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ORGS.

Diogo Henrique Helal


Andrea Poleto Oltramari
Daniela Campos Bahia Moscon
Kely César Martins de Paiva

DICIONÁRIO DE
GESTÃO DE PESSOAS
E RELAÇÕES DE
TRABALHO NO BRASIL
ORGS.
Diogo Henrique Helal
Andrea Poleto Oltramari
Daniela Campos Bahia Moscon
Kely César Martins de Paiva

DICIONÁRIO DE
GESTÃO DE PESSOAS
E RELAÇÕES DE
TRABALHO NO BRASIL
Coleção Pessoas & Trabalho

Editor:
Diogo Henrique Helal (FUNDAJ e UFPE)

Comitê editorial:
Ana Carolina Kruta Bispo (UFPB) Ana Heloísa da Costa Lemos (PUC Rio)
Anderson de Souza Sant’Anna (FGV EAESP) Andrea Poleto Oltramari (UFRGS e ULisboa)
Arnaldo Jose Franca Mazzei Nogueira (USP e PUCSP) Daniela Campos Bahia Moscon (UFBA)
Deise Luiza Ferraz (UFMG) Jair Nascimento Santos (UNIFACS e UEFS)
Kely Cesar Martins de Paiva (UFMG)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Dicionário de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho no Brasil. HELAL, Diogo Henrique;


OLTRAMARI, Andrea Poleto; MOSCON, Daniela Campos Bahia; PAIVA, Kely César Martins de. Gradus
Editora, 2023. 186p.. : il. (algumas color.); PDF.

978-65-81033-32-3

CDD 650

Palavras-chave: 1. Administração; 2. Dicionário; 3. Brasil

A Gradus Editora adota a licença da Creative Commons CC BY: Atribuição-Não Comercial-Sem


Derivados - CC BY-NC-ND: Esta licença é a mais restritiva das seis licenças principais, permitindo que
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Impresso no Brasil

FICHA TÉCNICA

Editor-chefe — Lucas Almeida Dias

Diagramação e Projeto gráfico — Bruno Eustáquio; Natália Huang Azevedo Hypólito

Capa — Bruno Eustáquio

Revisão — Lucas Almeida Dias


SUMÁRIO

Apresentando: Dicionário de Gestão de Pessoas


e Relações de Trabalho no Brasil | 9
Diogo Henrique Helal – FUNDAJ e PROPAD/UFPE
Andrea Poleto Oltramari - EA/PPGA/UFRGS e SOCIUS/ISEG/ULisboa
Daniela Campos Bahia Moscon - UFBA
Kely César Martins de Paiva - UFMG

Parte I: Políticas e Práticas em Gestão de


Pessoas e Comportamento Organizacional

Motivação e Engajamento no Trabalho | 15


Daniela Campos Bahia Moscon - UFBA
Laila Leite Carneiro - UFBA

Liderança | 19
Angela Christina Lucas – FCA-UNICAMP

Felicidade no Trabalho | 23
Anelise Rebelato Mozzato - UPF
Denize Grzybovski - IFRS

Socialização Organizacional | 29
Tereza Cristina Batista de Lima – UFC
Andrea Leite Rodrigues – USP

Vínculos Organizacionais e no Trabalho | 35


Laila Leite Carneiro - UFBA
Daniela Campos Bahia Moscon - UFBA

Justiça Organizacional | 39
Jesuína Maria Pereira-Ferreira - UFCA

Competências: níveis de análise e conceitos | 45


Kely César Martins de Paiva - UFMG
Lana Montezano – IDP e FGV-DF
Gestão de/por Competências | 53
Lana Montezano – IDP e FGV-DF
Kely César Martins de Paiva - UFMG

Demissão | 59
Marcia Cristiane Vaclavik - IFRS
Laura Alves Scherer - UNIPAMPA

Parte II: Relações de Trabalho,


Novos Debates e Desafios

Prazer e Sofrimento no Trabalho | 67


Ludmila de Vasconcelos Machado Guimarães – CEFET Minas
Jefferson Lopes La Falce - FUMEC

Saúde e Adoecimento no Trabalho | 71


Bruno Souza Bechara Maxta - UFMG
Deise Luiza da Silva Ferraz - UFMG

Violências Relacionadas ao Trabalho | 77


Renato Koch Colomby - IFPR
Claudia Piccolotto Concolatto - UFRGS

Assédios Moral e Sexual no Trabalho | 83


Thiago Soares Nunes - FUMEC
Suzana da Rosa Tolfo - UFSC

Sentidos do Trabalho | 87
Andrea Leite Rodrigues - USP
Tereza Cristina Batista de Lima - UFC

Mobilidade e Migrações no Mundo do Trabalho | 93


Andrea Poleto Oltramari - EA/PPGA/UFRGS e SOCIUS/ISEG/ULisboa
Duval Fernandes - PUC Minas

Terceirização e Precarização do Trabalho | 97


Arnaldo José França Mazzei Nogueira - USP e PUCSP

Uberização e Plataformização do Trabalho | 103


Andrea Poleto Oltramari - EA/PPGA/UFRGS e SOCIUS/ISEG/ULisboa
João Areosa - Instituto Politécnico de Setúbal, (Portugal)
Trabalho: entre o sujeito e o social | 107
Ludmila de Vasconcelos Machado Guimarães – CEFET Minas
Renato Koch Colomby - IFPR

Trabalho e Trabalho Assalariado | 111


Deise Luiza da Silva Ferraz - UFMG

Sindicalismo (Sindicato) e Trabalho | 117


Arnaldo José França Mazzei Nogueira - USP e PUCSP

Parte III: Novos Debates e Desafios em Gestão


de Pessoas e Relações de Trabalho

Teorias Contemporâneas de Carreiras | 125


Filipe Augusto Silveira de Souza – EAESP FGV
Ana Heloísa da Costa Lemos – PUC Rio

Diversidade, Equidade e Inclusão nas


Organizações e no Trabalho | 137
Darcy Mitiko Mori Hanashiro – UPMackenzie

Preconceitos nas Organizações: discutindo o etarismo | 141


Darcy Mitiko Mori Hanashiro - UPMackenzie
Diogo Henrique Helal – FUNDAJ e PROPAD/UFPE

Preconceitos nas Organizações: discutindo a


LGBTQfobia, o capacitismo e a gordofobia | 147
Diego Costa Mendes - UFV
Carlos Augusto Alves de Sousa Júnior - UFV

Envelhecimento, Aposentadoria e Organizações | 151


Diogo Henrique Helal – FUNDAJ e PROPAD/UFPE

Gestão da Idade nas Organizações | 155


Anelise Rebelato Mozzato - UPF
Diego Costa Mendes - UFV

Gerações e Trabalho no Brasil | 161


Diva Ester Okazaki Rowe – UFBA
Jaqueline Milhome - UFBA
Teletrabalho, Home Office, Trabalho Remoto, Híbrido,
Flexível e Inteligência Artificial | 167
Diva Ester Okazaki Rowe - UFBA
Péricles Nóbrega - IFSertãoPE e UFBA

Inovação, Pessoas e Relações de Trabalho | 175


Marcia Cristiane Vaclavik - IFRS
Bibiana Volkmer Martins - UNISINOS

Empreendedorismo e Prática Empreendedora | 181


Janaynna de Moura Ferraz – UFRN
Apresentando: Dicionário de
Gestão de Pessoas e Relações
de Trabalho no Brasil
Diogo Henrique Helal – FUNDAJ e PROPAD/UFPE
Andrea Poleto Oltramari - EA/PPGA/UFRGS e SOCIUS/ISEG/ULisboa
Daniela Campos Bahia Moscon - UFBA
Kely César Martins de Paiva - UFMG

Bem-vindo, bem-vinda ao Dicionário de Parte I: Políticas e Práticas


Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho em Gestão de Pessoas e
no Brasil! Este livro abrangente é uma fer- Comportamento Organizacional
ramenta indispensável para profissionais,
estudantes e pesquisadores que desejam Esta primeira parte do Dicionário de Ges-
aprofundar seus conhecimentos sobre as tão de Pessoas e Relações de Trabalho no
diversas dimensões da gestão de pessoas Brasil aborda os principais temas relaciona-
e do comportamento organizacional, bem dos à gestão de pessoas e comportamento
como compreender as complexidades das organizacional. Explore verbetes como Moti-
relações de trabalho na realidade brasi- vação e Engajamento no Trabalho, Lideran-
leira. ça e Felicidade no Trabalho, que fornecem
insights sobre como motivar e envolver os
Dividido em três partes distintas, este colaboradores, desenvolver habilidades de
dicionário aborda os tópicos mais rele- liderança e criar um ambiente de trabalho
vantes e atuais no campo da gestão de saudável e satisfatório. Além disso, você en-
pessoas, fornecendo definições concisas contrará definições e informações sobre
e informações abrangentes para cada ver- práticas como Socialização Organizacional,
bete. Vamos explorar cada uma das partes Vínculos Organizacionais e no Trabalho, Jus-
em detalhes: tiça Organizacional, Competências, Gestão

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 9


de/por Competências e Demissão, que são desenvolvimento profissional; Diversidade,
fundamentais para o sucesso da gestão de Igualdade e Inclusão nas organizações, que
pessoas nas organizações. aborda a importância de criar ambientes de
trabalho inclusivos; e Preconceitos nas Or-
ganizações (parte 1 e parte 2), que exploram
Parte II: Relações de Trabalho, os estereótipos e preconceitos presentes
Novos Debates e Desafios nas organizações, incluindo questões como
etarismo, LGBTQIAPN+fobia, capacitismo
Na segunda parte do dicionário, con- e gordofobia. Além disso, você encontrará
centramos nossa atenção nas relações de insights sobre Gestão da Idade nas Organi-
trabalho e nos desafios contemporâneos zações, Envelhecimento, Aposentadoria e
que as cercam. Verbete por verbete, você Organizações, Gerações e Trabalho no Brasil,
descobrirá uma análise aprofundada de tó- Teletrabalho, Home Office, Trabalho Remo-
picos como Prazer e Sofrimento no Trabalho, to, Híbrido, Flexível e Inteligência Artificial,
Saúde e Adoecimento no Trabalho, Violên- Inovação, Pessoas e Relações de Trabalho,
cias relacionadas ao Trabalho e Assédios e Empreendedorismo e Prática Empreende-
Moral e Sexual, que destacam as questões dora. Esses verbetes trazem reflexões sobre
de bem-estar e segurança no ambiente de as tendências e os desafios atuais no campo
trabalho. Além disso, encontrará discussões da gestão de pessoas e oferecem uma visão
sobre Sentidos do Trabalho, Mobilidade e abrangente dos debates em constante evo-
Migrações no Mundo do Trabalho, Terceiriza- lução nesse contexto.
ção e Precarização no Trabalho, Uberização
e Plataformização do Trabalho, e a relação Essas três partes do dicionário forne-
entre Trabalho e Trabalho Assalariado. Esses cem um panorama abrangente da gestão
verbetes oferecem uma visão abrangente de pessoas, comportamento organizacional
das mudanças e desafios enfrentados no e relações de trabalho no Brasil, abordando
mundo do trabalho atualmente, fornecen- os temas mais relevantes e atuais. Com uma
do uma compreensão mais profunda das variedade de verbetes que englobam desde
relações laborais. conceitos clássicos até questões emergentes,
o dicionário é uma ferramenta valiosa para
profissionais, estudantes e pesquisadores
Parte III: Novos Debates e que desejam aprofundar seus conhecimen-
Desafios em Gestão de Pessoas tos nesse campo essencial.
e Relações de Trabalho
O Dicionário de Gestão de Pessoas e Re-
A terceira parte do dicionário explora os lações de Trabalho no Brasil é um recurso
debates emergentes e os desafios contem- abrangente que oferece insights valiosos
porâneos na gestão de pessoas e nas rela- sobre os temas mais relevantes e atuais no
ções de trabalho. Através dos verbetes, você campo da gestão de pessoas e das relações
será apresentado a Teorias Contemporâneas de trabalho. Esteja você iniciando sua car-
de Carreiras, que discute os caminhos de reira, aprimorando seus conhecimentos ou

10 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


buscando soluções para os desafios orga-
nizacionais, este dicionário será seu guia
confiável. Explore suas páginas e aprofun-
de-se na compreensão desses tópicos fun-
damentais.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 11


Parte I: Políticas
e Práticas em
Gestão de Pessoas
e Comportamento
Organizacional
Motivação e Engajamento
no Trabalho
Daniela Campos Bahia Moscon - UFBA
Laila Leite Carneiro - UFBA

Imagine acordar todas as manhãs ani- Neste breve texto, discutiremos cada um
mado (a) para ir trabalhar, sentir-se realiza- desses conceitos, suas diferenças e suas
do (a) ao final do dia e ainda ter a sensação influências no ambiente de trabalho.
de que o tempo passou voando? Essa é a
imagem que muitas pessoas têm quando Vamos iniciar pensando o que significa
propomos estudar os processos de mo- estar motivado. A palavra motivação vem
tivação e engajamento no trabalho. Em do latim motivus e refere-se a tudo aquilo
geral, especialmente quem não faz parte que faz mover, sendo, portanto, facilmen-
do mundo acadêmico e científico acredita te definida como uma teoria das razões
que todos os esforços de pesquisa deve- que promovem a ação humana. Para a
riam ser na direção de encontrar a chave Psicologia, é um dos processos psicoló-
do sucesso que faz alguém ter muito in- gicos básicos, sendo fundamental para o
teresse, esforço e persistência em relação nosso funcionamento cognitivo e compor-
ao seu trabalho. tamental (Gondim & Silva, 2014). Apesar
da importância, Steel e Weinhardt (2018)
Os processos que envolvem tais fenô- destacam a fragmentação e a sobreposi-
menos são, entretanto, muito mais com- ção das diversas teorias que se propõem
plexos e sua promoção não nos fornece a compreendê-la.
soluções milagrosas nem universais. Ao
mesmo tempo, é verdade que esses dois Tradicionalmente a ênfase das teorias
conceitos são essenciais para compreender era na direção da compreensão acerca
como os trabalhadores se relacionam com das necessidades humanas que poderiam
as organizações e o trabalho e como isso gerar os motivos da ação. Assim, todas
pode impactar diretamente no seu desem- as atenções das teorias que fazem parte
penho, no seu bem-estar e na sua saúde. dessa abordagem tinham o objetivo de

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 15


compreender tais necessidades e como capaz de alcançá-las, seus valores pes-
elas atuam como uma força que se trans- soais. Autores como Vroom, Deci, Locke
forma em um impulso à ação. Fazem parte e Lathan, Bandura, Kanfer, dentre outros,
desse grupo as teorias das Necessidades desenvolveram teorias que, ao conside-
de Maslow e McClelland, a teoria ERC rarem tais fatores, alcançaram resultados
(Existência, Realização e Crescimento) de empíricos mais confiáveis que aqueles
Aldefer e a Bifatorial de Herzberg. Todas alcançados pelas teorias das necessida-
elas tratam a motivação a partir de uma des, sendo mais abrangentes para dar
perspectiva de carência ou desequilíbrio conta da complexidade do fenômeno
que geraria a necessidade. A ação em (Gondim & Silva, 2014).
direção a um determinado objetivo seria
uma tentativa de recuperar a homeostase Com base nesses avanços científicos,
(equilíbrio) e sair do estado de carência atualmente, considera-se que motiva-
(Gondim & Silva, 2014). ção é uma força interna que ativa nosso
comportamento e imprime nele direção,
De forma mais contemporânea, entre- intensidade e persistência para o alcance
tanto, a pesquisa sobre motivação pas- de um ou mais alvos (Mitchell & Daniels,
sou a considerar outros elementos que 2003). Ou, de forma mais simplificada,
pudessem ir além das necessidades de refere-se a processos que instigam e sus-
origem biológica, fisiológica ou mesmo tentam atividades direcionadas a obje-
psicológica e incluir os fatores cognitivos, tivos (Schunk & DiBenedetto, 2020). Por
os valores e as características contingen- isso, entender o que estimula e/ou motiva
ciais para explicar a motivação (Mitchell os trabalhadores auxilia a construção
& Daniels, 2003). Isso significa, de forma de intervenções que visem proporcio-
prática, que duas pessoas podem, dian- nar melhores níveis de desempenho no
te da mesma necessidade, se sentirem contexto laboral (Silva, 2015).
motivadas a agir de formas diferentes.
Também significa que, por exemplo, um Enquanto a motivação se refere ao
sujeito pode estar com fome (carência de que nos mobiliza, o engajamento no tra-
comida) e naquele momento se sentir balho vai além, abarcando um estado
motivado a fazer jejum ou um treino de afetivo-motivacional no qual o trabalha-
academia ao invés de comer. Ou seja, sua dor apresenta a combinação de três as-
motivação o enseja a agir num sentido pectos-chave: alto nível de energia e/ou
oposto, mesmo que de modo temporário vigor, alto nível de dedicação e alto nível
ou transitório. de foco e/ou envolvimento (Ferreira et al.,
2016; Schaufeli et al., 2002). Deste modo,
Sentir-se motivado depende, portan- ademais de ter a disposição para agir,
to, de um amplo espectro de questões a o indivíduo engajado em seu trabalho
serem consideradas, como as metas que emprega esforços em sua ação, sentindo
o sujeito estabelece, as recompensas que prazer e conexão profundos ao se dedi-
associa a elas, suas crenças de que será car às suas atividades (Schaufeli, 2012),

16 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


pois se identifica com elas (Bakker et al., vos, como aprendizado pessoal (Bakker
2023). Nesse sentido, o engajamento no & Schaufeli, 2015; Schaufeli, 2012). No
trabalho depende simultaneamente de que tange às características individuais,
aspectos comportamentais, emocionais otimismo, autoeficácia, autoestima, proa-
e cognitivos (Schaufeli, 2012). tividade, regulação emocional e disciplina
figuram dentre as principais promotoras
O engajamento no trabalho resulta de engajamento no trabalho (Bakker et
em benefícios tanto para a organização al., 2023; Schaufeli, 2012).
– como maior probabilidade de melhor
desempenho, expressão mais frequente Ao conhecermos um pouco mais
de comportamentos colaborativos extra sobre esses dois temas, podemos com-
papel e menor absenteísmo – quanto preender as razões pelas quais motivação
para o indivíduo – que vivencia mais saú- e engajamento despertam tanto interesse
de e bem-estar (Bakker & Schaufeli, 2015; entre lideranças organizacionais e es-
Schaufeli, 2012). Por isso, criar condições tudiosos do campo do comportamento
para o desenvolvimento de trabalhadores organizacional e da gestão de pessoas.
engajados tem sido um importante foco É importante destacar, entretanto, que
de interesse no campo. ter trabalhadores motivados e engajados
para o alcance de resultados não são
Os fatores que têm maior capacidade garantias de bom desempenho. O bom
de aumentar o engajamento no trabalho desempenho depende ainda, no mínimo,
variam desde aspectos situacionais a as- de que esse trabalhador esteja capaci-
pectos individuais. Dentre os situacionais, tado para a realização das atividades e
destacam-se alguns recursos do trabalho, de que tenha os recursos e condições
que são características do desenho do necessárias para a sua execução.
trabalho que auxiliam o trabalhador a
alcançar os seus objetivos, atenuam os
impactos das exigências laborais e/ou Referências
estimulam o crescimento pessoal, tais
como: autonomia, suporte social, fee- Bakker, A. B., Demerouti, E. & Sanz-Vergel, A.
dback, significado da tarefa, variedade (2023). Job Demands–Resources Theory: Ten
de tarefas, justiça organizacional e pers- Years Later. Annual Review of Organizational
pectiva de carreira (Bakker et al., 2023). Psychology and Organizational Behavior. 10,
Os trabalhadores também tendem a ser 25-53. https://doi.org/10.1146/annurev-or-
mais engajados em situações nas quais gpsych-120920-053933
se sentem desafiados, ou seja, quando
estão diante de exigências do trabalho Bakker, A. B., & Schaufeli, W. B. (2015).
que, apesar de apresentarem custos Work Engagement. Wiley Encyclope-
ao indivíduo, também são capazes de dia of Management, 1–5. https://doi.
promover resultados pessoais positi- org/10.1002/9781118785317.weom110009

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 17


Gondim, S. M. G. e Silva, N. (2014). Motivação
no Trabalho. In: Zanelli, J. C.; Borges-Andrade,
J.E.; Bastos, A. V. B.. Psicologia, Organizações
e Trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed.

Mitchell, T. R.; Daniels, D. (2003). Motivation.


In: Borman, W. C., Ilgen, D. R., & Klimoski, R.
J. (Eds.). Handbook of psychology: Industrial
and organizational psychology, Vol. 12 (pp.
225-254. John Wiley & Sons Inc

Schaufeli, W. B. (2012). Work Engagement.


What Do We Know and Where Do We Go?
Romanian Journal of Applied Psychology, 14(1),
3-10.

Schaufeli, W. B., Salanova, M., González-Ro-


má, V., & Bakker, A. B. (2002). The measu-
rement of engagement and burnout: A two
simple confirmatory factor analytic approa-
ch. Journal of Happiness Studies, 3(1), 71-92.

Schunk, D. H., & DiBenedetto, M. K. (2020).


Motivation and social cognitive theory.
Contemporary Educational Psychology,
60, 101832. https://doi.org/10.1016/j.ce-
dpsych.2019.101832

Silva, N. (2015). Motivação e satisfação no


trabalho. In: P. Bendassolli & J. E. Borges-
-Andrade (orgs). Dicionário de Psicologia do
Trabalho e das Organizações (pp. 453-461).
São Paulo: Casa do Psicólogo.

Steel, P., & Weinhardt, J. M. (2018). The


building blocks of motivation: Goal phase
system. In D. S. Ones, N. Anderson, C. Vis-
wesvaran, & H. K. Sinangil (Eds.), The SAGE
handbook of industrial, work & organizatio-
nal psychology: Organizational psychology
(pp. 69–96). Sage Reference.

18 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Liderança

Angela Christina Lucas – FCA-UNICAMP

Nesse verbete, apresenta-se o conceito 1. Abordagem dos Traços: a liderança


de liderança a partir das teorias clássicas, seria um conjunto de traços físicos
das discussões sobre novas abordagens ou psicológicos do líder. As pesqui-
de pesquisa no tema e das necessidades sas realizadas sob essa abordagem
atuais do mundo do trabalho. buscam, a partir das características
de líderes históricos exemplares, os
Primeiramente, é importante salientar Grandes Homens, identificar traços
que há um diálogo entre as teorias e pes- comuns que poderiam definir um
quisas produzidas sobre ambiente organi- líder. Embora pesquisas posteriores
zacional e teorias pensadas para tratar de tenham mostrado que não há fun-
líderes mundiais e/ou políticos, nem sempre damentação para essa abordagem,
adequadas. Outro ponto de atenção, den- há livros, cursos e textos explorando
tro das teorias aplicadas na liderança em a ideia que existe um conjunto de
ambiente organizacional, é a utilização da características universais para um
figura do gestor como sinônimo de líder, bom líder.
mesmo que haja questões conceituais dife-
renciando esses dois constructos. Enquanto 2. Abordagem do Estilo: são teorias
o gestor é um cargo técnico-administra- nas quais os diferentes comporta-
tivo formalizado e institucionalizado nas mentos do líder impactam nos resul-
organizações, o líder apresenta habilidades tados alcançados. Três teorias foram
que inspiram pessoas a segui-lo, mesmo importantes para essa abordagem:
que não esteja em algum cargo de gestão. Modelo da Universidade de Ohio,
(Bergamini, 1994). Modelo da Universidade de Michi-
gan e o Modelo do Grid Gerencial
Segundo Bryman (2009), historicamente de Blake e Mouton.
as teorias de liderança são divididas em
quatro abordagens:

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 19


3. Abordagem Contingencial: a lide- que trabalham de forma dinâmica entre si
rança seria uma adequação entre e com o líder, como também não se dedi-
o estilo do líder e características do cam ao contexto social, local e cultural que
grupo de liderados. Um represen- estrutura as relações de liderança (Souza,
tante dessa abordagem é o Modelo 2021).
de Fiedler (1967) que identifica va-
riáveis importantes de análise para Entretanto, percebe-se que essas teorias
essa adequação, como nível de es- vão ao encontro da literatura do pop-ma-
truturação da tarefa, relação líder- nagement quando colocam os líderes no
-liderado e posição de poder. Outro papel de gestores de significados ao mesmo
representante importante é a teoria tempo que se aproximam de literatura de
situacional de Hersey e Blanchard autoajuda (Duarte & Medeiros, 2019). A
(1986). análise dos materiais de pop-management
propagadas, seja em revistas de negócios,
4. Abordagem da Nova Liderança: as livros ou redes sociais, como o LinkedIn,
teorias tradicionais de Liderança, a permite identificar algumas questões que
partir de 1980, foram sendo substi- merecem atenção. A primeira delas é o
tuídas pelas teorias contemporâneas olhar para os sucessos momentâneos que
nas quais há um vínculo entre o líder podem, ao passar do tempo, terminar em
e seus liderados a partir da gestão de fracassos perto ou longe dos holofotes da
significados (Sobral & Gimba, 2012). mídia. Nesse ponto, também é importante
Nessa classificação, pode-se incluir as salientar que o interesse se dá nos líderes
Teorias de Liderança Transformacio- de cúpula das empresas, como presiden-
nal, Carismática, Servidora e Autênti- tes e pessoas de destaque nacional e/ou
ca. A Liderança Transformacional foi internacional. Os líderes do “cotidiano” e os
apontada, inicialmente, por Burns líderes informais não recebem a atenção da
(1978) versando sobre liderança po- literatura de pop-management, bem como
lítica e, posteriormente, Bass (1985) das pesquisas acadêmicas.
identificou suas características e ade-
quou ao ambiente organizacional. O campo de pesquisa sobre lideran-
ça no Brasil tem muitas publicações, mas
poucos avanços teóricos. As publicações
normalmente versam sobre as teorias vin-
Pesquisadores do tema de Liderança, culadas à Abordagem da Nova Liderança
aos poucos, começaram a tecer críticas às e algumas fazem críticas a elas (Da Silva,
teorias da Abordagem da Nova Liderança, Paschoalotto & Endo, 2020; Souza, 2021).
como o líder no papel de herói e de lidera- Raras são publicações que avançam ou se
dos como objeto de influência (Adriano & contrapõem a essas teorias, como Sobral
Godoi, 2014; Sobral & Furtado, 2019). Dessa e Furtado (2019), Souza (2021) e Souza e
forma, essas teorias omitem tratar os lide- Wood Jr. (2022).
rados como serem diversos, complexos e

20 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


O pós-estruturalismo, segundo Souza demais autores, afirma que não é possível
(2021), pode contribuir com pesquisas sobre conceituar, pois o conceito é vago e “ilusó-
Liderança ao conceituá-lo como uma cons- rio”, dado que é discurso e situado dentro
trução discursiva contextualizada local e de determinado contexto.
temporalmente constantemente negociada
entre os envolvidos. Nessa abordagem, em Por fim, de acordo com esse cenário
alguns momentos denominada de Pós-he- diverso, a Liderança atualmente dentro das
roica, desafia a visão hierárquica tratando organizações pode ter seu conceito atuali-
a liderança como um processo relacional zado: um fenômeno de grupo socialmente
construído por diversos indivíduos de forma construído a partir de influencias entre os
coletiva e compartilhada (Sobral & Furtado, indivíduos com responsabilidade compar-
2019; Souza & Wood Jr., 2022). tilhada e que também recebem influencias
do contexto externo.
Hoje, assistimos a um ambiente orga-
nizacional cada vez mais complexo, com As diversas relações possíveis dentro do
trabalho em rede e dependente de cola- fenômeno da Liderança vêm ao encontro de
boração, dentro da própria organização e novas formas de trabalho dentro das orga-
entre organizações (Sobral & Furtado, 2019). nizações bem como de novos formatos de
Os desafios gerados pela tecnologia, como organização que estão surgindo. Com isso,
internet das coisas e inteligência artificial, as pesquisas nesse sentido devem começar
somados com os desafios ambientais ur- com a pergunta: essas novas formas de se
gentes, desafios sociais e questões de saúde tratar liderança terão espaço nas empresas
mental levam à uma necessidade inadiável brasileiras? A cultura organizacional brasi-
de tratar a liderança dentro das organiza- leira com alta distância do poder e posição
ções a partir de novos olhares. (Calvosa & de espectador (Chu & Wood Jr., 2008) se
Ferreira, 2023). adaptaria a uma Liderança Pós-Heroica?
Como as organizações que tratam a lide-
E a partir desse todas essas abordagens rança como fenômeno coletivo trabalham
e discussões, seria possível definir Lide- internamente? Quais são suas políticas e
rança? Aparentemente, não há consenso. práticas de gestão de pessoas?
O texto clássico de Bergamini (1994), que
está entre os mais citados na literatura na-
cional, discute a conceituação de liderança Referências:
afirmando que havia apenas um consenso
até aquele momento: seria um fenômeno Adriano, B. M., & Godoi, C. K. (2014). Análi-
de grupo no qual uma pessoa influencia se crítico-comparativa das abordagens de
de forma intencional os demais. Todavia, liderança: proposta de um quadro sintético-
as novas abordagens tendem a tratar a li- -comparativo. XXXVIII Encontro da ANPAD, 9.
derança como um fenômeno coletivo mul-
tidirecional ao invés de centrado na figura
do líder. Souza (2021), diferentemente dos

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 21


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Felicidade no Trabalho

Anelise Rebelato Mozzato - UPF


Denize Grzybovski - IFRS

O tema felicidade aparece desde o iní- da Psicologia; (ii) felicidade como atitude
cio na história da filosofia clássica, sendo de uma pessoa em busca de significado e
uma preocupação relacionada ao autoco- propósito (felicidade eudaimônica) – cor-
nhecimento (Sócrates), ao objetivo moral rente teórica da Filosofia aristotélica; (iii)
de vida (Platão) ou a um estado positivo felicidade como uma dimensão emocional
(Aristóteles). Na história dos estudos sobre que representa o “bem-estar subjetivo”/
felicidade, alguns autores a discutiram emoção – corrente da psicologia positiva.
como sinônimo de bem-estar (Camalionte
& Boccalandro, 2017), enquanto outros a No campo das organizações, a felicida-
definem como bem-estar subjetivo (Selig- de se desenvolveu pela Filosofia aristoté-
man & Csikszentmihaly, 2000). De qualquer lica, a qual é obtida por meio da atividade
modo, felicidade é uma busca do ser hu- virtuosa em conformidade com a razão.
mano (Tubone et al., 2021) que pode ser A respeito, Seligman (2019) afirma que a
estudada por diferentes pontos de vista, felicidade não pode ser mensurada obje-
como biológico, biopsicossocial, antropoló- tivamente em razão de ser um elemento
gico ou filosófico (Irtelli & Gabrielli, 2023). subjetivo que faz parte do constructo bem-
-estar. Contudo, pode-se avaliar alguns
No contexto do trabalho, os debates indicativos do que é felicidade por meio
sobre a felicidade estão sendo intensifi- de cinco dimensões, emoções positivas,
cados no século XXI e resultam em diver- engajamento, sentido, realização e rela-
sas concepções acerca da sua definição, cionamentos positivos. Essas dimensões
as quais podem ser organizadas em três são conhecidas pelo acróstico PERMA (do
correntes teóricas, a saber: (i) felicidade inglês: positive emotions; engagement; positi-
associada aos prazeres mais imediatos ve relationships; meaning; accomplishment).
(felicidade hedônica) – corrente teórica

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 23


Para Seligman (2019), a felicidade é to- fatores diretamente relacionados ao tra-
talmente subjetiva e representa um estado balho (conteúdo da tarefa, engajamento,
transitório de humor do indivíduo. Assim, comprometimento organizacional, nível de
pode ser descrita como sendo o que as satisfação no trabalho, autonomia, lideran-
pessoas pensam e sentem sobre suas vidas ça, salário e recompensas) (Fisher, 2010;
(Seligman & Csikszentmihaly, 2000). Tal Carr, Kelley, Keaton & Albrecht, 2011; Sousa
entendimento representa os avanços das & Porto, 2015; Sender & Fleck, 2017; Coo &
pesquisas sobre felicidade, sobretudo no Salanova, 2018; Sender, Nobre, Armagan
campo da Psicologia. & Fleck, 2020; Ribeiro et al., 2022).

Recentemente, Ribeiro et al. (2022) re- Aceitar essa perspectiva da felicidade no


conheceram a felicidade no trabalho como trabalho como sendo o bem-estar subjetivo
uma atitude que permite cada trabalhador evidenciado pelo equilíbrio entre trabalho
maximizar o seu desempenho em direção e vida pessoal, é um caminho para pes-
ao atingimento do seu potencial. Nesse quisar o tema. Para tanto, é preciso reco-
processo de busca pela felicidade, o tra- nhecer a Filosofia aristotélica (Aristóteles,
balhador não negligencia os momentos 2015) como orientação paradigmática e, ao
positivos e menos positivos, seja consigo mesmo tempo, reconhecer como válido o
mesmo ou nas suas relações interpessoais constructo “bem-estar subjetivo” descrito
(Pryce-Jones & Lindsay, 2014), tornando na psicologia positiva (Seligman, 2019), por
a investigação empírica da felicidade no contribuir na busca de evidências de como
trabalho uma atividade complexa e mul- o trabalhador encontra o equilíbrio entre
tifacetada. trabalho e vida pessoal.

Para dar conta dessa complexidade, há Dado a busca e a importância da feli-


de se pensar num conceito “guarda-chuva”, cidade no trabalho, as políticas e práticas
que abrigue constructos relacionados à de gestão de pessoas tornam-se essenciais
felicidade no trabalho, como: satisfação, (Rastogi, 2019). Como pontuam Ravina-Ri-
bem-estar, emoções positivas, sentimentos poll, Romero-Rodríguez e Ahumada-Tello
de prazer, significado e propósito. Há de (2022), os gestores das organizações pre-
se considerar a complexidade do trabalho cisam pensar no conceito mais amplo da
que está sendo realizado, o significado e felicidade no trabalho e implementar estra-
o propósito do trabalho para o trabalha- tégias de gestão de pessoas que contem-
dor (dimensão interna do indivíduo), assim plem, a um só tempo, comportamentos
como o ambiente de trabalho e contexto eudamônicos e hedônicos, demonstrando
social mais amplo (dimensão externa). Por- superação das práticas gerencialistas.
tanto, a felicidade no trabalho não se refere
apenas a fatores intrínsecos individuais Na cultura ocidental está institucionali-
(motivação, por exemplo), mas também zado que o trabalho é fonte de sofrimento
a fatores extrínsecos (ambiente organiza- físico e mental, como descreve Dejours
cional, relacionamentos sociais, outros) e (2004) ao discutir as patologias dele decor-

24 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


rentes. Por outro lado, as pessoas desejam Entretanto, o quadro teórico em uso
trabalhar e sentem-se angustiadas quando nas pesquisas sobre felicidade no trabalho
se encontram desempregadas. Ou seja, há não se mostra tão amplo. Por isso precisa
uma relação paradoxal entre felicidade e ser revisado de forma a considerar não
trabalho, como afirma Seligman (2019). apenas o espaço físico do trabalho e o tra-
balhador no sentido posto pela mainstream
Uma forma de avançar nas pesquisas da Administração, mas incluindo o cons-
sobre felicidade no trabalho é investigá-la, tructo bem-estar subjetivo e o seu sentido
como recomendam Mendoza-Ocasal, Cas- contextualizado. Por mais que as pesqui-
tillo-Jiménez, Navarro & Ramírez (2021), sas científicas sobre felicidade no trabalho
a partir da percepção dos trabalhadores, tenham crescido nos últimos anos, ainda
analisando a qualidade do local de traba- há lacunas. Desejamos que as questões,
lho, os relacionamentos com seus pares e os silêncios e as perspectivas analíticas do
o propósito do trabalho que realiza. Nessa tema sinalizadas nesse verbete sirvam de
lógica, os autores afirmam que não se pode inspiração para o desenvolvimento de es-
ignorar a necessidade de compreender os tudos que buscam superação de um pensa-
antecedentes1 do constructo felicidade, e as mento instrumentalizado pela mainstream
questões de contexto do lugar, como sina- da Administração.
lizam Santos, Araújo e Baumgarten (2016).

Havendo um maior entendimento dos Referências


antecedentes da felicidade no trabalho,
as decisões estratégicas da organização Aristóteles (2015). Ética a Nicômano. São
tendem a ser mais assertivas, melhoran- Paulo: Martin Claret.
do o ambiente de trabalho na medida em
que as políticas e práticas de gestão de Camalionte, L. G., & Boccalandro, M. P. R.
pessoas atraem, desenvolvem e retem os (2017). Felicidade e bem-estar na visão da
trabalhadores, de maneira mais humani- psicologia positiva. Boletim – Academia Pau-
zada (Mendoza-Ocasal et al., 2021). Nessa lista de Psicologia, 37(93), 206-227.
perspectiva residem os fundamentos para
construir as práticas de gestão de pessoas Carr, J., Kelley, B., Keaton, R., & Albrecht
no contexto brasileiro, tendo em vista que (2011). Getting to grips with stress in the
as percepções dos trabalhadores represen- workplace. Human Resource Management
tam o bem-estar subjetivo, como pontuam International Digest, 19(4), 32-38. http://dx.
Seligman e Csikszentmihaly (2000), as quais doi.org/10.1108/09670731111140748
não estão dissociadas da sociedade à qual
pertencem.

