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A alienação religiosa no pensamento de

Karl Marx

Karl Marx define a religião pura e simplesmente como uma projeção de nossa
realidade terrena para um plano superior metafísico. A religião consiste para ele
em um mundo fantástico, criado pela mente humana que tenta dar a certos
fenômenos naturais um ar sobrenatural, isto significa que religião com o seu
Deus não passa de uma mera ilusão, algo a que não se deve dar crédito.
Para aqueles que estudam, estudaram ou têm pelo menos uma noção de história
da filosofia, veremos que vários autores em sua antropologia não hesitaram em
afirmar que o homem é um ser dotado de carência. Marx é um destes:

Ele define a natureza humana por suas carências ou necessidades e pela
dialética da satisfação dessas necessidades, desdobrando-se seja na relação do
homem com a natureza exterior pelo trabalho, seja em sua relação com os
outros homens pela natureza (LIMA VAZ, 2000, p. 129).
O homem, segundo Marx, é aquele que produz, homo faber (NOGARE, 1990, p.
101). Ele está sempre a produzir algo para suprir suas necessidades para facilitar
sua vida, gerando assim seu bem-estar. Sendo o homem, como vimos, frágil,
isso significa que ele necessita de algo para preencher sua existência. A partir de
suas dificuldades ele passou a criar não só elementos materiais, mas criou
também um ente e um lugar metafísico, uma espécie de muleta para suportar o
peso e as exigências de sua vida, visto que a matéria não consegue preencher ou
responder certas questões que envolvem a vida humana tais como a morte e o
sofrimento. Daí a criação de um Deus transcendente, que possa apoiar todas as
suas dificuldades e esperar que este mesmo Deus possa acalentá-lo em seu
desterro e recompensá-lo futuramente com bens celestiais e uma vida eterna.  A
religião, portanto, para Karl Marx, passa a uma ilusão, alienação, ou num dizer
mais marxista “um ópio” para amenizar o sofrimento.

Uma teoria marxistas sustentam, como por exemplo, Engels, é que a religião
surgiu através do espanto, medo. Ao observar a fúria de certos fenômenos
naturais que ocorriam ao seu redor os homens primitivos começaram a atribuir
tais forças a alguma entidade sobrenatural, e a partir desta descoberta ele
passou a criar certos ritos e oferecer determinados sacrifícios para apaziguar a
divindade ofendida. Passaram a acreditar também que certas dádivas, tais como
chuva para os campos, boa colheita são sinais da benevolência divina (FADDEN,
1963).

O que deve ficar bem claro, nesta teoria, é que o medo criou a divindade. Deus
nada mais é que o reflexo do próprio homem. Foi o homem quem criou a
divindade e não o contrário. A religião com os seus ritos são apenas
manifestações de um homem desesperado e indefeso diante da fúria da
natureza. “A religião nasceu com o método supersticioso para mitigar os
horrorosos efeitos das forças naturais” (FADDEM, 1963, p. 150).
Um fator que provavelmente influenciou o pensamento de Marx contra a
religião foi a sua história de vida. Ele viveu em um ambiente em que os cidadãos
não podiam exercer as profissões se não fossem cristãos. A família de Marx era
de origem judaica, seu pai aceitou o batismo na igreja luterana, simplesmente
para exercer sua profissão. “A imposição externa de um credo religioso
certamente contribuiu para orientar religiosamente o espírito de Marx, que,
com toda a probabilidade, foi ateu desde a mocidade” (ROVIGHI, 1990, p. 78).
Outra grande influência que marcou Karl Marx foi o pensamento filosófico de
Feuerbach: “Consta que nos primeiros e mais decisivos anos  de sua atividade
filosófica, entre 1841, data da publicação da obra a Essência do cristianismo, e
1844 Marx foi um entusiasta feuerbachiano” (NOGARE,1990, p. 89).

Feuebarch, em Essência do cristianismo, afirma que a criatura inventou o


criador e, portanto, é ela verdadeiramente o criador. Deus é um reflexo do
próprio homem, uma projeção, uma inversão dos desejos humanos, um produto
no qual o homem finito precário e dependente projeta seus desejos e
possibilidades de perfeição, onipotência. A religião consiste no sentimento mais
puro e absoluto do homem. O homem deseja para si o que nele mesmo não
encontra, como por exemplo: o ideal de justiça, bondade e virtude.  Deus é um
homem genérico que idealizamos e que não conseguimos realizar por nós
mesmos (NOGARE, I990).

