Você está na página 1de 8

2171

O envelhecimento cortical e a reorganização neural

TEMAS LIVRES FREE THEMES


após o acidente vascular encefálico (AVE):
implicações para a reabilitação

Cortical aging and neural reorganization following


cerebral vascular accident (CVA): implications for rehabilitation

Ilka Nicéia D’Aquino Oliveira Teixeira 1

Abstract This article presents a synthesis on aging Resumo Este artigo apresenta uma síntese sobre
of the human cerebral cortex, and also a review of o envelhecimento do córtex cerebral humano e uma
the approaches to motor control rehabilitation revisão das abordagens para a reabilitação do con-
following a cerebral vascular accident (CVA). trole motor após o acidente vascular encefálico
Throughout the discussion on the clinical (AVE). Na discussão sobre as implicações clínicas
implications, the author advises the rehabilitation na compensação das perdas, é enfatizado que os
professionals to encourage older patients perform profissionais de reabilitação devem incentivar os
their activities of daily living (ADL) using both pacientes idosos a usarem os dois membros superi-
upper extremities, rather than reinforcing the use ores para a realização das atividades da vida diá-
of the unaffected upper extremity. ria (AVDs) ao invés de reforçarem o uso do mem-
Key words Health of the elderly, Nervous system, bro superior não afetado.
Cerebral vascular accident, Rehabilitation, Neu- Palavras-chave Saúde do idoso, Sistema nervoso,
ronal plasticity Acidente vascular cerebral, Reabilitação, Plastici-
dade neuronal

1
Caixa Postal 166
80011-970 Curitiba, PR
ilkateixeira@netscape.net
2172
Teixeira, I. N. D. O.

Introdução Modificações estruturais associadas


ao envelhecimento do córtex cerebral
A incidência do acidente vascular encefálico (AVE)
duplica a cada década de vida a partir dos 55 Em 1955, Brody7, citado por Wong8, concluiu que
anos, sendo a hemiparesia um déficit importan- 50% dos neurônios são perdidos em decorrência
te decorrente da lesão1. Há várias abordagens de do envelhecimento e, desde então, essa perda tem
reabilitação para a recuperação do controle mo- sido apontada como o principal fator relaciona-
tor e a reorganização neural é o princípio básico do à idade para explicar a diminuição do córtex
que sustenta a maioria delas2. Segundo Mudie e cerebral. Em 1987, no entanto, Terry et al.9 suge-
Matyas3, as particularidades da conexão neuro- riram que a perda neuronal, relatada em estudos
fisiológica no sistema nervoso central (SNC) anteriores, poderia ser atribuída à não distinção
possibilitam que a prática de movimentos bima- de cérebros de idosos considerados normais e
nuais, alternados ou em sincronia, possa resul- cérebros de indivíduos com doença de Alzheimer
tar em efeitos de facilitação do membro superior que não haviam sido diagnosticados. Em 1991,
hígido para o membro parético. Entretanto, as Haug e Eggers10 explicaram que a acentuada per-
observações clínicas sugerem que alguns profis- da de neurônios corticais deveria ser atribuída
sionais de reabilitação têm optado pela troca de aos problemas no processo de fixação para a
lateralidade através de técnicas compensatórias análise histológica e não ao envelhecimento. Se-
nos programas de reabilitação de idosos com gundo esses autores, o cérebro do jovem “enco-
paresia do membro superior. lheria” mais nas secções já fixadas do tecido cor-
As estratégias compensatórias tornam-se tical, apresentando uma densidade de neurônios
hábitos que reforçam o não uso do membro mais alta que o cérebro do idoso, pois esse últi-
parético, podendo resultar em perdas irreversí- mo consistiria de maior quantidade de mielina.
veis para a capacidade funcional4. A realização Após correção desse “encolhimento” diferencial,
das atividades de vida diária (AVDs) com apenas Haug e Eggers10 concluíram que a idade não acar-
um membro superior pode ser uma maneira li- retaria uma perda significativa de neurônios no
mitada de desempenho das atividades, resultan- córtex cerebral humano.
do em síndromes do uso excessivo, quadros ál- Embora a característica mais relevante do cé-
gicos e frustrações5. A nível central, estudos clíni- rebro que está envelhecendo seja a diminuição11,
cos indicam que as modificações nas redes neu- as descobertas recentes de que não ocorre perda
rais seriam uso-dependentes, sugerindo que al- extensiva de neurônios corticais em decorrência
gumas técnicas direcionadas às compensações da idade em humanos enfraqueceram a premis-
poderiam inibir o processo de recuperação2. Por- sa da perda neuronal no envelhecimento12. Intri-
tanto, parece não haver base científica para a gados com essa questão, alguns pesquisadores
troca de lateralidade exclusivamente pelo critério têm buscado encontrar explicação alternativa
de idade do paciente, conduta adotada em al- para a diminuição do córtex cerebral examinan-
guns programas de reabilitação. do outros componentes do sistema nervoso cen-
O equívoco de que a plasticidade neural seria tral (SNC). Seguindo essa perspectiva, as pesqui-
uma propriedade exclusiva dos cérebros jovens sas de Guttmann et al.13 indicaram que uma das
distancia-se da afirmação de Pascual-Leone e seus principais causas da diminuição do cérebro hu-
colaboradores6. Para esses pesquisadores, a re- mano velho é a perda da substância branca das
organização neural é uma propriedade do SNC fibras mielinizadas localizadas nos hemisférios
que está presente no curso de vida e ocorre inde- cerebrais. As mudanças decorrentes do envelhe-
pendentemente de lesão. cimento nos corpos celulares dos oligodendróci-
Esse artigo indica as possibilidades de aplica- tos, tais como a agregação com outros oligoden-
ção dos conhecimentos de neurobiologia e de drócitos, o edema e a inclusão de pigmentos,
neurofisiologia nas práticas de reabilitação do poderiam estar relacionadas à perda de fibras
controle motor após lesão cortical decorrente de mielinizadas nos cérebros velhos14.
AVE em idosos, enfatizando que a idade não deve Os estudos de Adams15 demonstraram que
ser o único critério para a troca de lateralidade as perdas de sinapses durante o envelhecimento
nos pacientes com paresia do membro superior. humano são específicas por região e que as alte-
rações poderiam variar nos diferentes tipos de
sinapses. Esse autor sugere a existência de um
fenômeno compensatório para manter a função
sináptica cortical normal, pois a perda de sinap-
2173