1 Antecedentes da felicidade no trabalho, de acordo com Sender, Carvalho e Guedes (2021), entende-se
como os fatores que se fazem presentes para que o trabalhador tenha felicidade no trabalho, sendo
eles individuais (questões particulares do próprio indivíduo, inclusive nas relações interpessoais) ,
características do trabalho e condições organizacionais.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 25


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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 27


Socialização Organizacional

Tereza Cristina Batista de Lima – UFC


Andrea Leite Rodrigues – USP

Os estudos sobre a Socialização Orga- Ao iniciar em um novo emprego, os


nizacional têm início na década de 1960, indivíduos têm um forte desejo de se sen-
em face do surgimento de demandas das tirem aceitos, estando mais propensos
organizações quanto à profissionalização a internalizar a maneira como as coisas
da gestão de pessoas, principalmente pela são feitas na organização. A socialização
busca de definições para otimizar o proces- é, portanto um dos mecanismos pelo qual
so de inserção dos funcionários em novos a cultura é transmitida e mantida (Bauer,
contextos (Schein, 1988). Morrison & Callister, 1998), estando asso-
ciada a resultados positivos, satisfação no
Socialização Organizacional é vista trabalho, comprometimento organizacio-
como o processo primário pelo qual os nal e retenção (Chow, 2002; Bauer et al,
trabalhadores adquirem o conhecimento, 2007; Saks et al, 2007).
as habilidades, as atitudes e os comporta-
mentos necessários para se adaptarem a Durante esse processo de socializa-
uma nova função de trabalho (Van Maanen ção, é provável que os funcionários expe-
& Schein, 1979). Um processo eficaz de rimentem incerteza, ansiedade e surpresa
socialização ajuda os novatos a se torna- (Louis, 1980) e devam encontrar maneiras
rem participativos e membros efetivos da de gerenciar essa experiência e se ajustar
organização (Bauer et al, 2007; Feldman, ao novo ambiente (Ellis et al., 2017; Kim
1976), abrangendo amplos processos de & Moon, 2021; Nifadkar et al., 2017; Van
aprendizado e ajustamento dos recém- Maanen & Schein, 1979).
-chegados (Wanberg, 2012), fazendo com
que se ajustem às regras específicas da Assim, a socialização pode ser estru-
organização e se tornem parte dela (Chao turada a partir da adoção de táticas que
et al., 1994; Chow, 2002; Ashforth, Sluss & se enquadram, de forma mais ampla, em
Harrison, 2007). duas categorias; institucionalizada ou in-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 29


dividualizada (Jones, 1986; Van Maanen o recém-chegado nesse processo. No mo-
& Schein, 1979). As táticas de socialização mento de integração à organização, as redes
institucionalizadas são mais sistemáticas de relacionamento com outros membros
e formalizadas (Jones, 1986), privilegiando podem ser fontes de informações relevan-
processos bem estruturados (Kim & Moon, tes, facilitando o ajuste do novo empregado
2021). Essas táticas individualizadas podem (Cooper-Thomas et al, 2020).
ser agrupadas em três fatores; contexto,
conteúdo e social (Van Maanen & Schein, Os estudos sobre o processo de sociali-
1979). As táticas de socialização individua- zação organizacional permitiram a classifi-
lizada, por sua vez, destacam que o recém- cação do tema em enfoques. Nesse sentido,
-chegado podem se ajustar ativamente à Borges e Albuquerque (2014) organizaram
organização, buscando informações (Bauer que os estudos sobre a socialização orga-
& Green, 1998; Morrison, 1993) e desenvol- nizacional podem ser classificados a partir
vendo relações de trabalho (Morrison, 2002; de quatro enfoques; i) o das táticas organi-
Traeger et al., 2022). zacionais; ii) o desenvolvimentista; iii) o dos
conteúdos e da informação; iv) das tendên-
Nesse sentido, um dos fatores funda- cias integradoras.
mentais para o sucesso no processo de So-
cialização Organizacional é o relacionamento O grupo de estudos que atua com en-
que o novato desenvolve com os demais foque nas táticas organizacionais destaca
membros da organização. Segundo Louis as ações adotadas pela organização para
(1980), os recém-chegados interpretam e facilitar o processo de socialização do indi-
aprendem por meio das interações no am- víduo (Borges & Albuquerque, 2014). Repre-
biente de trabalho. Essas interações influen- sentam este enfoque Van Maanen e Shein
ciam na socialização dos novos empregados, (1979), que compreendem que as táticas
mas também os veteranos aprendem com organizacionais devem ser consideradas
os novatos, em um processo de mútua in- caminhos que os indivíduos percorrem den-
fluência (Van Maanem & Schein, 1979). tro das organizações para reestruturar as
suas experiências na redefinição dos novos
Aprofundando os estudos da influência papéis a serem desempenhados. No entan-
dessas interações no ambiente de trabalho, to, as táticas organizacionais podem variar
outros estudos abordaram a necessidade dependendo de quem é o agente objeto da
de o recém-chegado estabelecer relações ação organizacional, ou mesmo por aquele
eficazes e satisfatórias com os colegas de que representa a organização (Van Maanen
trabalho para se tornarem socialmente in- & Shein, 1979).
tegrados na organização (Feldman, 1976;
Louis, 1980; Morrison, 1993, Nifadkar & O enfoque desenvolvimentista busca
Bauer, 2016). O processo de socialização or- evidenciar os processos cognitivos vivencia-
ganizacional requer, portanto, uma melhor dos pelos indivíduos na organização social,
compreensão acerca das interações sociais e em detrimento das ações organizacionais
relacionamentos que ajudam ou atrapalham (Borges & Albuquerque, 2014)

30 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Feldman (1976), representante de- grupais e do posto de trabalho, que podem
senvolvimentista, propôs um modelo de influenciar os fatores de socialização, os
socialização organizacional com base na quais são identificados pelas táticas orga-
identificação de três estágios, denominado nizacionais, os programas de orientação,
por Wanous (1992) como “modelo de três treinamento e tutoria, como fator organiza-
estágios de admissão”. Constituem estes cional, as táticas de socialização, suporte e
estágios a socialização antecipatória (Estágio aprendizagem social, decorrente dos fatores
1), acomodação (Estágio 2), e administração sociais, e as estratégias e comportamentos
do papel (Estágio 3). proativos, que decorrem dos fatores indi-
viduais (Saks & Ashforth, 1997).
No enfoque do conteúdo e da informa-
ção, os estudos estão voltados aos processos A pesquisa sobre a Socialização Orga-
cognitivos que integram o processo de socia- nizacional, ao trazer o foco o processo de
lização, de modo a evidenciar a proatividade ajuste, aculturação, produção de resulta-
dos indivíduos na sua própria socialização. dos efetivos e empregados motivados e
Nesse sentido, as relações atitudinais dos participativos (Allan, 2006; Carr et al, 2006;
indivíduos sofrem destaque neste enfoque, Feldman e Cooper-Thomas, 2005, Taormina
como por exemplo a construção dos relacio- 2004), não dá a ênfase necessária à investi-
namentos com outras pessoas que integram gação do caráter subjetivo da entrada em
a organização (Borges & Albuquerque, 2014). um novo trabalho, experimentada, muitas
vezes, como desorientadora, estressante e
Esse enfoque está fundamentado na acompanhada de um choque de realidade
Teoria da Redução da Incerteza, em que (Louis, 1980; Van Maanen & Schein, 1979).
as pessoas preocupadas em se integrar à Para a agenda futura de pesquisa, torna-
organização buscam de modo ativo o co- -se fundamental, portanto, desenvolver
nhecimento com o propósito de reduzir as estudos com abordagens qualitativas que
incertezas com a finalidade de se sentirem viabilizem metodologias que possam trazer
mais confortáveis (Ashforth; Sluss & Saks, perspectivas mais aprofundadas sobre a
2007). experiência subjetiva da Socialização Or-
ganizacional. Adicionalmente, uma lacuna
Por fim, as tendências integradoras bus- de pesquisa relevante se refere ao fato de
cam correlacionar todos os demais enfoques que poucos trabalhos se debruçaram so-
de modo a não excluir nenhum deles, mas bre as especificidades de alguns grupos,
sim complementá-los. Exemplo da tendência a exemplo de pessoas com deficiências e
integradora pode ser observado por meio do migrantes, que podem enfrentar desafios
Modelo do Processo Multinível da Socializa- especiais como limitações de comunicação,
ção Organizacional (Saks & Ashforth, 1997). ajuste às normas e questões culturais e
possíveis discriminação e exclusão social,
Nesse modelo, existe uma integração demandando estratégias de socialização
entre as variáveis contextuais, tais como diferenciadas.
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 33


Vínculos Organizacionais
e no Trabalho
Laila Leite Carneiro - UFBA
Daniela Campos Bahia Moscon - UFBA

Vínculo é aquilo que liga duas ou mais e seus objetivos e deseja manter-se nela
coisas. Tal ligação pode ser positiva ou ne- como membro (Mowday et al., 1982).
gativa, dependendo da natureza do elo que
sustenta o relacionamento entre as partes Na década de 1990, no entanto, Meyer
envolvidas. Na vida, diversos elementos e Allen (1991) propuseram que diferentes
podem suscitar a nossa vinculação, dentre processos psicológicos poderiam agir na
eles, o nosso trabalho em suas múltiplas construção do comprometimento orga-
representações e facetas, como: carreira, nizacional, sugerindo que, além da base
sindicato, equipe, supervisores e organi- afetiva (derivada da identificação com a
zação. organização, compartilhamento de valores
e envolvimento pessoal), tal vínculo também
Os vínculos começaram a ser estudados se sustentaria em uma base de continua-
no campo das organizações e do trabalho ção e/ou instrumental (representada pela
na década de 1970 a partir da necessidade avaliação de custos associados à saída da
de compreender como se dá a construção organização devido aos investimentos feitos
de um relacionamento desejável entre o e à percepção de falta de alternativas no
trabalhador e sua organização emprega- mercado de trabalho) e em uma base nor-
dora. Dentre os diversos vínculos que se mativa (fruto da internalização de normas
tornaram interesse de estudo, o compro- e da reciprocidade associada ao contrato
metimento organizacional destacou-se pelo psicológico estabelecido entre trabalhador e
seu potencial explicativo do comportamento organização). Essa natureza tridimensional
no trabalho (Moscon et al., 2012). Assim, o do comprometimento foi estendida para
termo passou a ser utilizado para denotar analisar sua manifestação também com
um estado de ligação afetiva no qual o in- outros focos como carreira e sindicato, por
divíduo se identifica com uma organização exemplo, tendo vigorado como a concep-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 35


ção predominante na literatura pelas duas tuado a partir de três dimensões: Arranjos
décadas seguintes. burocráticos impessoais (relacionados aos
custos associados à uma possível saída);
Recentemente, o acúmulo de uma série Ajustamentos à posição Social (referentes
de inconsistências conceituais e empíricas aos esforços e investimentos do indivíduo
identificadas nas pesquisas demonstraram no processo de adaptação à organização,
que o modelo tridimensional, na verdade, como tempo, conhecimentos adquiridos,
não descrevia apenas o vínculo do com- status alcançado e redes de relacionamen-
prometimento, mas sim três vínculos dis- tos formadas) e Limitação de Alternativas
tintos, que possuem relação entre si, mas (percepção em relação às oportunidades de
são independentes, sendo influenciados trabalho fora da organização) (Rodrigues et
por fatores diferentes e também gerando al., 2019; Bastos et al., 2013).
consequências distintas (Bastos et al., 2013).
Estes vínculos hoje são conhecidos como Todos esses vínculos podem ser estabe-
comprometimento, entrincheiramento e lecidos em relação a distintos focos, como
consentimento. já destacado anteriormente. No mundo
do trabalho contemporâneo, tais possibi-
Nesse movimento, o comprometimento lidades se multiplicam, já que o emprego
volta a ser compreendido como um vínculo estável e tradicional vem sendo substituído
de base unicamente afetiva que se carac- por arranjos alternativos de trabalho, nos
teriza a partir do compartilhamento de va- quais muitas vezes é difícil identificar qual
lores e do empenho ativo do trabalhador é a instância empregadora, o que enfraque-
em buscar o alcance dos objetivos do foco ce a relação indivíduo-organização. Nesse
de interesse – organização, carreira etc. cenário, o papel de privilégio de vinculação
(Bastos et al., 2011; Bastos et al., 2013). O antes exercido pelas organizações passa
consentimento deriva da base normativa, a ser ocupado por outros atores sociais
enfatizando o vínculo que se estabelece im- (colegas, grupos de trabalhadores, clientes,
pulsionado pela obediência e da aceitação carreira, dentre outros). Faz-se necessário,
íntima das regras previstas, levando o traba- portanto, rever tais conceitos à luz dessas
lhador a permanecer ligado àquele foco e a mudanças e buscar formas de compreender
se esforçar em prol dos objetivos por avaliar o fenômeno em toda a sua complexidade
que isto é o correto a se fazer (Silva, 2009; e contemporaneidade (Van Rossenberg et
Bastos et al., 2013). O entrincheiramento, al., 2018).
por fim, representa um vínculo instrumen-
tal, no qual o indivíduo permanece na orga- A teoria de sistemas pode contribuir
nização em que trabalha (ou na carreira que para esse entendimento. Nessa direção,
escolheu) porque considera aquele como Klein et al (2020) desenvolveram o conceito
um campo seguro, ao qual ele se prende de Sistemas de Comprometimento, que se
devido ao cálculo dos prejuízos inerentes à referem a um esforço na direção de com-
quebra do vínculo. Tomando como foco a preender como as diversas facetas com
organização, o entrincheiramento foi concei- as quais o trabalhador interage se inter-

36 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


relacionam e se influenciam mutuamente, Klein, H. J., Solinger, O. N., & Duflot, V. (2022).
podendo resultar em sinergias ou conflitos, Commitment System Theory: The Evolving
de maior ou de menor intensidade. Trata- Structure of Commitments to Multiple
-se de uma forma nova de compreensão Targets. Academy of Management Review,
de tais fenômenos, que pode ser estendi- 47(1), 116–138. https://doi.org/10.5465/
da também para a análise de Sistemas de amr.2018.0031
Entrincheiramento ou de Consentimento.
Meyer, J. P. & Allen, N. J. (1991). A three-com-
Essa e outras teorias representam um ponent conceptualization of organizational
avanço importante na literatura da área, commitment. Human Resource Management
levando o conceito a redefinições e reava- Review. 1, 61-89. https://doi.org/10.1016/
liações de suas medidas, cujas estratégias 1053-4822(91)90011-z
metodológicas ainda se encontram em fase
de desenvolvimento, mas com resultados Moscon, D. B., Bastos, A. V. B., & Souza, J. J. de.
que demonstram ser bastante promisso- (2012). É possível integrar, em um mesmo
res. Seus resultados poderão representar conceito, os vínculos afetivo e instrumental?:
possibilidades de compreensão dos víncu- o olhar de gestores sobre o comprometi-
los para além das abordagens tradicionais, mento com a organização. Organizações
concebidas para modelos de trabalho que já & Sociedade, 19(61), 357–373. https://doi.
passaram, e ainda passarão, por profundas org/10.1590/s1984-92302012000200010
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 37


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38 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Justiça Organizacional

Jesuína Maria Pereira-Ferreira - UFCA

O tema justiça organizacional foi cons- ao ambiente de trabalho, com ênfase nas
tituído a partir das teorias da equidade, do percepções de injustiça existentes nas re-
princípio da contribuição e do princípio da lações entre empregados e organizações
necessidade (Homans, 1961; Greenberg, (Assmar et al., 2005). Ressalta-se que a
2006). A partir dessas teorias, as ciências análise da justiça organizacional se dá
organizacionais assumem que a justiça é pelo exame da sua oposta negativa, a
construída socialmente e influencia as ati- injustiça, que tende a se fazer presen-
tudes e os comportamentos emitidos no te nas relações de troca organizacionais
ambiente de trabalho (Folger & Konovsky, com maior ou menor inequidade (Adams,
1989; Skarlicky & Folger, 1997). Apesar da 1965; Gomide Jr., 1999; Ferreira & Assmar,
consolidação da teoria, este é um tema 2008).
considerado ainda pouco explorado na
literatura acadêmica e espera-se que
esse verbete prolifere o conhecimento Tipos de justiça organizacional
e as pesquisas teórico-empíricas sobre
o assunto. Por estar presente de forma constante
nas ações dos indivíduos no trabalho, a
justiça organizacional pode ser avaliada
Justiça Organizacional através de três dimensões: distributiva,
- Conceitos processual e informacional.

A justiça é um fenômeno fulcral, com- Justiça Distributiva: baseia-se na ava-


plexo e multifacetado (Mikula, 1980) que liação do quanto é justa uma distribuição
compreende vários domínios da vida e definida de recursos e recompensas para
influencia atuações individuais e coletivas as pessoas (Adams, 1965). Ela pode fazer
(Cropanzano & Folger, 1989). Justiça orga- com que os trabalhadores com retribuição
nizacional é o exame da justiça aplicada igual à proporção dos seus investimen-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 39


tos apresente um melhor rendimento no ampliam, o grau de aceitação das decisões
trabalho (Meireles, 2006). se expande e várias reações positivas no
ambiente de trabalho tendem a surgir. Com
Justiça processual/de procedimen- relação à justiça informacional, ela se relacio-
tos: é o estudo que enfatiza a compreen- na ao repasse de informações e explicações
são de como são os procedimentos que imprescindíveis às pessoas atingidas por
conduzem a uma determinada repartição essas decisões (Rego & Souto, 2004). Sua
de recompensas. Aborda o entendimento importância se deu em razão da relevân-
sobre os procedimentos e a forma como as cia conferida pelas pessoas às explicações
recompensas são distribuídas. Pesquisas adequadas, justas e coerentes dadas pelos
explicaram que, no momento em que os superiores a respeito das decisões tomadas
procedimentos são compreendidos como por eles, sobretudo, nas situações em que
justos, os indivíduos demonstram estar os resultados são questionáveis (Cropan-
menos preocupados com os resultados zano & Greenberg, 1997).
injustos, indicando que eles passam a con-
siderar justo inclusive aquilo que é injusto,
devido a sua participação nos procedimen- Formas de avaliação e escalas
tos (Leventhal, 1980; Cropanzano & Folger, validadas no Brasil
1989; Barling & Phillips, 1993).
Para avaliação da justiça organizacio-
Justiça interacional: foi a última di- nal, utiliza-se o modelo treta-dimensional;
mensão da justiça a ser estudada, consoli- (distributiva (alfa de Cronbach: 0,90), pro-
dando-se na década de 1980. Refere-se ao cedimental (alfa de Cronbach: 0,71), inter-
tipo de justiça que explica a qualidade da pessoal (alfa de Cronbach: 0,92) e informa-
relação entre o subordinado e seu superior. cional (alfa de Cronbach: 0,88)), composto
Sendo assim, é relativa à qualidade do rela- por 14 descritores e de escala Likert de 6
cionamento interpessoal nas organizações pontos (1- discordo completamente; 6 -
e à forma como os superiores esclarecem concordo completamente), validada por
as decisões tomadas para sua equipe, ou Rego (2002) e Rego et al. (2002). A validação
seja, se eles demonstram agir com dignida- deste instrumento apresentou relevância
de e respeito para com seus subordinados nos resultados psicométricos e nos índices
(Bies & Moag, 1986; Rego, 2002; Rego et al., de confiabilidade.
2002). A justiça interacional é composta
por duas instâncias, a saber: justiças social/
interpessoal e informacional. Na perspectiva Consequências e efeitos da
da justiça social/interpessoal, é analisado (in)justiça organizacional
o nível em que o superior desempenha
um tratamento digno e respeitador para Considerando que as relações de troca
com seu subordinado (Rego & Souto, 2004). no ambiente de trabalho são constantes e
Quando há a presença de tratamento com muitas vezes conflituosas, parece razoável
referido teor, as percepções de justiça se interpretar esse ambiente como fonte ge-

40 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


radora de injustiças persistentes, desen- tivas e especificação no código de ética da
cadeando um efeito nocivo nas atitudes e organização sobre os tipos de justiças ado-
comportamentos dos trabalhadores. Sa- tadas e como elas se efetivam na prática;
be-se ainda que os indivíduos não reagem inserção do tema justiça organizacional nos
apenas à justiça que sentem caber-lhes, programas de desenvolvimento de ges-
mas também são sensíveis à justiça que tores; workshop e palestras informativas
cabe aos outros. A injustiça nas organiza- para trabalhadores de todos os níveis. Para
ções pode ter sérias consequências para além do que é dito nas políticas organiza-
saúde do trabalhador em geral: insatisfa- cionais, é somente no campo da prática
ção, má execução das tarefas, desconfiança organizacional que os discursos podem se
na gestão e nos processos organizacionais efetivar através de ações que aumentem
(p. ex: avaliação de desempenho, remune- as percepções de justiça e proporcionem
ração), desprazer, sofrimento, síndrome um ambiente de trabalho salubre.
de burnout, tensão, estresse ocupacional,
baixo nível de comprometimento afetivo
e de produtividade, boicotes e atitudes e Referências
comportamentos de retaliação (Rego, 2001,
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A intervenção organizacional é atraves- crítica da literatura. Psicologia: Reflexão e
sada pela análise e diagnóstico da justiça Crítica, 18 (3), 443-453.
em seus níveis micro, meso e macro. Ob-
viamente que o uso de escalas validadas Barling, J., & Phillips, M. (1993). Interac-
e outros tipos de averiguação asseguram tional, formal, and distributive justice in
essa análise e auxiliam na forma como as the workplace: An exploratory study. The
ações serão desenvolvidas. Sendo assim, a Journal of Psychology, (127), 649-656.
ênfase é na prática organizacional que, por
sua vez, necessita de políticas que minimi- Bies, R. J., & Moag, J. S. (1986). Interactional
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Nesse sentido, alguns caminhos podem man, M. H. (Eds.). Research on negotiation
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 43


Competências: níveis de
análise e conceitos
Kely César Martins de Paiva - UFMG
Lana Montezano – IDP e FGV-DF

O conceito de competências tem se al- nos três níveis é fundamental para avançar
terado e aprimorado ao longo do tempo e nas pesquisas sobre a temática.
pode referir-se a diversos níveis de análise
no campo do trabalho, a depender do foco No nível organizacional, o conceito de
de interesse. Além disso, possui conexões competências tem origem na visão basea-
com diferentes áreas de gestão, como estra- da em recursos, tendo como precursor a
tégia e pessoas. Isto posto, entende-se seu publicação de Prahalad e Hamel (1990)
conceito como multinível, ou seja, a com- sobre competências essenciais (core com-
petência pode ser tratada e se manifestar petence), descrevendo-as como os atribu-
nos níveis organizacional (macro), coletivo tos da organização para obter vantagem
(meso) e individual (micro). Em todos estes competitiva com uso de recursos humanos
níveis, as possibilidades e dimensões de e tecnológicos, promovendo a geração dos
análise podem ser variadas, como indica a produtos e serviços. Após revisão da lite-
literatura do tema, a qual também chama ratura sobre esse nível conceitual, Munk
atenção para sua interdependência e di- e Galleli (2015) propuseram sua definição
namismo (Kuzma, Doliveira, & Silva, 2017; como a mobilização dos diferentes tipos de
Loufrani-Fedida & Aldebert, 2021; Monteza- recursos organizacionais para o alcance dos
no & Isidro-Filho, 2020). O estudo de Merrit objetivos finais. Em síntese, a competência
e Kelley (2018), exemplifica essa interde- organizacional se refere a um conjunto di-
pendência e influência das competências nâmico e coordenado de recursos variados,
organizacionais e individuais na colaboração inclusive humanos, mobilizáveis em termos
efetiva de equipes, ou seja, no âmbito cole- de desempenhos que propiciem o alcance
tivo. A compreensão da diferença conceitual ou a superação de objetivos. Devido à sua
amplitude e sua profundidade, estudos que

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 45


focalizam as competências organizacionais legal e/ou institucional se constitui um ele-
têm sido menos comuns (Kuzma, Doliveira, mento prescritivo que explicita os valores
& Silva, 2017; Montezano et al., 2021). a serem comungados pelos praticantes,
bem como norteia o comportamento do
Aprofundando nesse foco, as compe- profissional no seu cotidiano de trabalho,
tências no nível organizacional podem ser explicitando direitos e deveres.
classificadas como básicas ou essenciais,
sendo as primeiras vinculadas às capa- No campo da saúde, por exemplo,
cidades necessárias ao efetivo funciona- Montezano, Silva e Isidro-Filho (2020) pro-
mento da organização; já as segundas, as puseram um modelo de competências in-
essenciais, referem-se à mobilização dos terprofissionais, remetendo a análise para
recursos para entrega dos produtos e ser- a atuação conjunta dos profissionais para
viços finalísticos ao cumprimento da mis- externalização, reconhecimento e possível
são institucional. Essas especificidades são valorização da competência. Nesse estudo,
primordiais para se compreender os dois os autores consideram situações específi-
outros níveis, como apontam Montezano cas nas quais os profissionais atuam con-
et al. (2021), bem como identificar degraus juntamente, como é o caso de cirurgias
e oportunidades de melhorias das capaci- ou de atendimentos de emergências e ur-
dades da organização a partir da mobili- gência, nas quais as diferentes categorias
zação de recursos tecnológicos, materiais que compõem a equipe multiprofissional
e processuais. Como resultados possíveis, interagem ao mesmo tempo para a presta-
apontam-se impactos positivos na estrutura ção do serviço de saúde. Essa cooperação
e no modelo de gestão, assim como nas foi observada em outros estudos (Paiva
competências coletivas e nas individuais, & Mageste, 2018), porém não em termos
sem perder o foco das contribuições no dessa perspectiva da coletividade, para
desenvolvimento desse nível macro. além da soma das partes, ou melhor, das
competências individuais. A partir dessas
Já no nível coletivo ou grupal (meso), a reflexões sobre campos de pesquisas,
compreensão das competências perpassa percebe-se que, no nível meso, o termo
grupos com atividades e/ou responsabilida- competências coletivas vem sendo cres-
des semelhantes dentro das mais diversas centemente elaborado e definido como o
organizações, podendo ser analisada nas agir conjunto dos trabalhadores para obter
instâncias coletivas, de modo geral, abar- melhores resultados organizacionais, por
cando grupos de trabalhadores de certas meio da interrelação das atividades labo-
profissões, como médicos e enfermeiros rais de especialistas, a partir de aspectos
(Paiva & Mageste, 2018), professores (Bar- sociais e técnicos, bem como contemplando
bosa, Mendonça, & Cassundé, 2016), ser- elementos constitutivos como sensemaking
vidores públicos (Montezano et al., 2022) e (contexto, papéis e comunicação), entendi-
outros que possuem códigos profissionais mento compartilhado, ação e abrangência
mais institucionalizados e/ou previstos em (Silva & Ghedine, 2023).
leis específicas. Nesses casos, o aparato

46 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Já no nível de análise micro, das com- estado da arte do estudo das competências
petências individuais, Bitencourt e Barbo- encontra-se no Brasil, atualmente.
sa (2004, p. 244-247) apresentaram uma
primeira síntese de definições do termo, Diante disso, há que se discernir entre
ressaltando as diversas ênfases dadas por competências e qualificações. Estas dizem
variados autores, focalizando o conceito a respeito a aprendizagens estáticas, conhe-
partir de nortes variados, como, por exem- cimentos permanentes que podem ser
plo: formação, valores, comportamentos, aplicados no cotidiano laboral de qualquer
resultados produtivos; mobilização de sa- trabalhador; as competências, por sua vez,
beres; estratégias individuais e de gestão; são contextuais passíveis de mudanças, a
aprendizagem individual e autodesenvol- depender do modo como os conhecimen-
vimento; dentre outros. Considerando tais tos e saberes são colocados em prática,
focos, alguns pontos merecem destaque, a em determinados contextos e, daí, com
saber: “a necessidade prévia de sustentá- resultados que podem diferir ao longo do
culos para a ação considerada competen- tempo e em espaços diversos (Paiva, 2019).
te, a saber – conhecimentos, habilidades e A este respeito, o modelo conceitual propos-
atitudes; a formação e o desenvolvimento to por Montezano, Silva e Isidro-Filho (2020)
permanente desses pilares; as exigências contempla competências demonstradas e
particulares de cada contexto de trabalho, apreendidas nos comportamentos efetivos,
que implicam em mobilização diferenciada reforçando sua vinculação ao contexto em
de tais sustentáculos; o foco em resultados que elas se apresentam e aos resultados
reconhecidos e valorizados para as pes- por elas proporcionados.
soas e para as organizações” (Paiva, 2019,
p. 56-57). Nesta perspectiva, depreendem-se
inúmeras dificuldades no que tange seu
Para se compreender as origens e os gerenciamento, já que a sua formação e
interesses acadêmicos e empresariais sobre seu desenvolvimento estão ligados à rea-
a temática em tela, pode-se também acessar lidade objetiva do trabalhador, bem como
sínteses recentes, como: (i) Salman, Ganie à aspectos subjetivos, os quais vão tornar
e Saleem (2020), que discutem a clareza cada experiência ímpar e de difícil repro-
conceitual do termo, o uso em diferentes dução (Paiva & Melo, 2008; Paiva, 2019).
contextos e sua importância estratégica Estas questões poderão ser mais bem com-
para gestão de pessoas sob tal égide; (ii) preendidas à luz do verbete “Gestão de/por
Bravo et al. (2022), que lançam luzes so- competências” (p. 53).
bre a sucessão e integração de vertentes
de estudos internacionais – centralmente De todo modo, complementando o ní-
franceses, mais voltados para o processo vel individual, as competências podem ser
de formação e desenvolvimento de com- compreendidas de modo amplo e aplicável
petências, e estadunidenses, que priorizam a todo tipo de labor, como uma “mobiliza-
os resultados apresentados –, bem como ção de forma particular pelo trabalhador
de autores brasileiros, revelando como o na sua ação laboral de conjuntos de sabe-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 47


res de naturezas diferenciadas (formados Ainda no nível individual, é possível refle-
por componentes cognitivos, funcionais, tir sobre outros vieses de competências. Um
comportamentais, éticos e políticos) que deles diz respeito às competências trans-
gerou resultados reconhecidos individual versais que, segundo Swiatkiewicz (2014, p.
(pessoal), coletiva (profissional), econômica 678), referem-se a aspectos múltiplos, não
(organização) e socialmente (comunitário)” acadêmicas e não relacionadas com as de
(Paiva, 2019, p. 57-58). Esse conceito traz ordem técnica, mas voltadas para aspectos
à baila as variadas nuanças de comporta- relacionais, como comunicação, cooperação
mento efetivo que um trabalhador pode e resolução de problemas e conflitos. O
apresentar, a partir de componentes que autor também propôs conceitos específicos
o formam e conformam, de modo único para competências técnicas (peculiares de
e particular, o próprio sujeito. Além disso, um determinado trabalho) e morais/éticas.
competência reflete a entrega, o que foi No entanto, destaca-se que esses conceitos
percebido por ele mesmo e por terceiros que mais particulares de competências no nível
podem reconhecer e valorizar – ou não – tais individual parecem focalizar uma capaci-
resultados. Se entregou, pode ser conside- dade ou um aspecto exclusivo de entrega
rado competente; caso contrário, há que se que, de todo modo, depende de outros
refletir sobre suas ações e repensar outras saberes para sua mobilização, o que reforça
formas de ações para se colocar como tal, a utilização de um conceito mais robusto,
bem como se diferenciar no mercado de que integra meios e fins, como é o caso
trabalho e, mesmo, na sociedade. do apresentado por Paiva (2019). Não se
pode negar, no entanto, que as dificuldades
Outro aspecto das competências que de gestão se multiplicam quando se toma
vêm sendo alvo de estudo (e gerenciamento) por base um conceito mais amplo como o
refere-se às competências empreendedoras, mencionado, mas que, por outro lado, provê
cujo conceito tem-se voltado mais para capa- os gestores de visões mais realísticas das
cidades do trabalhador do que efetivamente complexidades que enfrentam no seu dia
suas entregas, ou seja: “característica com- a dia de trabalho.
plexa, abrangendo traços de personalidade,
habilidades e conhecimentos e, portanto, Por outro lado, o pertencimento a cer-
podem ser vistas como a capacidade total tos níveis hierárquicos dentro de uma or-
do empreendedor para desempenhar com ganização pode também ser definidor de
sucesso uma função de trabalho” (Cury & competências específicas, como é o caso de
Veiga, 2021). Outra possibilidade refere-se indivíduos que ocupam cargos de gestão
à competência informacional, que diz do ou assumem papéis de liderança nas equi-
mapeamento e estruturação de informa- pes. Usualmente, esses trabalhadores são
ções que possam subsidiar o sujeito, em sua responsáveis pelos trabalhos de outrem e
rotina diária de trabalho, de alternativas e suas competências mais marcantes derivam
opções de decisões e ações que focalizem a de conseguir obter resultados a partir dos
resolução de problemas e objetos de gestão resultados individuais dos membros das
(Caldeir et al., 2022). equipes sob sua maestria. Ser gestor, neste

48 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


sentido, diz de reunir e apresentar entregas que os profissionais podem apresentar e
variadas a um só tempo, de modo integrado enfrentar no seu cotidiano de trabalho,
por meio da equipe que gerencia. Assim, quer individual, quer coletiva e/ou, ain-
pode-se compreender competência geren- da, organizacionalmente. Os desafios e as
cial como um “somatório do conhecimento perspectivas de compreensão e de gestão
técnico e da capacidade comportamental se multiplicam na mesma medida que as
adequados às exigências da função geren- pesquisas e os pesquisadores se debruçam
cial” que se refletem nos mais distintos (e, sobre tal tema nas mais variadas realidades
às vezes, contraditórios) papéis a serem de- de trabalho.
sempenhados pelos gestores no cotidiano
organizacional, pendendo suas atividades Em síntese, visando contribuir com os
entre estabilidade e flexibilidade, focalizan- profissionais e pesquisadores da área de
do ora o ambiente interno, ora o externo ao gestão de pessoas, propõe-se as seguintes
seu escopo de atuação (Paiva, 2019, p. 62). definições de competências nos três níveis
Essas complexidades da função gerencial de análise abordados, quais sejam:
têm sido alvo de estudos, destacando-se
artigos como o de Salomão et al. (2021), ▪ Competência organizacional: refere-
realizado em uma empresa de biomate- -se à mobilização de diferentes recur-
riais, o de Valadão-Junior et al. (2017), com sos de capital físico, tecnológico, hu-
gestores públicos, e o de Freitas e Odelius mano e organizacional que promove
(2022), com a proposição de uma escala de a geração produtos e serviços que
mensuração de competências gerenciais visam o alcance dos objetivos estraté-
para o setor público. gicos, tanto vinculados às demandas
de suporte como ao cumprimento
Outro aspecto que influencia no estudo da missão institucional.
das competências é o contexto organizacio-
nal, ocupacional ou finalístico em que elas ▪ Competência coletiva: refere-se à in-
são externalizadas, variando, por exemplo e teração sinérgica entre as pessoas
respectivamente: na esfera pública, quando para agir conjuntamente em situa-
comparada à iniciativa privada e mesmo ao ções no contexto de trabalho visando
terceiro setor; em cargos específicos, como o alcance de um resultado superior,
docentes, discentes, estagiários, peritos; por meio do exercício de um papel
e no desenvolvimento de determinados específico e contributivo ao todo.
tipos de atividades, como competências
digitais, para inovação, socioemocionais, ▪ Competência individual: refere-se a
dentre outras. comportamentos específicos dos su-
jeitos em um determinado contexto
Há que se ressaltar que os estudos so- de trabalho que gera resultados bem-
bre competências vêm crescendo no país -sucedidos (desempenho superior), a
e ainda demandam muitos esforços para partir da mobilização de diferentes e
compreensão das diversas especificidades peculiares componentes cognitivos,

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 49


funcionais, comportamentais, éticos Cury, J. M., & Veiga, H. M. S. (2021). Compe-
e políticos. tências Empreendedoras nos Contextos de
Ensino-Aprendizagem: revisão sistemática
A partir desses conceitos, espera-se que da literatura (2009-2020). Gestão & Conexões,
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vestigativos (teórico-conceituais) quanto
intervencionistas (pragmático-organizacio- Freitas, P. F. P., & Odelius, C. C. (2022). Escala
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 51


Gestão de/por Competências

Lana Montezano – IDP e FGV-DF


Kely César Martins de Paiva - UFMG

Em termos mais abrangentes quanto ao quanto dos indivíduos (por exemplo: clareza
contexto de aplicação de modelo de gestão do que é esperado no trabalho, aumento
por competências, foi publicada a Norma de desempenho, aumento de envolvimento,
Brasileira ISO nº 10.015, em 2020 (ABNT, possibilidade de progressão na carreira),
2020), a qual estabelece diretrizes para e até mesmo de benefícios para a socie-
implantação, manutenção e melhorias da dade ao viabilizar melhorias na prestação
gestão por competências em organizações, dos serviços públicos e no desenvolvimen-
visando contribuir para o alcance e supe- to econômico e social. Por outro lado, os
ração de resultados. O contexto público já autores identificaram também algumas
considerava relevante este tipo de modelo dificuldades que as organizações têm ao
de gestão há mais tempo, impulsionado realizar iniciativas de implantação da gestão
sua adoção nas organizações públicas fe- por competências, tais como: barreiras de
derais a partir do Decreto no 5.707 (Brasil, comportamento organizacional (resistência
2006), que instituiu a implementação de de pessoal, cultura organizacional), dificul-
políticas e diretrizes no sentido da gestão dades dos gestores e da equipe de implan-
por competências no setor público, tendo tação (desconhecimento específico sobre a
sido revogado pelo Decreto no 9.991 (Brasil, temática, tempo demandado da equipe),
2019), por sua vez alterado pelo Decreto no dificuldades metodológicas e conceituais,
10.506 (Brasil, 2020). falta de suporte organizacional (falta de
apoio da alta administração, falta de pes-
Nesse sentido, Montezano et al. (2019) soal, contingenciamento orçamentário, falta
identificaram vários benefícios proporcio- de suporte tecnológico).
nados e associados a avanços nas práticas
de gestão de pessoas que abarcam o de- Dada a relevância da temática para as
sempenho tanto da organização (por exem- organizações, é preciso compreender o
plo: melhoria de processos, produtividade) aspecto conceitual da gestão por compe-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 53


tências. O primeiro ponto a ser destacado dores no que diz respeito às suas
trata de uma demarcação conceitual en- perspectivas e possibilidades de mo-
tre os termos gestão DE competências e a bilidade horizontal e / ou transversal;
gestão POR competências que é utilizada
na literatura, mas são termos distintos. A ▪ desenvolvimento de competências
gestão de competências, aqui entendida individuais, diretamente relacionado
com a gestão das competências individuais com mudanças nas políticas organi-
identificadas como presentes nos trabalha- zacionais de formação de pessoal;
dores da organização, ou seja, o foco limita
ao que existe na organização e não permite ▪ reconhecimento das competências
a aplicação tem todos os susbsistemas de do trabalhador, desconsiderando-se
gestão de pessoas. Já a gestão por compe- suas origens e formas, e incentivando
tências, compreendida como a gestão do suas próprias ações a esse respeito;
que se identificou como presente somada
às competências desejadas e desejáveis ▪ estabelecimento de políticas avalia-
para delineamento de ações individuais tivas e remuneratórias por compe-
rumo aos objetivos organizacionais estraté- tências.
gicos propostos, e parta tanto é necessário
que as práticas de gestão de pessoas dos Tais eixos concretizam-se como verda-
diferentes susbsistemas (recrutamento e deiras dificuldades operacionais para as
seleção, treinamento, desempenho, recom- organizações que desenham seus cargos e
pensas, carreiras) sejam feitas com base suas carreiras a partir das suas descrições
em competências para alinhar os níveis e análises usuais, que se fundamentam em
individual, de equipe e organizacional ao critérios consolidados e estáticos em termos
alcance da estratégia e cumprimento da de níveis de exigências em termos de es-
missão institucional. Assim, a concepção de colaridades, responsabilidades, demandas
gestão por competências parece mais am- cognitivas, demandas físicas, demandas
pla, já que abarca o que se tem em termos relacionais etc. Estas podem ser acessadas
de repertório de competências individuais em manuais de gestão de pessoas, como o
e o que se necessita ter para que os resul- de Paiva (2019). Conforme já assinalado por
tados, individuais, de equipe (coletivas) e Paiva e Melo (2008), esse tipo de desenho
organizacionais, sejam atingidos. não focaliza o sujeito trabalhador em suas
potencialidades e, portanto, limitam sua
Nesse sentido, a proposição de Ramos forma de gerenciamento às suas qualifica-
(2001) parece precursora, já que define a ções. De fato, gerir competências implica
gestão por competências como aquela orga- em abraçar o intangível, a personalidade
nizada a partir de certos eixos, quais sejam: e a motivação dos sujeitos que compõem
a organização, nos mais diferentes setores
▪ Planejamento, captação e alocação e níveis hierárquicos (Paiva & Melo, 2008).
de pessoas por competências, a par-
tir da individualização dos trabalha-