Marx viu na ideologia de Feuerbach a resposta para destronar a grande farsa


que é a religião. Talvez tenha encontrado em suas palavras o forte instrumento
que tanto precisava para a libertação do homem de uma ideologia religiosa,
alucinante, que ensinava que o homem deveria rejeitar o sensível tendo em vista
o imaterial, abstrato, aceitar o sofrimento, a exclusão, deveria negar a si próprio,
ou seja, perder a sua identidade visando o próximo. Ter uma atitude passiva
diante de seus opressores tendo assim uma atitude de pseudo-humildade. Por
fim, a religião alienava o povo fazendo-o acreditar que quanto mais lhe faltasse
algo nesta vida mais teria na eternidade. A religião transformava os homens em
marionetes fazendo-os cumprir sem reclamar ou blasfemar as leis que lhes
foram impostas por Deus, pela moral e por uma sociedade decadente.
Marx certamente vibrou ao ler estas audaciosas palavras de Feuerbach:

Temos de colocar no lugar do amor de deus, o amor dos homens, como uma
única, verdadeira religião, no lugar da fé em um deus, a fé no homem em si, em
sua força, a fé em que o destino da humanidade não depende de um ser fora ou
acima dela, mas dela própria, que o único diabo do homem é o próprio homem
(NOGARE, 1990, p. 90).

Podemos nos perguntar: o que é alienação?



Etimologicamente, vem de alienar = tornar alheio; alienar-se = tornar-se alheio.
Como se vê, o termo significa uma noção relativa e não pode, pois, entender-se
exatamente sem a especificação do segundo termo da relação ao qual se opera a
alienação (NOGARE, 1990, p. 93).
Alienação em Marx, como também em Feuerbach, é uma transferência de nossa
consciência para uma realidade fora de nós. Daí a comparação da religião com o
ópio. Por que Marx comparou a religião com o ópio? O ópio é um coquetel de
plantas alucinógenas, possui um efeito sedativo. Ele acalma os nervos, intoxica a
mente, fazendo seus  usuários delirarem, criando assim um mundo imaginário
onde eles vivem as suas fantasias. Karl Marx quer afirmar com essa comparação
o seguinte: “A religião, por sua natureza e atividade, visa os sofrimentos físicos e
mentais da vida, prometendo maior ventura num estado futuro da existência”
(FADDEN, 1963, p. 151).

A religião é um anestésico na terrível e dolorosa existência do homem. Para


Marx, a religião não passa de uma “quimera”, ilusão, e aqueles que aderem a tal
alucinação, são fracos e incapazes de enfrentar suas dificuldades. “A religião é o
ópio do povo, porque engana o homem, induzindo-o a pensar que deve aceitar
com mansidão o seu presente estado de vida” (FADDEN, 1963, p. 154). Por isso,
para Marx, somente quando a religião for destruída é que o homem recuperará
a sua liberdade e dignidade.

Vivemos hoje em nossa sociedade uma busca pelo transcendente. O número de


religiões e correntes espirituais tem crescido exacerbadamente. Hoje se promete
tudo e ao mesmo tempo nada, as pessoas podem escolher o lugar em que elas se
sentirem melhor sem comprometimento, a religião começa a ser vista como
uma terapia. Muitos fazem dela um esconderijo, um abrigo, através do qual elas
podem negar ou esconder suas misérias. Outros a fazem como instrumento de
exploração, em que o dinheiro extorquido de uma classe necessitada constitui o
crescimento e enriquecimento de outros.

Nesse aspecto, podemos dizer que Karl Marx estava correto ao afirmar que a
religião é alienação, narcótico espiritual. O homem cria uma falsa ideia de Deus
e passa a acreditar que de fato ele existe. Projeta na maioria das vezes sua
própria consciência e cria uma ideologia escravizante, que tiraniza o homem em
vez de libertá-lo. São exemplos disso os fanatismos e o fundamentalismo.
Ao mesmo tempo em que vivemos esta busca pelo transcendente, estamos em
uma crise. Infelizmente as ditas religiões e correntes espirituais não libertam,
mas aprisionam o homem em duras cadeias, apresentando ora um deus
materialista, em que somente os que possuem bens são agraciados, ora
espiritualista demais, em que a matéria e a vida terrena devem ser deixadas de
lado, tendo em vista a eternidade. De fato a natureza divina varia de acordo com
a necessidade daqueles que a adoram.

Referências
FADDEN, J. Mc. Filosofia do comunismo. 2. ed. Lisboa: União gráfica, 1963.
(Galáxia, vol. I).
LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Antropologia filosófica I. 5. Ed. São Paulo:
Loyola, 2000. (Filosofia).
NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e anti-humanismos: introdução à
antropologia filosófica. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1990.
RIVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia contemporânea do século XIX à
neoescolástica. Tradução de Ana Pareschi Capovilla. São Paulo: Loyola, 1999.

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