Ciência & Saúde Coletiva, 13(Sup 2):2171-2178, 2008


ses e as mudanças nas estruturas pré-sinápticas via eferente esteja preservada para manifestar o
parecem ser acompanhadas por um aumento na comportamento motor, as mudanças nas ativi-
extensão média da zona pós-sináptica ativa. dades ao longo de uma rede neural distribuída
Observando-se que muitas sinapses contendo podem estabelecer novos padrões de ativação
neurotransmissores excitatórios (glutamato, por cerebral e sustentar a função. Dependendo das
exemplo) estabelecem contatos sobre as espinhas circunstâncias, a reorganização neural pode pro-
dendríticas, a perda significativa de estruturas vocar mudanças cujas manifestações poderiam
dendríticas pode limitar a disponibilidade de ser classificadas de três formas: (1) não percebi-
substrato pós-sináptico para conexões sinápti- das no output comportamental; (2) demonstra-
cas nos cérebros velhos16. Segundo Anderson e das somente em condições especiais de avalia-
Rutledge17, as modificações dendríticas relacio- ções; (3) identificadas como comportamento
nadas à idade incluem o encurtamento e a dimi- motor patológico. A nível neural, a plasticidade
nuição das ramificações dos dendritos18. Consi- não implicaria necessariamente recuperação, pois
derando-se, no entanto, que o número de neu- uma lesão pode provocar uma reorganização
rônios permanece praticamente estável no córtex neural não funcional4.
cerebral velho, a redução significativa de cone-
xões interneuronais no cérebro seria resultante
da perda de estruturas pré e pós-sinápticas. Hemiparesia

