o fim do século XIX. Reclusa e sem direitos!
as crianças negras e índias eram tratadas como [nota do autor]
objetos pelas outras crianças brancas, normalmente
da mesma idade, além dos adultos, seus pais. As senhoras de engenho eram, conforme já
Normalmente, as crianças negras e índias dito, mais cruéis que os homens no trato com as
tornavam-se brinquedos nas mãos das demais mulheres negras ao seu serviço. Atribui-se este fato
brancas. “Enfim, a ridícula ternura dos pais anima o à competição pela atenção do marido já que este
insuportável despotismo dos filhos.” [Gilberto quase sempre dividia seu leito com as escravas.
Freira – 1930] Estas, por sua vez, além de violentadas pelos
caprichos de homens sem pudores, sofriam na
É de supor que a repercussão psíquica sobre sequência, a violência das esposas ciumentas.
os adultos (brancos) de semelhante tipo de relações
infantis – seja favorável ao desenvolvimento de Indo um pouco mais longe, devemos
tendências sadistas e masoquistas. Sobre a criança considerar que muitos povos africanos trazidos para
do sexo feminino, principalmente, se aguça o o Brasil tinham cultura muçulmana. Neste
sadismo pela maior fixedez e monotonia nas particular, a mulher que sofria a violência sexual,
relações da senhora com a escrava. De fato, a normalmente era segregada de seu grupo social,
mulher branca da época colonial era quase quando este existia, e dificilmente conseguia
prisioneira em sua casa. Muitas vezes analfabeta, estabelecer novas relações afetivas com outros
dependia em tudo de seu marido e senhor, sendo homens de sua etnia e cultura, já que além de
este muitas vezes mais senhor do que marido. depender da autorização de seu senhor branco,

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vinha a ser considerada impura pelos de sua Neves e Souza o qual na ocasião disse-lhe que
cultura. conhecera na África uma dança semelhante a nossa
capoeira com o nome de N’golo.
No Brasil-Colônia, na recém formada
sociedade patriarcal, o Senhor branco, ditava os Contou-lhe Albano que o n’golo era um ritual
rumos: tudo era por si e para si. O regime praticado no sul de Angola onde dois oponentes
econômico escravagista criava cepas de cidadãos tentavam atingir-se mutuamente no rosto apenas
cujos direitos variavam em função das posses e, com os pés em um local demarcado no chão ao som
neste particular, é claro, os escravos não tinham de palmas; um movimento em particular chama a
direito algum, posto serem eles apenas objetos. atenção: é o que imita o movimento do coice da
zebra, que é, aliás, o significado de N’golo (zebra).
Origens da Capoeira
Este ritual era praticado durante o “mufico,
Dentre as várias hipóteses para a origem da efico ou efundula”, que é o período no qual a
capoeira, a que tomou destaque nas três últimas menina é considerada apta ao casamento, passando
décadas é a que confere ao n’golo africano as bases à condição de mulher.
para a criação da capoeira brasileira.
Esta teoria tem grande credibilidade já que
Segundo estudos de Mathias Röhrig nos meios urbanos como Salvador e Rio de Janeiro,
Assunção, o mestre cobra mansa, esta arte ambas as cidades portuárias de grande afluxo de
praticada em algumas regiões da África chegou ao navios negreiros, a capoeira difundiu-se
nosso conhecimento quando, em 1960, o mestre principalmente entre os negros originários da
Pastinha recebeu em sua academia o pintor Albano África centro-ocidental e mais especificamente, do

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Congo, Angola e Benguela. Esta, já no século XIX, Assim, podemos afirmar que a capoeira é, de
era chamada de “brincadeira dos negros-angola”. fato, algo afro-brasileiro. Na sua forma mais
rudimentar, uma dança ritual africana. Porém, um
Tais afirmativas permitem-nos, inicialmente, produto marcial desenvolvido e aperfeiçoado no
chegar a duas conclusões: a primeira acerca do Brasil, em função da necessidade de defesa de
caráter também marcial da “dança”, termo usado alguém que, desprovido de outras armas, nada
por Albano Neves e Souza, desde a sua origem, já usava, além do próprio corpo. Esta foi levada a
que era utilizada para derrotar um oponente na efeito pela extrema crueldade dos dominadores na
busca por um prêmio; a segunda, que coloca a época do Brasil-Colônia.
mulher como centro motivador da criação e
desenvolvimento da “dança” marcial. A Capoeira no Século XIX