54 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Essa percepção traz uma série de impac- Considerando-se o exposto, não apenas
tos em termos de estratégias organizacio- os indivíduos contribuem no processo de
nais e mesmo de projetos de organizações sua gestão de competências, mas também o
que deem conta de conciliar as particulari- Estado, as instituições de ensino, as institui-
dades que as competências, compreendidas ções de representação coletiva e as próprias
em seus multiníveis, abarcam. Além disso, organizações onde os sujeitos trabalham.
há que se perceber que a formação e o Estas últimas têm papel definidor no pro-
desenvolvimento de competências se dão cesso de gestão, tanto promovendo ações
em diversas esferas e a partir da contribui- focadas nos trabalhadores, quanto proven-
ção de vários atores sociais (Paiva & Melo, do políticas que ensejem que ele o faça,
2008). O mais óbvio é o próprio indivíduo individualmente, como pode-se observar a
que, de acordo com suas percepções sobre partir de pesquisas recentes realizadas no
seu comportamento, seu desempenho, suas Brasil (Cassundé, Barbosa, & Souza; 2017;
entregas e suas potencialidades, organi- Valadão-Júnior et al., 2017; Paiva & Mageste,
za-se em termos de carreira para avançar. 2018; Branco & Helal, 2020; Montezano &
Mas este movimento não ocorre descolado Petry, 2020; Salomão et al., 2021).
de uma realidade, de um ambiente e de
um contexto de trabalho. Outros atores Além desse modelo que trata da ges-
se interpõem nesse caminhar, como, por tão de e por competências e que pode ser
exemplo, a própria organização que, por utilizado propostas de pesquisas e inter-
meio de suas políticas e práticas de gestão e venções numa perspectiva multinível (vide
das socializações diárias contribuem nessa verbete Competências, página 45), Bran-
gestão. As instituições de ensino – tecnoló- dão e Bahry (2005) apresentaram propos-
gicas, profissionais ou superiores – também ta anterior pautada em etapas vinculadas
contribuem na formação de pessoal es- às práticas de gestão de pessoas com uso
pecializado, fundamentalmente centradas das competências ao alcance da estratégia
em conteúdos técnicos que ratificam as organizacional, o qual também apresenta
ocupações e profissões dos trabalhadores aderência à perspectiva conceitual dos cons-
que pretendem formar. Tais ocupações e trutos em tela. As etapas delineadas pelos
profissões refletem conjuntos de atividades autores foram: formulação da estratégia,
que podem atingir certos graus de forma- diagnóstico de competências, captação de
lização, inclusive no que tange a deveres e competência, desenvolvimento de compe-
direitos particulares de certas profissões. tências, acompanhamento e avaliação das
Por fim, existem instituições de interesses competências, e retribuição por compe-
coletivos (como sindicatos, conselhos, as- tências contemplando reconhecimentos,
sociações etc.) que somam esforços dessa premiações e remunerações vinculadas ao
natureza no sentido de regularem a atuação desempenho por competências.
dos profissionais que representam (Paiva
& Melo, 2008). Este modelo serviu de ponto de partida
para outras proposições, destacando-se
aqui o de Montezano (2019). A partir de

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 55


um reexame da literatura, a autora propôs carreira e desenvolvimento individual, a
mais passos para a gestão por competên- depender das possíveis trajetórias profis-
cias, incluindo uma etapa de governança sionais visadas; (ii) estabelecer estratégias
de gestão de pessoas por competências, vi- de superação das lacunas de competências,
sando justamente estabelecer diretrizes de a partir de uma priorização de sobre quais
“boas práticas” e acompanhamento e aper- delas a organização poderá agir primeiro,
feiçoamento do modelo em si, conforme considerando sua disponibilidade de re-
contexto abordado. A etapa de governança cursos financeiros. Dentre as estratégias,
do modelo consiste em definir as políticas percebem-se três possibilidades de ações
e práticas para os subsistemas de gestão subsequentes, a saber: (a) oferta de suporte
de pessoas com base nas competências organizacional, para os casos em que os
organizacionais, de equipe e individuais, e fatores organizacionais estejam compro-
avaliar a efetividade do modelo com base metendo as condições para demonstração
nos resultados proporcionados pela sua da competência; (b) provimento de com-
adoção. Note-se que as demais etapas se- petências, ou seja, disponibilizar pessoa
guem uma sequência lógica que se inicia com o perfil compatível – por contratação
com a análise do contexto tanto interno externa ou movimentação interna; (c) de-
quanto externo para compreender as ne- senvolvimento de competências, por meio
cessidades da organização em relação ao da oferta de ações de aprendizagem que
ambiente em que está inserida. focalizem a formação e/ou desenvolvimento
das competências necessárias ao padrão de
A partir desta análise, é possível realizar desempenho vislumbrado para o trabalho.
o diagnóstico e o prognóstico das compe- Após essas etapas, Montezano (2019) reco-
tências que são e serão necessárias, no mo- menda que seja realizado o acompanha-
mento atual e para o futuro, explicitando-as mento do desempenho por competências
nos diferentes níveis de análise (vide verbete e que sejam implementadas políticas de
Competências). Esta etapa pauta-se tanto na reconhecimento e valorização pela demons-
definição de competências individuais, cole- tração da competência, inclusive com uso
tivos e/ou organizacionais, como na identifi- de certificações, a depender do contexto
cação de fatores que possam influenciar na laboral, sendo este – ainda – mais comum
expressão das competências e na avaliação na esfera pública, no Brasil.
da real disponibilidade e possibilidade de
desenvolvimento tanto das competências Esses resultados que pesquisas acadê-
quanto dos fatores, visando mapeamento micas trazem à tona implicam na necessi-
das lacunas existentes. dade de aprofundamento em estudos que
tratem da gestão de ou por competências,
A partir desta etapa, é possível percorrer tendo em vista as peculiaridades de cada
dois caminhos, quais sejam: (i) desenvolver experiência produtiva, cada organização e
trilhas de aprendizagem para que o próprio cada trabalhador, respeitando-se as indivi-
sujeito-trabalhador tenha autonomia para dualidades presentes em cada nível de aná-
escolher o caminho a seguir em termos de lise e buscando-se compreender as razões

56 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


subjacentes de cada vivência para promover e o Judiciário: Um Estudo de Caso no Sertão
a aprendizagem contínua e o desenvolvi- Pernambucano e Baiano. Perspectivas em
mento das pessoas e das organizações. Gestão & Conhecimento, 7(2), 4-22.
Nesse sentido, os desafios e as perspectivas
de gestão tendem a se potencializarem na Cohen, A., & Soulier, A. (2004). Manager par
mesma medida em que o conhecimento a les Compétences: une démarche opération-
respeito avança, já que as particularidades nelle de valorisation du captial humain. Paris:
de cada experiência passam a ser considera- Éditions Liaisons.
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58 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Demissão
Marcia Cristiane Vaclavik - IFRS
Laura Alves Scherer - UNIPAMPA

A demissão é tema complexo e contro- 2017). Ainda que se reconheça que a demis-
verso. Apesar do significativo impacto para são faz parte do dia a dia organizacional,
indivíduos, organizações e sociedade em o impacto do processo pode ser sentido
geral, a demissão ainda é, muitas vezes, em níveis micro, meso e macro contextual.
negligenciada nos espaços de discussão Nesse sentido, a Organização Internacio-
da vida prática, onde é vista como tabu. No nal do Trabalho (OIT) traça, desde os anos
meio acadêmico, ocupa pouco espaço na 1980, diretrizes para que o processo de
literatura da área de Gestão de Pessoas, em desligamento ocorra a partir de necessida-
especial nos livros didáticos, e não recebe a des concretas e que o princípio basilar seja
mesma importância dos demais processos, o da manutenção do vínculo (ILO, 2019).
como recrutamento, desenvolvimento ou
remuneração. Entretanto, frente ao atual Uma vez que a demissão envolve os
cenário de maior flexibilidade e instabili- contratos formais de emprego, é a legisla-
dade nas relações de emprego e de cons- ção de cada país que, em última instância,
tantes reestruturações provocadas pela ampara o processo de desligamento. O Bra-
inovação, mudanças tecnológicas e modelos sil é conhecido como um país em que há
de gestão, é premente a necessidade de liberdade para demitir (Zylberstajn, 2007)
ampliar a compreensão sobre os reflexos e a decisão de rescisão do contrato pode
desses movimentos nas relações laborais, partir tanto do empregado como do em-
dentre os quais se destacam os processos pregador. É comum a utilização de termos
demissionais. como corte, enxugamento, desligamentos,
layoff ou downsizing, cujo sentido semân-
Este verbete visa, assim, contribuir a tico pode variar dependendo do tipo de
partir da exploração de distintas possibili- demissão a que se refere. Em especial, o
dades analíticas. Como conceito, demissão termo downsizing, apesar de comumente
é o termo utilizado para referir ao término ser utilizado como sinônimo de demissão,
do contrato de trabalho firmado entre em- deve ser utilizado com cautela, uma vez que
pregado e empregador (Matitz & Chaerki, não se refere apenas ao desligamento em

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 59


si, mas a um conjunto amplo de medidas um processo de corte de pessoal, como o
intencionais e proativas (McKinley, Zhao & downsizing (Caldas, 2002). Indubitavelmente,
Rust, 2000) que compreendem atividades o trabalhador demitido é o que mais sofre
de reeestruturação organizacional para (Lefebvre, 2023) com emoções negativas,
melhorar a eficiência e a competitividade como sentimentos de raiva, vergonha, in-
(Cohee, 2019). justiça, que levam a reclamações verbais e
legais (Ritcher et al., 2018). Concomitante
Do ponto de vista histórico e contex- aos impactos psicológicos e econômicos que
tual, os anos 1970 marcaram uma expan- afetam o indivíduo e sua família, também
são das práticas de redução de quadro em se evidencia a centralidade do trabalho na
função do aumento da competitividade in- vida. Para quem está sendo demitido, não
dustrial e do avanço da globalização (Caldas, ocorre apenas a quebra do contrato formal,
2000). Frente às mudanças na organização mas também a violação do contrato psicoló-
do trabalho, em especial a partir da implan- gico, o que aumenta a sensação de injustiça
tação das práticas do modelo toyotista em (Ritcher et al., 2018). O fato de não se sentir
contraposição àquelas adotadas pelo mo- reconhecido como uma pessoa valiosa pela
delo taylorista-fordista (Baldry et al., 2007; empresa tem forte efeito emocional sobre
Castells, 2010), novos arranjos impactam os demitidos (Ritcher et al., 2018), o que fica
diretamente os modos de gestão. A par- mais evidente quando chefes e subordina-
tir dos anos 1980, o downsizing se destaca dos participam dos mesmos grupos sociais
como prática organizacional no enfrenta- (Amato et al., 2023; Lefebvre, 2023).
mento das pressões competitivas (Caldas,
2000). No Brasil, as ondas de desligamento A perspectiva organizacional englo-
se intensificaram a partir da abertura econô- ba a compreensão da demissão como um
mica dos anos 1990 (Caldas, 2000; Fonseca processo (Stocker et al., 2017) que envolve
& Ramos, 2017), com impactos percebidos diversas etapas (Pliopas & Tonelli, 2007) e
nas esferas pública e privada (Vaclavik et dimensões específicas para a tomada de
al., 2017). Atualmente, devido ao acelerado decisão (Villar et al., 2017). Scherer et al.
desenvolvimento da tecnologia digital, preo- (2017) desenvolveram um modelo ampliado
cupações recaem sobre a perda de postos do processo, a partir do qual as práticas
de trabalho em função da automação (Frey organizacionais de demissão podem ser
& Osborne, 2017) e inteligência artificial planejadas e executadas. São elas: defini-
(Jaiswal, Arun, & Varma, 2022), que podem ção do alvo, definição dos números, crité-
acelerar a ocorrência de novas ondas de rios de demissão, criação de comitê gestor,
demissão em massa. regras de auxílio e comunicação. Stocker
et al. (2017), por sua vez, analisaram um
A perspectiva individual engloba a conjunto de critérios que podem auxiliar os
compreensão de que a demissão impacta gestores na decisão de quem fica e quem
singularmente cada envolvido no proces- sai da organização diante de processos de
so demissional: os demissores, os que são redução de quadro. Esses critérios levam
demitidos e os que ficam na empresa após em conta as entregas dos funcionários e en-

60 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


globam: comprometimento, desempenho te organizacional de caráter meramente
pessoal, confiança, experiência, potencial de racional e estratégico não se sustenta eti-
crescimento, relacionamento interpessoal camente, sem se considerar os aspectos
e situação pessoal. individuais e a subjetividade envolvida no
processo. Nesse sentido, a gerência da prá-
Quanto aos tipos de demissão, uma tica demissional sob a perspectiva ética exi-
das possibilidades de analisar o fenôme- ge alguns cuidados que, embora óbvios,
no é compreender as diferentes nuances não refletem a realidade do mercado. São
que envolvem os diversos modos de des- corriqueiras as manchetes midiáticas que
ligamento. Vaclavik et al. (2017) destacam denunciam movimentos organizacionais de-
que, no Brasil, a discussão sobre tipologias masiadamente equivocados, desatinados,
de demissão pode ser analisada a partir desrespeitosos, insensíveis, irresponsáveis
da perspectiva coletiva ou individual. As e antiéticos com os trabalhadores que estão
demissões coletivas (ou em massa) com- sendo demitidos (Freitas, 2006; Andreicovici
preendem: i) demissões involuntárias, em et al., 2021), o que revela a superficialidade
que as organizações demitem um grande de muitos discursos empresariais vazios so-
número de pessoas em processos de rees- bre ética e responsabilidade social. Cita-se,
truturação ou encerramento de atividades, como exemplo, as demissões realizadas em
e ii) os chamados PDVs (Planos de Demissão período de férias ou por e-mail, telefone
Voluntária) ou PDIs (Planos de Demissão (Freitas, 2006; Eby & Buch, 1998) e outros
Incentivada), uma estratégia que em geral aplicativos de tecnologia de comunicação
antecede os desligamentos em massa, pela como WhatsApp; empresas que sequer co-
qual as empresas oferecem vantagens para municam os demitidos; e empresas que
os funcionários que gostariam de ser demi- burlam resultados contábeis (gerenciam
tidos. Já as demissões individuais podem o lucro para baixo) antes de demissões
ser iii) voluntárias, cujo foco de análise con- premeditadas, a fim de salvar sua imagem
centra-se em compreender as intenções e diante da pressão do ambiente jurídico,
motivações dos trabalhadores em rescindir da mídia e de sindicatos (Andreicovici et
o contrato, e iv) involuntárias, quando as al., 2021).
demissões não ocorrerem por desejo do
indivíduo. Já Caldas (2000), um dos prin- As pesquisas que trazem a ética para a
cipais autores brasileiros sobre o tema, centralidade do processo demissional apon-
limitando-se apenas aos casos de demissão tam que, além de cumprir as obrigações
em massa, refere aos tipos conjuntural e contratuais e legais, as organizações devem
estrutural de demissão, analisando-os a praticar: (a) a comunicação de aviso prévio
partir de seu contexto, forma, natureza e da perda do emprego (Eby & Buch, 1998;
foco. Scherer et al., 2017); (b) a comunicação di-
reta pelo supervisor (Richter et al., 2018;
Ainda, é oportuno conectar demissão Lefebvre, 2023); (c) a explicação dos reais
e ética. Ainda que demitir alguém não seja motivos da demissão (Richter et al., 2018);
ilegal nem imoral, adotar diretrizes de cor- (d) a prestação de serviços de apoio institu-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 61


cionalizados (Eby & Buch, 1998; Scherer et de carreira, à luz de teorias que levam o
al., 2017). Ser imprudente em relação a estes contexto em consideração, tais como carrei-
aspectos implica em perpetuar práticas que ras sustentáveis; (8) Análise das diferenças
não levam em consideração a preocupação geracionais na percepção dos impactos da
com os trabalhadores. Espera-se que a or- demissão; (9) Movimentos contemporâneos
ganização seja capaz de gerenciar tensões que referem à busca por um maior equilí-
entre os envolvidos como dilemas éticos brio na relação vida e trabalho, tais como
e disputas de poder, evidenciando a ética “the great resignation” e “quiet quitting”, e
como um valor imperativo para o processo seus desdobramentos nos processos de-
de demissão, que não pode ser negociado, missionais voluntários.
sendo indispensável ao trato justo, transpa-
rente e respeitoso nestas relações.
Referências
Por fim, sugere-se uma agenda de pes-
quisa para estudiosos do tema, visando Amato, S., Patuelli, A., Basco, R. et al. (2023).
trazer contribuições teóricas, práticas e Family Firms Amidst the Global Financial Cri-
gerenciais que possam ampliar o enten- sis: A Territorial Embeddedness Perspective
dimento sobre os processos demissionais on Downsizing. Journal of Business Ethics 183,
em suas diversas nuances, contribuindo 213–236. https://doi.org/10.1007/s10551-
para o campo das organizações. Dentre 021-04930-0
as possibilidades existentes, citam-se: (1)
Compreensão dos avanços da tecnologia Andreicovici, I., Cohen, N., Ferramosca, S.
digital e inteligência artificial no (re)dese- et al. (2021). Two Wrongs Make a ‘Right’?
nho do mercado de trabalho e impactos na Exploring the Ethical Calculus of Earnings
demissão de trabalhadores; (2) Impacto do Management Before Large Labor Dismis-
comportamento individual inadequado no sals. Journal of Business Ethics 172, 379–405.
espaço digital, como redes sociais, e seus https://doi.org/10.1007/s10551-020-04475-8
desdobramentos nas práticas demissionais
conduzidas pela área de Gestão de Pessoas; Baldry, C. et al. (2007). The meaning of work
(3) Aprofundamento do entendimento da in the new economy. Houndmills, Basingstoke,
demissão como um processo da área de Hampshire, New York: Palgrave Macmillan.
Gestão de Pessoas; (4) Investigação empíri-
ca dos critérios de demissão em empresas Caldas, M. (2000). Demissão: causas, efeitos
premiadas com selo de “melhor para se e alternativas para empresa e indivíduo. São
trabalhar”; (5) Análise dos movimentos de Paulo: Atlas.
layoff e suspensão de contratos de trabalho
em períodos de crise; (6) Análise das rela- Caldas, M.P. (2002). Downsizing, o dia se-
ções de poder empregado-empregador na guinte: consequências organizacionais de
negociação da demissão a partir da Reforma demissões coletivas. Comportamento Orga-
Trabalhista e contextos de flexibilização; nizacional e Gestão, 8, 1-16.
(7) Impactos da demissão nas trajetórias

62 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Castells, M. (2010). A Era da Informação: eco- Matitz, Q. R. S.; Chaerki, K. F. (2017). Demis-
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 63


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64 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Parte II: Relações
de Trabalho, Novos
Debates e Desafios
Prazer e Sofrimento no Trabalho

Ludmila de Vasconcelos Machado Guimarães – CEFET Minas


Jefferson Lopes La Falce - FUMEC

No âmbito do contexto laboral, prazer e interpretar e de reagir a diferentes situa-


sofrimento são faces de uma mesma moe- ções; é o poder de sentir, de pensar, de
da. Na Psicodinâmica do Trabalho (PDT) inventar etc.”(Dejours, 2012b, p. 24). Essa
essas noções estão intimamente ligadas, perspectiva humanística da PDT tem raízes
isto é, uma não exclui a outra. Tanto o pra- na psicanálise freudiana, em sua concepção
zer quanto o sofrimento são influenciados do homem e da subjetividade. Isso se deve,
pela combinação da trajetória individual do principalmente, devido às condições as quais
sujeito com a estrutura organizacional do o mundo (matéria, ferramentas, objetos
trabalho, sendo que o prazer emerge da técnicos) pode ser apropriado pelo sujei-
superação das resistências impostas pela to, como também aos modos sob os quais
realidade (Mendes; Muller, 2013). O prazer se realizam essa apropriação (experiência
no trabalho pode ser compreendido como afetiva e não cognitiva do corpo) (Dejours,
uma atividade psíquica capaz de evitar o 2012a).
sofrimento e ressignificar as relações do
sujeito com a atividade laboral. Ao mesmo No que se refere à discussao sobre os
tempo, é preciso entender que o sofrimen- conceitos centrais que permeiam o traba-
to é algo inerente ao trabalho humano e lho, é fundamental abordar os conceitos de
que se estabelece a partir do conflito entre trabalho real e trabalho prescrito. O traba-
organização do trabalho e a subjetividade lho prescrito, ou a organização prescrita do
do sujeito. trabalho, não se caracteriza apenas pelas
prescrições, tarefas, diretrizes ou instruções,
E o que é trabalho para a Psicodinami- mas também pelas demandas externas
ca do Trabalho? para essa clínica, o traba- do cliente e a hierarquia, o contexto social
lho implica em “os gestos, o saber-fazer, o específico constituído pelos colegas de tra-
engajamento do corpo, a mobilização da balho que impõem restrições específicas à
inteligência, a capacidade de refletir, de atividade, e todas as restrições econômicas

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 67


e técnicas impostas à atividade do trabalho fronta a organização, evita o adoecimento
e definindo-a como tal (Deranty, 2009). O e garante a produtividade. A abordagem
trabalho real, pode ser definido por todos clínica discute a relação entre subjetividade,
elementos da realidade concreta do trabalho trabalho e ação (Dejours, 2012a; Dejours;
que não poderiam ser antecipados, regu- Deranty, 2010). Ainda nesta fase, as pesqui-
lados ou coordenados com antecedência sas discutiam a identidade do trabalhador,
pela organização do trabalho (ibid.), ou seja, seu papel e vivências de prazer, de sofrimen-
é um fazer próprio do sujeito no trabalho. to e os impactos no sujeito da organização
do trabalho (Dejours, 2012a).
Essa lacuna entre o trabalho prescrito e
o real resulta do fato de que, em situações No terceiro momento, que se inicia ao
de trabalho real, há sempre incidentes e final da década de 90 e se estende até a
anormalidades que dificultam e prejudi- atualidade, a psicodinâmica do trabalho
cam o trabalho ordinário, previsto pelos passa a incorporar analise das maneiras
engenheiros e gerentes, ou seja, o trabalho pelas quais os trabalhadores subjetivam as
prescrito nunca é suficiente quando se pen- vivências de prazer e sofrimento, bem como
sa o real (Dejours, 2008a). constroem estratégias de defesa perante
as novas formas de organização do traba-
Historicamente, ao se pensar na cons- lho. Nesta última fase estão incorporadas
trução da psicodinâmica, pode-se dizer que nas pesquisas as patologias sociopsíquicas
ela é marcada por três grandes momentos, e a saúde do trabalhador (Mendes, 2007).
de acordo com Mendes (2007): o primeiro, Tem-se então que o trabalho é caracterizado
presente nas décadas de 70 e 80, procura- como fonte de prazer-sofrimento, estando
va-se compreender como os trabalhadores intrinsecamente ligado à relação subjeti-
suportavam as exigências do trabalho sem va que o trabalhador estabelece com seu
prejuízo da saúde mental (Dejours, 1999). ofício (Mendes; Muller 2013). É importante
Nesta conjuntura, a psicodinâmica era ba- compreender que essas vivências de pra-
sicamente orientada para o entendimento zer-sofrimento podem desencadear reações
do conflito entre o trabalhador e a organi- diversas, podendo levar inclusive ao adoe-
zação do trabalho, a partir da compreensão cimento e comprometimento da saúde do
das vivências de sofrimento e estratégias trabalhador.
defensivas.
É de suma importância destacar que
No segundo momento, década de 90, nem todo sofrimento é patogênico, pois ele
adicionou discussões sobre as vivências de pode ser potencialmente criativo na medida
prazer, completando a díade proposta neste em que o sujeito experimenta o fracasso e
verbete e que foram objeto das pesquisas busca ativamente soluções para reduzi-lo.
(Mendes, 2007). Nesta fase, o contexto do Na PDT, o sofrimento resultante do fracasso
trabalho, as vivências de prazer-sofrimento não deve ser tratado como uma consequên-
e os mecanismos de defesa eram investiga- cia última do confronto com o real, mas sim
dos para entender como o trabalhador con- como uma proteção da subjetividade, um

68 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


ponto de partida em busca de meios para Dejours, C. (2006). Subjectivity, Work, and
agir sobre o mundo, para encontrar meios Action. Critical Horizons, 7(1), 45–62.
de superação da resistência do real (Dejours,
2006, 2012b). Assim, até mesmo para se Dejours, C. (2012a). Trabalho Vivo, tomo I,
obter prazer no trabalho, este será oriundo Sexualidade e trabalho. Brasília: Paralelo 15.
de um sofrimento ressignificado pelo enri-
quecimento da subjetividade, seja a nível Dejours, C. (2012b). Trabalho Vivo, tomo II,
individual, pela apropriação de si, ou a nível Trabalho e emancipação. Brasília: Paralelo
social, pelo reconhecimento, principalmente 15.
dos pares (Dejours, 2008b, 2012b).
Dejours, C. (2008a). Inteligência prática e
Já as situações de prazer no trabalho sabedoria prática: Duas dimensões desco-
são aquelas que o trabalhador identifica nhecidas do trabalho. In S. Lancman & L.
de forma positiva. O prazer é vivenciado I. Sznelman (Orgs.), Christophe Dejours: Da
quando, de modo individual ou coletivo os psicopatologia à psicodinâmica do traba-
empregados experimentam sentimentos de lho (pp. 187–244). Rio de Janeiro/Brasília:
valorização e reconhecimento no trabalho, Paralelo 15.
advindos das vivências de liberdade de ex-
pressão e a realização profissional (Mendes, Dejours, C. (2008b). Para uma clínica da me-
2007). O sentimento de valorização se refere diação entre psicanálise e política: A psico-
às ações desempenhadas na organização dinâmica do trabalho. In S. Lancman & L.
enquanto o reconhecimento diz respeito à I. Sznelman (Orgs.), Christophe Dejours: Da
aceitação, admiração recebida no ambiente psicopatologia à psicodinâmica do traba-
de trabalho e também a liberdade reconhe- lho (pp. 187–244). Rio de Janeiro/Brasília:
cida para expressar a individualidade. Paralelo 15.

Em última análise, a compreensão da Dejours, C., & Deranty, J. (2010). The Centra-
relação prazer e sofrimento no trabalho lity of Work. Critical Horizons, 11, 167–180.
é essencial para uma compreensão mais
abrangente das conexões entre trabalho e Deranty, J. P. (2009). What is work? Key in-
saúde bem como buscar alternativas mais sights from the psychodynamics of work.
satisfatórias. Thesis Eleven, 98(1), 69–87.

Mendes, A. M. (2007). Psicodinamica Do


Referências Trabalho: Teoria, Metodo e Pesquisas. São
Paulo: Casa do Psicólogo.
Dejours, C. (1999). Conferências brasileiras:
identidade, reconhecimento e transgressão Mendes, A. M., & Muller, T. DA C. (2013).
no trabalho. [S.l.]: Escola de Administração Prazer no trabalho. In F. D. O. Vieira, A. M.
de Empresas de São Paulo, Fundação Ge- Mendes, & A. R. C. Merlo (Orgs.), Dicionário
túlio Vargas.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 69


Crítico de Gestao e Psicodinamica do Trabalho
(pp. 289–296). Curitiba: Juruá Editora.

70 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Saúde e Adoecimento no Trabalho
Bruno Souza Bechara Maxta - UFMG
Deise Luiza da Silva Ferraz - UFMG

A saúde e o adoecimento são objetos temente, incorporada pela Administração/


presentes nos estudos e debates acerca Organização do Trabalho como instrumento
da organização do trabalho e das formas voltado para o desenvolvimento da sua pro-
de gestão da força de trabalho pela Admi- dução e negócios. De aplicação funciona-
nistração na atual forma de produtividade lista, seus estudos buscam identificar, pela
capitalista. A epidemiologia, a ergonomia, utilização de métodos e técnicas estatísticas
a psicodinâmica do trabalho, a ergologia/ sustentadas nas ciências biológicas e so-
clínica da atividade, a sociologia clínica e o ciais, os fatores de risco do trabalho à saúde
pensamento crítico marxista da medicina dos trabalhadores na sua relação com os
social latino-americana se apresentam en- absenteísmos, ainda que provocados pe-
quanto algumas das vertentes epistemo- los acidentes, adoecimentos e mortes nos
lógicas presentes neste campo científico postos de trabalho. Em linhas gerais, as
as quais têm fundamentado e disputado a suas atuais e distintas formas de aplicação
base conceitual/categorial e instrumental/ nada mais são do que atualizações da assim
metodológica assumida e aplicada pela Ad- chamada Higiene Ocupacional Industrial,
ministração/Organização do Trabalho na protagonizada pela Medicina do Trabalho
pesquisa e intervenção, seja sob as questões nas plantas de produção em fins do século
de prevenção dos acidentes, adoecimen- XIX, atualizadas pela racionalidade científi-
tos e mortes nos processos e condições ca da atuação da saúde também sobre os
de trabalho, entre outras manifestações ambientes do trabalho, com instrumental
do processo saúde-doença como o absen- oferecido por outras disciplinas e outras
teísmo e a violência, ainda que fragilmente profissões no século XX, atualmente conhe-
alinhadas às resistências e enfrentamentos cida como Saúde Ocupacional. Daí que o
dos coletivos de trabalhadores. controle sobre os riscos pessoais e ambien-
tais das plantas produtivas na sua relação
No setor industrial, comercial ou finan- com os acidentes, os adoecimentos e as
ceiro, a epidemiologia tem sido, permanen- mortes de trabalhadoras e trabalhadores

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 71


manifesta fundamentação na epidemiologia analisar a percepção da classe trabalhado-
ocupacional e no escopo técnico e científico ra sobre contexto de trabalho na relação
da Organização Mundial de Saúde e Or- com a sua subjetivação e as estratégias
ganização Mundial do Trabalho, no Brasil, que adotam para mediar as contradições
presentes em materiais que compõem os que experimentam na própria Organização
debates acerca dos Determinantes Sociais do Trabalho; em outras palavras, das suas
de Saúde (DSS) ou sobre os fatores sociais, experiências de prazer e sofrimento no tra-
econômicos, culturais, étnicos/raciais, psi- balho e do que fazem permanentemente
cológicos e comportamentais, incluso o tra- sobre as imposições da Organização do
balho, que influenciam na ocorrência de Trabalho. Por contradição, a psicodinâmica
problemas de saúde e seus fatores de risco do trabalho entende o confronto entre a
na população. Assim, a partir da epidemio- subjetividade do/da trabalhador/a e o con-
logia orquestrada pela Saúde Ocupacional, texto da situação de seu trabalho, portanto
por sua vez fundamentada pelo escopo entre a sua experiência subjetiva e indivi-
dos DSS, a Administração/Organização do dual e a organização do trabalho com suas
Trabalho, ao buscar manejar as situações condições e desdobramentos de relações.
de risco à saúde das trabalhadoras e tra- Devido a esse entendimento, o contexto de
balhadores, acena para o desenvolvimento trabalho interfere tanto sobre o sofrimento,
de novos comportamentos organizacionais o adoecimento e o prazer dos/das trabalha-
por meio de novos protocolos de interven- dores/as, a depender de como ele se relacio-
ção administrativa e escalas de avaliação na sobre as suas subjetividades. Logo, para
em saúde para o suporte organizacional e a Administração/Organização do Trabalho,
produtivo sobre a força de trabalho visando sob a lente teórica da psicodinâmica do tra-
mitigar o seu absenteísmo e maximizar o balho, o alinhamento entre a subjetividade
desempenho produtivo a despeito da aber- e a organização, as condições e relações de
tura para novas manifestações de doenças trabalho é entendido como expressão de
e adoecimentos nas plantas de produção saúde das trabalhadoras. Por consequência,
ou nos cenários de negócios. Daí que a os danos físicos, sociais e psicológicos que
epidemiologia tem sustentado o conheci- os/as trabalhadores/as possam vivenciar ou
mento da Administração/Organização do identificar nos momentos do trabalho são
Trabalho sobre as manifestações aparentes manifestações desta contradição: situações,
de situações de saúde e adoecimento de portanto, passíveis de ajuste, seja pela me-
trabalhadoras e trabalhadores. (Formiga, lhoria das condições físicas de trabalho, pela
Paula & Silva, 2022; Traldi De Lima, 2022; reorganização da maneira como o trabalho
Ayub & Martins, 2021; Duarte, Silveira & ocorre e pela ressignificação dos fatores
Oliveira, 2021) adoecedores do trabalho. (Bottini, Paiva
& Gomes, 2021; Bruning, Faria & Marques
Nos âmbitos da produção, a psicodinâ- Junior, 2020; Dejours, 2011).
mica do trabalho se apresenta como baliza
epistêmica de apoio à Administração/Or- É igualmente significativo o aporte epis-
ganização do Trabalho quando interessa temológico da ergologia para a Administra-

72 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


ção/Organização do Trabalho nos estudos dada a este movimento uma vez que tais
sobre a atividade humana do trabalho, teorizações podem estar sendo intencio-
particularmente, sob quais circunstâncias nalmente atualizadas sob argumentos que
ela é efetivamente executada pelos/as tra- sustentem os benefícios da incorporação do
balhadores/as, e o que permite organizá-la ponto vista dos próprios trabalhadores às
melhor para torná-la mais eficiente em ter- incansáveis engrenagens adoecedoras de
mos econômicos, sociais e humanos. Para a produção. (Clot, 2017; Lhuilier, 2014; Holz
ergologia, todas as questões que envolvem & Bianco, 2014; Trinquet, 2012)
o trabalho se apresentam enquanto objetos
de conhecimento em coletivos. Logo, a sua No eixo das perspectivas teórico-crítica
abordagem metodológica orienta a utiliza- que se afastam da visão hegemônica utili-
ção de instrumentos que alinham trabalha- tarista sobre a saúde e o adoecimento pre-
dores, técnicos e gestores, com abertura dominantes nos estudos organizacionais, a
para a composição de representação aca- sociologia clínica manifesta fundamentar
dêmica, voltados para a compreensão das a Administração/Organização do Trabalho
exigências, dos conceitos, das competências por meio de uma epistemologia orientada
e ética presentes nas situações de trabalho a apreensão da dinâmica social da inter-
estudadas. Os conhecimentos e as soluções subjetividade dos trabalhadores sobre uma
advindas de tal unidade, a saber: do pólo questão/problema de saúde segundo sig-
das exigências (demandas da Administra- nificações advindas das experiências deles
ção/Organização do Trabalho) e do pólo dos próprios em suas realidades de trabalho.
saberes investidos na atividade (demandas Inspiradas pela primeira geração da Esco-
práticas das trabalhadoras), configura o la de Frankfurt e de autores da Sociologia
pólo dos saberes constituídos sobre proble- Pragmática de Luc Boltanski, sua teoriza-
mas em posto em questão. Pela ergologia, ção busca superar nas análises o assujei-
Administração/Organização do Trabalho tamento do trabalhador, o burocratismo e
tem sido aprimorada sob pressupostos o gerencialismo das organizações, a partir
teóricos e metodológicos sensíveis às ex- da compreensão dicotômica do trabalho:
periências dos trabalhadores, ainda que no fator tanto de crescimento individual/co-
intuito de recriar suas normas de trabalho letivo, quanto de exploração e dor dos/as
em nome da saúde ou do bem-estar. Neste trabalhadores/as. Sua abordagem assume
movimento, outras abordagens teórico- a saúde dos/as trabalhadores/as sob os
-práticas constituídas a partir da ergologia, processos sociais em sua complexidade,
como é o caso da clínica da atividade e da considerando as dimensões individuais e
psicossociologia, ambas presentes na psico- coletivas dando ênfase nos aspectos institu-
logia do trabalho, tem sido tensionadas aos cionais do contexto da atividade do trabalho
interesses da Administração/Organização com certa abertura para composição de re-
do Trabalho em detrimento às demandas sistências organizada dos/as trabalhadores/
dos/as trabalhadores/as por mitigação dos as na defesa do trabalho e superação da
problemas relacionados ao trabalho-so- sua exploração na ordem do capital. (Dias,
frimento-adoecimento. Atenção deve ser Siqueira & Ferreira, 2023)

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 73


Neste debate, o pensamento crítico defesa da vida humana e ambiental e de
marxista da medicina social latino-ameri- enfrentamento pela classe trabalhadora,
cana, recentemente introduzido na Admi- ainda que sob diferentes formas, intensida-
nistração/Organização do Trabalho, oferece des e insígnias, a voracidade da exploração
significativas teorizações sobre o adoeci- de sua força de trabalho pela classe capita-
mento e a saúde como unidade dialética na lista com seus instrumentos de controle de
dinâmica do modo de produção capitalista. classe, inclusive das ciências que constituem
Das considerações comuns de suas escolas, a Administração/Organização do Trabalho.
no bojo dos debates sobre a determinação Tal pensamento crítico da medicina social
social do processo saúde e doença críticos latino-americana expõe as contradições
às correntes sócio-médicas que sustentam presentes nos estudos e debates acerca
um modelo de causalidade da doença, tanto da organização do trabalho e das formas
a saúde quanto a doença foram assumi- de gestão de recursos humanos/força de
das enquanto fenômenos na materialidade trabalho pela Administração ao passo que
das relações sociais. Sob a ordem social do convoca sua fração trabalhadora científica
capital, é entendimento que os acidentes, a se recolocar com a classe trabalhadora
adoecimentos e mortes não são senão ma- na produção de conhecimentos, também
nifestações de problemas produzidos pela de saúde, portanto em luta conjunta pela
forma de exploração da força de trabalho superação da ordem social capitalista. (Fer-
de determinado setor da produção ou da raz & Bechara-Maxta, 2022; Rocha & David,
circulação material industrial, comercial ou 2015; Laurell & Noriega, 1989)
financeiro somados aos limites impostos
pelo modo de produção capitalista à re-
produção da força de trabalho e da classe Referências
trabalhadora em resistência. A classe traba-
lhadora, ao passo que resiste ao desgaste Ayub, S. R. C.; Martins, R. A. (2021). Identifi-
da sua força de trabalho nos processos de cação precoce do uso de álcool em traba-
trabalho e reprodução do capital, consti- lhadores e aplicação de intervenção breve.
tui importante elemento concreto sobre a Revista de Administração da UFSM, v. 14, p.
manifestação de acidentes, adoecimentos 1239–1258.
e mortes entre trabalhadores/as.
Bottini, F. F.; Paiva, K. C. M. D.; Gomes, R. C.
Daí que os seus movimentos de resis- (2021). Resiliência individual, prazer e sofri-
tência e de enfrentamento, individuais ou mento no trabalho e vínculos organizacio-
em coletivo, portanto do conjunto de práti- nais: reflexões e perspectivas de pesquisas
cas reais e concretas dos/as trabalhadores/ para o setor público. Cadernos EBAPE.BR, v.
as, ao passo que reagem aos processos de 19, n. 1, p. 45–57.
exploração, mitigam o desgaste e ampliam
os limites da reprodução da classe trabalha- Bruning, C.; Faria, J. H.; Marques Junior, K.
dora na ordem do capital. Sob tal teorização, (2017). Work context in the automotive in-
saúde é luta: movimento permanente de dustry and damage to workers health. Re-

74 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


vista de Administração da UFSM, v. 13, n. 2, Laurell, A. C.; Noriega, M.(1989). La salud en
p. 424–444, 2020. la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica
en México. 1a ed ed. México, D.F: Ediciones
Clot, Y. Clínica da Atividade. Horizontes, v. Era.
35, n. 3, p. 18.
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Dejours, C. et al. (2011). Psicodinâmica do logia do trabalho. Cad. psicol. soc. trab., São
trabalho: contribuições da Escola Dejouriana Paulo , v. 17, n. spe, p. 5-20.
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balho. São Paulo: Atlas. Rocha, P. R. D.; David, H. M. S. L. (2015). De-
termination or determinants? A debate ba-
Dias, C. A.; Siqueira, M. V. S.; Ferreira, L. B. sed on the Theory on the Social Production
(2023). Análise socioclínica do contexto do of Health. Revista da Escola de Enfermagem
trabalho e sua relação com o adoecimento da USP, v. 49, n. 1, p. 129–135.
mental de policiais militares do Distrito Fe-
deral. Cadernos EBAPE.BR, v. 21. Traldi De Lima, F; Gemma, S. F. B; Misuta, M.
S.; Silva, S. B.; Brittes, J. L. P. (2022). Métodos
Duarte, V. D. S.; Silveira, M. A.; Oliveira, L. e Práticas Integrativas em P&D: Contribui-
H. D. (2021). Ferramentas analíticas para ções para a Saúde, Segurança e Qualidade
avaliação de custos com a saúde dos cola- de Vida (SSQV) de Eletricistas de Linha Viva.
boradores: um estudo em fabricantes de Desenvolvimento em Questão, v. 20, n. 58, p.
EPI. Revista de Tecnologia Aplicada, p. 73–91. e12318.