O controle motor encontra-se particularmente


Reorganização neural nos adultos afetado após o AVE e a hemiparesia é o déficit
motor mais freqüente com modificações no tô-
Segundo Pascual-Leone et al.6, a plasticidade é nus muscular e dispraxias20. O estudo de Shelton
uma propriedade intrínseca do SNC durante e Reding21, envolvendo pacientes com o membro
todo o curso da vida. Para esses pesquisadores, superior parético duas semanas após o AVE, de-
“não deveríamos pensar no cérebro como uma monstrou que a recuperação dos movimentos
estrutura estática que seria capaz de ativar uma isolados pode ser predita com base na localização
cascata de mudanças que chamamos de plastici- da lesão: (1) 75% para lesões restritas ao córtex;
dade, nem como uma seqüência ordenada de (2) 38,5% para lesões corticais ou mistas (corti-
eventos decorrentes da plasticidade”. O sistema cais e subcorticais) não afetando a cápsula inter-
nervoso modifica-se continuamente, sendo a na; (3) 3,6% para lesões com envolvimento da
plasticidade uma conseqüência obrigatória de cápsula interna e a coroa radiada adjacente, gân-
cada input sensorial e de cada atividade motora. glio basal ou tálamo. Esses resultados indicam
Estudos de estimulação magnética transcra- que a reabilitação da hemiparesia tem melhor
niana em indivíduos saudáveis indicam que as prognóstico nos casos de lesões corticais “puras”,
alterações transitórias das áreas de representa- diminuindo progressivamente com o envolvimen-
ção cortical são comuns no dia a dia durante a to da coroa radiada ou da cápsula interna.
aprendizagem de tarefas. O desempenho freqüen- O padrão de recuperação do controle motor
te de uma atividade motora que requer habilida- está relacionado às estruturas mais afetadas do
de aumenta a representação cortical para os sistema nervoso. O controle dos movimentos do
músculos envolvidos na atividade específica, prin- corpo no lado contralateral à lesão atravessa es-
cípio demonstrado pela representação cortical tágios de recuperação das funções motoras e sen-
aumentada dos dedos da mão esquerda de mú- soriais que podem ser eficientes ou não. Após
sicos que executam instrumentos de corda19. Em um período de hipotonia, a recuperação do mem-
indivíduos com deficiência visual, a representa- bro superior parético poderá incluir sinergia pa-
ção sensório-motora cortical dos dedos usados tológica de flexão ou de extensão, observada du-
para leitura em braille é aumentada, variando a rante as tentativas de realização das atividades
ampliação dessas áreas conforme o padrão de funcionais22. Conforme pressupostos do mode-
atividade de leitura6. lo hierárquico de controle motor, os padrões si-
Não há, entretanto, um mapeamento de cor- nérgicos fragmentados restritos à elevação da
respondência exata entre a plasticidade neural e escápula são os primeiros movimentos que re-
as modificações comportamentais. Para Pascu- tornam. Progressivamente, as sinergias conjun-
al-Leone et al.6, comportamento é a manifesta- tas de flexão e extensão do ombro, cotovelo e
ção motora das atividades coordenadas do sis- punho tornam-se mais aparentes. À medida que
tema nervoso como um todo e, desde que uma o processo evolui, poderá haver a recuperação
2174
Teixeira, I. N. D. O.