Ora, devemos supor que, além das artes A capoeira no século XIX era praticada por
religiosas, culinária, metalúrgica e pecuária, os grupos de escravos africanos de diversas etnias.
negros também trouxeram suas danças e jogos Esta prática tinha relação direta com a resistência à
marciais. “Sabe-se que os exércitos congolês e escravidão e curiosamente teve seu principal ponto
angolano eram formados por guerreiros exímios na de desenvolvimento nas principais cidades
luta corporal. Vários cronistas destacaram a costeiras do Brasil na época colonial: Recife,
habilidade com que eles evitavam golpes, jogando Salvador e Rio de Janeiro. Não podemos esquecer
o corpo para o lado de maneira imprevisível e que a capoeira também era praticada nos quilombos
confundindo o aniversário.” [Matthias e Mestre ou regiões rurais, já que nestes lugares, decerto as
Cobra Mansa – 2008]. condições eram ideais para o aprendizado e o
treino. A liberdade de expressão e de ir e vir

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As Mulheres na Capoeira

proporcionado pelos quilombos, decerto foram colônias britânicas e francesas no Caribe onde
preponderantes para a perpetuação e o levantes de negros forçaram a independência.
desenvolvimento da arte.
Para termos uma idéia desta quantidade, O
No inicio do século XIX, normalmente os Iorubá foi a língua mais falada na Bahia em
capoeiristas eram homens, trabalhadores das áreas determinada época. Dentre os Bantus, muitos
portuárias das cidades litorâneas e, geralmente, o outros povos foram transportados para o Brasil.
cais do porto era o seu teatro. Eram carregadores, Entre as línguas faladas pelos negros, destacavam-
vendedores de rua, estivadores ou outros tipos de se o Gegê, Haussá, Nagô ou Iorubá. [Varnghagen –
trabalhadores marcados pela pobreza e pelo viver em Casa Grande e Senzala – 1930], donde se
urbano. explica a preocupação do colonizador com o
aumento da população negra cativa.
Em Salvador, Rio de janeiro e Recife, os
registros policiais dão a dimensão da importância Ainda no século XIX a capoeira era utilizada
que arte marcial tomou ao se tornar, inclusive, um por desordeiros, trapaceiros, valentões e até
instrumento de guerra utilizado contra o Paraguai, policiais, após a chegada da república. Nesta época,
para citar um exemplo. Naquela guerra, os negros aliás, a sua prática foi oficialmente proibida de
foram enviados para as primeiras fileiras armados 1890 até 1938. “O artigo 402 do código penal, ao
apenas com paus. Historiadores contam que este criminalizar a capoeira esteve baseado em suas
expediente fora tomado também com a intenção de práticas sociais no decorrer do século XIX: Não há
controle populacional, já que o contingente de hoje desordeiro, faquista, perverso, criminoso por
negros no Brasil era muito maior que a população ferimentos ou assassino, que não seja um capoeira;
branca. Temia-se no Brasil o que ocorrera nas é um modo de dizer, é uma locução que se tornou

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As Mulheres na Capoeira

vulgar e que está linguagem do povo, direi mesmo demonstrando, com sua penetração nas camadas
da polícia.” [Antônio L. C. S. Pires – 2004]. mais altas da sociedade, a aceitação da capoeira
como algo intrinsecamente brasileiro.
O capoeirista daquela época usava, com
freqüência, armas como facas e navalhas, paus, Este decreto demonstra de modo indefectível
pedras e, em alguns casos, revólveres. Costumavam o poder marcial que a capoeira adquiriu ao longo
também agregar-se a outros capoeiristas em grupos dos anos em que esteve sendo desenvolvida. Ao
que, no Rio de Janeiro e Salvador, eram chamados colocar as autoridades como reféns de uma situação
de Maltas. Estas por sua vez, tinham suas criada pela violência que agora se voltava contra o
características próprias e seus rituais específicos já seu principal expoente, ironicamente a capoeira
que cada malta estava associada a uma área da devolveu a dignidade aos povos africanos, que
cidade. Na cidade de Salvador havia maior agora, já se consideravam brasileiros.
tolerância policial a pratica da capoeira, talvez
porque ela estivesse mais concentrada nos A Capoeira e as Mulheres no Século XIX
subúrbios de Salvador, este fato associado a
“higienização do centro de Salvador”, o qual fora Não há muitos registros do século XIX, ou
tornado área de circulação de brancos. anteriores a este, que indiquem a presença feminina
nas maltas de capoeiristas no Rio de Janeiro ou em
Antônio L. C. S. Pires afirma que, mesmo Salvador. Antônio L. C. S. Pires indica em
tendo penetrado no mundo do trabalhador, após sua pesquisas nos registros policiais do século XIX e
origem no mundo escravo, a capoeira carioca e início do século XX, que menos de 3% dos
baiana, foram eminentemente negras, apesar da processados pela justiça eram mulheres. Entretanto,
participação de membros das classes média e altas entre as vítimas, este número sobe para 10%,