Ferraz, D. L.; Bechara Maxta, B. S. (2022). Trinquet, P. (2012). Trabalho e educação: o


Trabalho e saúde no setor bancário: resgate método ergológico. Revista HISTEDBR On-line,
do pensamento crítico marxista da medicina v. 10, n. 38e, p. 93.
social latino-americana. Revista Eletrônica de
Administração, [S. l.], v. 28, n. 3, p. 662–696.

Formiga, N. S.; Paula, N. H. M. M.; Silva, A.


K. L. (2022). Suporte organizacional e danos
relacionados ao trabalho: um estudo cor-
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Holz, E. B.; Bianco, M. D. F. (2014) Ergologia:


uma abordagem possível para os estudos
organizacionais sobre trabalho. Cadernos
EBAPE.BR, , v. 12, n. spe, p. 494–512.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 75


Violências Relacionadas ao Trabalho

Renato Koch Colomby - IFPR


Claudia Piccolotto Concolatto - UFRGS

A violência é objeto de estudo de diver- analíticas: i) social, ii) psicológica, iii) ju-
sas áreas do conhecimento e enquanto um rídica e iv) organizacional. Inicialmente,
fenômeno de conceito polissêmico, apre- faz-se relevante destacar grupos de es-
senta-se por diferentes facetas, múltiplas tudos referências nesse campo: o NUEVO
causas e em camadas analíticas interrelacio- – Núcleo de Estudos da Violência Organiza-
nadas, impactando os indivíduos, as orga- cional da Universidade Federal do Paraná;
nizações e a sociedade. Conforme Izumino o NEV – Núcleo de Estudos da Violência da
e Neme (2002), desde os anos de 1980, a Universidade de São Paulo e o Grupo de
violência passou a ser ponto de discussão Pesquisa Violência e Cidadania da Universi-
e interesse de especialistas e da população dade Federal do Rio Grande do Sul. Entre os
em geral, sendo que a temática tem ganha- autores(as) sublinha-se: Alba Zaluar, cujos
do notoriedade quando em intersecção com estudos discorrem sobre violência e crimi-
os estudos sobre trabalho. Haja vista que, nalidade; Cristina Neme estuda o fenômeno
na atualidade, o aumento de situações de da violência urbana relacionando violência
violência no âmbito do trabalho constitui um e direitos humanos; Elza Machado trabalha
problema premente não só para a saúde do com o tema da prevenção da violência; Da-
trabalhador, como também para a saúde nilo Martuceli aborda o tema da violência e
pública. Abordar este tema pode reque- da modernidade; os estudos de José Vicente
rer diferentes posições epistemológicas, Tavares dos Santos percorrem a microfísi-
resguardando uma posição dialética entre ca da violência, violência e modernidade
indivíduo e sociedade (Melo, 2010; Minayo tardia, violência e cidadania; Maria Cecília
& Souza, 1998; Zaluar, 1999). de Souza Minayo aborda, com frequência,
o tema da violência e saúde pública; os es-
Sendo assim, este verbete sobre vio- tudos de Nancy Cardia discutem violência
lências relacionadas ao trabalho está e desigualdade social, bem como violência
construído sob distintas possibilidades e direitos humanos; Paulo Sérgio Pinhei-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 77


ro tem estudos sobre o tema da violência começo da vida, há uma agressividade por
e democracia; e Sérgio Adorno dedica-se parte do sujeito infantil, que se dirige para o
ao estudo da criminalidade, da justiça, do exterior (Terrazas, 2004; Freud 1915/1976).
sistema prisional, crime e violência na so- As pessoas são habitadas por dois tipos de
ciedade contemporânea, controle social e forças, as pulsões de vida e as pulsões de
violência. Especificamente no campo da Ad- morte. As forças psíquicas que trabalham a
ministração, os estudos de Rafael Alcadipani favor da vida tendem a preservar e unir; já
Silveira, Francis Meneguetti, José Henrique as pulsões de morte são destrutivas, agres-
Faria, Carlos Minayo Gomez contribuem sivas. Entretanto, a vida se desenvolve na
significativamente para a compreensão da ação mútua de ambas (Freud, 1932/1976).
violência em diferentes organizações.
Para Freud (1932/1976), ainda que não
No que se refere às perspectivas analí- haja maneiras de livrar os homens de seus
ticas, a compreensão dos aspectos sociais desejos agressivos e destrutivos, todas as
da violência entrelaça as demais dimensões ações que favorecem os vínculos emocio-
aqui apresentadas. Por essa lente, violência nais entre eles atuam contra tais desejos.
é a ação individual, grupal, de classes e/ A esse respeito, muitos autores contem-
ou de nações que resultem em morte de porâneos estudam a questão do enfra-
outros indivíduos ou que impactem em sua quecimento dos laços fraternos (Birman,
integridade física, moral, mental ou espiri- 2006), o predomínio do individual sobre
tual (Minayo & Souza, 1998) uma definição o laço social (Gaulejac, 2007), os quais se
relevante, nesse contexto, é a de violên- sustentam pelo amor e pela identificação.
cia estrutural que pode ser compreendida
como aquela que se dirige à opressão aos A violência necessita do campo jurídico
quais se nega conquistas da sociedade, tor- enquanto instância que oferece regula-
nando-os mais vulneráveis ao sofrimento e ção para as relações individuais e sociais.
à morte (Minayo, 1994). Importa também Há de se considerar, nessa dimensão, os
dizer que o ato violento é sempre causador instrumentos jurídicos que podem ser uti-
de sofrimento quando ultrapassa o limite lizados na proteção do(a) trabalhador(a), a
de acordos (implícitos e/ou explícitos) que exemplo do dano existencial. Trata-se de
regulam as relações (Gullo, 1998; Zaluar, um instituto jurídico que vem ganhando
1999). notoriedade pela capacidade de expres-
sar situações de violências relacionadas
No que tange à dimensão psicológica ao trabalho e é alicerçado em dois eixos:
do estudo da violência, privilegiam-se aspec- no dano ao projeto de vida e no dano à
tos internos ao indivíduo, percepções sobre vida de relações. Ou seja, trata-se de uma
acontecimentos violentos, consequências violência tão significativa para um indivíduo
psicológicas, modos de enfrentamento rela- (ou grupo de pessoas) que passa a ter um
cionados às violências e como se sustenta o impacto na sua existência, de forma total
exercício da ação violenta dentro e fora do ou parcial/permanente ou temporária (Co-
espaço laboral. Freud postula que, desde o lomby, 2019).

78 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Ao abordar a temática do dano existen- visivelmente nos males físicos do corpo e,
cial, hipóteses jurídicas e jurisprudências já por conseguinte, mais facilmente reconhe-
reforçam e comprovam a tese de sua ocor- cidos. A segunda, evidenciada em doenças
rência no ambiente laboral. Em sua maioria, psicossomática, diz da exploração do psí-
os casos ajuizados que se movimentam na quico do trabalhador em favor da produção
justiça do trabalho brasileira se apresentam e causa sofrimentos variados que, como
em relação à jornada extenuante de traba- descreve Dejours (2007), caracterizam o
lho. Há também situações de acidente de humano e podem ser decorrentes de múl-
trabalho, LER (Lesão por Esforço Repetitivo)/ tiplos fatores da vida de cada um. Contudo,
DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacio- quando ligados às relações de trabalho, são
nado ao Trabalho), assédio moral/assédio potencializados a serviço da produtividade.
sexual e escravidão moderna que teriam Ressalta-se que a adesão do trabalhador à
plenas condições de serem enquadradas sedução das recompensas organizacionais
em tal dispositivo legal, considerando que está dentro desse tipo de violência (Faria &
podem comprometer a rotina, a forma de Meneguetti, 2002).
viver dessa vítima, a saúde física e/ou men-
tal e ceifar projetos sejam eles pessoais ou Faria e Meneguetti (2002) também apre-
profissionais gerando múltiplas violências. sentam a violência social, na qual as práticas
de relação de trabalho são reproduzidas e
Além do mais, a concepção organi- aceitas socialmente sem nenhum tipo de
zacional apresenta as implicações práti- questionamento, como um valor moral a
cas que as violências têm no trabalho, na ser compartilhado. A ausência do coleti-
responsabilidade da área de Gestão de vo, como possibilidade de modificar suas
Pessoas nos processos relacionados a tal condições, intensifica todas as formas de
problemática. Gomez (2017) afirma que a violência, por isso a violência social rela-
violência no ambiente de trabalho é parte da ciona-se a todas as outras. Já a violência
dinâmica social do Brasil. Conforme Faria e estrutural nas organizações manifesta-se
Meneguetti (2002), neste âmbito a violência pela via da racionalização e da acentuação
se dá na concentração de poder, em uma das disfunções da burocracia, dominando
relação assimétrica, em que prevalecem os o sujeito e controlando seus atos, inclusi-
interesses individuais, mesmo que o discur- ve através da capacitação técnica do tra-
so usado seja o do coletivo. balhador sem nenhuma possibilidade de
questionamento, em que o conhecimento
Nesse ínterim, as violências no mundo deve ser consumido passivamente, na con-
do trabalho manifestam-se polimorfica- tramão de qualquer pensamento crítico e
mente variando entre física, psíquica, social, emancipador.
estrutural, simbólica e imaginária (Faria &
Meneguetti, 2002; Gomez, 2017). Para os Tão importante quanto as demais, a
autores, a primeira denuncia a punição so- violência simbólica e imaginária, ocorre na
bre o corpo do trabalhador, expressa-se manipulação do simbólico como fatores de
no organização do trabalho, é percebida supostas vantagens para o trabalhador.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 79


Através de ações como premiações, bene- obras completas psicológicas de Sigmund
fícios extras para os “melhores”, relações Freud. V. XIV. Rio de Janeiro: Imago.
mais próximas com seus superiores hie-
rárquicos, transparecendo a ideia de que Freud, Sigmund (1976/1932). Por que a guer-
a grandiosidade da empresa também é a ra? In: Edição standard brasileira das obras
do trabalhador (Faria & Meneguetti, 2002). completas psicológicas de Sigmund Freud. V.
Por fim, evidencia-se que todas as formas XXII. Rio de Janeiro: Imago.
de violência ocorrem em uma dinâmica, em
que uma pode estar contida e sobreposta Gaulejac, Vincent de (2007). Gestão como
na outra. Dessa forma, a construção de doença social: ideologia, poder gerencialista
estratégias de enfrentamento requer um e fragmentação social. Aparecida: Ideias &
olhar sistêmico em que as poliviolências Letras.
cotidianas-laborais não sejam descontex-
tualizadas e haja esforços que envolvam Gullo, Álvaro de Aquino S. (1998). Violência
diferentes atores sociais, em um trabalho Urbana um problema social. Tempo Social:
multidisciplinar, de ações coordenadas e Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 10,
permanentes. n. 1, p. 105-119, maio.

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Resistência. Rio de Janeiro: Civilização Bra- do campo da saúde. Rio de Janeiro: Editora
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um zumbi”: o dano existencial à luz da polisse- redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro:
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80 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


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como um campo interdisciplinar e de ação
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nhos, v. IV, n. 3, p. 513-531, nov.

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Marta Rezende. Limite. São Paulo: Escuta.

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MICELI, S. (org.). O que ler na ciência social
brasileira (1970-1995). V. 1: antropologia. São
Paulo: Anpccs.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 81


Assédios Moral e Sexual no Trabalho

Thiago Soares Nunes - FUMEC


Suzana da Rosa Tolfo - UFSC

Nas últimas décadas os assédios moral e desqualificar um indivíduo ou um grupo,


e sexual se tornaram assuntos discutidos degradando as suas condições de trabalho,
nos meios social, organizacional e acadê- atingindo a sua dignidade e colocando em
mico - contudo, são mal interpretados e/ risco a sua integridade pessoal e profissional.
ou banalizados. Esperamos que o verbete
possibilite conhecimento sobre os temas O consenso entre os pesquisadores do
e corrobore para profissionais e pesquisa- principal ponto para definição do assédio
dores do mundo do trabalho. Ressaltamos moral está no caráter processual, pois im-
que os assuntos são complexos e não se plica em frequência e duração ao longo do
esgotam nesse material. tempo, de meses a anos, de modo que ato
isolado não configura assédio moral (Einar-
sen, Hoel, Zapf & Cooper, 2020; Heloani
Assédio Moral & Barreto, 2018; Nunes, 2016; Hirigoyen,
2015).
Dentre os diversos conceitos identi-
ficados na literatura, similares e comple- As práticas assediadora podem vir de
mentares, Heloani e Barreto (2018, p. 53) diferentes direções (do chefe para o su-
apresentam uma reflexão atual sobre a bordinado, o inverso, entre pares, ou mis-
complexidade do tema ao considerarem to) bem como podem ser voltados para
o assédio moral como um ou mais alvos. As situações podem ser
agrupadas em quatro categorias, conforme
[...] uma conduta abusiva, intencional, fre- ilustra Hirigoyen (2015), da mais difícil de
quente e repetida, que ocorre no meio am- identificar até a mais evidente: a) Deteriora-
biente laboral, cuja causalidade se relaciona ção Proposital das Condições de Trabalho
com as formas de organizar o trabalho e a (situações relacionadas ao próprio traba-
cultura organizacional, que visa humilhar lho, como retirar autonomia, não transmitir

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 83


informações úteis, induzir o erro, retirar de tratamento diferenciado em caso de
equipamentos de trabalho; b) Isolamento e aceitação, como benefícios e recompensas;
Recusa de Comunicação (comportamentos ameaças ou atitudes concretas de repre-
constrangedores ou de constrangimento, sália no caso de recusa, como a perda do
como excluir da conversa, recusar comu- emprego ou de benefícios; abuso verbal
nicação, interromper constantemente, ou comentários sexistas sobre a aparência
ignorar a presença); c) Atentado Contra a física; frases ofensivas ou de duplo sentido;
Dignidade (situações mais direcionadas e perguntas indiscretas sobre a vida privada;
visíveis como gestos de desprezo, espalhar insinuações sexuais inconvenientes e ofen-
rumores, críticas à vida privada, origem ou sivas; elogios atrevidos; convites insistentes
nacionalidade; d) Violência Verbal, Física ou para almoços ou jantares; exibição de ma-
Sexual (ameaças ou violência física, seguir terial pornográfico, como o envio de e-mail
a vítima, falar aos gritos). ou mensagens; pedidos para que se vistam
de maneira mais provocante ou sensual
(Oliveira, Tolfo, Heloani, & Chinelato, 2020).
Assédio Sexual

Em cartilha desenvolvida pelo MPT e a Além da análise interpessoal


OIT em 2017, o assédio sexual no ambiente
de trabalho é configurado por “conduta de A compreensão, principalmente do as-
natureza sexual, manifestada fisicamente, sédio moral, pressupõe ir além da relação
por palavras, gestos ou outros meios, pro- interpessoal (agressor e vítima), uma vez
postas ou impostas a pessoas contra sua que os fenômenos são complexos e influen-
vontade, causando-lhe constrangimento ciados, também, pelo próprio contexto. Tra-
e violando a sua liberdade sexual” (MPT ta-se de violência que ocorre no ambiente
& OIT, 2017, p. 9). Dentre os tipos de as- laboral, o que a torna (co)responsável pela
sédio sexual, apresentamos dois: assédio sua ocorrência ou inibição. Uma vez que
por chantagem (objetivo é o favorecimento a causalidade, muitas vezes, está relacio-
sexual em troca de benefícios, como promo- nada às formas de organizar o trabalho e
ções na carreira, ou para evitar prejuízos/ a própria cultura organizacional, ou seja,
retaliação na relação de trabalho, como as metas abusivas, a pressão por produti-
perda do emprego); assédio por intimida- vidade, a lógica dos fins que justificam os
ção (insistentes provocações e solicitações meios, são estratégias utilizadas (veladas
sexuais inoportunas, verbais ou físicas, com ou não) pelas organizações e gestores (He-
objetivo de prejudicar e interferir o trabalho loani & Barreto, 2018; Nunes, 2016). Por-
e desempenho da(s) vítima(s)). tanto, culpabilizar apenas o agressor (que
também pode ser uma vítima de violência)
Como situações mais encontradas de é limitar a complexidade dos fenômenos,
assédio sexual no trabalho tem-se: solici- principalmente o assédio moral. Ao tratar-
tação de relações íntimas ou outro tipo de mos sobre a cultura organizacional e até a
conduta de natureza sexual com promessa cultura nacional, observemos alguns “ismos”

84 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


presentes dos traços culturais brasileiros, Possibilidades de Intervenções
como corporativismo, personalismo, pa- nas Organizações
ternalismo e a impunidade, que podem
promover ambientes férteis para a violência As principais ações que envolvem a
e não punição daqueles que cometem as organização como um todo incluem: a
hostilidades (Nunes, 2016). elaboração de políticas de prevenção e de
enfrentamento aos assédios moral/sexual;
realização de diagnósticos sobre os proble-
Consequências dos Assédios mas; criação de estruturas para acolhimen-
to de assediados e denúncia de assédios;
As consequências dos assédios viven- elaboração de cartilhas informativas e de
ciados são severas e altamente destrutivas, códigos de ética que explicitem o que é
podem atingir tanto a vítima como colegas aceito e o que não é aceito no “comporta-
que testemunham constantemente a vio- mento organizacional”; desenvolvimento
lência, repercutem em alguns campos: a) de gestores, chefias e supervisores que li-
Saúde Psicológica: desanimo, ansiedade, derem com base em comportamentos e
insônia, dificuldade de concentração, ma- comunicação não violentos; capacitação
nifestações depressivas, paranoia, raiva/ para trabalhadores de todos os níveis. Por
irritabilidade, estresse, burnout, vontade fim, o interesse legítimo da organização
de chorar, ideação suicida; b) Saúde Física: e dos gestores em combater a violência
dores no corpo, falta de apetite, aumento pode garantir a efetividade das interven-
de pressão arterial, cefaleia, falta de ar, en- ções, uma vez que existem muitos discur-
joos, consumo excessivo de álcool e outras sos e pouca ação – já que, muitas vezes, as
substâncias; c) Relacional/afetivo: afasta- práticas hostis “garantem” o almejado lucro
mento de familiares e amigos, brigas con- e produtividade (Heloani & Barreto, 2018;
jugais, separação; d) Econômico: perda de Nunes, 2016).
promoção ou função gratificada, desconto
salarial; e) Organização e trabalho: redução
da produtividade e qualidade do trabalho, Referências
imagem negativa da organização, absenteís-
mo, erros e acidentes, perda de habilidade, Einarsen, S. V., Hoel, H., Zapf, D., & Cooper,
custos dos passivos trabalhistas (Heloani C. L. (2020). The concept of bullying and ha-
& Barreto, 2018; Nunes, 2016; Hirigoyen, rassment at work: the European tradition.
2015). Ressalta-se que os efeitos listados In: S. V. Einarsen, H. Hoel, D. Zapf, & C. L.
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86 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Sentidos do Trabalho

Andrea Leite Rodrigues - USP


Tereza Cristina Batista de Lima - UFC

O sentido do trabalho tem sido reco- outras, de ordem psicológica: o tédio, a in-
nhecido como uma condição psicológica satisfação, a necessidade de aprendizagem,
importante por pesquisadores há muito de realização e de estabelecer laços de iden-
tempo. A ausência de sentido leva à alie- tidade social (Homans, 1961).
nação e morte, ideia de origem marxista,
detalhada no trabalho de Aktouf (1992). As pesquisas sobre os sentidos do tra-
balho têm como uma de suas referências
Ao estudar o tema do sentido do tra- estudos desenvolvidos pelo grupo de traba-
balho é preciso entender as razões que o lho Meaning of Work (MOW), cujo objetivo
fizeram importante para administração. A consistiu em identificar e descrever carac-
história recente do trabalho nos mostra terísticas atribuídas ao trabalho (Rodrigues,
como a industrialização fracionou-o e tor- Barrichello, Irigaray, Soares, & Morin, 2017).
nou-o despersonalizado. Os rendimentos Três matrizes epistêmicas influenciam as
decrescentes do capital (Friedmann, 1964) discussões sobre o tema: a funcionalista,
e os custos derivados da supervisão do tra- utilizada neste ensaio, que relaciona bem-
balho fragmentado são alguns dos fatores -estar no trabalho com a necessidade de ter
econômicos que precipitaram a crise do sentido na atividade realizada (Morin, 2001,
taylorismo/fordismo. A reação contra a di- 2008); a crítica, que problematiza tensões e
visão do trabalho teria, a priori, origem em contradições das relações capital-trabalho
causas econômicas e técnicas, posto que (Ferraz & Fernandes, 2020); e a interpretati-
certos esquemas de trabalho, sobretudo os vista, fundamentada nas clínicas do trabalho
mais especializados, inviabilizariam esforços (Bendassolli & Gondim, 2014)
de coordenação e cooperação entre traba-
lhadores, a não ser com grande dispêndio Em uma abordagem funcionalista (Bur-
de energia. Porém, Homans (1961) afirma rell e Morgan (1979), o sentido do trabalho
que por trás das causas técnicas, existiriam tem sido reconhecido nas teorias em ges-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 87


tão como uma condição psicológica rele- c. A coerência que o trabalho tem
vante por pesquisadores há muito tempo. para ele. De um modo simples, o
A área de comportamento organizacional sentido refere-se ao grau de cor-
dedica-se, em boa parte, a buscar fontes respondência entre as característi-
e formas de sentido positivo no trabalho, cas das pessoas e as propriedades
de modo a intensificar harmoniosamente a das atividades desempenhadas por
produtividade e a experiência de prazer ou elas profissionalmente. Trata-se, se-
recompensa. Sendo assim, encontramos gundo Morin (2008) de integrar vida
muitos trabalhos sobre gestão do sentido, interior com a exterior.
ou seja, trabalhos voltados a avalia-lo e des-
cobrir seus antecedentes e consequentes. Não se pode negar que os estudos
sobre sentido do trabalho estão, em sua
Morin (2008), influenciada pelo traba- maior parte, orientados para aspectos
lho de Frankl (1963), afirma que a impor- positivos, sobretudo em comportamento
tância da identificação dos antecedentes organizacional. Evidentemente, nem todos
do sentido do trabalho reside no fato de consideram o sentido do trabalho como
ser um forte indicador de qualidade de vida algo sempre orientado para mensuração
psíquica em um determinado ambiente e avaliação. Pode-se evidenciar isso em
profissional. Por isso, pode-se assumir que Rosso e colaboradores (2010), que mos-
há relação positiva com outras variáveis tram como a produção sobre o tema não
como comprometimento afetivo e negativa se restringe a isso. Entretanto, os autores
com estresse no trabalho. O sentido do advertem que seu trabalho de reunião e
trabalho se apresenta como um efeito, um sistematização da produção intelectual so-
produto, da atividade humana que se pode bre sentido, captou apenas as obras que o
descrever melhor ou tentar definir em três encaram como positivo, deixando de lado
significados distintos, porém próximos: os trabalhos que tratam de sofrimento e
penúria. Tem havido bem menos destaque
a. A significação do trabalho para o para dimensões do sentido que estejam
individuo, isto é, a definição que o associadas a desapontamento, tristeza,
individuo dá ao trabalho que realiza angústia, desespero e sofrimento (Ardi-
e o valor com que o infunde. Nesta chvili e Kuchinke, 2009).
vertente, o sentido esta associado
a um sistema de interpretação da Tomando o sentido como positivo e
realidade ou dos eventos da vida; desejável, buscaram-se na história recente,
experiências que promoveram a busca do
b. A orientação do individuo quanto sentido no trabalho como estratégia deli-
ao trabalho que executa. Nesta, o berada para criar predisposição positiva.
sentido esta associado à ideia de Quatro marcos teóricos importantes foram
objetivo ou meta; identificados.

88 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Na produção bibliográfica em adminis- trabalho do que a seus salários (Ketchum
tração, começamos a encontrar o sentido do & Trist, 1992).
trabalho como algo relevante para gestão
de pessoas no trabalho seminal de Elton O terceiro marco teórico importante na
Mayo, psicólogo industrial, cujo nome está literatura sobre administração e sentido do
ligado à chamada Escola das Relações Hu- trabalho ocorreu duas décadas depois, com
manas. Mayo desafiou a teoria clássica com o trabalho de J. Richard Hackman and Greg
os resultados de seus estudos na fábrica Oldham que desenvolveram a Job Characte-
da Western Electric, em 1920, trabalho que ristics Theory (JCT), que propôs a importância
ficou conhecido como as experiências de do job design, significado da tarefa e satisfa-
Hawthorne. Os objetivos iniciais do estudo ção no trabalho. Job design consiste em um
eram cansaço, absenteísmo e desmotiva- conjunto de mudanças físicas e cognitivas
ção causada por questões relacionadas ao que o individuo pode fazer ao planejar seu
ambiente físico (Mayo, 1945). Na verdade, trabalho. No modelo das dimensões do
conflitos entre empregados e empregado- trabalho, as principais características do
res, apatia, alienação e alcoolismo, dentre trabalho levam a um estado de motivação
outros problemas, foram os motivos reais intrínseca pela mediação de 3 estados psi-
que motivaram o estudo. Depois de findá-lo, cológicos: a experiência de significado, a
as conclusões indicaram fatores relacio- experiência de responsabilização e o conhe-
nados à vida nos grupos informais, rela- cimento sobre os objetivos ou resultados
cionamento com liderança e sentimentos do trabalho (Hackman & Oldham, 1976).
em relação ao ambiente de trabalho como
sendo poderosos fatores que influenciam a O quarto marco teórico importante na
produtividade, desafiando a escola clássica produção sobre sentido do trabalho foi a
e a administração científica. institucionalização do termo na literatura
acadêmica após a publicação do trabalho do
O segundo marco teórico importante Meaning of Work, um grupo de pesquisado-
que encontramos sobre sentidos do tra- res internacional que se tornou um exemplo
balho em administração ocorreu durante de destaque. A pesquisa conduzida pelo
a década de 1950 quando os pesquisado- grupo MOW (1987) dá distinção a quatro di-
res da chamada Escola Sociotécnica bus- mensões importantes ao analisar o sentido
caram, incansavelmente, modelos organi- do trabalho: (1) a centralidade do trabalho:
zacionais que favorecessem engajamento o grau de importância que um indivíduo dá
e comprometimento com o trabalho. Eric ao trabalho em sua vida e a importância
Trist, pesquisador do Instituto Tavistock do relativa, comparada com outras esferas; (2)
Reino Unido, mostrou com seus estudos normas sociais relacionadas ao trabalho –
nas minas de carvão que a insatisfação de direitos e deveres associados ao trabalho
trabalhadores eram mais severas em rela- realizado; (3) a importância dos objetivos do
ção a questões relacionadas a seu próprio trabalho para o individuo e (4) os resultados
do trabalho que se espera alcançar. Estas

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 89


quatro dimensões são influenciadas por Burrell, G., Morgan, G. (1979). Sociological
fatores sócio demográficos, educacionais e paradigms and organizational analysis. Lon-
de socialização, sem esquecer que podem don: Heinemann.
se alterar ao longo da vida do individuo.
Costa, S. D. M., Paiva, K. C. M., & Rodrigues,
O trabalho do grupo MOW (1987) consi- A. L. (2022). Sentidos do trabalho, vínculos
dera que o sentido do trabalho é um cons- organizacionais e engajamento: proposição
truto determinado por mais de um fator, de um modelo teórico integrado. Cadernos
isto é, as pessoas não desenvolvem o sen- EBAPE.BR, 20(4), 470-482.
tido apenas por conta das características
do trabalho, sua experiência pessoal ou Ferraz, D. L. S., Fernandes, P. C. M. (2020).
características do ambiente; elas são in- Desvendando os sentidos do trabalho.
fluenciadas por questões fatores sociais, po- Cadernos de Psicologia Social do Trabalho,
líticos e econômicos, psicológicos, culturais 22(2),165-18
e tecnológicos que constroem o contexto.
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 91


Mobilidade e Migrações no
Mundo do Trabalho
Andrea Poleto Oltramari - EA/PPGA/UFRGS e SOCIUS/ISEG/ULisboa
Duval Fernandes - PUC Minas

No Brasil a mobilidade ganha força com lazer –, até chegar-se ao nomadismo ou ao


a abertura econômica e reestruturação pro- imobilismo”.
dutiva dos anos 1990 (Costa, 2005). Tal aber-
tura possibilita ampla movimentação de Em que pese as amplas classificações e
capitais, fábricas, pessoas, bens e produtos, categorias para conferir robustez ao concei-
conferindo ao Brasil, a época, um proces- to de mobilidade, é importante apontar que
so ampliado de reestruturação produtiva, este também resulta em diferenças quando
ampla abertura econômica e flexibilização associado a diferentes marcadores sociais
tanto da economia quanto do trabalho. ou desigualdades, sejam elas no mundo
do trabalho, nas famílias, e em países em
Nesse contexto, a mobilidade pode ser diferentes momentos de desenvolvimento.
associada a um termo polissêmico que não
somente diz respeito a circulação, acessi- O Dicionário Multilingue Demográfi-
bilidade, trânsito ou transporte (Balbim, co (UN, 1982) define mobilidade espacial,
2016) e supera a lógica do deslocamento mobilidade territorial, mobilidade física ou
físico somente. Balbim (2016, p. 23) é preciso mobilidade geográfica como o estudo dos
ao referir que “o conceito de mobilidade fenômenos quantitativos relacionados ao
adquire formas e presta-se a usos e expli- deslocamento.
cações diversas. Da mobilidade cotidiana,
passa-se às mobilidades social, residencial Essa viagem temporal e espacial que
e do trabalho, ou, mais recentemente, à os conceitos de mobilidade proporcionam
mobilidade simbólica. Também são formas associam-se ao termo migração. Migração
de mobilidade as migrações – bem como corresponde à mobilidade espacial da po-
a mobilidade pendular, do turismo e do pulação. Migrar é trocar de país, de Estado,

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 93


Região ou até de domicílio. Todos esses ficam divididas. Mas têm impactos positivos
movimentos devem estar associados a uma com as remessas e também promovem
mudança de residência, (UN, 2008) o que processos de causas acumulativas (Massey,
exclui do termo migração os deslocamen- 1980) que contribuem para a perpetuação
tos pendulares de trabalho, estudo e lazer. do processo migratório.
O processo da migração ocorre desde o
início da história da humanidade. O ato de No destino, há todo um processo a ser
migrar faz do indivíduo um emigrante ou vencido, os costumes locais, que podem
imigrante. No ponto de partida o indivíduo ser de ordem cultural, tecnológica ou reli-
é um emigrante e no ponto de destino é giosa, dentre outros, impõem adaptações
um imigrante, cada emigração leva a uma permeadas pelo domínio do idioma local,
imigração em outro local (UN, 2008). Entre inserção no mercado de trabalho e condi-
um ponto e outro desse trajeto vários fa- ções de moradia.
tores ou obstáculos podem intervir, além
daqueles que levam a emigração, fatores de Ao completar o projeto migratório de
expulsão, e os que contribuem na escolha forma voluntária ou compulsória, nova mi-
dos destinos, fatores de atração (Lee, 1980). gração se impõe, o retorno. Volta-se ao local
de partida, mas não se retorna ao mesmo
Processos que colocam em risco a so- espaço físico e social que desde a partida
brevivência dos indivíduos na região de passaram por alterações, exigindo nova
origem podem levar à saídas precipitadas adaptações que serão permeadas pelo su-
criando a figura do refugiado ou mesmo, cesso ou fracasso do projeto migratório
dependendo da situação, de apátrida. No (Sayad, 2000).
destino, as condições de acolhida podem
variar segundo a origem do imigrante, a Algumas consequências também são
situação do seu deslocamento e a forma apontadas a partir dos movimentos migra-
de entrada no país de destino que definem tórios, tais como: a) conciliação trabalho,
o acesso a serviços e direitos, segundo o carreira e família; b) Left-behind children; c)
status de imigrante regular ou irregular, barreiras culturais e linguísticas; d) xenofo-
legal ou ilegal. A condição de refugiado, bia; e) crises climáticas; f) migração estudan-
a ser reconhecida no país de destino, in- til; g) mobilidade e equivalência de diplomas;
depende das razões de saída do país de h) integração e inserção de migrantes com
origem e, mesmo permeada por acordo alta qualificação profissional; i) migrantes
internacionais, depende da interpretação artistas; j) padrões espaciais e geográficos
local de cada situação de forma individual. nos estudos migratórios; k) diversidade e
migração; l) êxodo rural e migração.
A experiência da migração envolve vá-
rios atores, não só o indivíduo que parte Encoraja-se, portanto, que mais estu-
mas também aqueles que ficam. As au- dos no que tange os temas mobilidades e
sências impactam na sociedade local, no migração sejam construídos. Apontamos
mercado de trabalho e nas famílias que caminhos e possibilidades nas mais diversas

94 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


áreas de estudo, uma vez que o tema não Sayad, Abdelmalek. (2000). O retorno: ele-
está circunscrito a um determinado campo mento constitutivo da condição do imigran-
de estudos, se não que tangencia e adentra te. Travessia Revista do Migrante. Ano XIII
várias áreas. Urge pensarmos em políticas nº especial janeiro.
públicas, integração, acolhimento, práticas
inclusivas, regularização das pessoas em UN United Nation. (2008). Principles and Re-
deslocamento com mais celeridade, con- commendations for Population and Housing
sequências da pandemia da Covid-19 para Censuses. Revision 2 New York.
as migrações e os deslocamentos, inserção
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e façam todos refletirem sobre um mundo tion. New York. (http://www.demopaedia.
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acesso em 5/06/2023
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 95


Terceirização e Precarização
do Trabalho
Arnaldo José França Mazzei Nogueira - USP e PUCSP