de movimentos não sinérgicos, tais como flexão uma mão parética. Os resultados demonstraram
do ombro, extensão do cotovelo e pronação-su- padrões complexos de ativação com variações
pinação do antebraço. O controle da extensão individuais acentuadas.
do punho e dos músculos extensores e flexores Carr e Shepherd26 descrevem algumas teorias
dos dedos é considerado essencialmente desafia- e alguns mecanismos propostos no processo de
dor na recuperação da funcionalidade do mem- reorganização neural após a lesão do SNC:
bro superior parético após o AVE. . Teoria da diásquise de von Monakow. Ocor-
Cauraugh et al.23 explicam que a hemiparesia reria uma interrupção temporária da integração
permanece por períodos longos, havendo um pla- neural como se fosse um “choque funcional” e os
tô em termos de ganho em aproximadamente doze efeitos de processos como edema, por exemplo,
meses. Além disso, 60% dos indivíduos que so- provocariam uma supressão da atividade em
frem AVE ficam com disfunção motora que se áreas distantes do local da lesão. Ocorreriam al-
torna um déficit “permanente” um ano após a terações reversíveis em sinapses íntegras que re-
lesão. Esses problemas resultam em dificuldades sultariam em disfunção temporária do proces-
para a execução dos movimentos funcionais, pre- samento neural seguida da recuperação de algu-
judicando a qualidade de vida individual, princi- mas funções nos estágios iniciais após a lesão.
palmente a independência relativa à realização das . Hiper-sensitividade de denervação. Os axô-
AVDs e ao desempenho ocupacional. nios e os terminais sinápticos degeneram-se após
a lesão. As regiões denervadas das células-alvo
desenvolveriam uma responsividade pós-sináp-
Reorganização neural tica aumentada às substâncias neurotransmis-
após lesão decorrente de AVE soras e se tornariam excessivamente sensíveis aos
impulsos aferentes.
Jones e Pons24 explicam que, após a lesão, ocor- . Teoria da redundância. Algumas regiões do
rem modificações em diferentes regiões do SNC SNC poderiam desempenhar a mesma função
que podem ser decorrentes dos seguintes fato- motora, de forma que uma região do sistema
res: interrupção da aferência aos neurônios, poderia mediar adequadamente a função com-
modificações sinápticas atividade-dependente, prometida. Essa premissa assemelha-se ao
mudanças na excitabilidade das membranas, for- eqüipotencialismo, proposta de que uma função
mação de novas conexões e liberação de cone- específica poderia ser mediada por todos os teci-
xões já existentes. Para minimizar os danos, os dos de uma determinada região. Ocorrendo le-
circuitos motores paralelos poderão ser ativa- são em parte da região, o tecido íntegro rema-
dos, estabelecendo uma via de input alternativa nescente continuaria a mediar a mesma função e
para os motoneurônios espinhais. Esses circui- o efeito da lesão seria mais dependente da quan-
tos paralelos podem ter origem na área motora tidade de tecido poupado do que da recuperação
primária contralateral não lesada, nas áreas bi- da lesão.
laterais pré-motoras, nas áreas motoras suple- . Função vicariante. As regiões íntegras do
mentares bilaterais, nas áreas somato-sensorias SNC estariam latentes em um estado de pronti-
bilaterais, no cerebelo, no gânglio basal e em ou- dão para serem “ativadas” e assumirem as fun-
tras regiões6. ções comprometidas.
Segundo Levy e seus colaboradores25, estu- . Reorganização funcional. O sistema neural
dos usando tomografia por emissão de pósitrons poderia mudar qualitativamente suas funções,
(Positron Emission Tomography - PET) e ima- pois haveria uma via neural que assumiria o con-
gem por ressonância magnética funcional (func- trole motor de funções que em situações nor-
tional Magnetic Resonance Imaging - fMRI) sus- mais não fariam parte de seu repertório.
tentam o princípio da reorganização funcional . Brotamento neural. Duas formas de brota-
do SNC após o AVE. Os autores investigaram a mento neural são propostas: (1) regeneração dos
correlação entre a recuperação do tecido neural e axônios dos neurônios lesados que fariam o pro-
os resultados do fMRI após um programa de cesso de reinervação das áreas denervadas; (2) bro-
reabilitação em dois pacientes, concluindo que tamento colateral ou de neurônios íntegros adja-
ocorreram ganhos funcionais significativos de- centes ao tecido neural lesado, resultando em au-
correntes da plasticidade. Em outro estudo, os mento da efetividade sináptica e substituição das
mesmos pesquisadores analisaram, com o uso sinapses não efetivas. A emergência de novas co-
do PET, a distribuição da circulação sanguínea nexões sinápticas poderia estar associada à sinap-
cortical durante a execução de movimentos em togênese dinâmica que ocorreria continuamente
2175