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As Mulheres na Capoeira

caracterizando assim que a violência contra a imortalizada na tradição.” [Antônio L. C. S. Pires –


mulher deveria assumir números alarmantes. O 2004].
mesmo autor, em sua pesquisa, nos afirma que no
mundo da capoeira do século XIX, a figura A Capoeira e As Mulheres Hoje
feminina foi masculinizada. Ele cita o apelido de
Maria-Homem e Maria do Camboatá, acrescento Com a liberdade proporcionada pela liberação
aqui o nome de Júlia-Fogareira. Para Maria do feminina, principalmente a partir da década de
Camboatá, ele cita uma canção que lhe faz 1960, a mulher assumiu papéis de muita relevância
referencia: em todas as áreas do conhecimento humano. A
capoeira não fugiu a esta regra. Segundo a doutora
Dona Maria do Camboatá Paula Cristina da Costa Silva [Imagens da Mulher
Ela entra na roda querendo jogar na Capoeira], a presença da mulher na educação
Dona Maria do Camboatá física brasileira, no início do século XIX vinculava-
Ela disse que deu, ela disse que dá se “a proposta higienista e eugenista colada aos
Dona Maria do Camboatá ideais de regeneração e embranquecimento da
Ela dá rabo-de-arraia com as pernas p’ro ar raça.” Resquício de um passado europeu. Seu
Dona Maria do Camboatá intuito era criar mulheres brancas fortes para a
Ela chega na venda, ela manda bota criação de filhos que, se homens, defenderiam os
É do cambo, é do cambo, é do Camboatá direitos e posições da nação.

“Com certeza mais uma mulher que enfrentou No caso da capoeira, em seus estudos
a moral social da época e esteve presente na prática realizados em revistas com publicações regulares
cultural da capoeira, tornando-se lendária e acerca da capoeira no período entre 1998 e 2000,

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As Mulheres na Capoeira

ela destaca que a presença da mulher, em muitos utilizavam algumas mulheres apenas como
aspectos, era até então, apenas estético. A mulher modelos.
se apresentava para a divulgação de produtos
associados a capoeira sem ter uma participação Quero crer que, num primeiro momento, no
mais profunda nos seus processos de organização e início do século XX, tudo o que a mulher buscou
manutenção e, em muitos casos, sequer eram de na capoeira foi a proteção que nem o estado nem
fato capoeiristas, posando apenas de modelos de seus familiares lhes davam.
apelos comerciais.
As mulheres negras, no período colonial,
Talvez o que explique esta situação seja o fato diga-se escravagista, desde a mais tenra idade,
de que até 1950, segundo a mesma estudiosa, as eram usadas ou alugadas como prostitutas. Em
mulheres eram proibidas da prática de qualquer muitos casos, acabavam por ter mais valor
modalidade esportiva marcial, assim a educação financeiro que o homem negro, já que tinham seus
física feminina limitava-se a trabalhos manuais, filhos escravos engrossavam a economia de seu
jogos infantis e ginástica esportiva. A capoeira, senhor e ainda rendiam um dinheiro a mais através
portanto, que pertencia quase que exclusivamente da prostituição, quando eram alugadas a outros
ao universo masculino, lhes era vedada pelas homens. No mesmo período, à mulher branca cabia
normas morais da época. Ora, sabemos que padrões administrar a propriedade, a jardinagem, os filhos,
morais são dos mais difíceis de serem modificados a comida, inclusive dos escravos, etc. tudo isto,
em quaisquer sociedades, e este fato fica muitas vezes a partir dos treze anos de idade em
demonstrado na análise de algumas revistas casamentos arranjados. Ela comia e bebia na mesa
especializadas no esporte no ano 2000, muitas de seu marido, apesar de chamá-lo de senhor; tinha

