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A utilização da acupuntura em medicina veterinária

CURSO
DE
AIKIDO
1

AIKIDÔ E DIALOGICIDADE: UM POSSÍVEL CAMINHO DE SABEDORIA

RESUMO

A partir dos estudos dos teóricos da sociedade e da educação nada mais natural que nos
identifiquemos com uns e passamos a observar o mundo e nossas experiências vividas com
olhos mais refinados. Passei e continuo a passar por estes momentos em que paramos e
olhamos para nossas práticas, em um desses momentos parei para olhar o Aikidô
concomitantemente que trabalhava em um grupo na qual a base teórica é a Dialogicidade.
Havia alguma semelhança entre ambos. Com o propósito de encontrá-la elaboro um projeto
que visava discutir as duas sabedorias1, apontar suas semelhanças e possíveis contribuições
para a educação. No presente artigo será apresentado a origem do Aikidô e suas raízes, a
Dialogicidade de Freire e as possíveis relações que podemos fazer entre ambos os saberes.

INTRODUÇÃO
O Aikidô surge no Japão no século XX, é fundado por Mestre Morihei Ueshiba
antes da segunda guerra mundial. Tal arte e/ou prática corporal2 sobreviveu a ocupação
estadunidense no pós-guerra, conquistando adeptos no Japão e fora dele. Chega ao Brasil na
década de 1960 com o desembarcar do Mestre Reishin Kawai no porto de Santos, litoral sul
do estado de São Paulo. Mestre Kawai estabelece moradia na cidade de São Paulo, onde
estrutura um Dojo3 - vem a fundar a Academia Central de Aikidô, a qual reúne as academias
que seguem as orientações de Shihan4 Kawai.
Meu contato com o Aikidô se deu no início do segundo semestre de 2006, artes
marciais sempre foram um atrativo para mim, talvez pela busca de auto proteção com o
intuito de não ser fraco perante os demais. Quando mais jovem pratiquei o Judô, arte japonesa
do final do século XIX que me agradava muito.
Através de Fernando Bachega, companheiro e praticante estudioso de artes
marciais obtive informações sobre o Aikidô, minha atração pela arte foi maior no momento

em que descobri a busca do aikidoista. Esta se centra em não superar os outros, mas na auto-
superação, principalmente em situações conflituosas. Bachega é aluno do instituto Shimbukan
de Breno Sensei5, este foi aluno direto de Kawai Sensei. Fernando Izê, graduado pelo instituto
Shimbukan, é atualmente meu Shidosha6 e através de seus treinos e de estudos bibliográficos
passei a interessar-me por este modo de vida que o Aikidô contempla. Por influência de
Fernando Bachega comecei a praticar em setembro de 2006 na academia Forma em São
Carlos.
Entre os anos de 2006 e 2008 fui até São Paulo me encontrar com o grupo que
treina com o Mestre7 Kawai. As experiências vividas nestas inserções modificaram meus
2

pensamentos sobre a arte e quando, no segundo semestre de 2008, o Sensei Izé passou a
responsabilidade dos treinos para o Sensei Gilberto, passei a repensar os treinos e minha
busca na prática do Aikidô. No mesmo ano o grupo se muda para outro espaço de treino,
academia Romeu Berto. Quando ocorre esta mudança eu acabo também mudando meu espaço
de treino, devido a minha busca pessoal de um espaço com características próximas a que
vivenciei em São Paulo. Passo então a praticar com o grupo do Sensei Roberto, o qual ainda
sou vinculado até os dias atuais, este grupo utiliza o espaço do CEFER na USP – São Carlos.
Este trabalho contribuirá para a compreensão dos processos educativos
presentes na prática e vivência do Aikidô, buscando observar e respeitar a sua cultura original,
possivelmente fornecendo elementos para o pensar a prática docente e a metodologia de
ensino, atentando para possíveis contribuições no meio escolar.

RAÍZES DO AIKIDÔ: DO FUNDADOR AO BRASIL

O Aikidô, como é concebido hoje, é marcado pelas experiências de vida de seu


fundador, Morihei Ueshiba. Nascido em 1883, na região de Tanabe, província de Wakayama,
filho de fazendeiro bem sucedido, sua mãe descendia de família nobre.
A vida de Ueshiba foi marcada por diversos momentos que o levaram a
conceber o Aikidô como é, esses transitam desde sua infância até a sua velhice, passando por
momentos de guerra como a Russo-Japonesa, a I Guerra Mundial e a II Guerra Mundial, além
da ocupação estadunidense do Japão no pós-guerra e a situação durante a Guerra Fria
(UESHIBA, K. In: UESHIBA, M., 2006).
3