Ciência & Saúde Coletiva, 13(Sup 2):2171-2178, 2008


sob circunstâncias normais, capacitando o orga- lo hierárquico estabelece que os movimentos são
nismo a ajustar-se às necessidades ambientais. controlados a nível central em uma hierarquia
. Alteração da estratégia comportamental. Se- das estruturas superiores para as inferiores29.
ria a substituição da estratégia utilizada para o Seguindo essa direção de tratamento, esses auto-
alcance da meta motora, podendo envolver o uso res explicam que os profissionais de reabilitação
de informações sensoriais diferentes para orien- ampliaram o uso de abordagens neurodesenvol-
tação do movimento ou, ainda, substituições vimentais, adotando métodos propostos por
funcionais nas quais os movimentos recupera- Rood (1954), Knott e Voss (1968), Brunnstrom
dos teriam sido realizados de maneira diferente (1970) e Bobath (1978). Essas abordagens têm
dos movimentos comprometidos. O problema cinco premissas em comum: (1) o SNC é organi-
na pesquisa desse mecanismo seria a dificuldade zado hierarquicamente e os centros mais altos
para a identificação da origem da recuperação: exercem controle sobre os centros mais baixos;
alterações anatômicas e fisiológicas ou uso de (2) as lesões no SNC resultam em alterações no
estratégias alternativas individuais. tônus muscular e na emergência de reflexos ina-
O efeito da plasticidade decorrente da lesão propriados ou padrões de movimentos estereo-
no SNC pode depender da natureza dos circui- tipados controlados pelos centros mais baixos;
tos neuronais individuais e dos níveis de especifi- (3) estímulos sensoriais periféricos podem ser
cidade desses circuitos. As respostas “plásticas” usados pelo terapeuta para inibir reflexos ina-
representam tentativas de reorganização neural propriados e facilitar padrões de movimentos
que podem resultar na recuperação da função adequados; (4) a repetição de movimentos elici-
específica ou desencadear resultados indesejados tados por estímulos sensoriais resulta em mu-
como a formação de conexões inadequadas para danças positivas permanentes no SNC; (5) a re-
a execução das atividades funcionais, incluindo cuperação da lesão no SNC tem a seqüência: cé-
complicações como as sinergias patológicas e a falo-caudal, proximal-distal, ulnar-radial.
espasticidade. Quanto mais precisa for a reorga-
nização das conexões restauradas, mais eficiente Abordagem sensório-motora: Rood
será a recuperação da função2.
Segundo Johansson27, há escassez de estudos Essa abordagem utiliza estimulação cutânea
comparativos sobre o grau e o padrão de ativa- do tipo mecânica (escovação) ou térmica (crio-
ção sináptica decorrentes de intervenções tera- terapia) para potencializar a atividade receptora
pêuticas específicas nos indivíduos em recupera- de alongamento. A redução da espasticidade ba-
ção após o AVE. Considerando-se que as res- seia-se no princípio de que o sistema gama-efe-
postas individuais variam consideravelmente, há rente apresenta inervação recíproca de forma que
necessidade de estudos longitudinais criteriosos a estimulação dos músculos antagonistas aos
de pacientes com lesões e déficits motores especí- músculos espásticos resultará em aumento do
ficos para que pressupostos decorrentes de estu- tônus dos músculos estimulados e diminuição
dos com animais possam ser demonstrados ou do tônus da musculatura espástica. A estimula-
não em humanos. Além disso, as estratégias com- ção proprioceptiva também é utilizada, envol-
pensatórias podem ser diferentes nos períodos vendo a percussão no ventre muscular com as
antes e após as intervenções, sendo que o padrão pontas dos dedos e a compressão das articula-
de ativação individual pode mudar também com ções para facilitar a co-contração de músculos
o tempo. Algumas pesquisas têm indicado que específicos.
as mudanças no padrão de ativação podem ser
induzidas através do treino de movimentação Facilitação neuromuscular proprioceptiva:
ativa da mão parética, em períodos de quatro e Knott e Voss
mesmo quinze anos após o AVE28.
Os princípios sensório-motores definem a
aprendizagem motora, estabelecendo um equilí-
Abordagens neurodesenvolvimentais brio entre músculos agonistas e antagonistas atra-
de reabilitação motora vés da inervação recíproca. A abordagem aplica
princípios de orientação de exercícios que valori-
Segundo Mathiowetz e Haugen29, as abordagens zam o uso das mãos do terapeuta através de técni-
de reabilitação motora foram fundamentadas no cas específicas de facilitação e inibição sem a utiliza-
modelo hierárquico de controle motor. O mode- ção de dispositivos como escovas ou vibradores.
2176
Teixeira, I. N. D. O.