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As Mulheres na Capoeira

sua liberdade de ir e vir totalmente controlada, de realidade da mulher branca, dita livre, a vida da
modo que se diz que ela também não era livre. mulher negra e cativa no século XIX era bem pior,
já que, conforme dito, ela sofria a violência do
Com o fim do regime econômico escravagista senhor e da senhora a quem pertencia, dos
e o início do período republicano, as mulheres não capatazes e de quem mais lhe tivesse poder. O
mais aceitaram a violência masculina estupro era lugar comum e certamente a mais
animosamente. De fato as mudanças com o fim da contundente das violências contra as mulheres.
escravidão deram uma nova visão às mulheres que
mesmo não tendo muitos direitos assegurados, A Capoeira e as Mulheres no Século XX
viram-se diante de novos papéis sociais. A partir
desta constatação, o homem passou a ter sua A doutora Paula Cristina da Costa e Silva
onipotência contestada diante das questões do lar, afirma que a presença da mulher na capoeira deu-se
do trabalho e na criação dos filhos. Ora, o lar era o de modo mais proeminente nas últimas décadas do
único lugar onde o homem podia exercer o seu século XX. Com a emancipação feminina da
poder sem questionamentos externos. Era, num década de sessenta e posteriores. Espaços
falar antropológico, seu reino. masculinos passaram a ser cada vez mais
freqüentados pelas mulheres. Hoje, são poucas as
Até o século XIX a mulher estava sujeita em atividades exercidas pelos homens que não sejam
tudo a seu pai, irmão(s) ou primos e por fim, seu também exercidas pelas mulheres. Em alguns
marido. Certos direitos, mesmo aqueles casos, com muito mais competência. Tal afirmativa
assegurados por lei, lhes eram tolhidos no seio da não deve gerar surpresa já que a mulher passa mais
família, e quando cercear-lhes o direito mostrava-se tempo na escola, é mais dedicada e principalmente,
ineficiente, a violência era aplicada. Se esta era a se faz mais disponível para aprender.

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As Mulheres na Capoeira

aplicados com objetivo, tornaram notório de súbito,


Pedro Abib (Pedrão de João Pequeno) afirma o trabalho de muitas mulheres capoeiristas.
que, atualmente muitos grupos de capoeira, sem a Destacamos alguns pela relevância alcançada ao
organização providenciada pela mulher, estariam serem expostos na mídia nacional.
fadados ao fracasso. De fato, observa-se na mulher
uma capacidade gerencial excelente já que a Nalvinha
mulher não costuma perder o foco de seu objetivo.
Assim, ao tornarem-se mestras, contramestras ou Filha de Mestre Bimba, Nalvinha foi, por seu
alunas graduadas, podem dar uma contribuição pai, muitas vezes proibida de praticar a capoeira
enorme ao grupo de capoeira ao qual fazem parte. porque os treinos eram realizados no Pelourinho
(Salvador – BA). Aos onze anos a promessa:
De fato, quando a Mestra Cigana assumiu o “...deixa aparecer outras alunas, aí eu levo.” Em
posto de presidente da Federação Carioca de suas palavras, mulher fazer capoeira naquela época
Capoeira em 1996, vemos a conclusão de um era raridade. Quando o Mestre Bimba mudou-se
processo longo e penoso que trouxe de volta a para Goiânia, dada a quantidade de mulheres na
capoeira ao seu motivo de existência: a mulher. O prática da capoeira, Nalvinha deu-se aos treinos
n’Golo nasceu para que os homens pudessem com mais afinco. Após a morte de seu Mestre e pai,
disputá-las como troféus, depois de desenvolvido e Nalvinha retornou para Salvador e, pouco tempo
transformado na nossa capoeira, voltou às suas depois, parou de vez com a capoeira ficando na
mãos. pratica apenas do samba-de-roda, que era uma
praxe nas rodas realizadas pelo Mestre Bimba.
Conforme dito anteriormente, o grau de
instrução elevado, a dedicação e o foco feminino

