O tempo do qual nos fala Agamben é a contemporaneidade. Para entende
la, Aganbem se pergunta “ De quem e de que somos contemporâneos?” e “O que significa ser contemporâneo?”
O primeiro ponto de orientação para uma resposta á estas perguntas, é
levar em conta o que sobre isso nos vem de Nietzschee seus pensamentos sobre o intempestivo. Citando uma sintaxe de Barthes sobre Nietzsche, Agamben diz junto deste: “O contemporâneo é o intempestivo”. Nas “Considerações Intempestivas” é onde surge a tentativa de acerto de contas entre Nietzsche e o tempo presente. Agamben nos mostra que estas Considerações são já intempestivas, quando Nietzsche diz que ele tenta entender como um mal e um defeito aquilo do qual a época se orgulha, ou seja, sua cultura histórica, que segundo ele, devora nos e precisamos nos dar conta disso. È numa desconexão e dissociação que Nietzsche situa a exigência de “atualidade’ e “contemporaneidade” em relação ao presente. É contemporâneo aquele que não se prende ao seu tempo, que pertence verdadeiramente à este, se desconecta dele sem deixar de vive-lo, posto que ninguém escapa ao seu tempo. Ser contemporâneo deve ser visto num sentido de inatualidade, pois sendo inatual através desse deslocamento ele é capaz de apreender seu tempo. Isso nada tem a ver com viver um outro tempo, como dito, ninguém foge ao seu tempo. Isto é para Nietzsche o pensamento de sobre vôo.
Portanto a contemporaneidade trás um traço singular na sua relação com o
tempo, adereà este ao mesmo tempo que se distancia, um acordo discordante, para falar como Deleuze, ou ainda uma síntese disjuntiva, isto é, uma relação paradoxal, através da dissociação e anacronismo. Esse distanciamento é necessário para que se possam manter os olhos na época, pois quem está aderido a ela não pode fazê-lo, estando imersos perdemos a visão sobre ela. Perdemos o sobre vôo necessário que permite o distanciamento. Lembrando o poeta OsipMandel’stam e sua poesia “O Século”, onde o poeta não fala sobre o século, mas sim sobre a relação do poeta e seu tempo, isto é, sobre a contemporaneidade. Neste poema não se fala somente sobre os séculos XIX e XX que envolvem o poeta, mas também o tempo da vida do individuo. O poeta aparece como fratura do tempo e como sangue que deve suturar a quebra. O poeta, o contemporâneo, deve então manter o olhar fixo no seu tempo, para perceber nele não o mais luminoso nem o mais iluminado, mas sim o mais obscuro. É obscuroo tempo de quem o é contemporâneo. O contemporâneo é aquele que sabe ver essa obscuridade de seu tempo.
Considerando uma resposta neurofisiologista sobre a visão, o filósofo
italiano, nos diz que o escuro não é tão simplesmente uma ausência de luz, mas um modo outro do estado da retina, outro estados dos olhos, assim sendo perceber o escuro da contemporaneidade não é modo de inércia ou uma passividade, mas uma atividade, uma habilidade particular que equivale a neutralizar as luzes da época para descobrir suas trevas que são inseparáveis das luzes. Mas para que perceber tais trevas? Para o contemporâneo o escuro do seu tempo é percebido como algo que lhe concerne e não pára de afeta-lo, mais do que toda luz, o escuro dirige se diretamente e singularmente à ele. Ser contemporâneo é receber o facho das trevas em pleno rosto. Por isso ser contemporâneo é raro, pois antes de tudo é uma questão de coragem, não apenas para manter o olhar fixo sobre a época, mas também de perceber nesse escuro uma luz que distancia infinitamente de nós. Ou mais, ser pontual num compromisso ao qual se pode faltar.
Esse compromisso nada tem a ver com o tempo cronológico, é a urgência
da intempestividade, pois é nesse anacronismo que nos é permitido apreender o nosso tempo na forma de um “muito cedo” que é também um “muito tarde”, de um “já” ou um “ainda não”. Esta noção de contemporaneidade e de intempestivo, nos oferece uma perspectiva outra do tempo histórico que vivia a modernidade, o tempo linear e progressivo, ela é capaz de rupturas, para além de continuidades. Um exemplo disso é a moda, pois ela é definida por aquilo que introduz no tempo uma peculiar descontinuidade, que divide segundo sua atualidade ou inatualidade, o seu estar ou não estar mais na moda.
O tempo da moda está adiantado a si mesmo, e exatamente por isso,
também sempre atrasado, na forma de um “ainda não” e um “não mais”. O contemporâneo pode dizer“ o meu tempo” e com isso divide o tempo, ele escreve nessa fratura, nessa descontinuidade. Assim ele é ativo entres os tempos. Fraturando os tempos ele faz dessa fratura o lugar de compromisso e de encontro entres os tempos, ele não apenas perceber o escuro de seu tempo, mas ache em suas fraturas e por isso pode estar à altura de transformá-lo. Com isso podemos ver outra noção de história, que faz lembrar o modo de ver de Foucault ou mesmo de Benjamim,quando estes dizem haver somente história do vencedores, e que esta História deixa de lado as quebras que outras histórias poderiam fazer, histórias subterrâneas sufocadas sempre pelo mesmo passado e mesmo futuro. Ser contemporâneo é poder entrar numa relação outra com o presente vendo neste o próprio passado, pois éo presente que guarda o maior acúmulo de passado, as trevas do agora. E para vê lo é necessário o sobrevôo.