A precarização e a terceirização no Brasil exército industrial de reserva no capitalismo


são dois fenômenos interligados e repre- moderno. Quanto maior a precarização do
sentam formas de degradação e divisão trabalho, maior será a redução do custo
social do mundo do trabalho. A precarização geral da força de trabalho, pressionando
sempre existiu, desde a formação do capi- para baixo o valor da força de trabalho e
talismo no Brasil, e está relacionada com a aumentando a valorização do capital.
transição do trabalho escravo ao trabalho
assalariado. Vamos lembrar que boa parte da classe
trabalhadora brasileira foi formada por imi-
A abolição da escravatura pelas elites grantes e estratos sociais nacionais. Esses
aristocráticas não definiu qualquer proteção segmentos vão sendo regulamentados pelo
ou inclusão da força de trabalho escrava conjunto de iniciativas de legislação social e
libertada. Por isso, até hoje a precariza- trabalhista e depois pela CLT - Consolidação
ção do trabalho tem cor, raça e gênero. A das Leis do Trabalho - em 1943, criada em
terceirização é uma estratégia de gestão plena ditadura do estado novo comandada
contemporânea trazida no contexto da por Getúlio Vargas. (Nogueira, 2004)
reestruturação produtiva global e produz
a precarização do trabalho. Nas décadas de passagem da economia
agrária para a economia industrial, já se
Entende-se por precarização do traba- notava no Brasil que parte da população
lho a exclusão de parte da força de trabalho trabalhadora ficava fora da proteção da CLT
do mundo do trabalho assalariado regular e e trabalhava sem o registro na carteira pro-
formalizado. Trata-se do trabalho sem regu- fissional. O registro na carteira significava
lamentação, inseguro, instável, intermitente, para o trabalhador, a proteção do direito
informal, subutilizado, semiempregado ou individual e coletivo do trabalho, obviamen-
desempregado e que exerce a função de te, enquanto estivesse empregado: direito

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 97


à previdência, assistência médica, jornada categorias nas relações de trabalho. (Albu-
de trabalho, correções salariais, negociação querque, 2002; Nogueira, 2002)
coletiva e sindical etc...
Neste contexto, a terceirização inspira-
A precarização do trabalho no Brasil da no antigo putting out sistem (subcontrata-
está diretamente ligada àquela parte da ção do trabalho) das origens do capitalismo
classe trabalhadora fora do sistema de pro- industrial é reinventada e se transforma em
teção da CLT, mesmo depois da promulga- estratégia inovadora de gestão, em busca
ção da Constituição de 1988 e do retorno da flexibilidade, produtividade e competi-
da democracia no Brasil. E na passagem tividade.
do século XX para o século XXI, esse con-
tingente só tem crescido e produzido uma No universo gerencial e empresarial,
divisão social da classe trabalhadora: entre a terceirização conhecida como outsour-
trabalhadores e trabalhadoras formais e cing é uma estratégia positiva de comprar
informais. serviços/produtos de forma sistêmica de
diversos parceiros e fornecedores, pos-
Esta situação reflete na estrutura do sibilitando para a empresa contratante a
mercado de trabalho do setor privado, concentração na sua atividade central, o
que entre 2014 e 2019, teve aumento dos chamado “core business”. Assim, atividades
trabalhadores sem carteira assinada que secundárias podem ser terceirizadas por
atingiram cerca 21,5% e dos trabalhadores empresas especializadas. É famosa a frase
por conta própria na faixa de 32%, ultra- de Tom Peters (1996) “Só não devemos
passando os trabalhadores com carteira transferir para terceiros a nossa própria
assinada com cerca de 46,5%. Os traba- alma! Quero terceirizar tudo” (Araujo, 2001).
lhadores do setor público em sua grande
maioria têm condições de trabalho mais A terceirização tradicional considerava
estáveis e formalizadas. (Krein et al, 2019; o fornecedor como adversário, ganhos a
2021). curto prazo, lucro e vantagem acima de
tudo, postura reativa e na perspectiva ge-
O combate à precarização no merca- rencial na qual prevalece o positivismo e
do de trabalho depende do Estado e das o pragmatismo todo o processo pode ser
políticas públicas de emprego inclusivas também aperfeiçoado. Assim, coloca-se
e de todo um aparato educacional e de a possibilidade da terceirização saudável
qualificação para o trabalho. Na esfera das criando-se as parcerias internas (os colabo-
organizações do setor privado, as políticas radores) e externas com os fornecedores
de recursos humanos estão diretamente como sócios e gerando valores nas cadeias
envolvidas nesse processo e a passagem da produtivas e nas redes empresariais. (Gio-
gestão burocrática para a gestão estratégia sa, 1993)
de pessoas vai coincidir com o processo
de reestruturação organizacional e flexi- Na verdade, a terceirização que prevale-
bilização do trabalho, criando diferentes ceu na esfera do trabalho foi a de redução

98 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


de custos, enxugamento das estruturas, re- ques (just in time) garantido pela terceiri-
dução do pessoal e de aumento dos desliga- zação de fornecedores da empresa “mãe”.
mentos, sempre em nome da flexibilidade A generalização deste modelo inaugura
em busca de encontrar a melhor maneira o capitalismo flexível, informacional e as
de realizar os negócios e avançar na com- empresas em rede (Sennett, 1999; Castells,
petitividade expandindo o domínio sobre 1999).
o ambiente empresarial. (Dieese, 2017)
Assim, a terceirização pode representar
Com isso, a terceirização passou a ser uma precarização de primeiro nível em re-
caracterizada como uma estratégia orga- lação aos trabalhadores centrais. E a partir
nizacional que reduz salários e benefícios, daí, outras camadas vão surgindo em níveis
aumenta as jornadas de trabalho acima piores de precarização dentro do processo
das 8 horas diárias, quebra a solidarieda- de acumulação flexível do capital (Harvey,
de de classe e sindical dos trabalhadores, 1993).
cria uma categoria de segunda, terceira e
quarta classe e com isso, produz uma nova Explicando melhor: o trabalho despro-
precarização do trabalho assalariado. (Dau vido de qualquer direito, representação e
et al, 2009) regulamentação é a base visível da pirâmide
do mundo trabalho e invisibilizada pela cor-
Em busca de encontrar a maneira mais poração e pela sociedade. A invisibilidade
eficaz e barata de produzir bens e prestar e a indiferença caracterizam a condição do
serviços, a terceirização pode represen- outro, terceirizado e precário. Funciona,
tar um primeiro nível de precarização do como se as pessoas fossem coisas.
trabalho. Neste caso, o trabalho pode ser
realizado por trabalhadores registrados em A terceirização mais tóxica foi então
carteira profissional de acordo com a CLT uma estratégia do processo de acumula-
– Consolidação das Leis do Trabalho – na ção flexível do capital, cuja finalidade, era
modalidade do trabalho decente. Mas, na reinar no mercado através da redução do
realidade, as condições de trabalho e salá- custo da força de trabalho e da divisão da
rio dos terceirizados são piores que as dos classe trabalhadora em diversos grupos e
trabalhadores das empresas contratantes. fragmentos. (Nogueira, 2008)

A história desse processo encontra no Em outras palavras, “terceirização é todo


paradigma toyotista a sua principal inflexão, processo de contratação de trabalhadores
que em busca da recuperação e expansão por empresa interposta, cujo objetivo últi-
da indústria japonesa colocava-se como al- mo é a redução de custos com a força de
ternativa ao paradigma fordista da indústria trabalho e/ou a externalização dos conflitos
norte americana e ocidental. Como se sabe, trabalhistas. Ou seja, é a relação na qual o
o toyotismo é uma estratégia de produção trabalho é realizado para uma empresa,
puxada pela demanda, pela flexibilização mas contratado de maneira imediata por
do trabalho polivalente, a redução de esto- outra. Na realidade brasileira, a terceirização

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 99


é inseparável da ampliação da exploração balhadores precarizados. (Antunes, 2012;
do trabalho, da precarização das condições Abilio, 2019).
de vida da classe trabalhadora e do esforço
contínuo das empresas para enfraquecer A última cartada para a degradação do
as organizações dos trabalhadores.” (Mar- trabalho no Brasil, veio através de uma lei
celino, 2013, p.50) após o golpe parlamentar e já sob o governo
Temer. Trata-se da LEI Nº 13.429, DE 31 DE
São diversas as formas de terceirização MARÇO DE 2017 que altera dispositivos da
tais como as cooperativas de trabalhado- Lei Nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que
res que prestam serviços para empresas dispõe sobre o trabalho temporário nas em-
contratantes, trabalho temporário (hoje presas urbanas e dá outras providências; e
o trabalho intermitente regulado por lei) dispõe sobre as relações de trabalho na em-
quando o contrato de trabalho é feito por presa de prestação de serviços a terceiros.
empresa interposta, empresas externas
como empresas fornecedoras, empresas Em seguida, vem a REFORMA TRABA-
subcontratadas como o serviço de telemar- LHISTA de novembro de 2017, como pá de
keting e callcenter, empresas de prestação cal para calar e desestruturar o movimento
de serviços internos como limpeza e segu- sindical e trabalhista brasileiro que já vivia
rança em outra empresa, os PJs pessoas uma crise considerável. (Krein, 2021).
jurídicas e ainda, a quarteirização na qual
uma empresa terceirizada contrata outra Os movimentos sociais e sindicais do
empresa para complementar o trabalho. trabalho ao não incluírem esses novos
(Marcelino, 2013) mundos do trabalho em suas lutas reivin-
dicatórias abrem todos os flancos para o
No contexto atual do Brasil e do mun- aumento da exploração do capital sobre o
do, a terceirização e a precarização não trabalho e das desigualdades no mundo do
encontram limites. Aparecem na gig eco- trabalho. Isto porque, as terceirizações e a
nomy (economia do bico), na uberização, precarização pressionam para a redução
no trabalho intermitente, na pejotização, geral do custo da força de trabalho e não
na subcontratação, na sub-ocupação ou vão cessar tão cedo.
sub-utilização, e será utilizado amplamente
no capitalismo de plataformas e digital. Há Por fim, iniciativas de resistências são
ainda, a falácia do “empreendedorismo” observadas tais como os movimentos de
como saída individual do trabalhador em- entregadores das empresas de aplicativos e
pregador de si mesmo e no caso do Brasil o recente manifesto lançado em abril desse
a expansão do MEI- micro empreendedor ano e que está nas redes sociais, sobre o
individual. Trata-se de uma nova morfologia tema abordado neste verbete:
do mundo do trabalho hifenizado que na
realidade mostra a grande desigualdade “Manifesto contra a terceirização e
gerada entre trabalhadores regulares e tra- a precarização do trabalho: Contra a ter-

100 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


ceirização, pela erradicação do trabalho personalidades. E por último, muitos de nós
escravo, a revogação integral da “reforma” assinaríamos ou até já assinamos.
trabalhista e o reconhecimento dos plenos
direitos dos trabalhadores e trabalhadoras De qualquer modo o documento, servirá
em plataformas digitais... Os dados da pre- para a reflexão da área de GPR.
carização do trabalho são alarmantes. E há
de se levar em consideração que grande
parte sequer é retratada em dados. Entre Referências
2018 e 2022, foram resgatadas 7541 pes-
soas em condições análogas à escravidão, Abilio, L. (2019). C Uberização: Do empreen-
sendo que 80% se reconhecem como ne- dedorismo para o autogerenciamento su-
gros (pardos e pretos). Até 2018, 22% da bordinado. Individuo y Sociedad. Psicopers-
força de trabalho formal já era terceiriza- pectivas, 18(3). http://dx.doi.org/10.5027/
da. Hoje estima-se mais de 12,5 milhões psicoperspectivasvol18-issue3-fulltext-1674
de terceirizados, sendo que uma grande
maioria especialmente no setor de serviços Albuquerque, L. (2002). Gestão estratégica
é composta por mulheres.” de pessoas. In. FLEURY, M.T.L. (org.) As pes-
soas na organização. São Paulo: Gente.
... A terceirização foi também o cami-
nho decisivo de entrada para o trabalho Antunes, R. (2012). A nova morfologia do
intermitente e para o trabalho uberizado trabalho no Brasil. Reestruturação e preca-
em plataformas digitais, no qual estima-se riedade. Nueva Sociedad, junho.
que hoje estejam cerca de 1,5 milhões de
trabalhadores, na situação do mais comple- Antunes, R. (2020). Trabalho intermitente e
to afastamento dos direitos trabalhistas. ... uberização do trabalho no limiar da indústria
Trata-se de uma tarefa urgente... além de 4.0. In. Uberização, Trabalho Digital e Indústria
se constituir um importante e necessário 4.0. São Paulo: Boitempo.
avanço na condição de vida da classe tra-
balhadora do país, assim como uma revira- Antunes, R. (2022). Capitalismo pandêmico.
volta com relação aos rumos impostos pela São Paulo: Boitempo.
“reforma” trabalhista, indo, pois, na direção
da defesa efetiva de direitos democráticos Araujo, L. C. (2001). Terceirização (Outsour-
e sociais.” (Manifesto, sem autoria, abril de cing): Foco nos produtos e nos serviços. In.
2023). ARAUJO, L. C.Tecnologias de Gestão Organi-
zacional. São Paulo: Atlas.
O manifesto lançado em 18 de abril de
2023 já contava com mais de 500 assinatu- Dau, D. M.; Rodrigues, I. J.; Conceição, J. J.
ras de professores (as), pesquisadoras (es), (2009). Terceirização no Brasil: do discurso
acadêmicos, militantes sindicais, advogados da inovação a precarização do trabalho. São
(as), juízes (as) e lideranças do mundo do Paulo: Annablume e CUT.
trabalho entre muitos outros ativistas e

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 101


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102 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Uberização e Plataformização
do Trabalho
Andrea Poleto Oltramari - EA/PPGA/UFRGS e SOCIUS/ISEG/ULisboa
João Areosa - Instituto Politécnico de Setúbal, (Portugal)

O primeiro exercício para entender a para uma das formas mais emblemáticas
uberização do trabalho nos dias atuais en- de organização do trabalho na contempora-
faticamente é compreender como se deram neidade. Sua origem data de março de 2009
as relações e histórico do trabalho, tanto e foi uma precursora no que diz respeito
no Brasil quanto no mundo. A proposta ao desenvolvimento de uma plataforma
do presente verbete seguirá a seguinte or- digital disponível para smartphones que
dem: a) contextualizaremos como nasce a conectava os clientes aos prestadores de
uberização, realizando um enquadramento serviços (Franco; Ferraz, 2019). Esse tipo
temporal; b) Partiremos, então, para um de trabalho também já foi designado por
conceito sobre a uberização; c) em seguida, capitalismo de plataforma (Srnicek, 2017). A
apresentaremos em qual momento social, uberização é entendida como um novo tipo
político e econômico a uberização do traba- de gestão e controle da força de trabalho,
lho se insere; d) Após tal contextualização, com sua consolidação sob demanda de
passaremos para um debate sobre os algo- clientes e o uso das plataformas digitais
ritmos no mundo do trabalho e que regem como meio necessário para a realização de
a uberização; e) e enfim, apresentaremos atividades laborais geralmente precárias
as formas de precarização contidas nesse (Campos, Ricardo, Soeiro, 2021).
tipo de trabalho.
É notório que a uberização do trabalho
A uberização do trabalho nasce da pos- gera nômades urbanos, ou seja, trabalha-
sibilidade de se usar plataformas digitais dores e consumidores em deslocamento
de intermediação de mão-de-obra. O pri- constante no meio urbano, que sobrevivem
meiro modelo que se tornou conhecido através de um subemprego e que estão
mundialmente foi a empresa Uber, e que despossuídos dos seus principais direitos
acaba por extrapolar uma nomenclatura de cidadania e dignidade. Os trabalhadores

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 103


uberizados podem ser vistos como uma um único vigilante poderia observar todos
espécie de sub-cidadãos, que estão rele- os prisioneiros, sem que esses soubessem
gados para a ultra-periferia da existência quando e onde estavam sendo vigiados
(Standing, 2014; Areosa, 2022). Na litera- (Benthan, 1980).
tura recente alguns estudos vêm apresen-
tando as consequências dessa forma de Como formas de precarização contidas
organização do trabalho, quais sejam: a) nesse tipo de trabalho, Allegretti (2021) nos
empresariamento da informalidade (Vacla- alerta, por exemplo, a alguns impactos que
vik; Oltramari; Rocha-de-Oliveira, 2022); b) a digitalização do trabalho e sua plataforma
uberização do trabalho e acumulação capi- trouxeram para o cotidiano dos trabalha-
talista (Franco; Ferraz, 2019); c) abordagens dores. Entre eles, podemos identificar a
críticas ao espírito empreendedor (Ferraz; maior instabilidade profissional, o aumento
Ferraz, 2022) e, d) emancipação do sujeito do trabalho a tempo parcial permanente,
na era digital (Festi, 2020). o aumento dos falsos independentes, o
aumento do subemprego e a maior indi-
Fato é, que tais novas formas de organi- vidualização do mercado de trabalho com
zação do trabalho estão sobretudo inseridas uma diminuição significativa do viés de
em um modelo neoliberal de exploração das representação sindical. Por exemplo, no
relações de trabalho, que preconizam uma caso específico dos entregadores, as con-
série de danos ao sujeito, como aponta a dições de trabalho são sub-humanas: 1)
reflexão de Dalbosco, Santos Filho e Cezar estão expostos a todo o tipo de intempéries
(2022): apagamento do outro, indiferença extremas (frio, chuva, calor, humidade); 2)
ao sofrimento alheio, não reconhecimento em certos casos, têm de efetuar um esfor-
de nossos semelhantes e desmantelando ço físico intenso (por exemplo, no Brasil
as possibilidades de afeto e construção co- podem pedalar diariamente cerca de 80
letiva. Km) e isso traduz-se numa autoexploração
do corpo; 3) estão sujeitos a todo o tipo
A vida laboral passa a ser regrada por de acidentes, particularmente no trânsito,
algoritmos ao invés do compasso humano. cujas consequências podem ser fatais; 4)
As plataformas digitais se tornam os novos não têm direito a qualquer tipo de proteção
reguladores do século XXI e o algoritmo uma organizacional (porque “ninguém” é o seu
espécie de sistema panóptico que permite empregador); 5) estão particularmente pro-
a vigilância e o controle dos trabalhadores pensos a ser vítimas de insultos, assédio e/
(Franco, 2020; Areosa, 2021). A algoritmocra- ou assaltos, incluindo com violência; 6) não
cia é um poderoso sistema de sentinela que têm direito a folgas, férias ou descanso de
permanentemente fiscaliza as ações dos fim-de-semana; 7) o salário auferido pode
trabalhadores e, por isso, se transformou ficar abaixo do salário mínimo, dependendo
numa espécie de Big Brother. Importante da eventual aleatoriedade do algoritmo, que
mencionar que o panóptico, referência ao comanda o seu fluxo do trabalho); 8) tendo
big brother original, é um termo utilizado em conta a fraca visibilidade social do seu
para designar uma penitenciária ideal, onde trabalho, as fontes de reconhecimento são

104 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


relativamente ténues (Oltramari; Areosa, (orgs), Os Sujeitos do Neoliberalismo. Lisboa:
Ferraz, Franco, 2022). Tigre de Papel.

Em resumo, é urgente repensar o uni- Dalbosco, Claudio; Santos Filho, Francisco;


verso do trabalho atual, afastando o flagelo Cezar, Luciana. (2022). Desamparo humano
que assola um grande número de trabalha- e solidariedade formativa: crítica à perver-
dores, dado que o trabalho se transformou sidade neoliberal. Educação e Sociedade, 43,
num verdadeiro palco de sofrimento, explo- https://doi.org/10.1590/ES.244449
ração e alienação. Para tanto, apontamos
como possibilidades para futuros trabalhos, Ferraz, J. de M., & Ferraz, D. L. da S. (2022).
seguir desvendando como tal modo de or- Do espírito do capitalismo ao espírito em-
ganização do trabalho vem se apresentando preendedor: a consolidação das ideias
nos diferentes arranjos produtivos ao redor acerca da prática empreendedora numa
do mundo. abordagem histórico-materialista. Cader-
nos EBAPE.BR, 20(1), 105–117. https://doi.
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106 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Trabalho: entre o sujeito e o social

Ludmila de Vasconcelos Machado Guimarães – CEFET Minas


Renato Koch Colomby - IFPR

O conceito de trabalho possui carac- relevante mencionar o Dicionário de Tra-


terísticas universais, mutáveis, polissêmi- balho e Tecnologia, em que Antunes (2011,
cas e transdisciplinares. Trata-se de um p. 432) apresenta a definição de trabalho
fenômeno em constante transformação, como “o exercício de uma atividade vital,
indissociável à totalidade da vida, que se capaz de plasmar a própria (re)produção
reinventa diante das mudanças sócio-polí- da humanidade, uma vez que é o ato res-
ticas-econômicas. O reconhecido potencial ponsável pela criação dos bens materiais e
investigativo do trabalho faz com que sua simbólicos socialmente necessários para a
relevância se mantenha sempre nas pautas sobrevivência da sociedade”. Por sua vez,
das pesquisas acadêmicas de autores das no Dicionário de Psicologia do Trabalho e
mais diversas correntes teóricas. das Organizações, Yamamoto (2019), des-
creve o trabalho como uma atividade es-
No âmbito dos estudos em Gestão de sencialmente humana, caracterizada por
Pessoas e Relações de Trabalho, é notório ser consciente, voluntária e orientada a um
que as temáticas relacionadas ao trabalho objetivo.
estão no cerne das investigações. Contudo,
é importante observar que nem sempre Além disso, no Dicionário de Psicosso-
esses estudos apresentam uma definição ciologia, Lhuilier (2005) destaca a impor-
clara ou um posicionamento ontoepiste- tância de compreender o trabalho em suas
mológico. Portanto, é fundamental conside- diferentes formas social e historicamente
rar esses aspectos para uma compreensão determinadas, a fim de reconhecer a nature-
aprofundada e abrangente do fenômeno za dual do trabalho humano. Essa natureza
do trabalho. dual que Lhuillier menciona se baseia na
relação universal entre a pessoa e a nature-
Vários verbetes sobre o trabalho foram za, enquanto também sustenta as relações
elaborados no âmbito acadêmico, sendo sociais específicas.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 107


O trabalho como ação humana pode situações que não transcorrem conforme
remeter à implicação de força física e/ou o esperado, demonstrando uma atenção
esforço intelectual para alcançar determina- minuciosa durante a execução da tarefa.
da finalidade e pode ser também atividade Na mesma direção, Lhuilier (2014) entende
de transformação da natureza, um serviço, que trabalhar engloba tanto o processo de
profissão, ofício ou ocupação (Albornoz, civilização do real, por meio de desenvol-
2017). Por um lado, o trabalho pode sig- vimento de recursos simbólicos, e de um
nificar construção da identidade, saúde, trabalho de humanização que nos afasta de
qualidade de vida, riqueza e geração de nossos ancestrais animais e nos leva a abrir
materiais e serviços úteis para a sociedade. mão de uma parte da satisfação pulsional
Por outro lado, também pode representar em troca de um parte de segurança.
alienação, tortura, castigo, escravidão, ex-
ploração, sofrimento, doença e morte. Entre as abordagens possíveis para se
estudar o trabalho e a sua relação com a
Nos estudos sobre trabalho, dois con- subjetividade, destacam-se as Clínicas do
ceitos são de grande relevância: o trabalho Trabalho. Ao considerar tanto as dimensões
prescrito e o trabalho real. O trabalho pres- subjetivas quanto sociais do trabalho e do
crito, de acordo com Guérin et al. (2001), trabalhador, essas abordagens se diferen-
também conhecido como tarefa, refere-se a ciam das perspectivas mais tradicionais da
tudo o que é definido antecipadamente pela Psicologia do Trabalho que tendem a focar
organização e fornecido ao trabalhador para exclusivamente em aspectos individuais,
que ele possa executar sua atividade. O tra- como habilidades, características psicológi-
balho real, também chamado de atividade, cas e comportamentais-cognitivas. Contudo,
refere-se à execução concreta do trabalho, é importante reconhecer que a diversida-
levando em consideração as condições reais de epistemológica, teórica e metodológica
em que ocorre. Entre o trabalho prescrito e das clínicas não permite uma categorização
o trabalho real, surgem variabilidades rela- unificada, ou seja, não partem de teorias
cionadas aos meios, a matéria e a própria homogêneas (Bendassolli & Soboll, 2011).
atividade que não podem ser previamente
previstas. É nesse espaço entre o trabalho Em uma perspectiva ampliada, o termo
prescrito e o trabalho efetivamente realiza- “clínica” refere-se a uma articulação entre o
do que encontramos a realidade da ativi- mundo psíquico e o mundo social conforme
dade humana em ambientes profissionais. descrito por Bendassolli e Soboll (2011). Essa
abordagem parte de uma escuta atenta e
Considerando a discussão sobre traba- de um processo de implicação dos atores
lho prescrito e real, Dejours (2012) destaca envolvidos abrangendo os aspectos micro
que o trabalho é compreendido como aquilo e seus atravessamentos sociais. O foco é
que o sujeito precisa agregar às prescrições tanto no indivíduo quanto no coletivo de
a fim de alcançar os objetivos designados. trabalhadores e a organização. As principais
Em outras palavras, o trabalhador incor- abordagens clínicas são: a Psicodinâmica
pora elementos pessoais para lidar com do Trabalho, a Clínica da Atividade, a Psi-

108 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


cossociologia e a Ergologia. Dentre as dife- restaurar o espaço legítimo do trabalho real
renças mais significativas entre as clínicas no contexto público e demonstrar interesse
está a concepção de sujeito/subjetividade. não apenas na subjetividade, mas também
A Psicossociologia, a Sociologia Clínica e a na atividade dos trabalhadores. As formas
Psicodinâmica do trabalho consideram a de compreender e interpretar as vivências
dimensão do inconsciente, tendo como base do trabalho são construídas socialmente e
os fundamentos psicanalíticos. A Clínica da muitas vezes, esse sistema de representa-
Atividade e a Ergologia bebem nas teorias ção pode ocultar ou negligenciar aspectos
do desenvolvimento de Vygotsky, Bakhtin essenciais da experiência do trabalho liga-
e Leontiev. dos às aspirações, desejos e necessidades
enquanto seres humanos. Essa consta-
Além da psicanálise, a Psicodinâmica do tação nos leva a reafirmar nossa posição
Trabalho fundamenta-se na ergonomia e na inicial: que a nossa essência humana está
sociologia do trabalho tendo como funda- intrinsecamente ligada à interseção entre
dor o autor Christophe Dejours. Já a Clínica as demandas pulsionais e existenciais com
da Atividade de Yves Clot direciona seu foco os determinismos sociais tendo o trabalho
para compreender o desenvolvimento dos como grande articulador dessas dimensões.
sujeitos. Por sua vez, Vincent Gaulejac, Do-
minique Lhuilier e Eugene Enriquez, referên-
cias da Psicossociologia, buscam dialogar de Referências
maneira integrada com diversas disciplinas
como a psicanálise, a sociologia, a antro- Albornoz, S. (2017). O que é trabalho. São
pologia, a história e o marxismo. Por fim, a Paulo: Brasiliense.
Ergologia, representada principalmente pe-
las contribuições de Yves Schwartz, emerge Antunes, R. (2002). Os sentidos do trabalho:
de estudos pluridisciplinares que enfocam Ensaio sobre a afirmação e negação do
as situações de trabalho, destacando-se no trabalho. São Paulo: Boitempo.
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Soboll, 2011). Antunes, R. (2011). Trabalho. In A. D. Cattani
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À guisa de conclusão, argumenta-se a e tecnologia (2nd ed.). Editora da UFRGS.
necessidade de uma análise abrangente e
não simplista do trabalho, a fim de enrique- Bendassolli, P., & Soboll, L. A. P. (2011).
cer os debates sobre o tema com sua com- Introdução às clínicas do trabalho: aportes
plexidade. Para tanto, é essencial considerar teóricos, pressupostos e aplicações. In P. F.
as duas categorias analíticas mencionadas Bendassolli & L. A. P. Soboll (Eds.), Clínicas
anteriormente: a dimensão micro e a di- do Trabalho: novas perspectivas para a
mensão macro que atravessam os sujeitos compreensão do trabalho. São Paulo: Atlas.
que trabalham. Lhuilier (2005) nos desafia
a subverter o silêncio que esses sujeitos Dejours, C. (2012). Trabalho vivo: Trabalho e
enfrentam em relação ao seu trabalho ao emancipação (Tomo II). Brasília: Paralelo 15.

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Editora Ltda.

110 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Trabalho e Trabalho Assalariado

Deise Luiza da Silva Ferraz - UFMG

Trabalho, em sua concepção mais in- nalmente para fins de sua autorreprodução,
determinada, é a categoria que expres- em outras palavras, o trabalho como fator
sa o gasto de energia físico-psíquica que ontológico da humanização -; como a deter-
alterar um objeto com fins de satisfazer minação da organização social decorrente
necessidades humanas quaisquer, sendo das formas de distribuição dos elementos
assim, um processo sociometabólico que do processo de trabalho. A distribuição so-
envolvem três elementos, a saber: o objeto cial dos elementos do processo de traba-
a ser transformado, os meios de trabalho e lho determina as relações sociais gerais da
as capacidades físico-psíquicas para trans- sociabilidade humana caracterizando cada
formá-lo. O processo de trabalho exige um época histórica.
conhecimento sobre: i) as relações causais
do objeto a ser transformado (quando este O capitalismo é uma forma social de-
é um objeto natural) e/ou sobre as regu- terminada de produção onde um grupo
laridades sociais do objeto (quando este humano, portanto, portadores de capaci-
é a própria relação social); e, ii) os meios dade de trabalho, está apartado dos meios
apropriados para potencializar as forças e objetos do trabalho e não é propriedade
humanas na efetivação da transformação. de ninguém. Sob essas condições, a rela-
No processo de trabalho se transforma tan- ção de trabalho torna-se uma relação de
to o objeto do trabalho, produzindo valores assalariamento. Por um lado, a capacidade
de uso; quanto se produz a subjetividade de trabalho é o elemento do processo de
de quem trabalha (Marx, 2013). trabalho cuja propriedade é da classe traba-
lhadora e converte-se em mercadoria força
Essa descrição simples do trabalho pou- de trabalho; por outro, os objetos e meios
co expressa a complexidade das relações de trabalho convertem-se em propriedade
hodiernas de trabalho, mas permite en- privada dos meios de produção da classe
tender tanto a especificidade do gênero que demanda de trabalho para que seu
humano -: única espécie que atua intencio- capital valorize. O mercado de trabalho é

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 111


a efetivação da compra da força de traba- so de trabalho que está sob o comando de
lho pelos capitalistas, independente das outrem, isso em troca do dinheiro (forma
múltiplas formas que essa compra possa salário) que lhe dará acesso aos meios de
assumir. A transformação dos elementos do existir enquanto trabalhador e trabalha-
trabalho em mercadoria força de trabalho dora. Porém, a liberdade acaba com o ato
e em propriedade privada dos meios de de venda de sua força de trabalho, a partir
produção foi lenta, gradual e baseada na disso, sua capacidade física e mental será
violência (expropriações de terras, escra- livremente consumida segundo os preceitos
vização de povos, colonização são apenas do controle do processo de trabalho sub-
algumas práticas que subjazem a gloriosa metido ao processo de valorização (Marx,
Revolução Burguesa ocorrida entre os sé- 2013). Cabe aos estudiosos do campo das
culos XVII e XVIII). ciências administrativas produzir o conhe-
cimento necessário para a intensificação
O Trabalho Assalariado é a categoria otimizada de tal consumo.
que expressa essa relação onde a capacida-
de físico-psíquica humana de transformar A raiz do processo de valorização é a
o mundo com vias de autorreprodução do existência de um tempo de trabalho não
gênero humano tornou-se uma mercadoria pago, quando a força de trabalho produz
a ser negociada no mercado com fins de mais-valor do que o equivalente ao valor
reprodução do capital. Esta é a base para de sua força de trabalho (este é expresso
Weber (2012) concluir que a classe social no preço do trabalho, o salário). No pro-
é um conceito que diz da probabilidade cesso de produção de mercadorias, sob o
de alguém comportar-se no mercado de ponto de vista do valor, a força de trabalho
trabalho, seja como vendedor ou como (trabalho produtivo) atua durante um pe-
comprador. Como este autor está preo- ríodo produzindo valores equivalentes ao
cupado com a manutenção das relações seu valor, em outro período trabalha gra-
sociais capitalistas, tal probabilidade não é tuitamente para seu empregador, criando
questionada, apenas é um dos marcadores um valor novo (o chamado mais-valor). No
para compreender relações sociais em geral processo de circulação da mercadoria, o
que tem sempre, como ponto de partida, trabalhador e a trabalhadora atuam para a
o indivíduo e o sentido visado de sua ação. realização desse novo valor criado, portanto,
não criam valor nem mais-valor (trata-se de
Diferente é a demonstração marxia- um trabalho improdutivo sob o ponto de
na, que ao questionar o assalariamento vista do capital), mas os realiza, estando,
o revela como expressão de uma relação assim, igualmente submetidos aos ditames
social exploratória, na qual, a propriedade do processo de valorização do valor, visto
privada dos meios de produção (MP) liberta que o processo de valorização é a unidade
o trabalhador e a trabalhadora, deixando-os entre criação-realização de valor e mais
na condição de poder escolher para quem valor. Todo o tempo de trabalho não pago
ofertar a sua força de trabalho (FT) que será dos trabalhadores da esfera da circulação
consumida, durante um tempo, no proces- colabora para a equalização das taxas de

112 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


lucro entre as esferas da produção e da lação salarial apreendemos que o salário é
circulação das mercadorias. Assim, para a a expressão do valor da força de trabalho e
classe capitalista, o tempo de trabalho não pode assumir a forma de tudo aquilo que o
pago do trabalhador produtivo é a fonte capitalista dispõe ao trabalhador em troca
da riqueza do capitalista e o tempo de tra- do direito de consumir sua força de tra-
balho pago do trabalhador improdutivo é balho. A forma universal desse salário é o
um custo social para o capital. Eis porque, dinheiro, por ser este um equivalente geral
para o trabalhador do setor da circulação de das trocas na sociedade capitalista; mas o
mercadorias (por exemplo: trabalhadores salário também pode assumir formas mais
do setor de comércio), as formas como sua específicas de bens de consumo, como por
força de trabalho serão compradas tendem exemplo: cestas básicas, vale transporte,
ao máximo de precariedade quando com- vale refeição, planos de saúde, etc. Cabe aos
paradas as condições de quem trabalha administradores do departamento pessoal
nos setores da produção de mercadorias definir como reduzir o capital investido com
(trabalhadores da indústria). Não é por aca- a compra da força de trabalho, se por meio
so que revendedoras de cosméticos, por do pagamento em dinheiro ou por um com-
exemplo, têm a liberdade de atuarem sem posto que envolve dinheiro, cestas básicas,
contrato de trabalho, afinal esses represen- auxílio moradia, bolsas para capacitação,
tam custos a serem evitados. Porém, não auxílio creche, etc. e atrelar tudo isso a um
deixam de ser trabalhadoras assalariadas, conjunto de metas de produtividade, dan-
pois, apartadas dos meio de trabalho/pro- do a sensação que o salário reflete todo o
dução que lhes garantiriam a reprodução tempo em que gastamos nossas energias
da existência, necessitam dispor aos capi- físico-psíquicas na prestação de um serviço,
talistas suas capacidades físico-psíquicas escamoteando assim o tempo de trabalho
numa atividade de convencimento de ou- não pago.
tros indivíduos acerca da necessidade de
adquirirem um perfume, um batom, um Quanto a forma que o salário assume,
creme antienvelhecimento, etc. Em suma, vale ainda mencionar que ele pode ser de-
ocupam um tempo de suas vidas canalizan- finido por jornada, por peça, por produti-
do as capacidades de trabalho para que a vidade; mas que sua determinação não se
venda de uma mercadoria realize o mais dá pela natureza do processo produtivo em
valor produzido na produção e, por meio que a/o trabalhador/a está ocupado, mas
desta venda, a trabalhadora possa adquirir pelo valor das mercadorias necessárias a
um salário que lhe assegure o acesso aos produção da própria força de trabalho que
meios necessários a seu consumo e de sua é vendida e das forças de trabalho futuras. É
família. da responsabilidade da classe trabalhadora
sempre oferecer à classe capitalista matéria
Cabe assinalar que, somente na apa- para a exploração. E, assim, recai sobre os
rência da relação assalariada, o salário é ombros das chamadas famílias - em espe-
apenas a contraprestação de um serviço cial, das mulheres, - a responsabilidade por
prestado. Na apreensão da essência da re- garantir as condições necessárias à repro-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 113


dução da força de trabalho: casa e roupas o assalariamento como a forma digna de ser
limpas, mercadorias alimentícias prontas indivíduo, isso desde a tenra infância, afinal
para o consumo, crianças disciplinadas, etc. quem nunca respondeu a pergunta “o que
você quer ser quando crescer?”; sentidos
O trabalho, como já dito, produz que imputam às promoções na carreira as
efeitos úteis, estando estes materializados noções de realização e sucesso; sentidos
em um corpo material ou não; o ponto cen- que alimentam a ilusão de ser livre e autô-
tral é: o produto do trabalho satisfaz neces- nomo por canalizar as parcas economias de
sidades humanas, do estômago e da fanta- uma vida de trabalho empreendendo por
sia. Porém, devido a forma determinada de necessidade (ver verbete Empreendedoris-
distribuição dos elementos de trabalho no mo e Prática Empreendedora) em alguma
capitalismo, quem produz não tem acesso ponta do processo de produção e circulação
irrestrito aos produtos do trabalho, pois de mercadorias sem vínculo direto com um
em nossa forma específica de sociabilidade capitalista ainda que totalmente subsumido
a produção de valores de uso é algo ne- à reprodução ampliada do capital, mas sem
cessário apenas enquanto suporte para o os benefícios da acumulação; sentidos que
mais-valor que será apropriado pela classe fazem do trabalhador e da trabalhadora
capitalista. O preponderante, portanto, é o altamente controlados por um algoritmo
processo de produção de valores de troca reconhecerem-se livres de um patrão por-
e não de valores de uso. Na sociabilidade que junto a venda da sua força de trabalho
capitalista, não se produz para que haja foram obrigados a anexar instrumentos
valores de uso disponíveis ao consumo dos que lhes garantam a execução da tarefa.
seres humanos. Se produz para vender. Os sentidos/significados produzidos no e a
Consumir é apenas um ato necessário con- partir do trabalho assalariado são repletos
sequente à venda. de contradições. Estas são apreendidas/
sentidas/vivenciadas na forma de dilemas
O produto do trabalho é propriedade pessoais, conflitos relacionais, sofrimentos e
privada destinado a troca. É nessa relação prazeres. Controlar esses elementos é uma
de trabalho exploratória, na qual quem tra- necessidade do próprio capital para que não
balha está apartado do produto do trabalho se obstaculize o processo de valorização. Eis
e somente acessa-o por meio do salário, que porque, na Administração, muitos são os
se constitui a subjetividade da classe traba- estudos sobre os sentidos/significados do
lhadora. Marx (2004) demonstra que a sub- trabalho (Morin, 2001; ver verbete Sentidos
jetividade humana se constitui nas relações do Trabalho). Identificar a subjetividade
sociais. É na prática, na atividade sensível, produzida no processo de trabalho sob o
que se constitui o conteúdo de nossa sen- capital é elemento necessário para desen-
sibilidade. É, portanto, a partir de uma rela- volver técnicas de gestão que oportunizem
ção social assalariada que, imediatamente, maior consumo da capacidade de trabalho
atribuímos sentidos à vida: sentidos que e a possibilidade de postergar manifesta-
validam o empregador como o sujeito que ções de adoecimentos (ver verbete Saúde
me permite viver; sentidos que reconhecem Adoecimento no Trabalho).