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As Mulheres na Capoeira

Preguiça angola, a Mestra janja, em entrevista a revista


Cordão Branco em 2001, limitou-se a falar
Estabelecidas por Mestre Bimba, as etapas exclusivamente de seu campo de atuação, quando
necessárias à formação do capoeirista são na ocasião informou que o preconceito contra
chamadas de “emboscadas”. Os alunos não mulher no meio da capoeira de angola praticamente
comentam o que se passa durante este curso, do não existe. Na mesma entrevista, a mestra expõe
qual a primeira aluna a passar foi Cleonice da Silva que a violência observada na capoeira, naquela
Damasceno da Silva, a Preguiça. Tal conhecimento época, devia-se em parte a cultura “hoolywodiana”
a habilita a ministrar aulas de capoeira regional em posto que muitos capoeiristas, ao inserirem na
todo o seu conteúdo. A professora atualmente capoeira, valores de outras artes marciais
ministra aulas para crianças no Projeto Capoerê, demonstravam falta de base capoeirística. Prática
voltado para crianças entre 5 e 14 anos. esta condenada pela mestra que a rebate dizendo
que a capoeira que ela ensina aos seus alunos é a
Mestra Janja mesma que ela recebeu de seu mestre. Esta mesma
capoeira, impregnada de valores muito complexos
Coordenadora do Grupo de Capoeira Angola é o que a mantém “nesta dupla jornada de
N`Zinga, nos anos 80-90 defendeu tese de mestrado reconhecimento e respeito, seja pelo nome dos
sobre capoeira angola na Bahia na Universidade de nossos mestres, seja pelo próprio nome da capoeira
São Paulo. Em 2001 realizava na mesma Angola.” [Mestra Janja – 2001].
universidade suas pesquisas de doutorado onde
propunha um estudo comparativo das escolas de Mestra Cigana
capoeira angola no Brasil e nos estados Unidos.
Com uma visão bem ampla do mundo da capoeira

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As Mulheres na Capoeira

Começamos pelo trabalho realizado pela capoeirista, em 2003 iniciou o desenvolvimento de


Mestra Cigana. Em 2003, em uma entrevista dada a um trabalho de difusão do Grupo Capoeira Gerais
uma revista especializada em capoeira, a presidenta no estado do Texas – EUA.
a Federação de Capoeira do RJ, destacou a
importância da uniformização da graduação, o Professora Carol
resgate das manifestações folclóricas, a criação de
uma escola técnica de capoeira, um senso para Citamos ainda a professora Carol do Grupo
saber a quantidade de atletas capoeiras existentes barro Vermelho, que desenvolveu um trabalho em
(no Rio de Janeiro) e por fim, um passaporte para o escolas e academias de Vitória – ES. Formada em
capoeirista, que seria um registro de sua vida de educação física, em 2004 a capoeirista informou
atleta. Todos estes assuntos, alguns muito em entrevista que “Hoje o meu trabalho em
polêmicos, foram explorados de modo simples e Salvador é mais de pesquisas e treinamento, ...”.
com bastante autoridade. Tão importante quanto a Ou seja, o desenvolvimento do seu trabalho não
efetivação das ações, a aceitação dela como estava baseado apenas no corpo, mas também no
presidente e a simples colocação e a aceitação das intelecto. De fato, quem almeja destacar-se na
idéias demonstra que o mundo da capoeira despiu- capoeira, jamais poderá desprezar a necessidade do
se da maioria dos preconceitos relacionados à estudo e da pesquisa constante.
mulher.
Ginga dos Ventos
Professora Aninha
Na Escola de Capoeira Ginga dos Ventos as
Fora do País, podemos citar a professora responsáveis são Cenira, Viviane e Cristiane,
Aninha, aluna do Mestre Mão Branca. A respectivamente mãe e filhas. A escola foi fundada