Terapia do movimento: Brunnstrom ciais para a aprendizagem motora, sob o pressu-


posto de que esses seriam também essenciais no
A lesão no SNC provoca um “retrocesso” na processo de reaprendizagem: (1) eliminação da
dinâmica neuromotora, que resulta em uma sé- atividade muscular desnecessária; (2) uso de feed-
rie de estágios com movimentos estereotipados back visual e verbal para reforço; (3) prática do
durante a recuperação. As sinergias dos mem- controle motor com recrutamento do número
bros observadas em indivíduos com hemipare- correto de unidades motoras para a atividade
sia são consideradas padrões medulares primiti- específica que está sendo praticada; (4) observa-
vos de flexão e extensão, reminiscências de pa- ção da interação entre ajustes posturais e movi-
drões motores que foram “retidos” durante a mento; (5) ênfase nas funções cognitivas nos es-
evolução. Sob essa premissa, o tratamento ba- tágios iniciais da reaprendizagem progredindo em
seia-se na “recapitulação” do desenvolvimento direção à aquisição da habilidade.
ontogenético na seqüência espinhal, subcortical
e cortical. Inicialmente há ênfase na assistência
aos movimentos através da seleção de estímulos Abordagem orientada à tarefa
aferentes cutâneos e proprioceptivos (posiciona-
mento e alongamento) para que o indivíduo pos- Essa abordagem foi proposta por Mathiowetz e
sa adquirir controle das sinergias do membro Haugen29 sob a premissa de que o SNC é organi-
afetado. O controle voluntário das sinergias, ad- zado de maneira heterárquica, ou seja, não há
quirido em um estágio posterior, indicaria que centros superiores ou inferiores, mas estruturas
há possibilidade de modificá-las e de combinar organizadas que funcionam em “paralelo”. Após
movimentos simples com complexidade crescente uma lesão, o comportamento motor do indiví-
que se afastam dos padrões estereotipados. duo seria direcionado para a compensação dos
déficits com a finalidade de alcançar um desem-
Tratamento neurodesenvolvimental: penho funcional satisfatório. A recuperação da
Bobath lesão envolveria um processo de “redescoberta”
das funções remanescentes, com características
As técnicas Bobath incentivam o uso dos dois específicas devido às particularidades individu-
lados do corpo e a meta seria a inibição dos pa- ais e contextuais. A prática variada oferecida pelo
drões motores patológicos e reaprendizagem dos terapeuta possibilitaria ao indivíduo o encontro
movimentos apropriados. A recuperação do con- de suas próprias estratégias para vencer os desa-
trole motor iniciaria pela identificação da estabi- fios em direção ao desempenho funcional ótimo.
lidade postural reflexa sobre a qual o movimen- Os proponentes apresentam três limitações
to específico estaria fundamentado e, então, se- relacionadas à abordagem: (1) as estratégias de
ria possível readquirir o controle dos movimen- avaliação e intervenção encontram-se ainda em
tos isolados “quebrando” as sinergias. Para im- desenvolvimento; (2) em muitos settings clínicos,
pedir o input sensorial dos padrões anormais, a dificuldade para a simulação de contextos na-
os padrões de inibição reflexa, aplicados através turais indica a necessidade de atendimentos do-
de técnicas de facilitação para as reações de equi- miciliares e em ambientes de trabalho; (3) o tipo
líbrio e endireitamento, são opostos aos padrões de intervenção não seria indicado para indivídu-
inadequados de tônus postural que predomina os com distúrbios cognitivos porque requer ha-
no indivíduo. Trabalha-se nas articulações pro- bilidade acentuada de solução de problemas.
ximais, segurando-se pontos-chave em padrões
opostos aos inadequados para que o indivíduo
possa experimentar sensações que serão “redire- Constraint-induced movement therapy
cionadas”, resultando na emergência de padrões (CIMT)
motores adequados.
A proposta da constraint-induced movement the-
rapy (CIMT) é a superação do não-uso aprendi-
Programa de Reaprendizagem Motora do através da reintrodução do membro parético
(PRM): Carr e Shepherd (1987)26 na realização das atividades relacionadas ao de-
sempenho ocupacional do indivíduo30. Diferente
O Programa de Reaprendizagem Motora (PRM), da “síndrome de desatenção unilateral” ou hemi-
específico para a reabilitação após o AVE, funda- negligência, o “não uso aprendido” teria um com-
menta-se em cinco fatores, considerados essen- ponente voluntário em sua etiologia. Observan-
2177