114 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


A categoria trabalho assalariado aqui tivas tem alterado os modos das relações
apresentada expressa o que determina as de trabalho engendrando um complexo
relações de trabalho, o elemento constituin- de complexo constituído por: tempo de
te da unidade do ser de uma classe, a classe trabalho não pago na forma clássica de as-
trabalhadora. No cotidiano das relações salariamento, a despeito de legal ou ilegal
de trabalho, membros dessa classe viven- frente aos Estados; apropriação de valor
ciam o trabalho assalariado de diferentes por meio da transferência de atividades da
formas, essas são determinadas pela base esfera produtiva à esfera reprodutiva (pro-
técnica que constitui os meios de produção. sumer); instituição de processos de trabalho
À guisa de exemplo: o desenvolvimento pautados na escravidão moderna; e, difusão
da microeletrônica oportunizou “libertar” de relações de autoexploração, nas quais o
alguns trabalhadores e trabalhadoras para processo de acumulação está obstaculizado
o trabalho home office; a digitalização e na imediaticidade do processo particular de
algoritmização de dados permitiram su- criação e realização do valor, mas não no
plantar direitos trabalhistas adquiridos após movimento de reprodução ampliada do ca-
décadas de lutas entre as classes. pital (empreendedorismo por necessidade).
O mais valor criado e realizado em distintos
Na imediaticidade da vida, trabalho processos de trabalho cujas as relações as-
assalariado formal e trabalho assalariado sumem as formas mencionadas, expressa
informal; trabalho assalariado legal e traba- o movimento da acumulação capitalista no
lho assalariado ilegal; trabalho assalariado atual estágio do capital e determina a mor-
segundo a divisão sexual e racial do traba- fologia das classes, seus processos de adoe-
lho; trabalho assalariado uberizado; etc. são cimentos físico-psíquicos e suas resistências
algumas formas concretas dessa relação individuais e coletivamente organizadas.
salarial que fazem do mundo do trabalho
algo complexo onde as qualidades da força Tal complexo de complexos que é o
de trabalho vendida (se qualificada ou não, mundo do trabalho hodierno e seus des-
por exemplo) e as tais formas que o trabalho dobramentos para a classe trabalhadora e
assalariado assume determinam também para a luta de classes é um desafio para os
as condições de vida de cada trabalhador e estudiosos e as estudiosas da Administração
cada trabalhadora, afinal, é por meio dessa e da Organização do Trabalho, principal-
relação que se acessa o dinheiro necessário mente, quando não assumem o seu lugar
à compra das mercadorias envolvidas na na classe trabalhadora, pois, na venda dessa
produção e reprodução da força de tra- força específica de trabalho está a impo-
balho, que, necessariamente também é a sição da produção de um conhecimento
reprodução da vida da classe trabalhadora. que escamoteia a contradição da relação
capital-trabalho, reproduzindo o ideário de
É possível mencionar, partir de pesqui- harmonia e progresso oportunizado por um
sas realizadas no âmbito da Rede-TraMa modo de produção exploratório. Eis porque,
(Rede de Pesquisa Trabalho e Marxologia), diferente de Weber, Marx fez resistência e
que o desenvolvimento das forças produ- demonstrou que para alterar substancial-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 115


mente a condição de vida da humanidade
passa-se necessariamente pela superação
da condição de classe, pela superação do
trabalho assalariado e da propriedade pri-
vada dos meios de produção.

Referências

Marx, K. (2004). Manuscritos Econômicos-Fi-


losóficos. São Paulo: Boitempo.

Marx, K. (2013) O capital: crítica à economia


política, vol. 1. São Paulo: Boitempo.

Morin, E. M. (2001) Os sentidos do trabalho.


Revista Administração de Empresas ,41 (3),
8-19.

Weber, M. (2012) Economia e Sociedade: fun-


damentos da sociologia compreensiva, vol
1. Brasília: Editora da UNB.

116 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Sindicalismo (Sindicato) e Trabalho

Arnaldo José França Mazzei Nogueira - USP e PUCSP

O surgimento e a consolidação conheceu diversas correntes políticas e ideo-


do sindicalismo lógicas entre um sindicalismo de oposição
ao sistema capitalista, um sindicalismo de
O surgimento do sindicato está direta- participação e negociação e um sindicalismo
mente relacionado com a passagem das pragmático e de negócios (Antunes, 1980).
formas pretéritas de trabalho para o tra- Na verdade, à medida que as demandas
balho assalariado na formação do capita- do sindicalismo começam a se transformar
lismo industrial na Inglaterra. Em todas as em legislação social e trabalhista, começa a
formações sociais nas quais o capitalismo formação dos diversos sistemas de relações
industrial se desenvolveu, o sindicato, bem de trabalho, fundamental para o processo
como a sua generalização, o sindicalismo, de institucionalização e democratização.
passou a representar a organização cole-
tiva de trabalhadores contra a exploração Assim, Estado, Capital e Trabalho, vão
do trabalho pelo capital e ficou conhecido ao longo do tempo formar o sistema de re-
como “trade union”. Com isso a concepção lações de trabalho, cuja dinâmica depende
do tradeunionism ficou marcada como um do tipo de governo que ocupa o Estado, das
sindicalismo econômico de reivindicações características das empresas e dos segmen-
básicas, sociais e salariais dos trabalhado- tos empresariais que representam o capital
res. e das formas de organização dos trabalha-
dores e do sindicalismo que representam
Mas, o sindicalismo evoluiu sob outras o mundo do trabalho.
diversas concepções como a anarquista, a
reformista, a cristã, corporativista, revolu- Com isso pode-se afirmar que a trajetó-
cionária e comunista. Assim, o sindicalismo ria do sindicalismo foi duplamente determi-
desde as origens até a sua institucionaliza- nada: de um lado, por aspectos externos,
ção sempre teve caráter de reivindicação e como os processos econômicos, industriais,

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 117


tecnológicos, de gestão, político-ideológicos, industrial na criação de empregos e do valor
sociais e culturais, e, de outro, pela sua pró- econômico.
pria dinâmica interna enquanto organização
socialmente delimitada com capacidade de As mudanças do capitalismo global oca-
desenvolver relações, estratégias, orien- sionadas pela terceira revolução industrial e
tações próprias e de mudar a sociedade. pela reestruturação produtiva e tecnológica
(Nogueira, 1996) flexibilizaram as condições de trabalho em
termos das jornadas, dos contratos, da re-
A importância do sindicato fundamen- muneração, da proteção e do mercado de
ta-se na ação coletiva dos trabalhadores e trabalho e enfraqueceram as organizações
depende da união, associação e solidarieda- sindicais institucionalizadas.
de tanto na organização da luta econômica
e salarial perante as empresas como das Os sindicatos, em todo o mundo, vivem
lutas sociais e políticas pela preservação e hoje uma situação muito difícil, expressa
ampliação dos direitos sociais e do trabalho. na queda do número e da proporção de
Os sindicatos representam um patamar trabalhadores filiados e no declínio das ta-
de tomada de consciência de classe dos xas de greve, dois fenômenos indicativos
trabalhadores. do enfraquecimento do sindicalismo como
instituição e do poder sindical como ator
político. O conjunto de mudanças políti-
A institucionalização e a crise do cas, econômicas, comerciais, tecnológicas
sindicalismo no contexto global e culturais dos últimos decênios, às vezes
designado pelo controvertido termo “globa-
A institucionalização dos sindicatos coin- lização” atingiu duramente o sindicalismo.
cide com o processo de burocratização em (Rodrigues, 1999, p. 11)
geral das economias industriais modernas
ocorrido após a Segunda Guerra Mundial,
período considerado como o de prosperi- O sindicalismo no Brasil
dade econômica e tendência ao pleno em-
prego no mundo ocidental. Os sindicatos No Brasil, o processo de crescimento
transformaram-se em verdadeiras máqui- industrial, urbanização e industrialização
nas de negociação trabalhista, social e po- ocorreu de forma gradual no largo período
lítica. O chamado pacto fordista, keynesiano do início aos meados do século XX. Tratava-
ou social-democrático entre os sindicatos, -se de um capitalismo retardatário ou tardio
empresas e o Estado monopolizaram as cujo demiurgo será o Estado articulando
reivindicações da classe trabalhadora. Hou- trabalho e capital para o desenvolvimento
ve com isso a expansão dos sindicatos nos nacional. Esse processo foi marcado nas
segmentos dos serviços e nas classes mé- origens pela transição entre o trabalho es-
dias em um cenário onde o setor terciário cravo para o trabalho assalariado.
estava crescendo e superando o segmento

118 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


O sindicalismo então, nasce e se desen- O velho e o novo
volve a partir da formação da classe operá- sindicalismo no Brasil
ria que nas primeiras décadas do século XX
realizou diversos movimentos e congressos Entre 1945 e 1964 que no contexto da
operários que encaminhavam as lutas pelos redemocratização do Brasil, o movimento
direitos fundamentais do trabalho (limitação sindical teve forte influência na vida social
da jornada de trabalho, direito de greve, e política, e os sindicatos influenciados pelo
melhores condições de trabalho e salários). PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – de Ge-
túlio Vargas e pelo PCB – Partido Comunista
As correntes políticas e ideológicas pre- do Brasil - vão participar de importantes
dominantes nas origens do sindicalismo mobilizações e greves por melhores salários
eram o anarco-sindicalismo que negava a e condições de trabalho e vão se engajar
luta política e entendia o sindicato como na luta pelas reformas estruturais.
base de uma sociedade anarquista; o socia-
lismo reformista que privilegiava a mudança De um outro lado, parte da classe tra-
gradual da sociedade capitalista através da balhadora estava representada por um
reivindicação trabalhista e da participação sindicalismo legalista, assistencialista e de
política; o sindicalismo de influência comu- pauta conservadora que não participava
nista; os sindicatos amarelos e que serão a dos movimentos reivindicatórios e que vão
base do sindicalismo pelego dependente do formar até hoje a grande maioria dos sindi-
Estado e, ainda os sindicatos com influência catos no Brasil, inexpressivos e que viveram
da igreja católica. muito tempo através das contribuições sin-
dicais obrigatórias e da estrutura sindical
Toda essa história transforma-se quan- vertical previstas na CLT. Com a instauração
do o Estado inicia o processo de regulamen- da ditadura militar em março de 1964, o
tação das relações de trabalho e o ponto sindicalismo mais reivindicatório e mobiliza-
de inflexão serão as medidas do Governo dor foi alvo da mais dura repressão e suas
de Getúlio Vargas, com destaque a criação lideranças foram perseguidas e eliminadas
do Ministério do Trabalho em 1930 e da lei da vida social.
de sindicalização com o decreto 19770 de
1931 até a promulgação da CLT em 1943 A recuperação do sindicalismo só ocor-
em plena ditadura do Estado Novo. reu nos anos 1980, com a formação do novo
sindicalismo que em contraste com o ve-
Com isso, os sindicatos gradualmente lho sindicalismo dependente da estrutu-
vão se submetendo ao sistema legal criado ra sindical e do governo, vai desenvolver
e os sindicatos livres e independentes das importantes lutas econômicas e políticas
origens acabam sendo eliminados desem- independentes do Estado em diversos seto-
bocando na história do sindicalismo oficial res da economia, com destaque a indústria
controlado pelo Ministério do Trabalho do automobilística, setor financeiro e setor
estado varguista. estatal e público com destaque ao Sindi-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 119


cato dos Metalúrgicos do ABC e ao Sindi- crise do fordismo adotava novas formas
catos dos Bancários de SP. Assim, foram de gestão e de contratação do trabalho e
formadas duas importantes organizações dependia da revisão das legislações sociais
do mundo do trabalho: O PT – Partido dos e trabalhistas e do enfraquecimento do sin-
Trabalhadores e a CUT – Central Única dos dicalismo e de outras formas de resistência
Trabalhadores. Do lado deste movimento (ver Teixeira, 1996; Alves, 1999; Antunes &
do novo sindicalismo, o velho articulou-se Alves, 2002).
em outras centrais sindicais, com destaque
a Força Sindical representando a corrente A globalização e a reestruturação atin-
do sindicalismo de resultados e a União Ge- giram duramente o sindicalismo, mas isto
ral dos Trabalhadores no setor do comércio não significou o fim dos sindicatos, principal-
entre outras iniciativas mais moderadas e mente para o caso do Brasil, onde há uma
conservadoras. clara recuperação do movimento sindical
nos anos 2000. (Boito et al, 2009)
Com o retorno da democracia a Cons-
tituição (cidadã) de 1988 (CF-1988) repre- O papel dos sindicatos na representa-
sentou uma grande conquista da sociedade ção coletiva do trabalho no Brasil desde a
brasileira e a partir daí a história do sindi- promulgação da Constituição de 1988 até
calismo vai conhecer um período longevo as duas primeiras décadas do século XXI
de relativa liberdade e autonomia, mas a deve ser analisado em três contextos dis-
manutenção dos institutos do passado, tais tintos: primeiro, a década de 90 marcada
como a Justiça do Trabalho, a estrutura sin- pela estabilização monetária resultante do
dical corporativista baseada no monopólio plano real que exerce papel fundamental
e na unicidade da representação, mantendo nas eleições de FHC. Segundo, os anos 2002
em grande parte a tutela e o controle sobre a 2014, após a eleição de Lula para a presi-
as relações de trabalho resultou em um dência esboça-se uma recuperação econô-
sistema híbrido de relações de trabalho, mica favorecida pelo contexto da economia
que permanece até os dias de hoje. global com períodos de crescimento que
provocam a recuperação do emprego e da
renda, rendendo bons resultados sociais.
A crise e a recuperação do Terceiro, a partir de 2014, o cenário de crise
sindicalismo no século XXI. econômica, social e institucional foi deter-
minante para a crise política com o golpe
A crise do sindicalismo no Brasil foi de- do impeachment e a ascensão do governo
terminada pela ideologia e as práticas do Temer. Neste contexto, dois eventos irão
neoliberalismo que conduziram a reestrutu- marcar o enfraquecimento dos interesses
ração produtiva no interesse primordial do do trabalho e do sindicalismo no plano
capital globalizado e combinado nos diver- político: a lei da terceirização e a reforma
sos países que para fazer frente à chamada trabalhista. (Nogueira, 2019)

120 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Alguns dados do sindicalismo Os sindicatos no Brasil sobreviverão
no século XXI e a nova no presente e no futuro? Uma hipótese
crise do sindicalismo favorável, depende fundamentalmente das
bases sociais e da revisão profunda da or-
O quadro do sindicalismo na segunda ganização vertical e corporativa e ampliar
década dos 2000 mostrava aumento do a representação das diversas formas de
número de sindicatos chegando em 2014 a trabalho: subcontratados, informais, ter-
15.814 sindicatos com cadastro ativo, sendo ceirizados, e até de microempreendedo-
10.762 de trabalhadores (7.939 urbanos e res, misturando-se com os trabalhadores
2.825 rurais.) e 5.052 de empregadores. No autônomos, pessoas jurídicas (PJs) e por
entanto, a taxa de sindicalização média no conta-própria.
Brasil não ultrapassava 17% em 2007 e teve
queda em 2019/2020 para 13,7%. (MTE,
2014 e PNAD, 2019) Referências

Entre 2015 e 2021 verifica-se um con- Antunes, R. Adeus ao Trabalho? São Paulo:
junto de variáveis que mostram uma nova Cortez e Edunicamp, 2008.
crise do sindicalismo, a saber: queda na
taxa de sindicalização, redução dos conflitos Antunes, R. O que é o sindicalismo. São Paulo:
trabalhistas e das greves, a reforma traba- Ed. Brasiliense, 1980.
lhista contrária aos interesses do trabalho
e dos sindicatos, a eleição de um governo Antunes, R. & Silva, J. Para onde foram os
antidemocrático e a pandemia da COVID-19 sindicatos? Do sindicalismo de confronto
que paralisou a economia do país. (Tropia ao sindicalismo negocial. Caderno CRH, Sal-
et al, 2022) vador, v. 28, n. 75.

Como o fator político no Brasil, é de- Boito, A.; Galvão, A.; Marcelino, P. Brasil: o
terminante para a sobrevivência do sin- movimento sindical e popular na década
dicalismo, o retorno do Governo Lula em de 2000. Buenos Aires: CLACSO, Año X, n.
2023 com amplo apoio das centrais sindicais 26, oct., 2009.
deverá favorecer a manutenção dos sindica-
tos. Aventa-se a hipótese de instituir a taxa Cattani, A. D. Sindicatos – Sindicalismo. In.
negocial (antiga contribuição sindical) que Trabalho e tecnologia: dicionário crítico. Pe-
seria cobrada obrigatoriamente de todos trópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed. Universi-
os trabalhadores de uma categoria, após o dade, 1997.
processo de negociação coletiva que ainda
permanece no sistema trabalhista. (Krein, Krein, J. D. (Org.). Negociações coletivas pós-
et al, 2021) -reforma trabalhista (2017): volume 2 / São

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 121


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122 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Parte III: Novos
Debates e Desafios em
Gestão de Pessoas e
Relações de Trabalho
Teorias Contemporâneas de Carreiras

Filipe Augusto Silveira de Souza – EAESP FGV


Ana Heloísa da Costa Lemos – PUC Rio

O crescente processo de globalização, conceitos de carreiras contemporâneas:


associado aos processos de desenvolvi- carreiras sem fronteiras (Arthur & Rous-
mento tecnológico, financeirização e rees- seau, 1996), proteana (Hall & Moss, 1998),
truturação organizacional verificados nas pós-corporativa (Peiperl & Baruch, 1997)
últimas décadas, contribuiram não só para e inteligente (Arthur et al., 1995), gozando
o aumento dos níveis de competitividade as duas primeiras de maior protagonismo
e flexibilidade organizacional, como tam- (Gubler et al., 2014). Ao passo que o foco
bém para a ressignificação das noções de de análise das carreiras sem fronteiras re-
trabalho e carreiras, agora menos lineares cai sobre a mobilidade interorganizacional,
e mais precárias e polarizadas (Callanan et bem como sobre as competências técni-
al., 2017; Kalleberg, 2012; Tomlinson et al., cas (know-how), relacionais (know-whom)
2018; Van Maanen, 2020). Paralelamente, o e motivacionais (know-why) que as consti-
conceito de carreira organizacional - defi- tuem (DeFillippi & Arthur, 1996), no caso
nido como uma sucessão linear e ascenden- da carreira proteana, o foco aponta para a
te de trabalhos em tempo integral e com necessidade de os indivíduos assumirem
um único empregador (Arthur & Rousseau, a gestão de suas carreiras, bem como de
1996) e dominante em um contexto organi- orientá-las à luz dos seus valores e ideais
zacional caracterizado por forte integração, (Hall & Moss, 1998).
estrutura funcional hierárquica, valorização
da competência técnica e mercado interno Definida como antônimo de carreira
de trabalho - foi alvo de críticas cada vez organizacional ou, ainda, como uma “se-
maiores (Miles & Snow, 1996). quência de oportunidades de trabalho que
ultrapassa as fronteiras de uma única orga-
Em resposta a essas mudanças propôs- nização” (DeFillippi & Arthur, 1996, p. 116),
-se, nos estudos de carreira em meados da o construto “carreiras sem fronteiras”
década de 1990, uma primeira geração de deu novo fôlego às pesquisas desenvolvidas

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 125


no campo (Pringle & Mallon, 2003), apon- acordo transacional de curto prazo, em
tando as limitações inerentes ao escopo que as novas bases de troca são desem-
intraorganizacional de análise adotado até penho e empregabilidade. Em substituição
então (Arthur & Rousseau, 1996). À supe- às organizações, os indivíduos são concla-
ração das fronteiras organizacionais rela- mados a assumir a responsabilidade pelo
ciona-se a aquisição de uma multiplicidade planejamento, direção e avaliação de suas
de conhecimentos, matéria-prima para a trajetórias profissionais (Baruch & Sulli-
construção de uma carreira inteligente van, 2022). Tal qual o deus Proteus devem
(Arthur et al., 1995; Beigi et al., 2020), com- adaptar suas carreiras de acordo com as
posta por competências variadas: know-why demandas do meio ambiente circundan-
(necessidades, motivação, valores, autoco- te, orientadas em conformidade com os
nhecimento e identificação), know-how (ha- valores pessoais e em busca do sucesso
bilidades técnicas associadas ao ambiente psicológico, ou subjetivo, de carreira, es-
de trabalho) e know-whom (capital social pecialmente autorrealização (Mirvis & Hall,
ou redes de contato externas e internas 1994). As mudanças na direção de maior
às organizações), em conformidade com individualização e, sobretudo, plasticidade
os pressupostos da perspectiva estratégica na construção da carreira passaram a ser
da firma baseada em competências (DeFil- expressas por meio do construto carreira
lippi & Arthur, 1996). O deslocamento da proteana, definida como sendo aquela em
responsabilidade organizacional em favor que “a pessoa, não a organização, está no
do protagonismo individual pela gestão da comando, os valores centrais são liberdade
carreira traduz-se, em última instância, em e crescimento, e os principais critérios de
investimentos crescentes na aquisição e no sucesso são subjetivos (sucesso psicológico)
desenvolvimento de competências técnicas vs. objetivo (posição, salário)” (Hall, 2004).
e relacionais, pré-requisito para a extração Subjacente ao conceito está o entendimen-
do retorno máximo do capital humano e to de que cabe ao indivíduo desenvolver,
para a garantia da empregabilidade (Ba- ao longo de sua trajetória profissional, a
ruch, 2004). capacidade de se adaptar e se reinventar
profissionalmente, com vistas a atender
A crescente relevância atribuída à di- às demandas de um mercado laboral em
mensão subjetiva de carreira (Akkermans constante mutação.
& Kubasch, 2017; Baruch et al., 2015) reflete
a ressignificação do contrato psicológico; Pesquisas empíricas tendem a associar
anteriormente pensado em termos de um a adoção de uma orientação proteana de
conjunto de expectativas mútuas que refle- carreira com impactos positivos, tanto no
tia a lealdade do trabalhador em troca de nível individual, como resiliência e proati-
oportunidades de carreira e estabilidade vidade (Park et al., 2022), empregabilidade
no emprego (Robinson et al., 1994). Para (Baruch et al., 2020), satisfação no traba-
Hall & Moss (1998), o novo contrato entre lho (Redondo et al., 2021) e qualidade de
as partes caracteriza-se não mais por ser vida (Li, 2018), como organizacional (Hall
eminentemente relacional, mas sim um et al., 2018). Já no caso de indivíduos com

126 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


uma orientação sem fronteiras de carreira, é uma perspectiva que pressupõe a ênfa-
os resultados são mistos; por um lado, o se em distintos aspectos constitutivos das
investimento em competências distintas carreiras – desafio, balanço e autenticidade
(know-why, know-how e know-whom) é asso- – conforme as prioridades profissionais e
ciado, no caso de docentes nos contextos pessoais nos diferentes estágios de carreira.
Norte-Americano, Canadense e Australiano, A semelhança de um caleidoscópio “que
à progressão hierárquica de carreira (Sherif produz distintos padrões quando o tubo é
et al., 2020), bem como ao fortalecimento girado e seus pedaços de vidro se dispõem
da cultura, capacidades técnicas e conexões em novos arranjos” (Mainiero & Sullivan,
organizacionais, no cenário Neozelandês 2005, p. 106), as mulheres alteram o seu
(Fleisher et al., 2014), por outro lado, en- padrão de carreira ao combinarem os dife-
contra-se associada a níveis inferiores de rentes aspectos de suas vidas com vistas a
cidadania corporativa e maior incidência de harmonizarem papéis e relacionamentos.
comportamentos desviantes (R. Rodrigues
et al., 2022), percepções negativas de su- Posteriormente, Mainiero & Gibson
cesso de carreira (Enache et al., 2011) e (2018) propuseram a existência de dois
dificuldade de desenvolvimento e transfe- padrões distintos de carreira, variável com
rência de competências (capital de carreira) o gênero. No caso masculino, verificaram,
no âmbito da gig economy (Duggan et al., empiricamente, que o desenvolvimento
2022; Kost et al., 2020). Evidencia-se, assim, da carreira tendia a ser linear, privilegian-
empiricamente, o potencial lado sombrio do o desafio no início, a autenticidade no
das novas carreiras (Baruch & Vardi, 2016; ciclo intermediário e balanceamento ao
Vardi & Vardi, 2020). final; já no feminino, as carreiras tende-
ram a ser autocriadas (complexas e não
Modalidades mais difundidas na lite- lineares), mantendo-se o foco no desafio no
ratura, as carreiras sem fronteiras (Arthur início da trajetória profissional, seguida por
& Rousseau, 1996) e a carreira proteana balanceamento e autenticidade. Nota-se,
(Hall & Moss, 1998) passaram a dividir, nas portanto, que diversamente das carreiras
últimas duas décadas, o protagonismo com proteana e sem fronteiras, a carreira calei-
outras duas perspectivas: carreira caleidos- doscópica reconheceu contextos externos
cópica (Knowles & Mainiero, 2021; Mainiero à esfera profissional, com especial ênfase
& Sullivan, 2005) e sustentável (De Vos et no recorte de gênero.
al., 2020; Van der Heijden & De Vos, 2015).
No caso da carreira caleisdoscópica, essa O conceito de carreira sustentável -
nova definição foi proposta para abordar o definido como a “sequência de diferentes
fenômeno opt-out, ou seja, a opção exercida experiências de carreira de um indivíduo,
por muitas profissionais de abandonarem refletidas por meio de uma variedade de
seus postos de trabalho, com vistas, sobre- padrões de continuidade ao longo do tem-
tudo, a balancear as dimensões profissional po, atravessando diversos espaços sociais,
e familiar (Mainiero & Sullivan, 2005). Na caracterizadas pela agência individual e por
visão das autoras, a carreira caleidoscópica fornecer sentido ao indivíduo” (Van der Hei-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 127


jden & De Vos, 2015, p. 7) – também dialoga nesh, et al., 2012; Rodrigues & Guest, 2010).
com a preocupação com a empregabilida- Outra crítica recorrente diz respeito às redu-
de individual, em um mundo do trabalho zidas evidências empíricas associadas aos
crescentemente inseguro e desafiador. pressupostos das carreiras sem fronteiras
Em resposta à complexidade contextual (Cohen & Mallon, 1999; Pringle & Mallon,
atual, prescreve-se a responsabilidade 2003), cujo foco de análise tende a recair
de os diferentes atores, ou stakeholders, sobre empresas de subsetores específicos
“em proporcionar oportunidades para o e com dinâmicas muito particulares de fun-
desenvolvimento das carreiras” (Müller & cionamento, a exemplo das indústrias de
Scheffer, 2022, p. 3). Ademais, mobiliza-se alta tecnologia do Vale do Silício (Saxenian,
o conceito de trabalhabilidade para pen- 1996), de filmes (Jones, 2010; Jones & De-
sar a necessidade de uso no presente dos Fillippi, 1996) e de biotecnologia (Eaton &
recursos físicos e mentais individuais, sem Bailyn, 2000).
o seu comprometimento no futuro (Müller
et al., 2022). Outras críticas usualmente endere-
çadas às carreiras em fronteiras podem
Apesar de bastante difundidas, as “no- ser extensíveis às demais modalidades
vas” carreiras têm sido alvo de críticas recor- (proteana, caleidoscópica e sustentável).
rentes, entre outros aspectos, pela ênfase Primeiramente, ressalta-se que todas as
desmedida conferida à agência. No âmbito perspectivas aqui apresentadas tendem
da comunidade acadêmica, o diálogo crítico a não se debruçar sobre as carreiras de
mais intenso dirigiu-se ao construto carrei- trabalhadores pouco qualificados, tam-
ras sem fronteiras, a começar pela impre- pouco sobre a multiplicidade de diferen-
cisão e ambiguidade conceitual (Silveira ças culturais que atravessam o conceito
de Souza et al., 2020; Zeitz et al., 2009). A de carreira. No primeiro caso, tende-se a
denominação não parece levar em conta, na privilegiar trilhas profissionais, gerenciais
devida medida, o fato de que, ao longo de e hierárquicas, ocultando-se, assim, um
suas carreiras, os indivíduos tendem a cru- contingente maciço da força de trabalho,
zar barreiras representadas, entre outros cuja precariedade das condições laborais
aspectos, por mudanças de função, de in- encontra-se associada a níveis reduzidos de
dústria ou setor de atuação e de localização remuneração e benefícios, proteção legal
geográfica (Inkson et al., 2012). Nem mesmo e treinamento (Blustein et al., 2002). Em
o incremento da mobilidade interorganiza- segundo lugar, ao privilegiar as carreiras
cional é ponto pacífico na literatura e alguns de trabalhadores anglo-saxões, assume-se
dos estudos que se debruçaram sobre o o risco de universalização de trajetórias de
tema apontaram tão somente pequenas carreiras de um seleto grupo de trabalha-
alterações no giro da mão de obra nas últi- dores white collar norte-americanos (Walton
mas décadas, contrapondo-se às alegações & Mallon, 2004, p. 92), refletindo, assim, a
de superação da carreira organizacional reificação de uma cultura marcada pelo
em favor da emergência e dominância das individualismo (Chudzikowski et al., 2009).
carreiras sem fronteiras (Inkson, Gunz, Ga- Essa crítica foi referendada por pesquisas

128 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


realizadas em diferentes países, tais como timam, um discurso neoliberal que implica
Bélgica (De Caluwé et al., 2014), Nigéria (Itu- a transferência de parcela dos riscos cor-
ma & Simpson, 2009), Reino Unido e China porativa para os empregados (Roper et al.,
(Pang, 2003), Nova Zelândia (Staniland et al., 2010). A recepção positiva desse discurso
2021) e Oriente Médio Árage (Afiouni, 2014; pelo campo dos estudos de carreira pode
Tlaiss, 2014). A normalização do construto ser explicada, ao menos parcialmente, pela
“carreiras sem fronteiras” tem o condão existência de um entrelaçamento discursivo
de suprimir, ainda, barreiras impostas aos (Gay et al., 1996) das carreiras contempo-
indivíduos em virtude de seu contexto de râneas com noções diversas como mérito,
origem (Mayrhofer et al., 2005), faixa etária flexibilidade, empregabilidade, proatividade
(Tempest & Coupland, 2017), gênero (Gan- e autenticidade (Bal et al., 2020; Silveira
der, 2019; Ross-Smith & Huppatz, 2010) e de Souza et al., 2020). Tal crítica está inti-
religião (Wissman et al., 2021). mamente associada à forte ênfase que as
“novas” carreiras atribuem, em uma base
Um aspecto não menos relevante é a não relacional (Silveira de Souza, 2022), à
não tematização da dimensão do poder e do dimensão da agência, às custas do indevido
conflito nas “novas” carreiras (Schneidhofer reconhecimento do impacto de múltiplos
et al., 2015). Mesmo no caso da carreira ca- fatores externos sobre a construção das
leidoscópica, em que a análise é perpassada carreiras (Anderson et al., 2020; Mayrhofer
pela dimensão de gênero, o debate tende a et al., 2007).
naturalizar o “lugar” culturalmente subordi-
nado da mulher nas organizações, contexto Em reposta às críticas elencadas, pro-
atravessado por estruturas patriarcais de põe-se que a emergência, no início dos anos
poder (Nielsen, 2017). Descrever a decisão 2000, de uma perspectiva de carreira assen-
opt-out como o exercício puro e simples tada sobre a teoria da prática bourdieusiana
de livre escolha pelas mulheres implica a (Iellatchitch et al., 2003) pode ser lida como
não responsabilização de organizações e uma reação à ampla desconsideração das
instituições públicas pelo desenvolvimento dimensões contextuais de análise que vêm
de políticas que impactem positivamente dominando os estudos de carreira a partir
o conflito trabalho-família, sem falar no de meados da década de 1990 (Mayrhofer
não-reconhecimento de constrangimentos et al., 2007). Pesquisas alinhadas a tal abor-
culturais e estruturais históricos que refor- dagem tendem a valorizar a dimensão con-
çam estereótipos que associam homens e textual, jogando luz sobre múltiplas bar-
mulheres aos domínios público e privado, reiras interpostas ao longo das trajetórias
respectivamente (Kupeberg & Stone, 2008; individuais (Gander, 2022), relacionadas a
Vavrus, 2007). aspectos como aging (Tempest & Coupland,
2017), cultura/etnia (Eggenhofer-Rehart et
Outra crítica dirigida especificamente al., 2018; McCann & Monteath, 2020), gêne-
às carreiras sem fronteiras e sustentável, ro (Gander, 2019; Ross-Smith & Huppatz,
porém cabível às demais, afirma que tais 2010), origem social (Mayrhofer et al., 2005)
perspectivas não só expressam, como legi- e religião (Wissman et al., 2021).