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As Mulheres na Capoeira

em agosto de 2000. Originárias do Grupo Almada organizado em Rondônia pelo mestre Xoroquinho,
Santos do Mestre Ananias Tabacow as meninas sua aluna graduada Araúna mostrou-se
decidiram iniciar um trabalho próprio ao extremamente competente ao organizar e ensaiar
constatarem que tinham um diploma que lhes dava um grupo de mulheres para apresentar um número
o direito de andar pelos seus próprios caminhos. de dança onde misturou-se dança afro e
Nas palavras de Viviane “Nós temos muitas idéias, contemporânea. Além disto, organizou outro
muitos projetos, e o grupo limitava nossa número de dança solo, realizado com muita beleza
criatividade.” Observamos nestas palavras o desejo e graça, por um homem. Tudo isto em um período
de ir adiante e apresentar uma metodologia de tempo de 30 dias.
diferente, pois conforme disse Cristiane: “... hoje
em dia, é muito difícil ver mulheres trabalhando Aluna Cris
com a capoeira sem estarem vinculadas a algum
grupo ou mestre. Para arrematar, palavras de Podemos citar também a aluna e esposa do
Viviane: “..., gostaria que as pessoas tivessem mais professor de capoeira de angola PV. Ela é sua
consciência, porque a capoeira, além de ser uma assessora e seu trabalho é de tal forma importante
luta, é cultura, é um patrimônio cultural , e esse que sem ela, muito do trabalho do professor PV
lado precisa ser mais trabalhado, mas não com estaria comprometido.
demagogia, e sim, com um trabalho mais sério.”
Instrutora Felina
Graduada Araúna
Outro trabalho internacional que merece
Recentemente, no grupo Candeias de nossa consideração é o que foi realizado pela então
capoeira, por ocasião do FestPorto de Capoeira, Instrutora Felina (Alessandra Tabosa Simas). A

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As Mulheres na Capoeira

mesma, sob supervisão do Mestre Boneco em Los feito a instrutora Kalunga reforça o que
Angeles – California - EUA, ministrava aulas em anteriormente já fora falado: a dedicação feminina
escolas públicas norte-americanas em um programa as leva a extremos.
chamado after-school (após a escola). O que mais
chama a atenção aqui, não é a Instrutora Felina Contra-Mestra Iúna
ministrando as aulas, mas sim que os americanos
tenham percebido que o esporte seja um “As mulheres terão muito espaço como
modificador de pessoas tão importante ao ponto de educadoras, pois elas têm o dom da maternidade,
permitir que uma cultura tão diferente da sua tenha são sensíveis e realizarão bons trabalhos nas
um espaço tão relevante. Tomara nossos escolas e nos projetos sociais.” [Contra Mestra Iúna
governantes tenham esta percepção um dia. Tal – 2005]. A goiana Valdise Ângela de Abreu, a
período foi tão importante que no seu retorno para contra-mestra Iúna e um destaque feminino no
o Brasil, iniciou um trabalho com adultos e grupo Candeias de capoeira. Com um currilum que
crianças na Gávea, um bairro do Rio de Janeiro. inclui um vice-campeonato e um tetra campeonato
por equipe nos Jogos Escolares Brasileiros (JEB),
podemos dizer que ela fez por merecer a graduação
Instrutora Kalunga de contra-mestra recebida do mestre Suíno em
2005. Em entrevista do mesmo ano, a capoeirista
“Apesar de estar a pouco tempo na capoeira, que já realizava um trabalho com crianças,
Edvânia (Ferreira de Jesus) destaca-se nas rodas planejava gravar CD’s, imprimir a sua experiência
pela expressão dos movimentos, rapidez e precisão no exterior e, em suas palavras “espero formar
dos golpes.” [Letícia Cardoso de Carvalho – algum aluno e se puder chegar a ser mestra”.
Revista Praticando Capoeira - 2005]. Este elogio

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As Mulheres na Capoeira

Professora Magali “Nunca se sintam ofendidas por nada, no


meio da capoeira. Dedicação no que querem e
Ao considerar a capoeira um esporte união, para a bandeira ser fortalecida.” [Contra
completo, ao ponto de envolver o corpo e a alma, a Mestra Jô – 2007]. Com estas palavras de
carioca Marluci da Silva Souza, a professora encorajamento para as mulheres, a aluna do mestre
Magali, destacou em entrevista para a revista Boneco finaliza uma entrevista na qual pudemos
Praticando Capoeira em 2004 que ao escolher a perceber o seu engajamento no mundo da capoeira.
capoeira como esporte, a mulher está tomando uma Realizando trabalhos de capoeira e shows na cidade
das decisões mais importantes de sua vida. Em de Nova York – EUA, ela é um exemplo de
2004 enquanto realizava um trabalho em uma perseverança e profissionalismo que deve ser
cheche-escola, a professa ainda participava de seguido. Palavras de seu mestre: “... ,senti que ela
shows e ministrava aulas na academia Espaço tinha chegado para ficar.” Esta foi a constatação
Vital. Em sua opinião, para ser um bom capoeirista, após sua chegada de Juazeiro, ao longo de alguns
o mesmo deve respeitar o próximo, ter humildade, meses de treinos árduos.
saber os fundamentos e ser um bom discípulo; mais
ainda, a massa muscular não é um fator Final
determinante para um bom jogo, pois as mulheres
têm menos massa muscular que os homens, porém Deveras, as mulheres mostram-se
compensam com a sua flexibilidade e habilidade. normalmente mais pontuais e dedicadas que os
homens na maior parte das atividades a que elas
Contra-Mestra Jô propõem-se realizar. Ora, sabemos que as mulheres
se dão muito bem na execução de tarefas
repetitivas, e é exatamente o caso dos treinos de