Ciência & Saúde Coletiva, 13(Sup 2):2171-2178, 2008


do parâmetros, tais como a amplitude de movi- ção inter-hemisférica que pode estabelecer o re-
mento, força, equilíbrio e sinergias, a interven- crutamento de três trajetos alternativos para su-
ção busca potencializar, de maneira efetiva, a re- plementar os movimentos originalmente contro-
organização cortical uso-dependente para alcan- lados pelo hemisfério lesado: (1) um pool de neu-
çar ganhos motores e funcionais31. O fator tera- rônios motores “reserva” ipsilateral ao hemisfé-
pêutico seria a concentração da prática na medi- rio lesado; (2) trajetos córtico-espinhais a partir
da certa, requerendo-se o controle motor dentro do hemisfério não lesado; (3) trajetos córtico-
da possibilidade de alcance da meta. O indivíduo espinhais ipsilaterais indiretos.
reaprenderia a realizar movimentos voluntários Ao enfrentar as dificuldades decorrentes da
com seu membro superior parético, ao ter o uso hemiparesia, alguns idosos buscam compensar
do membro contralateral limitado por uma luva os déficits motores ou mesmo a ausência de
sem a divisão dos dedos20. movimentos, realizando as AVDs com o mem-
bro superior contralateral ao parético. Essas es-
tratégias compensatórias tornam-se hábitos que
Implicações para a prática clínica reforçam o não uso do membro parético e per-
sistem, mesmo quando as condições neuromo-
Segundo Trombly e Ma32,33, não há evidências toras indicam a possibilidade de realização de
clínicas sobre a abordagem mais efetiva para o muitas atividades, ou seja, nos estágios mais avan-
retorno do controle motor após o AVE. Alguns çados de retorno de controle motor4. Sob essa
protocolos tradicionais de reabilitação direcio- perspectiva, as práticas implementadas no pro-
nam o tratamento para o membro parético; po- grama de reabilitação devem incentivar a realiza-
rém, a teoria dos sistemas dinâmicos reforça a ção das atividades bimanuais mesmo para ido-
integração bilateral com base na relação inter- sos, exceto nos casos com contra-indicações es-
hemisférica. O estudo de Whithall et al.34 demons- pecíficas e que envolvem riscos para o paciente.
trou que quando movimentos bimanuais são
iniciados simultaneamente, os membros superi-
ores agem como uma unidade que supera a ação Conclusão
de um único membro, indicando uma interação
coordenada no SNC. Quando a mão ou o braço Embora as mudanças estruturais no córtex cere-
é ativado com força moderada, essa ação gera bral do adulto possam representar uma limita-
um overflow contralateral e ocorrem contrações ção do recurso disponível para uma reorganiza-
musculares nos dois membros em diferentes ní- ção neural eficiente, as pesquisas demonstram
veis de força. que a plasticidade é uma propriedade do tecido
As particularidades da conexão neurofisioló- nervoso que se estende no curso da vida. As evi-
gica no SNC possibilitam que a prática de movi- dências das tentativas de reorganização neural,
mentos bimanuais, alternados ou em sincronia, após a lesão cortical decorrente de AVE no adul-
possa resultar em efeitos de facilitação do mem- to, têm implicações diretas para a reabilitação do
bro superior hígido para o membro parético. controle motor. Isso significa que a idade não
Dois estudos demonstraram ganhos de movi- deve ser o único critério de indicação para a troca
mentos ativos no membro superior parético em de lateralidade no programa de reabilitação para
pacientes que participaram de programas de re- controle motor dos idosos.
abilitação com ênfase na coordenação bimanu- Na seleção da abordagem apropriada, o de-
al. Mudie e Matyas3 pesquisaram os efeitos da safio dos profissionais de reabilitação é aprender
aplicação da teoria dos sistemas dinâmicos na sobre as relações de mapeamento entre a ativi-
reabilitação de indivíduos com hemiparesia de- dade do cérebro, o comportamento motor e os
corrente de AVE e os resultados demonstraram mecanismos de plasticidade. A ampliação de co-
retorno de controle motor com treino bimanual nhecimento sobre a reorganização neural pode-
de movimentos específicos dos membros supe- rá direcionar o profissional no processo de rea-
riores. Os autores afirmam que as atividades bi- bilitação para facilitar o comportamento motor
laterais desencadeiam uma relação de desinibi- funcional.
2178
Teixeira, I. N. D. O.