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 129


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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 135


Diversidade, Equidade e Inclusão
nas Organizações e no Trabalho
Darcy Mitiko Mori Hanashiro – UPMackenzie

Como resultado da diversificação do etnia, gênero, habilidade/qualidade físicas,


mercado de trabalho e da globalização eco- raça e orientação sexual/afetiva). As dimen-
nômica, os locais de trabalho tornaram-se sões secundárias são aquelas que podem
cada vez mais heterogêneos (Qin, Muenjohn ser mudadas, na medida que são diferen-
& Chhetri,2014). Este fato tem despertado ças que nós adquirimos, descartamos e/
crescente interesse acadêmico em temáti- ou modificamos ao longo de nossas vidas.
cas direcionadas à diversidade e inclusão Podem incluir: escolaridade, localização
no local de trabalho (Shore, Cleveland, & geográfica, renda, estado civil, experiência
Sanchez, 2018). A inclusão torna-se cada militar, crenças religiosas, experiência de
vez mais um conceito focal para pensar trabalho, entre outras. Essas dimensões
e trabalhar com a diversidade (Ferdman, modelam nossa autoimagem assim como
2014) e para “promover sistematicamente nossa visão de mundo.
a igualdade social em várias dimensões da
identidade” (Ferdman, 2017, p. 2). Com foco na mistura das diferenças
individuais, Nkomo & Cox, 2000 (p.335) con-
As conceitualizações de diversidade ceituam diversidade como “um misto de
no local de trabalho consideram os vários pessoas com identidades grupais diferentes
atributos que diferenciam pessoas e as di- dentro do mesmo sistema social”. Embora
mensões de diversidade. Loaden e Rose- muitos atributos possam ser usados para
ner (1991) propuseram duas dimensões diferenciar indivíduos, os mais salientes ou
da diversidade. As dimensões primárias visíveis numa dada situação são esperados
referem-se às diferenças humanas que são ser os marcadores de diversidade. No nível
imutáveis (ou não passível de controle) sen- de grupo, Jackson, Joshi e Erhardt (2003, p.
do inatas e/ou que exercem um impacto 802) definem a diversidade como “a distri-
importante na nossa socialização precoce buição de atributos pessoais entre mem-
com implicações ao longo da vida (idade, bros interdependentes de uma unidade de

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 137


trabalho”. Uma visão de diversidade para acesso a informações e recursos, envolvi-
além das diferenças humanas encontra-se mento em grupos de trabalho e capacidade
em Thomas Jr. (2000, p.354): “Diversidade, de influenciar o processo decisório”. Com
despida de sua bagagem cultural e políti- destaque às necessidades individuais, Sho-
ca, refere-se a qualquer mistura coletiva re et al., (2011, p. 1265) definiram inclusão
(pessoas, sistemas, funções, tipos de ati- como “o grau em que um funcionário per-
vidades e assim por diante) caracterizada cebe que é um membro estimado do grupo
por semelhanças e diferenças”. de trabalho por meio de um tratamento
que satisfaz suas necessidades de pertenci-
Diversidade e inclusão são conceitos mento e singularidade”. Jansen, Otten, van
separados e diferentes (Roberson, 2006; der Zee e Jans (2014, p.5) complementam
Mor Barak, 2015). Diversidade descreve o conceito de Shore et al. (2011) e definem
a composição do grupo, a diferença de- inclusão como “o grau em que um indivíduo
mográfica entre membros, enquanto a in- percebe que o grupo lhe proporciona um
clusão descreve o quanto indivíduos são senso de pertencimento e autenticidade”.
permitidos participar e são habilitados a
contribuir plenamente no grupo (Miller, Mor Barak (2014, p. 155) aprimora e
1998). Diversidade refere-se às diferenças circunstancia o conceito: “inclusão-exclusão
demográficas, incluindo atributos obser- no local de trabalho refere-se ao senso do
váveis ou facilmente detectados (por ex.: indivíduo de fazer parte do sistema orga-
gênero, raça, idade) e menos observáveis nizacional, tanto nos processos formais,
(por ex.: diferenças culturais, cognitivas e como o acesso a informações e canais de
técnicas funcionais) (Roberson, 2006). Inclu- tomada de decisão, quanto nos processos
são, por sua vez, refere-se às “percepções informais, como o ‘espaço do bebedouro’
dos empregados de que sua contribuição e as reuniões de almoço em que a troca de
(única) para a organização é apreciada e informações e as decisões ocorrem infor-
sua ampla participação é encorajada” (Mor malmente”.
Barak, 2015, p.85).
Ampliar a diversidade e promover a in-
Feitas as distinções entre diversidade clusão no ambiente de trabalho é um desa-
e inclusão no ambiente de trabalho, é im- fio para as organizações que necessitam de-
portante entender o conceito de inclusão. senvolver uma gestão de recursos humanos
O campo de estudo em inclusão é mais orientada para diversidade, ou seja, práticas
recente em relação à diversidade, tanto alinhadas com as metas de gestão da diver-
teórica como empiricamente. sidade (Meena & Vanka, 2017). Em linhas
gerais, os objetivos da gestão da diversidade
Mor Barak e Cherin (1998, p. 48) apre- são aumentar a justiça social por meio da
sentaram um conceito seminal de inclusão- criação de um ambiente organizacional no
-exclusão como um “continuum do grau qual ninguém seja privilegiado ou em des-
em que os indivíduos se sentem parte de vantagem devido a características como
processos organizacionais críticos, como raça ou gênero (Cox & Blake, 1991). Logo,

138 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


subjacente à gestão da diversidade reside Referências
uma ideia sobre tratamento de igualdade
ou de equidade, relacionados à justiça so- Cox Jr., T.; Blake, S. (1991). Managing cultur-
cial. Igualdade (equality) significa nivelar ou al diversity: implications for organizational
minimizar as disparidades entre as pessoas. competitiveness. Academy of Management
A equidade (equity), por outro lado, trata da Executive, 5(3), 45-56.
obtenção de justiça por meio de alocações
que correspondem às contribuições que os Ferdman, B. M. (2017). Paradoxes of inclu-
indivíduos fazem (Utting, 2007). Em outras sion: Understanding and managing the ten-
palavras, igualdade significa dar a cada in- sions of diversity and multiculturalism. The
divíduo ou grupo de pessoas os mesmos Journal of Applied Behavioral Science, 53(2),
recursos, ou oportunidades e a equidade 235-263.
reconhece que cada pessoa tem circuns-
tâncias idiossincráticas e aloca recursos e Ferdman, B. M. (2014). The practice of in-
oportunidades necessárias para atingir um clusion in diverse organizations: Toward a
resultado igual. systemic and inclusive framework. In B. M.
Ferdman (Ed.). Diversity at Work: The Practice
Essas concepções poderiam condicio- of Inclusion (pp. 3–54). San Francisco, CA:
nar as práticas de gestão da diversidade Jossey-Bass.
das empresas. Liff (1997) oferece um ca-
minho a ser considerado. A autora propõe Jackson, S. E., Joshi, A., & Erhardt, N. L. (2003).
duas rotas para gerenciar a diversidade: Recent research on team and organizational
1) dissolução das diferenças, com foco em diversity: SWOT analysis and implications.
políticas de igualdade e envolve iniciativas Journal of Management, 29(6), 801-830.
que enfatizam o individualismo; e, 2) va-
lorização (com base social) das diferenças Jansen, W. S., Otten, S., van der Zee, K. I., &
que enfoca o desenvolvimento de grupos Jans, L. (2014). Inclusion: Conceptualization
sub-representados. Busca-se, nessa estra- and measurement. European Journal of Social
tégia, evitar a perpetuação da desigualdade Psychology, 44(4), 370-385.
social e oportunizar condições para futura
política com foco em igualdade. Isso posto, Liff, S. (1997). Two routes to managing di-
como possibilidade de estudos na temá- versity: individual differences or social group
tica, sugere-se endereçar pesquisas que characteristics Employee Relations. 19(1), 11-
abordem simultaneamente a diversidade 26.
e inclusão, com promoção de igualdade de
oportunidades e/ou da equidade. A diver- Loden, M., & Rosener, J. B. (1991). Workforce
sidade sem inclusão pode ser uma mera America! EUA: McGraw-Hill.
inserção de indivíduos, deixando a organi-
zação de alavancar os potenciais benefícios Meena, K., & Vanka, S. (2017). Developing
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140 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Preconceitos nas Organizações:
discutindo o etarismo
Darcy Mitiko Mori Hanashiro - UPMackenzie
Diogo Henrique Helal – FUNDAJ e PROPAD/UFPE

O debate (e a prática) ligada a governan- Para além do machismo e do sexismo, o


ça ambiental, social e corporativa (a partir ambiente organizacional também é marca-
da disseminação da sigla ESG) tem trazido do por outros preconceitos, e o de interesse
a diversidade e o combate ao preconceito deste verbete é o etarismo. A Organização
nas organizações para o centro do debate. Mundial da Saúde (WHO/OMS, 2015) res-
As organizações têm empreendido esfor- salta que o etarismo pode atualmente ser
ços para garantir, de um lado, uma força mais pervasivo que o sexismo e o racismo.
de trabalho mais diversa, e, de outro, para No ambiente de trabalho o etarismo resulta
combater o preconceito nas organizações. em discriminação de trabalhadores mais
velhos (Palmore, 2015) com consequências,
Tal fenômeno, contudo, não é recente. inclusive, para a contratação de pessoas,
Jones et al. (2017) lembram que machismo conforme indicam Abrams, Swift e Drury
e sexismo seguem presentes nas organiza- (2016), por exemplo.
ções, e se traduzem em discriminação no
ambiente de trabalho. E tem sido estudado Cumpre destacar que o termo “age-ism”
em diversas áreas do conhecimento, es- foi cunhado por Butler2 em 1969 e surge
pecialmente na administração, psicologia no contexto da sociedade estadunidense
e sociologia, com contribuições distintas, em que o autor postulou a necessidade de
conforme apontam LaVan & Lopez (2023), se considerar uma forma de intolerância
proporcionando assim aos estudiosos uma (bigotry), ao lado do racismo e sexismo: a
compreensão holística do preconceito e da “discriminação por idade ou age-ism, pre-
discrição no local de trabalho.

2 Robert N. Butler, médico estadunidense, gerontologista e psiquiatra (nascimento: 21 de janeiro de


1927, Nova York. Falecimento: 4 de julho de 2010, Nova Iorque (wikipedia.org). Em 1975, fundou o
National Institute on Aging e, em 1982, criou o primeiro departamento de geriatria nos Estados Unidos.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 141


conceito de um grupo etário em relação a (Butler, 1975, p. 12). Posteriormente, Butler
outros grupos etários” (1969, p. 243). (1980, p.8) considera três aspectos distin-
tos, porém inter-relacionados, do etarismo:
Na língua inglesa, a palavra ageism é 1) Atitudes preconceituosas em relação aos
universalmente usada, tanto na literatura idosos, à velhice e ao processo de envelhe-
acadêmica como em publicações não cien- cimento, inclusive atitudes adotadas pelos
tíficas. No Brasil, contudo, o termo ageism próprios idosos; 2) Práticas discriminató-
aparece traduzido de diferentes formas rias contra os idosos, principalmente no
na literatura. Encontramos termos como emprego, mas também em outros papéis
ageismo, idadismo ou etarismo. sociais; 3) Práticas e políticas institucionais
que perpetuam crenças estereotipadas
O ageismo é um neologismo de ageism, sobre o envelhecimento e idosos ainda que
que faz sentido para quem conhece a pa- não de forma intencional, reduzem suas
lavra “age” em inglês, diferentemente do oportunidades de uma vida satisfatória e
neologismo aplicado em sexismo (sexism) deterioram sua dignidade pessoal.
ou racismo (racism) plenamente compreen-
sível por falantes da língua portuguesa. O Tecnicamente, o etarismo é definido
termo idadismo, derivado de idade + ismo como o preconceito contra qualquer pes-
é particularmente referenciado em textos soa com base na idade (Nelson, 2009).
produzidos por autores portugueses, mas Embora algumas pesquisas sobre discri-
também, em menor escala na literatura minação por idade tenham se concentrado
brasileira. Poderia ser pensado como uma em atitudes e estereótipos negativos em
tradução literal de ageism. relação a adolescentes e crianças (deno-
minados “etarismo juvenil”), a maioria das
Considerando o conceito pioneiro de pesquisas sobe etarismo tende a se con-
Butler, acima descrito, o ageism enquanto centrar no preconceito contra adultos mais
fenômeno origina de um grupo etário em velhos (Nelson, 2002, 2005).
relação a outro grupo etário. Neste sentido,
o termo etarismo (etário + ismo) expressa Palmore (1999, p. 4), pesquisador se-
intrinsecamente o conceito original. Obser- minal, define etarismo como “qualquer
va-se que a literatura científica nacional tem preconceito ou discriminação contra ou a
adotado mais recorrentemente o termo favor de um grupo etário”. Complementa
etarismo. a definição afirmando que o “preconceito
contra um grupo etário é um estereótipo
Butler ao reconhecer o etarismo como negativo sobre esse grupo ou uma atitude
um fenômeno complexo desenvolveu uma negativa baseada em um estereótipo. Dis-
nova e mais complexa definição: “um pro- criminação contra um grupo etário é o tra-
cesso sistemático de estereotipia e discrimi- tamento negativo inadequado de membros
nação contra pessoas porque elas são mais desse grupo etário”. Os estereótipos são
velhas, assim como o racismo e sexismo mais cognitivos e as atitudes mais afetivas,
fazem isso em relação à cor e ao gênero.” embora ambos tendam a estar associados.

142 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Para o autor, estereótipos, atitudes e dis- Os estereótipos sobre membros de gru-
criminação etários podem ser positivos e pos etários podem se traduzir em discrimi-
negativos, com predomínio do último. Da nação dirigida a trabalhadores mais velhos
mesma forma que o etarismo pode ser pes- ou mais jovens. Essa discriminação pode se
soal e institucional. O pessoal refere-se ao manifestar em decisões de recursos huma-
preconceito ou discriminação por parte dos nos, como contratação, oportunidades de
indivíduos, enquanto o institucional está treinamento, avaliação de desempenho e
relacionado à política de uma instituição demissão (Truxillo, Finkelstein, Pytlovany &
ou organização que discrimina a favor ou Jenjins, 2015).
conta os idosos.
Cumpre lembrar que o etarismo cos-
Conceitualmente, considerando os tuma se manifestar nas organizações em
autores seminais da gerontologia e que conjunção com outros preconceitos, espe-
tornaram clássicos na literatura nos estu- cialmente aqueles ligados a gênero. Cho-
dos organizacionais e com base na abor- nody (2016), Spedale, Coupland e Tempest
dagem tripartite de atitudes da psicolo- (2014) e Jyrkinen (2014) afirmam que há
gia social (Rosemberg & Hovland, 1960) forte associação entre gênero e idade, quan-
o etarismo no local de trabalho pode ser do se trata do etarismo. Chonody (2016)
definido como: estereótipos positivos ou considera, em especial, que o sexismo e
negativos (elemento cognitivo), preconcei- etarismo estão associados em um processo
tos (elemento afetivo) e/ou discriminação de preconceitos interligados.
(intenção de comportamento), contra tra-
balhadores mais velhos com base na idade Avançando sobre o tema, Malinen e
cronológica ou na percepção de idade. O Johnston (2013), a partir de um experimento
etarismo pode ser explícito ou implícito e que pesquisou o fenômeno com base em
se expressar no nível individual ou orga- instrumentos auto-respondidos (técnicas
nizacional. Manifesta-se no nível organiza- “explícitas”) e instrumentos indiretos, para
cional, por meio de práticas e políticas de mensurar atitudes em relação a trabalhado-
Recursos Humanos. res mais velhos, encontrou que o etarismo
tende a aparecer de modo mais implícito
O etarismo no local de trabalho con- que explícito. Isso reforça a necessidade de
tinua a ser uma ocorrência comum. Re- se pesquisar o fenômeno de modo mais
vela-se na forma de tratamento negativo aprofundado, e não apenas a partir da apli-
no ambiente de trabalho, menos acesso cação de escalas de percepção.
a aumentos salariais e promoções, apo-
sentadoria antecipada forçada e práticas Entende-se que questões como signi-
discriminatórias na contratação (Levy & ficados e experiências de etarismo na per-
Macdonald, 2016). Em geral, considera-se cepção de idosos são relevantes, porém
um trabalhador mais velho aquele com pouco estudadas (Minichiello, Browne &
idade entre 45 e 50 anos, dependendo da Kendig, 2000).
área de atuação e setor econômico.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 143


Por fim, Ojala, Pietilä e Nikander (2016) racism, sexism, and ageism. Journal of Orga-
destacam que variações contextuais têm nizational Behavior, 38(7), 1076-1110.
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e compreensão do etarismo. Para Ojala, Jyrkinen, M. (2014). Women managers, ca-
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 145


Preconceitos nas Organizações:
discutindo a LGBTQfobia, o
capacitismo e a gordofobia
Diego Costa Mendes - UFV
Carlos Augusto Alves de Sousa Júnior - UFV

O preconceito pode ser entendido como (Silva, Lima, Japur, Gracia-Arnaiz, & Penafor-
uma antipatia ou pré-julgamento sobre de- te, 2018). Sendo assim, o corpo pode ser
terminado sujeito ou coletividade, geral- compreendido enquanto lócus de mate-
mente baseada em generalizações infun- rialização do preconceito e discriminação,
dadas e/ou pré-concebidas (Allport, 1954). em especial quando em dissonância dos
Essa conceituação, ainda que longeva, pode padrões hegemônicos.
ser considerada atemporal uma vez que
possibilita aprofundamento e especificação Não raro, tais pressões são transferidas
sobre distintas formas a partir das quais o do amplo campo social para a esfera organi-
preconceito pode se apresentar, tanto no zacional, materializando-se cotidianamente
campo social quanto, de forma mais espe- sobre as relações de trabalho a partir de
cífica, no ambiente de trabalho. atos discriminatórios, tratamentos e opor-
tunidades desiguais, e distintos tipos de
Um dos elementos basilares para o assédio e exclusão social, trazendo impactos
surgimento do preconceito se dá a partir sobre o trabalho, a vivência no ambiente
da criação de estereótipos (Allport, 1954), laboral e para a carreira dos trabalhadores.
que são comumente associados aos corpos
dos sujeitos. Partindo do pressuposto que Os estudos que abordam preconceitos
o corpo é uma elaboração social (Synnott, no contexto de trabalho tendem a partir de
1992), para que ele se encaixe em um ima- duas perspectivas. A primeira de cunho mais
ginário “ideal” deve possuir atributos que amplo e generalista reconhece a existência
são moldados pelos padrões corporais, de do preconceito como prática nociva ao con-
beleza e de funcionalidade vigentes à época texto organizacional para então defender

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 147


práticas de gestão de pessoas que estimu- -estar, remuneração e convicções pessoais
lem a inclusão, o respeito e valorização das de trabalhadores LGBTQ+; os estereótipos
diferenças e o estímulo à diversidade nas que os julgam inaptos a determinadas ocu-
organizações, ao acreditar que tal geren- pações; dificuldades de inserção ou perma-
cialismo pode gerar vantagem competitiva, nência no mercado de trabalho (sobretu-
estimular ambiente de maior criatividade e do no caso de pessoas transgênero); bem
inovação, além de contribuir para mitigar a como o julgamento sobre a performance
discriminação (Mendes, 2022). daqueles que desviam das masculinidades e
feminilidades preconizadas pela matriz he-
A segunda perspectiva é mais proble- terocisnormativa (Castro, Silva, & Siqueira,
matizadora, e busca chamar atenção para 2021; Mendes & Mendonça, 2021).
o fato de que o preconceito se manifesta
de forma distinta a depender do grupo e/ No tocante ao capacitismo, o precon-
ou identidades a que se destina. Tal con- ceito se relaciona a estigmas associados a
cepção parte da premissa que é necessário distintas deficiências. Os atos de precon-
reconhecer a pluralidade e complexidade ceito advêm de lógica que hierarquiza os
das diferenças humanas para então com- corpos com base na sua adequação aos
preender as singularidades das distintas padrões corporais vigentes e em sua su-
faces do preconceito. Uma dessas parti- posta capacidade funcional (Mello, 2016).
cularidades pode ser evidenciada sobre o Tal prática estigmatiza pessoas com de-
corpo, a partir do qual o preconceito pode ficiência, desestimulando o exercício de
assumir contornos de LGBTQfobia, capaci- atividade laboral, atribuindo estereótipos
tismo ou gordofobia. de incapacidade sobre seus corpos e di-
ficultando sua inserção ou manutenção
No caso da LGBTQfobia, a tensão se no mercado de trabalho, bem como sua
estabelece a partir de expectativas sobre a ascensão profissional.
performance dos(das) trabalhadores e da
reiterada conformação entre sexo, gênero e Ainda que se perceba uma intensifica-
desejo (Borba, 2014), que tendem a excluir ção no ingresso de pessoas com deficiência
identidades não circunscritas no padrão (PcD) ao mercado de trabalho – em especial
heterocisnormativo ou que performam dis- após a Lei Nº 8.213/91 –, persistem os pre-
tante do que este preconiza (Butler, 2017), conceitos e barreiras que impedem o pleno
a exemplo das: lésbicas, gays, bissexuais, acesso dessas pessoas ao contexto laboral
transgênero, queers, pessoas intersexo ou e ao desenvolvimento de suas carreiras.
não-binários. Dentre elas, pode-se citar barreiras urba-
nísticas, arquitetônicas, nos transportes,
Os estudos sobre LGBTQfobia tendem na comunicação e informação, atitudinais
a focar distintas violências enfrentadas por e tecnológicas, que suscitam dificuldades
sujeitos dissidentes de gênero e sexualida- que se relacionam com a acessibilidade
de; a forma como tais violências interferem dessas pessoas e suscitam o preconceito e
nos níveis individuais de satisfação, bem- a discriminação (Amâncio & Mendes, 2023).

148 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


A terceira manifestação do preconceito Os preconceitos discutidos são estru-
sobre o corpo a ser discutida neste verbete turais e muitas vezes são reproduzidos de
é a gordofobia. A gordura corporal tende forma institucionalizada nas organizações,
a desqualificar pessoas tidas com “excesso a partir de discurso de ódio camuflado, o
de peso”, a partir de estereótipos que as- que representa uma violação à dignidade
sociam a gordura corporal à preguiça e ao humana (Fruett & Zaggo, 2017). A discus-
descontrole, levando ao estranhamento e são sobre corpo e os preconceitos a ele
discriminação desses corpos, em especial direcionados se faz necessária no âmbito
para a atividade laboral. A gordofobia pode da gestão de pessoas, a fim de contribuir
ser entendida a partir da “desvalorização com o combate das opressões a partir de
e hostilização das pessoas gordas e seus estratégias que garantam a existências e a
corpos” (Cardoso & Couto, 2017, p. 5). No vivência de pessoas e/ou grupos vulneráveis
campo do trabalho, o estigma sobre a gor- no ambiente de trabalho.
dura corporal e os estereótipos associa-
dos às pessoas de corpos gordos tendem
a colocar em xeque suas competências e Referências
habilidades, subjugando-as ao fracasso e à
exclusão social (Lopes & Medeiros, 2017). As Allport, G. W., Clark, K., & Pettigrew, T. (1954).
discussões sobre gordofobia nas relações The nature of prejudice.
de trabalho e contexto organizacional brasi-
leiro ainda são bastante incipientes. Grande Borba, R. (2014). A linguagem importa? Sobre
parte da produção de conhecimento está performance, performatividade e peregrina-
centrada na área da saúde, possivelmente ções conceituais. Cadernos pagu, 441-474.
por causa do estereótipo da patologização
associado ao corpo gordo (Novaes, 2006; Amâncio, D. L. P., & Mendes, D. C. (2023). Pes-
Mattos & Luz, 2009). soa com deficiência e ambiente de trabalho:
uma revisão sistemática. Revista Brasileira
As citadas formas a partir das quais o de Educação Especial (no prelo).
preconceito pode se manifestar sobre o
corpo reforçam estereótipos negativos que Butler, J. (2017). Problemas de gênero: feminis-
excluem e/ou limitam as potencialidades mo e subversão da identidade. Rio de Janeiro,
individuais e coletivas no campo organiza- RJ: Civilização Brasileira.
cional e do trabalho. Não raro, tais violências
provenientes de padrões estético-corporais Cardoso, B., & Couto, N. (2017). Gordofobia:
são utilizadas como parâmetro de aceita- o peso do preconceito. Criciúma, SC: Curso
ção social e têm como consequências: bai- de Jornalismo da Faculdade Satc.
xa representatividade e oportunidade no
ambiente laboral; experiências de assédio; Castro, G. H. C., Silva, D. W. G., & Siqueira,
consequências psicológicas, econômicas e M. V. S. (2021). LGBT nas organizações: revi-
sociais aos trabalhadores alvo.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 149


são internacional, debate e agenda. Revista Silva, A. F., Lima, T. F., Japur, C. C., Gracia-Ar-
Economia & Gestão, 21(58), 185-204. naiz, M., & Penaforte, F. R. O. (2018). “A ma-
greza como normal, o normal como gordo”:
Fruett, A., & Zago, L. F. (2017). Onde estão os reflexões sobre corpo e padrões de beleza
corpos gordos da tevê? Uma análise sobre contemporâneos. Revista Família, Ciclos de
a violência e o ódio no telejornalismo. Ca- Vida e Saúde no Contexto Social, 6(4), 808-813.
noas, RS: 7º Seminário Brasileiros de Estudos
Culturais e Educação. Synnott, A. (1992). Tomb, temple, machi-
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Lopes, V. R., & Medeiros, C. R. O. (2017). body. British Journal of Sociology, 79-110.
Estigmas da Obesidade no Contexto das
Organizações: Abominação, Fracasso e In-
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vivendo ao estigma da gordura: um estudo
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da diversidade: uma aproximação possí-
vel. Gestão & Planejamento-G&P, 23(1).

Mendes, D. C., & Mendonça, J. R. C. (2021).


Como é ser diferente em administração? A
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em uma graduação heteronormativa. Revista
Eletrônica de Ciência Administrativa, 20(3),
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Novaes, J. D. V. (2006). O intolerável peso da


feiúra: sobre as mulheres e seus corpos. Rio
de Janeiro: Garamond.

150 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Envelhecimento, Aposentadoria
e Organizações
Diogo Henrique Helal – FUNDAJ e PROPAD/UFPE

O Brasil está passando por uma trans- sidades dessa nova realidade demográfi-
formação demográfica significativa, com ca. Isso se torna ainda mais relevante ao
um aumento expressivo no número de considerarmos a aposentadoria, que não
idosos, seguindo uma tendência mundial. deve ser apenas vista como uma questão
Em 2010, a população brasileira totalizava relacionada à velhice e à saída do traba-
194,7 milhões de pessoas. Projeções feitas lho remunerado (Wang; Shultz, 2010). É
pelo IPEA (Bonifácio; Guimarães, 2021) in- necessário ampliar a discussão sobre esse
dicam, contudo, que até 2100 esse número tema, levando em conta as mudanças de-
pode diminuir para 156,4 milhões. Essa mográficas em curso e suas implicações
redução populacional será acompanhada nas áreas de saúde, previdência e mercado
por mudanças significativas na estru- de trabalho.
tura etária, com a proporção de idosos
passando de 7,3% em 2010 para potencial- Aqui, defende-se que a aposentadoria
mente 40,3% em 2100. Ao mesmo tempo, deve ser compreendida não apenas como
o percentual de jovens, com menos de 15 uma decisão, mas como um processo mul-
anos, pode cair de 24,7% para 9% (Boni- tidimensional, no qual as organizações e
fácio; Guimarães, 2021). Tais estimativas a Gestão de Pessoas desempenham um
destacam o envelhecimento da população papel ativo. O modelo tradicional utilizado
brasileira e a diminuição da parcela mais para estudar a aposentadoria, conhecido
jovem ao longo do século. como processo temporal da aposentadoria,
baseia-se na ideia de que esse fenômeno
Alterar para: A aceleração da transição geralmente envolve três etapas sequen-
demográfica vai gerar impactos significa- ciais: a) planejamento da aposentadoria;
tivos no Brasil, exigindo adaptações e a b) decisão da aposentadoria; c) transição
implementação de políticas públicas para e adaptação à aposentadoria (Wang; Shi,
enfrentar os desafios e atender às neces-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 151


2014; Shultz; Wang, 2011; Wang; Shultz, pós-aposentadoria. Envolve decisões indi-
2010). viduais baseadas em atitudes e comporta-
mentos relacionados à saída do mercado
No modelo, a etapa inicial, chamada de de trabalho.
planejamento da aposentadoria, é carac-
terizada pelo momento em que o indivíduo Na dimensão meso, a aposentadoria é
começa a discutir com amigos, colegas de vista como um conjunto de normas, políticas
trabalho e familiares sobre a proximidade e culturas dentro das organizações, que se
da aposentadoria. Nesse estágio, são ge- manifestam explicita e implicitamente . Isso
radas as primeiras expectativas e inicia-se inclui benefícios concedidos, expectativas
a busca por informações que auxiliarão na geradas com a chegada da aposentadoria,
etapa seguinte. Na etapa de decisão da valorização e reconhecimento do indivíduo
aposentadoria, o indivíduo procura fazer pela dedicação à organização, bem como
uma comparação entre a importância atri- estereótipos negativos e discriminações re-
buída ao trabalho e ao lazer, levando em lacionadas à idade no ambiente de trabalho.
consideração as circunstâncias individuais
que influenciam a decisão. Por fim, a etapa Na dimensão macro, a aposentadoria
de transição e pós aposentadoria corres- é concebida como uma instituição, sendo
ponde ao momento em que o indivíduo influenciada por leis, condições econômicas
busca se adaptar a uma rotina diferente, do país, sistemas de apoio ao aposentado
frequentemente marcada por atividades e valores compartilhados pela sociedade.
de lazer, maior dedicação à família, práticas Esses fatores estão além do controle indi-
religiosas, trabalho voluntário, entre outras. vidual e influenciam a aposentadoria e sua
transição.
O modelo multidimensional da apo-
sentadoria, originado da sociologia, reco- Estudar como os indivíduos se adap-
nhece a complexidade desse fenômeno e tam à aposentadoria permite descobrir,
enfatiza que sua compreensão não pode por exemplo, como eles obtêm qualidade
ser limitada a apenas um nível de análise. de vida após a transição e como lidam com
São apresentadas três dimensões - micro aspectos internos e externos. Para facili-
(individual ou biográfica), meso (institu- tar tais descobertas, algumas perspectivas
cional) e macro (societal) - que abrangem teóricas têm sido aplicadas ao estudo da
aspectos específicos e refletem a dinâmica adaptação para a aposentadoria, como a
do modelo por meio da inter-relação entre teoria do papel, teoria da continuidade,
esses níveis (Szinovacs, 2013; Silverstein; teoria do estágio, teoria do curso de vida e
Giarruso, 2011; Szinovacs, 2003). a perspectiva de recurso (Wang, Henkens;
Van Solinge, 2011). Acredita-se, no entanto,
Na dimensão micro, a aposentadoria que as organizações e a gestão de pessoas
se manifesta como um conjunto de expe- podem e devem desempenhar um papel
riências vividas pelo indivíduo ao longo do mais ativo nesse processo. Programas de
processo, desde a pré-aposentadoria até a

152 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


preparação para a aposentadoria têm sido tada em outro verbete deste dicionário). A
uma forma pela qual as organizações par- partir da Gestão da Idade, as organizações
ticipam na decisão e no processo de apo- têm também se preocupado em discutir
sentadoria (França; Carneiro, 2009). a adaptação do trabalho ao trabalhador
mais velho, com o objetivo de facilitar sua
Entende-se que a aposentadoria implica permanência ou readaptação. Tal estra-
a reorganização e construção de projetos tégia pode incluir, por exemplo, espaços
para alcançar o bem-estar e estabelecer ob- de aprendizagem e compartilhamento de
jetivos claros na nova fase da vida. Portanto, experiências profissionais entre diferentes
acredita-se que esses programas possam gerações de trabalhadores, contribuindo
incentivar a reflexão e auxiliar na constru- para combater o etarismo nas organizações.
ção de estratégias para enfrentar a mu-
dança, especialmente para a atual geração
de aposentáveis, conhecida como geração Referências
sanduíche ou espremida. Essa geração tem
adiado a decisão de se aposentar devido à Bonifácio, G. M. D. O., & Guimarães, R. R.
necessidade de auxiliar financeiramente, D. M. (2021). Projeções populacionais por
em muitos casos simultaneamente, seus idade e sexo para o Brasil até 2100 (No.
pais, filhos e netos (Jesus; Wajnman, 2016). 2698). Texto para Discussão. IPEA; http://dx.
Como a aposentadoria implica perdas sa- doi.org/10.38116/td2698
lariais, o compromisso financeiro que os
aposentáveis têm com a família é um fator França, L. H. de F. P., & Carneiro, V. L..
que contribui para o adiamento da decisão (2009). Programas de preparação para a
de deixar o emprego. aposentadoria: um estudo com trabalha-
dores mais velhos em Resende (RJ). Revista
Por fim, espera-se que a gestão de pes- Brasileira De Geriatria E Gerontologia, 12(3),
soas consiga tratar a aposentadoria como 429–447. https://doi.org/10.1590/1809-
um fenômeno complexo e multidimensio- 9823.2009.00010
nal, não apenas como uma decisão, mas
como um processo. De um lado, isso pode Jesus, J. C., & Wajnman, S. (2016). Geração
ser feito por meio da implementação de sanduíche no Brasil: realidade ou mito?.
programas de preparação para a aposenta- Revista Latinoamericana De Población, 10(18),
doria que não infantilizem o trabalhador e 43–61. https://doi.org/10.31406/relap2016.
que permitam efetivamente o planejamento v10.i1.n18.2
para a vida pós-aposentadoria, promovendo
uma aposentadoria mais ativa. Shultz KS, Wang M. Psychological perspecti-
ves on the changing nature of retirement. Am
De outro, e para além destes impor- Psychol. 2011 Apr;66(3):170-9. doi: 10.1037/
tantes programas, é importante tratar o a0022411.
envelhecimento e a aposentadoria em um
campo mais amplo, Gestão da Idade (tra-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 153


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154 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Gestão da Idade nas Organizações

Anelise Rebelato Mozzato - UPF


Diego Costa Mendes - UFV

O mundo do trabalho se depara com a GI refere-se a ações voltadas à inclusão


diversos desafios, como o aumento da ida- e interações concretas e eficazes entre os
de média da força laboral e a mudança de trabalhadores de todas as faixas etárias,
necessidades e valores das novas gerações. tendo como objetivo promover, entre ou-
Entretanto, as organizações não demons- tros aspectos, a inclusão dos profissionais
tram estar preparadas para esse novo pa- de diferentes gerações, além de debater
norama de diversidade etária (Boehm et e intervir sobre tal diversidade nas orga-
al., 2013). Torna-se fundamental lidar com nizações (Tonelli et al., 2020; Hanashiro &
as distintas gerações que coexistem no Pereira, 2020).
mundo do trabalho, além de romper com
os estereótipos e barreiras relacionadas à A maior concentração de publicações
idade dos trabalhadores a partir de políticas sobre GI encontra-se no Reino Unido, segui-
e práticas de gestão de pessoas (GP) que do da Suécia, França e Alemanha (Locatelli
considerem a gestão da idade (GI) (Tonelli & Mozzato, 2022). Apesar de ter crescido
et al., 2020; Silva & Helal, 2022). nos últimos anos, a produção brasileira
sobre o tema ainda é limitada, e carece de
Apesar das múltiplas interpretações em observação mais atenta aos trabalhado-
relação à GI nas organizações, pode-se afir- res envelhecentes, visto que os mesmos
mar que ela diz respeito ao desenvolvimento recebem pouca atenção nas organizações
de políticas e práticas de GP que levam em e nos estudos em Administração (Silva &
consideração a idade, o envelhecimento e o Helal, 2022).
ciclo de vida dos trabalhadores, com o intui-
to de fomentar ambiente laboral favorável É possível perceber ao menos duas
aos trabalhadores, independentemente de correntes a partir das quais as discussões
suas faixas etárias (Walker, 1998; Walker, sobre a GI são conduzidas: uma de teor
2005; Silverstein, 2008). Adicionalmente, mais gerencialista e outra mais contesta-

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 155


dora. A corrente gerencialista se pauta em compartilhameto de conhecimentos (Lagacé
políticas e práticas que visam transformar et al., 2019; Fossatti & Mozzato, 2021).
o contexto organizacional em um ambien-
te mais inclusivo e humanizado (Zerbini Todavia, as práticas de GI necessitam ser
& Veiga, 2019; Neiva et al., 2020), a partir flexíveis o suficiente para se adequarem à
de ações que envolvem o recrutamento e realidade interna e ao contexto social, polí-
seleção de pessoas, a aprendizagem e o tico e econômico em que cada organização
plano de desenvolvimento de pessoas, a se encontra (Boehm et al., 2013). Logo, não
gestão do conhecimento, a flexibilidade, a devem obedecer a uma padronização, nem
proteção e promoção à saúde, a prepara- ter caráter meramente prescritivo e instru-
ção do ambiente de trabalho, as medidas mental (Taylor & Walker, 1998; Walker &
ergonômicas e gestão da saúde, além de Taylor, 1999).
conceber planos de benefícios e aposenta-
doria (Naegele & Walker, 2006; Ciutiene & A outra corrente tende a discutir a ques-
Railaite, 2015). Diante dessas práticas, Tonelli tão etária nas organizações de forma mais
et al. (2020) salientam que a adoção da GI problematizadora, ora realizando diagnósti-
deveria ser orientada por três macro fatores: cos que possibilitam denunciar o etarismo –
i) recrutamento e seleção, ii) integração e também chamado de idadismo ou ageismo3
continuidade no trabalho e iii) adaptação –, ora discutindo sobre práticas de descons-
dos trabalhadores. trução e enfrentamento aos estereótipos
etários. Este tema não é aprofundado aqui,
As políticas e práticas que orientam a GI em razão de que será trabalhado em outro
têm o potencial de lidar de melhor forma verbete deste dicionário.
com as dimensões individuais da força de
trabalho com idade diversificada e estimular Pesquisas sobre o marcador social idade
as relações e a cooperação intergeracional, no contexto de trabalho indicam que tan-
concedendo vantagem competitiva às orga- to a literatura quanto as mídias tendem a
nizações e vantagens aos envolvidos (França estereotipar e generalizar indivíduos pela
et al., 2017; Boehm et al., 2021; Fossatti & sua faixa etária, inclusive justificando anta-
Mozzato, 2021). Manter um clima interge- gonismos e conflitos no ambiente de tra-
racional positivo e cooperativo é saudável e balho em razão das diferenças geracionais
reduz sentimentos de insatisfação dos traba- (Rocha-de-Oliveira et al., 2012), como se as
lhadores (Lagacé et al., 2019; Burmeister et pessoas pudessem ser lidas apenas em ra-
al., 2021; Fasberder & Drury, 2021). Ademais, zão da geração as quais pertencem. Tais
possibilita aprendizagem intergeracional generalizações e estereótipos vêm sendo
(Froehlich, 2017; Hanashiro et al., 2020; Colet cada vez mais questionados pela literatura
& Mozzato, 2021a) e fortalece práticas de contemporânea (Colet & Mozzato, 2021b).

3 Ageismo consiste no preconceito direcionado a diferentes grupos etários. Para melhor entendimento
sobre ageismo sugere-se trabalhos clássicos e atuais sobre o tema, tais como: Butler (1969; 1980),
Palmore (2001; 2015), Previtali et al. (2020), Hanashiro et al. (2020); Fraga et al. (2021); Helal e Viana
(2021), além do verbete deste livro que é direcionado ao tema.

156 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Tal corrente mais contestadora também Referências
tem inserido perspectiva interseccional so-
bre a análise etária nas organizações, evi- Barbosa, J. K. D., & Paiva, K. C. M. (2022). Tra-
denciando realidades múltiplas e complexas jetória Profissional e Marcadores Interseccio-
que transcendem a questão da idade ao se nais: Um Estudo com Jovens Trabalhadores.
relacionar com outros marcadores sociais In: XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022.
(como gênero, raça e classe social), em es-
pecial em contextos tão desiguais quanto Boehm, S. A., Schröder, H., & Bal, M. (2021).
o brasileiro (Souza, 2019; Barbosa & Paiva, Age-Related Human Resource Management
2022). Policies and Practices: Antecedents, Outco-
mes, and Conceptualizations. Work, Aging
De maneira ampla, a GI tem importância and Retirement, 7(4), 257- 272.
central na mitigação do ageismo, tanto a
partir da problematização dos estereótipos Butler, R. N. (1969). Ageism: another form
negativos e da discriminação etária sobre of bigotry. The Gerontologist, 9(4), 243-246,
trabalhadores jovens, envelhecentes ou ido- 1969. https://doi.org/10.1093/geront/9.4_
sos, como também mediante a proposição Part_1.243.
de políticas e práticas de GP que possibilitem
seu enfrentamento (Cepellos & Tonelli, 2017; Butler, R. N. (1980). Ageism: a foreword.
Tonelli et al., 2020; Burmeister et al., 2021; Journal of Social Issues, Hoboken, 36(2), 8-11.
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Helal, 2022). tb02018.