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As Mulheres na Capoeira

capoeira: na repetição de golpes, defesas, E viva as mulheres que praticam capoeira!


mandingas, etc. a mulher é mais paciente, portanto, Capoeiristicamente falando!
realiza muitas vezes com mais perfeição porquanto
não perde o foco procurando executar tão só e
unicamente aquilo que lhe é proposto, e isto é
observado nos treinos das academias.

Observando sob uma perspectiva pré-


histórica: as mulheres administravam o lar e
cuidavam dos filhos, enquanto os homens
passavam os dias na caça e na coleta.
Considerando-se pouca a probabilidade de fartura
de alimentos e abrigo naquela época, é natural
pensarmos que somente aquelas que administravam
bem o que havia disponível, logravam êxito na
criação de seus filhos. Anos de seleção natural
moldaram na mulher características psicológicas
que a capacita a realizar tarefas extremamente
complexas, do ponto de vista da administração,
sem que para isto ela precise esforçar-se muito.
Com certeza isto não seria diferente na capoeira!

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As Mulheres na Capoeira

Reflexão BIBLIOGRAFIA

“Você é o resultado de todos os quadros que Internet


pintou para si mesmo... e você sempre pode pintar Em 13/06/2010 – 19:36h:
novos quadros.” http://portalcapoeira.com/Cronicas-da-
Wayne W Dyer Capoeiragem/a-mulher-na-capoeira

“Todo Homem válido só deve contar consigo. Livros


Uma vez de pé deve caminhar com as próprias Pires, Antonio Liberac Cardoso Simões
pernas, pois ninguém tem o direito de ser A CAPOEIRA NA BAHIA DE TODOS OS
carregado.” SANTOS Um estudo sobre cultura e classes
Franklin Roosevelt trabalhadoras (1890-1937) – Tocantins/Goiânia:
NEAB/Grafset,2004.200p;cm
ISBN: 85-89102-04-1

Torres, José Augusto Maciel – Santos, Carlos


Alberto Conceição dos Santos
CAPOEIRA Arte marcial brasileira
São Paulo: On Line Editora, 2008.98p

Assunção, Matthias Röring


A DANÇA DA ZEBRA
Revista de História da Biblioteca Nacional

Porto Velho – RO Página 31 5/12/2021


As Mulheres na Capoeira

São Paulo, 2008.98p Enciclopédia Abril Cultural


ISSN: 1808-4001 CAPOEIRA (Volume II)

Freire, Gilberto Lopes, André Luiz Lacé - 1996


CASA GRANDE E SENZALA A Mulher na Capoeira (Artigo)
Rio de Janeiro, 1930
Anjos, Rafael Sanzio Araújo - 2009
Andrade, Manoel Correia de Quilombolas. Tradições e Cultura da Resistência
O BRASIL E A ÁFRICA ISBN: 85-99953-01-X
1989
ISBN: 85-85134-36-4 Revista Ginga Capoeira
Edição Especial Negro 100% - Ano II - Nº 17
Soahet, Rachel 2002
CONDIÇÃO FEMININA E FORMAS DE ISSN 1517-8536
VIOLENCIA
1989 Revista Praticando Capoeira
Ano II - Nº 25
Drumont, Mary – Monteiro, Paula 2004
O LUGAR DA MULHER (Coletânea de Artigos) ISSN 1517-6118
A MULHER NEGRA NA SOCIEDADE
BRASILEIRA de Lélia Gonçalves. Revista Praticando Capoeira
1982 Ano III - Nº 31
2005

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As Mulheres na Capoeira

ISSN 1517-6118

Revista Iê, Capoeira


Ano I - Nº 5
ISSN 1516-66678

Revista Capoeira Arte e Luta Brasileira


Ano II - Nº 7
1999
ISSN 771415-846002

Porto Velho – RO Página 33 5/12/2021

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