Referências

1. Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação-Sarah. 18. Jacobs B, Scheibel AB. A quantitative dendritic
Acidente Vascular Cerebral. Informações sobre Do- analysis of Wernicke’s area in humans. I. Lifespan
enças Tratadas. [site da Internet]. s.d. Disponível changes. J Comp Neurol 1993; 327:83-96.
em: <http://www.sarah.br/paginas/doencas/PO/ 19. Elbert T, Rockstroh B. Reorganization of human
p_02_acidente_vasc_cereb.htm> Acesso em: 26 cerebral cortex: the range of changes following use
nov. 2004 and injury. Neuroscientist 2004; 10(2):129-141.
2. Kelly M, Shah S. Axonal sprouting and neurologi- 20. Taub E, Uswatte G, Pidikiti R. Constraint-induced
cal connectivity following central nervous system: movement therapy: a new family of techniques with
insult implications for Occupational Therapy. Br J broad application to physical rehabilitation - a cli-
Occup Ther 2002; 65(10):469-475. nical review. J Rehabil R D 1999; 36(3):237-251.
3. Mudie MH, Matyas T. A. Can simultaneous bilate- 21. Shelton F, Reding M. Effect of lesion location on
ral movement involve the undamaged hemisphere upper limb motor recovery after stroke. Stroke 2001;
in reconstruction of neural networks damaged by 32:107.
stroke? Disabil Rehabil 2000; 22:23-37. 22. Stein D. Brain injury and theories of recovery. In:
4. Bonifer NM, Anderson KM. Application of cons- Goldstein L, editor. Restorative Neurology: Advances
traint-induced movement therapy for an individual in Pharmacotherapy for Recovery After Stroke. Ar-
with severe chronic upper-extremity hemiplegia. monk, NY: Futura Publishing; 1998. p.1-34.
Phys Ther 2003; 83:4. 23. Cauraugh J, Light K, Kim S, Thigpen M, Behrman
5. Dromerick A, Edwards D, Hahn M. Does the appli- A. chronic motor dysfunction after stroke: recove-
cation of constraint-induced movement therapy ring wrist and finger extension by electromyogra-
during acute rehabilitation reduce arm impairment phy-triggered neuromuscular stimulation. Stroke
after ischemic stroke? Stroke 2000; 31(12):2984-2988. 2000; 31:1360-1364.
6. Pascual-Leone A, Amedi A, Fregni F, Merabet LB. 24. Jones E, Pons T. Thalamic and brain stem contri-
The Plastic Human Brain Cortex. Annu Rev Neu- butions to large-scale plasticity of primate somato-
rosci 2005; 28:377-401. sensory cortex. Science 1998; 282:1121-1125.
7. Brody H. Organization of the cerebral cortex, III, A 25. Levy CE, Nichols DS, Schmalbrock PM., Keller P,
study of aging in the human cerebral cortex. J Comp Chakeres DW. Functional MRI evidence of cortical
Neurol 1995; 02: 511-556, apud Wong TP. Aging of reorganization in upper-limb stroke hemiplegia tre-
the Cerebral Cortex, McGill J Med 2002; 6:104-113. ated with constraint-induced movement therapy.
8. Wong TP. Aging of the Cerebral Cortex. McGill J Am J Phys Med Rehabil 2001; 80(1):4-12.
Med 2002; 6:104-113. 26. Carr Jh, Shepherd RB. Programa de reaprendizagem
9. Terry RD, Deteresa R, Hansen LA. Neocortical cell motora para o hemiplégico adulto. São Paulo: Mano-
counts in normal human adult aging. Ann Neurol le; 1988.
1987; 21:530-539. 27. Johansson B. Brain plasticity and stroke rehabilita-
10. Haug H, Eggers R. Morphometry of the human tion. Stroke 2000; 31:223-239.
cortex cerebri and corpus striatum during aging. 28. Musso M, Weiller C, Kiebel S, Muller SP, Bulau P,
Neurobiol Aging 1991; 12:336-338. Rinjtjes M. Training-induced brain plasticity. Brain
11. Matsumae M, Kikinis R, Morocz IA, Lorenzo AV, 1999; 122:1781–1790.
Sandor T, Albert MS, McL Black P, Jolesz F. Age- 29. Mathiowetz V, Haugen J. Motor behavior research:
related changes in intracranial compartment volu- implications for therapeutic approaches to central
mes in normal adults assessed by magnetic reso- nervous system dysfunction. Am J Occup Ther 1994;
nance imaging. J Neurosurg 1996; 84:982-991. 48(8):733-745.
12. Gómez-Isla T, Price Jl, Mckeel DW, Morris JC, 30. Keough J. The just right challenge: enabling occu-
Growdon JH, Hyman BT. Profound loss of layer II pations restore motor control following stroke. Adv
entorhinal cortex neurons occurs in very mild Occup Ther Pract 2003;19(23):37.
Alzheimer’s disease. J Neurosci 1996; 16:4491-4500. 31. Liepert J, Bauder H, Miltner WH, Taub E, Weiller
13. Guttmann CR, Jolesz FA, Kikinis R, Killiany RJ, C. Treatment-induced cortical reorganization after
Moss MB, Sandor T, Albert MS. White matter chan- stroke in humans. Stroke 2000; 31:1210-1216.
ges with normal aging. Neurology 1998; 50:972-978. 32. Trombly C, Ma H. A synthesis of the effects of oc-
14. Peters A. Age-related changes in oligodendrocytes cupational therapy for persons with stroke, part I:
in monkey cerebral cortex. J Comp Neurol 1996; restoration of roles, tasks, and activities. Am J Oc-
371:53-163. cup Ther 2002; 56 (3):250-259.
15. Adams I. Comparison of synaptic changes in the 33. Trombly C, Ma H. A synthesis of the effects of oc-
precentral and postcentral cerebral cortex of aging cupational therapy for persons with stroke, part II:
humans: a quantitative ultrastructural study. Neu- remediation of impairments. Am J Occup Ther 2002;
robiol Aging, 1987; 8:203-212. 56(3):260-273.
16. De Felipe J, Farinas I. The pyramidal neuron of the 34. Whitall J, Waller SM, Silver KC, Macko R. Repetiti-
cerebral cortex: morphological and chemical cha- ve bilateral arm training with rhythmic auditory
racteristics of the synaptic inputs. Prog Neurobiol cueing improves motor function in chronic hemi-
1992; 39:563-607. paretic stroke. Stroke 2000; 31:2390.
17. Anderson B, Rutledge V. Age and hemisphere effects
on dendritic structure. Brain 1996; 119:1983-1990.
Artigo apresentado em 23/01/2007
Aprovado em 13/12/2007

Você também pode gostar