A temática sobre a GI ainda tem bastante Burmeister, A., Hirschi, A., Zacher, H., & Tru-
potencial para ser explorada, seja na produ- xillo, D. (2021). Explaining Age Differences in
ção de conhecimento que discuta a aprendi- the Motivating Potential of Intergenerational
zagem intergeracional, a profissionalização Contact at Work. Work, Aging and Retirement,
no envelhecimento, as múltiplas facetas e 7(3), 197-213.
consequências dos estereótipos etaristas,
como também no desenvolvimento de po- Cepellos, V. M., & Tonelli, M. J. (2017). En-
líticas práticas de GP que potencializem a velhecimento profissional: percepções e
inserção, manutenção e desenvolvimento práticas de gestão da idade. Revista Alcance,
tanto de jovens quanto de envelhecentes e 24(1), 4-21.
idosos no ambiente de trabalho. Portanto,
fazem-se necessárias práticas que coibam Ciutiene, R., & Railaite, R. (2015). Age Mana-
o ageismo e promovam clima cooperativo gement as a Means of Reducing the Chal-
e saudável entre as distintas gerações que lenges of Workforce Aging. Inzinerine Ekono-
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 159


Gerações e Trabalho no Brasil

Diva Ester Okazaki Rowe – UFBA


Jaqueline Milhome - UFBA

O trabalho pode representar, para o comportamentos e perspectivas de mundo,


indivíduo, meio de sobrevivência e fonte em alguma medida, diferentes entre si.
de recursos materiais ou uma forma de
perceber-se útil, ativo no meio social em Por gerações, entende-se grupos de
que vive. Ainda, o trabalho é reconhecido pessoas nascidas em intervalo comum de
como fonte de identidade e um elemento anos, compartilhando momentos histó-
tanto de construção quanto de expressão ricos específicos marcantes para toda a
do sujeito. Independente da percepção ter sociedade e acumulando memórias cole-
ótica materialista e/ou afetiva, o trabalho tivas comuns. Tais acontecimentos resul-
é uma variável importante na vida do in- taram em padrões de respostas, valores
divíduo. e crenças específicos, aliados a padrões
comportamentais e perspectivas de mundo
Esses indivíduos têm comportamentos, peculiares à cada geração.
decisões e objetivos norteados por crenças
e convicções básicas que o fazem acreditar Para além disso, contínuas mudanças
no que é certo ou errado. Isso, por sua vez, sociais resultam em configurações de tra-
resulta de elementos culturais e sociais balho renovadas. Indivíduos mais novos,
que permearam a sua formação desde a com visões de mundo e de objetivos de
infância – socialização micro – até o início vida coerentes à sua vivência, se inserem
da vida adulta – socialização macro. De for- no mundo do trabalho, enquanto pessoas
ma que grupos de indivíduos formados em mais velhas se retiram. A formação desses
contextos socioculturais diferentes e que ‘novos entrantes’ é influenciada tanto por
vivenciaram períodos históricos particula- valores trazidos de outras gerações, seus
res a cada contexto sociocultural compõem pais e seus primeiros meios de socializa-
gerações distintas e podem apresentar ção, como por valores elucidados a partir

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 161


de eventos sociais, econômicos e políticos esse novo cenário de trabalho. (Anes, 2021;
que possam tê-los feito mudar ou repensar Lazzareschi, 2018; Muniz, 2019).
sua perspectiva de vida e de trabalho.
É importante ressaltar, porém, que dife-
Além das mudanças de gerações no rentes gerações tendem a padrões de res-
ambiente de trabalho, vêm ocorrendo im- postas e comportamentos diferentes entre
portantes alterações na estruturação do si, mesmo vivendo similares transformação
trabalho em si que, por sua vez, ocasiona no mundo do trabalho. Corrobora-se com
um reordenamento nas forças produtivas Brug e Rekker (2020) e Schewe e Meredith
e impacta na relação entre o indivíduo e a (2004) acerca da inadequação do uso de
organização. Lazzareschi (2018) remota à classificações de gerações desenvolvidas em
década de 1970, referente a essas trans- outros contextos socio-histórico-culturais,
formações do processo de trabalho, em por serem formadas em uma localização
decorrência da introdução das tecnologias sócio-histórica específica e serem influen-
de base microeletrônica, da informação, ciadas por eventos políticos, culturais e so-
somado a novas técnicas de gerenciamento ciais. Entende-se, assim, inapropriado impor
do processo de trabalho, toyotismo. Estas, configuração geracional de uma sociedade
segundo o autor, estão exigindo um traba- a outra. Dessa forma, será utilizada a nova
lhador “capaz de efetivar conhecimentos, proposta de classificação de gerações bra-
ou seja, capaz de utilizá-los corretamente sileiras, por Milhome e Rowe (2020).
na solução de problemas do dia a dia do
trabalho e no processo de tomada de deci- Na sua proposta de classificação de ge-
sões que hoje devem ser rápidas devido à rações brasileiras, Milhome e Rowe (2020)
compressão espaço-tempo provocada pela apresentam sete gerações: Geração Pré-di-
informatização” (Lazzareschi, 2018, p. 100). tadura (1930-1943); Reprimida (1944-1958);
Diretas (1959-1968); Hiperinflação (1969-
Essa nova lógica empresarial que, se- 1978); Social (1979-1991); Geração 4.0 (1992-
gundo Muniz (2019), tem como fundamento 2005). Essa proposta tomou como base os
a diminuição dos custos de produção, mo- seguintes eventos marcantes: Era Vargas,
difica as condições técnicas, jurídico-políti- Ditadura militar, Fim da ditadura militar,
cas e sociais de trabalho, bem como a sua Governo de Fernando Collor de Melo – plano
organização. Uma importante consequência Collor e Impeachment, Plano real, Eleição e
está na intensificação do trabalho dos indi- governo do presidente Lula, Impeachment
víduos, o surgimento de novas e precárias da presidente Dilma Rousseff, Eleição do
relações de trabalho, a exigência de novas presidente Jair Bolsonaro, pandemia do
competências profissionais. Isso acarretou Covid-19.
transformações nas relações entre capital
e trabalho, assim como entre indivíduo e Nas organizações, pelo menos 3 gera-
organização. Novas expectativas são dire- ções diferentes compartilham experiências
cionadas ao indivíduo e este tem compor- enquanto, na sociedade como um todo, é
tamentos em consonância e em resposta a possível falar em cerca de 6 gerações, entre

162 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


jovens adultos, adultos e idosos, somadas estão os mais velhos, uma vez que estes
a 2 gerações entre bebês, crianças e ado- alcançaram diferentes etapas profissionais,
lescentes. Cada um desses grupos, tendo as quais os mais jovens ainda galgam. Bem
experienciado diferentes contextos sociais, como por características do mercado de
econômicos e estruturais em seu período de trabalho, mais exigente e competitivo para
socialização macro, desenvolveu comporta- os mais novos.
mentos humanos, princípios norteadores e
percepções específicas acerca do mundo e, As gerações Diretas e Hiperinflação ini-
consequentemente, do trabalho, os quais ciaram suas carreiras em um período em
vão direcionar seus comportamentos, atitu- que o sucesso profissional estava atrelado
des, objetivos, lugar que o trabalho ocupa ao tempo que se trabalhava em uma mes-
na sua vida e como ele se relaciona com o ma organização. Logo, essas organizações
trabalho. passavam a ter tamanha importância na
sua vida de forma que aqueles com quem
Em termos organizacionais, essas di- se dividia o espaço de trabalho podia ser
ferenças podem ser negativas, ao causar considerado tão importante como a família.
conflitos que paralisem a organização ou a
torne um ambiente insalubre de trabalho. Bem como, essas gerações cresceram
Bem como, podem ser positivas, quando em uma sociedade em que ainda havia ne-
essas diferenças são aproveitadas e po- cessidade de prestação de contas à socie-
tencializadas pela organização. Entende-se, dade. De forma que, considerando a fase
portanto, que compreender o que é mais da vida e da carreira desses profissionais,
importante para cada uma das gerações a preocupação com o bem-estar do outro
mostra-se de suma relevância no sentido na organização pode dizer respeito à este
de que essas diferenças sejam mais bem indivíduo entender o trabalho como algo
aproveitadas pela organização. tão importante na sua vida que os que per-
tencem àquele espaço (de trabalho) são
As principais diferenças entre gerações considerados parte da sua vida pessoal, não
brasileiras no contexto de trabalho referem- somente da sua vida profissional.
-se à independência em termos de pensa-
mento e ação, bem como ser movido por É válido, ainda, ressaltar que o evento
novidades e desafios, comuns às gerações social que marcou a formação de valores
Diretas e Social, tendo maior intensidade na macro da geração Diretas foi o movimento
geração mais velha, em comparação com a Diretas Já, movido pelo pensamento e ação
mais nova. Paralelamente, comportamentos livre do regime ditatorial instaurado naquele
que evidenciam compreensão, tolerância e período. Esses indivíduos internalizaram
proteção do bem-estar dos outros no am- que a ação coletiva foi o que levou ao fim
biente de trabalho são comuns às gerações dos anos considerados mais obscuros do
Hiperinflação, Diretas e Social, diminuindo século XX no Brasil. A motivação por essas
no decorrer das gerações mais jovens. Isso ações, novidades e desafios é refletido tam-
pode ser explicado pela fase da vida que bém no contexto do trabalho. Entende-se

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 163


que a independência de pensamento e ação nível de conhecimento que não havia fora
está atrelada ao lugar que o trabalho ocu- do ambiente acadêmico. Adicionalmente,
pa na vida desse indivíduo. Assim, apesar novas perspectivas de trabalho e ascensão
das relações de trabalho reestruturadas e social puderam ser vislumbradas mesmo
precarizadas, mostra-se importante para por jovens de baixa renda.
esse indivíduo esse lugar de independência
de pensamentos e ações, bem como ser A geração Social – entre 30 e 49 anos –
movido por novidades e desafios. está em um momento profissional de busca
de crescimento ou estabilização na carreira.
Por outro lado, percebe-se importante De forma que esse é um momento de vida
elucidar que o cenário de reestruturação e em que tende a haver maior preocupação
precarização do trabalho, somado ao avan- com o que precisa ser feito em termos de
ço exponencial da tecnologia pode repre- posicionamento profissional, principalmen-
sentar uma mitigação, em alguma medida, te no atual contexto brasileiro, de crise po-
da independência de pensamento e ação. lítica, sanitária e econômica.
Ao passo em que se vive um boom de acesso
à informação e, portanto, constantes desa- Em um cenário de reestruturação do
fios, as relações de trabalho sendo fragili- trabalho, perspectiva de mundo do trabalho
zadas, colocam o indivíduo desta geração das gerações Hiperinflação e Diretas foi in-
em um lugar de necessidade não satisfeita. teiramente ressignificada. Uma diminuição
De forma similar, entende-se importante gradativa entre os mais jovens, no que diz
um olhar atento para as consequências respeito ao universalismo e benevolência
nos meios sociais que esse indivíduo per- diz, também, sobre o que o trabalho vem
meia. A compreensão desses valores pode, significando/representando na vida dos que
então, elucidar necessidades de um olhar cresceram em meio ao acesso facilitado às
organizacional atento e de uma prepara- tecnologias. E os membros das gerações
ção/conscientização social no sentido de mais antigas compartilharem um contexto
minimizar esses impactos. de trabalho divergente do que eles apren-
deram com uma geração em que esse novo
Por seu turno, ao analisar a formação da cenário é cada vez mais naturalizado, pode
Geração Social, vale destacar que as mudan- pôr em xeque o lugar que os mais antigos
ças sociais vivenciadas por esses indivíduos se identificam nesse mundo reestruturado.
podem ter acarretado uma perspectiva, em
relação ao trabalho, diferente das gerações
anteriores. Trata-se de uma geração que Referências
teve acesso ampliado à educação, espe-
cialmente de nível superior, resultado de Anes, R. E. M. (2021). Reestruturação produ-
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Entende-se, assim, que o aumento nos sidade aos moldes empresariais. Germinal:
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DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 165


Teletrabalho, Home Office,
Trabalho Remoto, Híbrido,
Flexível e Inteligência Artificial
Diva Ester Okazaki Rowe - UFBA
Péricles Nóbrega - IFSertãoPE e UFBA

É indiscutível que a humanidade vem e formuladores de políticas possam pla-


passando por uma série de (r)evoluções, nejar ações que tragam benefícios para as
dentre elas, as mais visíveis e sensíveis gi- organizações e para os trabalhadores (Kim,
ram em torno das tecnologias utilizadas, Wang & Boon, 2020).
sejam elas voltadas para nossa diversão,
para comunicação ou mesmo para nos- Nesse mesmo contexto, o uso de novas
sas relações de trabalho. Fato é que tais modalidades de trabalho, como o teletraba-
recursos se apresentam como um cami- lho vem ganhando notoriedade, especial-
nho sem volta. Mas quando esse processo mente desde a década de 70, diante da crise
foi iniciado? Quais os principais conceitos? do petróleo, que dificultou o deslocamento
Qual o cenário atual e os caminhos a serem para os locais de trabalho, além do desen-
trilhados? volvimento tecnológico, que popularizou os
computadores pessoais (Niles, 1997). Outro
Bem, inicialmente é importante des- fator histórico que despertou a atenção
tacar que o uso de tecnologias no campo para esse fenômeno é a crise sanitária em
da Gestão de Pessoas (GP) e relações de decorrência da pandemia de Covid-19, de
trabalho não é recente. Evidentemente que modo que a utilização desta modalidade
as transformações nessa área são bem evi- proporcionou a continuidade do trabalho
dentes, especialmente a partir dos anos (Belzunegui-Eraso & Erro-Garces, 2020).
2000, com o amplo acesso à internet. As
pesquisas sobre as implicações tecnológicas Por ser um fenômeno em evidência,
na GP vêm sendo realizadas, pelo menos, várias terminologias estão atreladas ao fe-
há 60 anos, contribuindo para que gestores nômeno, como é possível de ser observado

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 167


na Figura 1. Assim, alguns conceitos são com que home office, trabalho remoto, tra-
relacionados a este modo de trabalho e, balho flexível e teletrabalho misto, embora
por vezes, confundidos como se sinônimos tenham semelhança, devem ser observados
fossem. No entanto, é possível verificar que e compreendidos de forma distinta (Leite,
existem diferenças significativas, fazendo Lemos & Schneider, 2019).

Figura 1. Conceitos correlatos ao teletrabalho

Fonte: elaborado pelos autores de tempo para realizar atividades físicas


também se apresentam como oportuni-
Diante da sua ampla utilização, pontos dades, diante desse modo de trabalho
positivos e negativos são evidenciados. (Italo & Amazarray, 2022). Partindo desses
Assim, como vantagens destacam-se as- aspectos, o que se verifica é que as mais
pectos como ganhos de qualidade de vida, variadas organizações estão se ajustando
saúde mental e autonomia no trabalho para oferecer melhores condições para a
(Schade et al., 2021), além de percepção adoção do teletrabalho.
de maior autonomia, mais engajamento,
menor exposição de riscos e sensação de Isso fica claro pelo fato de que a Ad-
maior produtividade pelo teletrabalhador ministração Pública brasileira vem imple-
(Bhumika, 2020; Filardi, Castro & Zanini, mentando de forma oficial o teletrabalho,
2020). com a formalização do Programa de Ges-
tão e Desempenho. Essa ação tem como
Atrelado a isso, a percepção de solida- finalidade diminuir gastos, reduzir a rota-
riedade entre colegas e a disponibilidade tividade de servidores, proporcionar o de-

168 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


senvolvimento de trabalho criativo e criar dança estrutural nas relações de trabalho.
condições que ofereçam mais qualidade A ampla adoção de ferramentas, que vem
de vida, incentivando a adoção de outros ocupando significativo espaço nas relações
modos de prestação de serviço (Instrução de trabalho, como o ChatGPT, já é uma
Normativa n. 65, 2020). realidade. Elas se baseiam em Inteligência
Artificial (IA), que pode ser definida como
Por sua vez, é de se esperar que efeitos uma forma para descrever sistemas com-
colaterais também surjam, pois, tal medi- putadorizados avançados e máquinas que
da, em decorrência da crise sanitária de imitam as funções “cognitivas” do cérebro
Covid-19 fez com que a adoção do teletra- humano, como aprendizado, raciocínio e
balho, em grande parte das organizações, planejamento (Lu et al., 2018).
tenha se tornado compulsória. Assim, sem
o devido preparo e treinamento por parte Esse aumento do uso de Inteligência
tanto dos gestores, como dos teletrabalha- Artificial (IA), especialmente nos locais de
dores, pode ter implicado em uma série de trabalho em todo o mundo, tem como
impactos negativos (Carvalho et al., 2023). função primordial o aumento da produ-
tividade (Varma, Dawkins & Chaudhuri,
Nesse sentido, como dificuldade e des- 2023). Em que pese poder contribuir com
vantagem é possível indicar sentimento processos de Gestão de Pessoas, criando
de não adaptação, perda de vínculo com valor para a organização, acelerando e
a organização, além do aumento da inci- transformando negócios, ainda não gerou
dência de transtornos mentais comuns, os benefícios esperados por essa prática
como ansiedade e depressão entre os te- (Chowdhury et al., 2023).
letrabalhadores (Filardi, Castro & Zanini,
2020). Outro reflexo se dá no campo da Ao contrário, essas mudanças radicais,
relação família-trabalho, que passa a ser em curto espaço de tempo, têm causado
permeada por essa realidade conflitante. mais apreensão. Isso se dá em razão da in-
De tal forma que ao mesmo tempo pode segurança na manutenção dos empregos,
ser percebido como uma invasão de um com as máquinas substituindo a atividade
espaço, cuja delimitação era mais evidente, humana, seja nas atividades mais práticas,
de modo que o trabalho e a vida pessoal seja nas mais refinadas, que exigem maior
passam a se emaranhar cada vez mais (Pi- poder de reflexão e aprendizado.
nheiro & Coelho-Lima, 2022). No entanto,
também pode ser encarado como uma O que fica claro é que tanto o teletra-
oportunidade, tendo em vista a possibili- balho, quanto a Inteligência Artificial ainda
dade de que os(as) teletrabalhadores(as) carecem de uma série de discussões éticas.
podem aproveitar mais tempo com a fa- Mesmo com inúmeras aplicações úteis, seu
mília. uso em processos e sistemas de Gestão
de Pessoas apresenta uma série comple-
Mas não é somente o teletrabalho que xa de considerações, que exigem que os
vem chamando a atenção, como uma mu- líderes organizacionais sejam cautelosos,

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 169


protegendo a dignidade do trabalhador balho e tempo de vida, além da divisão de
por meio da transparência em relação aos responsabilidade no que se refere a gênero
dados coletados e da privacidade em rela- também são de grande interesse.
ção ao seu uso (Varma, Dawkins & Chau-
dhuri, 2023). Por sua vez, o suporte social percebi-
do também se apresenta como uma das
Assim, vários estudos vêm sendo desen- possibilidades, tendo em vista que é um
volvidos, no sentido de melhor compreen- dos elementos centrais para o teletrabalho
der os impactos do uso de novas tecnolo- (Mourão, Abbad & Legentil, 2021). Assim, se
gias e do teletrabalho nas mais diversas faz necessário ter uma melhor compreen-
organizações. É possível destacar a relação são sobre essa articulação, não somente
do fenômeno com a saúde mental, física e pela pouca produção científica na área, mas
ocupacional, incluindo ergonomia e quali- pela sensação de autonomia e liberdade
dade de vida (Estrada-Munoz et al., 2021), que os teletrabalhadores passam a usu-
sobre gênero e flexibilidade no trabalho fruir, gerando maior sensação de bem-estar
(Seiz, 2021), suporte social e formas de ges- (Vianna et al., 2023).
tão e produtividade (Drieskens et al., 2022).
Quanto à Inteligência Artificial, tendo em
Especificamente quanto à interface com vista se tratar de uma temática em bastante
o bem-estar no trabalho, cinco dimensões evidência, oportunidades e desafios para a
podem ser indicadas, na associação com o Gestão de Pessoas podem ser verificados.
teletrabalho: afetiva, cognitiva, social, profis- Diante disso, temas como “recrutamento
sional e psicossomática. Charalampous et e seleção”, “relações trabalhistas “, “gestão
al. (2019) ao realizarem uma revisão siste- de desempenho”, “saúde, segurança e bem-
mática, cujo objetivo foi o de compreender -estar”, ainda não foram suficientemente
a associação entre essa modalidade de tra- apresentados na literatura (Pereira et al.,
balho, a percepção dos teletrabalhadores, e 2023).
as dimensões citadas, verificaram que ainda
é necessário avançar sobre as condições Diante dessa realidade de ampla adoção
psicossomáticas. Isso pode contribuir para da tecnologia na gestão de pessoas, se torna
gerar melhores condições no ambiente de um desafio no trabalho dos gestores, de
trabalho. modo que devem ampliar suas competên-
cias nos processos de comunicação e inte-
No que se refere a questões de gênero, ração com a equipe (Losekann & Mourão,
possíveis caminhos a serem percorridos 2020). Como é possível perceber, um longo
se referem à dinâmica trabalho-família, de caminho ainda deve ser trilhado, de forma
modo que o teletrabalho ocupou um es- a melhor compreender esse “novo mundo”,
paço que era dedicado à esfera doméstica sendo necessário discutir as contribuições
(Pinheiro & Coelho-Lima, 2022). Assim, é teóricas e, sobretudo, práticas, que podem
necessário que estudos que tratem da su- tornar a relação seres humanos-tecnologia
pressão das barreiras entre tempo de tra- mais simétrica.

170 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


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Inovação, Pessoas e
Relações de Trabalho
Marcia Cristiane Vaclavik - IFRS
Bibiana Volkmer Martins - UNISINOS

Frente ao contexto atual de acelera- tais para o desenvolvimento de vantagem


das transformações, a inovação é tema competitiva sustentável e para impulsionar
rotineiro nas esferas da vida acadêmica e a capacidade inovativa das organizações.
prática. Tida como uma das bases para o Apesar de área de GP já ter conquistado
desenvolvimento econômico, a inovação, o reconhecimento pela sua importância
de modo geral, relaciona-se com aspectos estratégica, a sua literatura começou a se
técnicos e com o uso do conhecimento dedicar ao tema da inovação com maior
científico voltados para a elaboração de ênfase a partir a partir dos anos 2000 e,
novos produtos e processos, impactando ainda hoje, os estudos que englobam os
a sociedade de diversos modos e servindo dois tópicos são relativamente pouco nu-
como um catalisador para o desenvolvi- merosos. Assim, após trazer conceitos
mento socioeconômico. Entretanto, apesar elementares, este verbete visa explorar e
de ser um processo inerentemente hu- fomentar alguns pontos de conexão entre
mano, dependente da capacidade criativa GP e inovação, em especial sobre criativi-
das pessoas para geração de novas ideias dade, liderança e impactos nas relações
e aplicação do conhecimento, a inovação de trabalho.
é comumente discutida a partir de pers-
pectivas técnicas e econômicas, em níveis 1. Inovação. Em sentido amplo, a ino-
organizacional, de redes ou ecossistêmico, vação pode ser compreendida como “um
sendo incipientes as abordagens que colo- produto ou processo novo ou aprimorado
cam o sujeito e o trabalho como elemento (ou uma combinação de ambos) que di-
central. fere significativamente dos produtos ou
processos anteriores” (OECD, 2018, p. 20,
Atualmente, é consenso que a práticas tradução nossa). Destaca-se, nesta inter-
de Gestão de Pessoas (GP) são fundamen- pretação, a necessidade de aplicabilidade,

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 175


ou seja, é mandatório que a inovação seja colaboração (Chesbrough, 2003; Faccin et
disponibilizada, como um produto ou ser- al. 2019).
viço, para usuários em potencial, ou que
seja posta em uso, como um processo, por 2. A inovação como processo huma-
uma organização ou setor (OECD, 2018). no e criativo. A inovação, em essência, é
A inovação também pode ser encontrada um processo intrinsecamente relaciona-
em novos mercados, novas formas de or- do a pessoas (Kianto, Sáenz & Aramburu,
ganização e novas formas de produção de 2017). A relação existente entre inovação
valor em modelos de negócios (Dodgson, e capital humano é discutida por diversos
Gann & Phillips, 2014). Tal entendimento autores sob diferentes perspectivas analíti-
de inovação foi resultado de uma série cas (Eriksson, Lindén & Papahristodoulou,
de pesquisas que, a partir dos anos 1970, 2023; Mariz-Pérez, Teijeiro-Alvarez e Gar-
ampliaram a compreensão da inovação. cía-Alvarez, 2012; McGuirk, Lenihan e Hart,
A partir de então, ela deixou de ser vis- 2015; Munjal e Kundu, 2017), sendo con-
ta como um ato isolado, decorrente das siderada um fator decisivo para o desen-
ações individuais de empresários ou de volvimento (Edquist, 2001; Stam, 2015). A
laboratórios de P&D (Pesquisa e Desenvol- criatividade, por sua vez, é fator necessário
vimento) e passou a ser vista um processo para a inovação, envolvendo a capacidade
não linear, complexo que envolve múltiplas humana de perceber, conceber e construir
fontes, diversas e intrincadas interações ideias e modelos, estabelecendo novas co-
nos níveis local, nacional e mundial entre nexões projetando possibilidades futuras
indivíduos, firmas e outras organizações na (Carayannis & Gonzalez, 2003). Entretanto,
busca de novos conhecimentos (Szapiro, a mera criação de ideias não é condição
Matos & Cassiolato, 2021). Por ser um meio suficiente, uma vez que depende da im-
essencial pelo qual não só as organizações plementação para que possa se converter
sobrevivem e prosperam, mas também em inovação (Kim, Choi & Sy, 2022). Nesse
pelo potencial de desenvolver, econômica sentido, a gestão da inovação deve consi-
e socialmente, regiões e nações, a inovação derar o treinamento para a criatividade
derivou conceitos como Sistema Nacio- como meio para alavancar a capacidade
nal de Inovação (Freeman, 1987; Lundvall, inovativa das organizações (Haneda & Ito,
1992) e, mais recentemente, Ecossistema 2018; Rampa & Agogué, 2021), estimulando
de Inovação (Jacobides, Cennamo & Gawer, o desenvolvimento de conhecimento capaz
2018; Granstrand & Holgersson, 2020; Hol- de gerar novos e relevantes processos,
gersson et al., 2022). Nesse contexto, di- produtos ou serviços (Gomes et al., 2021;
versos estudos têm chamado atenção para Leonard & Barton, 2014). Um dos desa-
a manutenção e aumento das vantagens fios atuais relaciona-se com o processo
competitivas de organizações regiões e de gestão dos saberes organizacionais e a
nações, mas também para a importância otimização do uso do conhecimento tácito
da inovação aberta e colaborativa e para e explícito em prol da inovação (Facin et
a troca de conhecimento nas relações de al., 2019; Kianto, Sáenz & Aramburu, 2017).

176 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


3. Gestão de Pessoas, Liderança e inovações tecnológicas da quarta revolução
Inovação. Para criar valor e alcançar os industrial também mudam a natureza das
objetivos organizacionais em tempos tur- vocações, à medida em que a inteligência
bulentos, é necessário que os trabalhado- artificial avança rapidamente sobre o tra-
res desenvolvam habilidades e atitudes balho manual e intelectual. Por um lado,
voltadas para a inovação (Le & Le, 2023) e é notável que o avanço tecnológico pode
sejam estimulados a apresentar compor- dar suporte às tarefas humanas cotidianas
tamentos proativos (Bauwens, Audenaert, e gerar novas profissões e postos de tra-
& Decramer, 2023). O papel da liderança balho (Su, Togay & Côté, 2021). Por outro,
também ganha novos contornos (Currie & intensificam-se as preocupações sobre
Spyridonidis, 2019; Deschamps, 2003; Le, o futuro de diversas ocupações (Frey &
2021) e passa a ser visto como um impor- Osborne, 2017; Meskó, Hetényi & Györffy
tante catalisador da criatividade, competiti- 2018) e sobre a empregabilidade de uma
vidade e inovação (Carayannis & Gonzalez, parte considerável da população (Harari,
2003). O comportamento cotidiano dos lí- 2016). Análises acaloradas sobre cenários
deres pode encorajar ou inibir a adoção de futuros de prosperidade ou adversidade
atitudes inovadoras por parte dos funcio- são comuns. É crucial, portanto, investigar
nários (Phillips, 2014). Sendo a colaboração como as imposições das inovações tec-
condição essencial para a gestão da ino- nológicas, agora massivamente digitais e
vação (Dodgson, 2014), o foco desloca-se notadamente aceleradas, interagem com
da competição entre os membros de uma as realidades do mundo do trabalho.
equipe para a construção de times cola-
borativos (Ayyaz, Awan & Jehanzeb, 2022), 5. Caminhos futuros. A área de GP tem
diversos (Baruah, Burch & Burch, 2023), sido reconhecida pela sua importância es-
criativos (Leonard & Barton, 2014), dotados tratégica, dado seu papel na promoção de
de altos índices de confiança interpessoal, práticas que potencializem o aprendizado
capazes de assumir riscos (Phillips, 2014) organizacional, a troca de conhecimen-
e compartilhar conhecimento (Jain, 2023). to e o desenvolvimento da criatividade,
comprometimento, habilidades e compe-
4. Os impactos dos processos inovati- tências voltadas aos processos inovativos
vos sobre as realidades laborais e modos (Jotabá et al., 2022). Tal posicionamento
de organização do trabalho. A inovação, proporciona diferentes possibilidades de
historicamente, impõe novos modos de or- investigação no que toca à intersecção
ganização econômica e laboral, resultando com a inovação. São necessárias, portan-
em reconfigurações das relações de vida to, pesquisas que abordem: os benefícios
e trabalho (Castells, 2010). Após sucessi- e impactos da promoção da diversidade
vas transformações ao longo do século das equipes para a solução de problemas
XX, o mercado de trabalho atual é diverso organizacionais; a importância da liderança
e múltiplo, marcado pela flexibilização e no fomento à cultura de inovação; a gestão
desenvolvimento tecnológico digital. As da criatividade e do pensamento crítico;

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 177


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180 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


Empreendedorismo e
Prática Empreendedora
Janaynna de Moura Ferraz – UFRN

O empreendedorismo ficou amplamen- o conjunto dos indivíduos que descobrem,


te difundido como sendo o processo de avaliam, e exploram as oportunidades. Isto
criação de um novo negócio com carac- é, há uma orientação para o campo empírico
terísticas inovadoras, seja uma inovação alinhado às discussões teóricas.
de produto, de processo, de gestão ou de
marketing. Dentre os principais teóricos, A discussão do empreendedor schum-
destaca-se o economista austríaco Joseph A. peteriano permanece como uma das mais
Schumpeter (1997), para quem o empreen- influentes, se desdobrando em variega-
dedorismo é, sobretudo, uma função a ser das vertentes que ampliaram o escopo da
exercida por indivíduos com visão apurada atuação, contudo apresentam explicações
para novas oportunidades de negócios e simplistas e contraditórias que se multipli-
movidos pelo desejo de ascensão social. cam em quase todo mundo, principalmente
Para ele, qualquer um/a poderia ser um/a após a década de 1970 com a reestrutura-
empreendedor/a, então por um lado se ção produtiva (Harvey, 1998), de modo que
desconsidera as relações de exploração o empreendedorismo se consolida como
inerentes à sociedade capitalista, mas por parte constitutiva da ideologia neoliberal
outro lado, se denota o papel da inovação. (Dardot & Laval, 2016).

Shane e Venkataraman (2000) oferecem No Brasil, embora haja alusões ao tema


uma definição mais ampla sobre empreen- desde a década de 1960 (Gimenez, 2017),
dedorismo, pois diante da dificuldade em considera-se a década de 1990 como sen-
fornecer uma estrutura conceitual unívoca, do a de consolidação da pesquisa em em-
sugerem que se aglutine o campo de pesqui- preendedorismo, e desde o seu surgimento
sa como o estudo das fontes de oportunida- até o atual momento, sustenta-se que se
des; os processos de descoberta, de avalia- trata de um campo interdisciplinar com
ção, e de exploração das oportunidades; e incursões, principalmente, da sociologia,

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 181


da psicologia e da administração. (Garcia dedorismo; e empreendedorismo
& Andrade, 2022). internacional.

Conforme Wahdwani (2010), conside- c. Refinamento e desenvolvimento


rando o empreendedorismo hodierno (pós de conceitos (2011-2019): intenção
1970), é possível notar um deslocamento empreendedora; atividade empreen-
das discussões, que começaram pela re- dedora; ecossistema empreendedor;
lação entre o crescimento econômico e o orientação empreendedora; em-
empreendedorismo, mas que em pouco preendedorismo acadêmico; cres-
tempo, mudaram o foco para se centrar no cimento do empreendedorismo fe-
indivíduo que empreende, seja para iden- minino; e empreendedorismo social
tificá-lo, conhecer suas características ou presente, mas ainda teoricamente e
mesmo para descrever como seria o proces- metodologicamente frágil.
so de empreender. O debate se afasta das
condições socioeconômicas e passa a ser Como Landström (2020) indica, é pos-
conduzido cada vez mais individualizante. sível classificar os estudos sobre empreen-
dedorismo em três grandes abordagens:
Mais recentemente, Garcia e Andrade a) empreendedorismo diante do mercado;
(2022) apresentam uma análise da evolução b) o indivíduo que empreende; c) processo
teórica do campo do empreendedorismo empreendedor. Dentre essas, no Brasil,
de 1990 a 2019, que culminou em três de- a maior parte dos artigos e livros pesqui-
marcações com os seguintes temas que sam o empreendedorismo relacionado ao
apresentam a atenção de pesquisa ao longo indivíduo, com poucas pesquisas sobre o
dos últimos 30 anos: processo empreendedor e ainda menos
relatos sobre o seu papel econômico. (Fer-
a. Temas introdutórios (1990-2000): raz, 2021), ou seja, são lacunas no campo.
função econômica do empreendedo-
rismo, empreendedorismo corporati- Do ponto de vista prático, O Brasil tem
vo (intraempreendedorismo), gestão um enorme contingente de pessoas envol-
empreendedora, educação para o vidas com alguma atividade empreende-
empreendedorismo e empreende- dora, como se nota pela participação em
dorismo étnico. todas as edições do Global Entrepreneurship
Monitor (GEM), o maior relatório mundial
b. Novos temas e conceitos (2001- acerca da temática. Em sua última edição, o
2010): oportunidade empreendedora GEM (2023) aponta que 20% dos adultos (a
(com maior destaque); empreende- maior parte deles, homens), estão em fase
dorismo feminino (consolidação); inicial de alguma atividade empreendedora,
risco e tomada de decisão; empreen- enquanto 10,4% podem ser considerados
dedorismo social (afroempreende- “proprietário de negócio estabelecido”. O
dorismo, empreendedorismo na relatório aponta que o Brasil apresenta um
favela); universidades & empreen- ambiente bastante fraco para iniciar ou de-

182 DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL


senvolver um novo negócio (rendimentos negócios e a inovação como sendo o meio
baixos, pouca inovação, pífia expectativa de possível e necessário para o crescimento
contratação de funcionários), e que muitos econômico e igualmente para a valorização
deles não se sustentarão por tempo sufi- pessoal. A prática empreendedora, por sua
ciente para se estabelecer. vez, consiste no exame crítico que parte de
tal de tradição, mas se afasta dela, ao de-
O empreendedor brasileiro pode ser monstrar que, para a classe trabalhadora,
descrito como um trabalhador por conta- são exíguas as condições de possibilidades:
-própria, sem empregados, com rendimento a) de lucrar a inovação produzida (quanto
médio um pouco acima do salário-mínimo esta ocorre), b) de acumular capital e c) de
e sem Direitos Trabalhistas assegurados induzir o crescimento econômico, e quando
(Ferraz, 2021). Contraditoriamente, 53% dos este ocorre, é baseado no aumento da de-
respondentes da pesquisa do GEM (2023) sigualdade socioeconômica. (Ferraz, 2021).
que ainda não empreendem, informaram
ter intenção de fazê-lo, dada a força e a Assim, a prática empreendedora pode
amplitude da difusão. ser compreendida pelo movimento con-
traditório da ideologia capitalista diante
Usualmente dois grandes axiomas são do desenvolvimento das forças produtivas
reproduzidos nas pesquisas publicadas hodiernas que se expressa na deterioração
nacionalmente: a) o empreendedorismo das condições de vida e trabalho de homens
é o motor do crescimento econômico; b) o e mulheres (desemprego estrutural, esmae-
empreendedorismo é o vetor da inovação. cimento do Direito Trabalhista, terceiriza-
Ambos, contudo, não têm encontrado res- ção, pejotização, uberização, isolamento e
paldo empírico (tampouco efetivo) (Ferraz, conformação política) em busca de ampliar
2021). O que explica a ascensão de estudos a extração do mais-valor em favor da classe
críticos em empreendedorismo, que bus- capitalista seja por meio da inovação, que
cam contribuir com uma espécie de reforma possibilita o lucro extraordinário na concor-
empreendedora, separando boas práticas rência intracapitalista4, ou ainda por meio
das ruins; porém há também pesquisas seja do empreendedorismo precarizado,
que tensionam a ideologia do empreende- que contribui com a aceleração do ciclo do
dorismo, para elaborar uma crítica radical capital e rebaixa o valor da força de traba-
à prática empreendedora (Ferraz, 2021; lho, intensificando a pauperização da classe
Ferraz & Ferraz, 2021). trabalhadora. (Ferraz, 2021).

Assim, ao se mencionar o conceito de Esta última abordagem, na contramão


empreendedorismo pretende-se recuperar da tendência dominante, não foca no indi-
a semântica relacionada à tradição teórica, víduo, mas nas condições socioeconômicas
empírica e política que exalta o mérito in- para investigar o empreendedorismo nas
dividual, a percepção de oportunidades de condições concretas de sua reprodução,

4 Consultar capítulo 23 de O Capital, livro 1, de Karl Marx. A inovação não tem papel central nas
economias dependentes.

DICIONÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL 183


isto é, como efetivamente ocorre no Brasil. prática empreendedora numa abordagem
A despeito do que vem sendo propagado histórico-materialista. Cadernos EBAPE.BR. ht-
pelos apologetas do empreendedorismo tps://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/
nos últimos 30 anos, de que autoesforço cadernosebape/article/view/83811
individualizante seria algo virtuoso, que a
competição de todos contra todos seria Garcia, A. S., & Andrade, D. M. (2022). O cam-
um desdobramento natural da sociedade, po de pesquisas do empreendedorismo:
e que este seria o único meio possível para Transformações, padrões e tendências na
a reprodução social no atual estágio do ca- literatura científica (1990-2019). Revista Bra-
pitalismo, o que se constata é que prática sileira de Inovação, 21, e022002. https://doi.
empreendedora tem contribuído sobre- org/10.20396/rbi.v21i00.8663831
maneira para deterioração das condições
de vida e trabalho da população brasileira. Gimenez, F. A. P. (2017). Surgimento de te-
mas de estudo em empreendedorismo no
Por fim, sugere-se que sejam desen- Brasil. Empreendedorismo e Estratégia em
volvidas pesquisas acerca da prática em- Empresas de Pequeno Porte. http://3es2ps.
preendedora que abordem as suas espe- blogspot.com/2017/02/surgimento-de-te-
cificidades nas diversas regiões brasileiras, mas-de-estudo-em.html
capitais e interiores, de norte a sul; estudar
os pequenos negócios (formais e informais) Global Entrepreneurship Monitor. (2023).
na América Latina e no bojo da ideologia Global Entrepreneurship Monitor 2022/2023.
empreendedora; e, por fim, investigar a London: GEM. (Global Report: Adapting to a
relação entre as pautas identitárias e o em- “New Normal”, p. 255). GEM. https://gemcon-
preendedorismo. Essas são algumas ideias, sortium.org/file/open?fileId=51147
mas o campo é vasto e certamente há uma
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