O fundador no início de sua vida sofreu problemas de saúde, os quais o


levaram a ser muito religioso, foi aluno do templo budista em Jizodera (Japão), teve formação
elementar em Tanabe e formou-se no Instituto Yoshida Abacus. Seu pai, Yoroku, preocupado
com a formação de Ueshiba, que passava a maior parte do tempo em meio aos livros, ensinou-
lhe a arte da natação e do sumo (SAOTOME, 2005).
Durante uma viagem a Tóquio, Ueshiba estudou as artes tradicionais do ju-
jutsu e kenjutsu. Pouco tempo depois se alistou no exército e participou como combatente na
guerra Russo-Japonesa. Após sua volta e durante o período em que se manteve no exército
continuou seus estudos das artes marciais, ingressando na escola Gotô, na qual aprendeu
Yagyu-ryu ju-jutsu com o mestre Masakatsu Nakai, em Sakai (SAOTOME, 2005; UESHIBA,
K. In: UESHIBA, M., 2006).
Após ser dispensado do exército, Morihei volta para Tanabe e trabalha na
fazenda da família, neste período estudou judô, com Kiyoichi Takagi e formou-se em Yagyu-
ryu ju-jutsu pela escola Gotô (UESHIBA, K. In: UESHIBA, M., 2006).
No ano de 1910 Ueshiba formara um grupo de colonos denominado Kishu, que
participou da ocupação da ilha de Hokkaido. O grupo obteve prosperidade na ocupação e no
estabelecimento das cidades na região, foi neste período, em Hokkaido, que Morihei Ueshiba
teve contato com Sokaku Takeda, famoso mestre do estilo Daito ryu ju-jutsu. No ano de
1915, separou-se de seu mestre (aos 36 anos), deixando tudo o que tinha a ele, após receber a
notícia de que seu pai estava muito doente (UESHIBA, K. In: UESHIBA, M., 2006; COHN,
2004).
Ueshiba saiu de Hokkaido em direção a Tanabe, parando antes em Ayabe a
procura do líder religioso Onisaburo Degushi, formador da seita xintoísta Omoto-ryu. Sua
busca por Degushi fora para pedir orações a seu pai, nessa ocasião, segundo Kisshomaru
Ueshiba, Degushi disse as seguintes palavras ao fundador: “Seu pai está bem como
está”(p.10) (UESHIBA, K. In: UESHIBA, M., 2006; COHN, 2004).
De acordo com Ueshiba, K. (In: UESHIBA, M., 2006) a morte de Yoroku
Ueshiba, em 1920, marcou e abalou muito Morihei, que decidiu mudar-se para Ayabe “em
busca de uma vida mais espiritual” (p.10). Durante sua estadia em Ayabe, o fundador do
Aikidô abriu a escola Ueshiba e ensinou o que aprendeu sobre as artes marciais. Durante este
período a popularidade de Morihei em meio as artes marciais também crescia, na medida em
que desenvolvia suas habilidades marciais e sua espiritualidade. Desta maneira passou a
ensinar não apenas os seguidores da seita Omoto-ryu, mas também os marinheiros de bases
navais próximas.
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Um dos elementos fundamentais para a fundação do Aikidô foram os estudos


sobre o kotodama8 realizados por Ueshiba, que permitiram ao Aikidô um caminho mais
próximo ao espiritual. Este processo levou Morihei a se:

(...) libertar das práticas convencionais do Yagyu-ryu e Daito-ryu ju-jutsu e a


desenvolver um estilo próprio, usando e aplicando os princípios e técnicas em
conjunto, para quebrar as barreiras entre mente, espírito e corpo. Em 1922, essa
aproximação mais tarde foi chamada de ‘aiki-bujutsu’, mais conhecida pelo
público em geral como Ueshiba-ryu aiki-bujutsu (UESHIBA, K. In: UESHIBA,
M., 2006, p.12).

Morihei participou de uma expedição para Manchúria (Mongólia), essa


expedição o marcou muito, de maneira que ao voltar para o Japão, em 1925, considerou
pertinente modificar aiki-bujutsu para aiki-budô, mudando assim o sentido de arte,
anteriormente arte marcial aiki para caminho marcial de aiki (SAOTOME, 2005; UESHIBA,
K. In: UESHIBA, M., 2006).
O aiki-budô passou a ter maior divulgação em meio a figuras ilustres do alto
comando militar e até mesmo do Imperador Hirohito no pós-guerra. Assim, entre 1930 e o
pós-guerra, Ueshiba era continuamente convidado a ensinar na corte para militares e mesmo
para governantes. Durante o período de pós-guerra e a ocupação estadunidense no Japão,
algumas artes marciais não obtiveram espaço para se desenvolverem, porém o Aikidô teve
abertura para a retomada das atividades em Tóquio e posteriormente para outras províncias e
futuramente para outros países. Este desenvolvimento e avanço do Aikidô pelo mundo
iniciaram-se com a fundação da Aikikai: o Hombu Dojô9 do Aikidô10 (SAOTOME, 2005;
UESHIBA, K. In: UESHIBA, M., 2006).
De acordo com a biografia de Reishin Kawai11, podemos afirmar que ele
possuiu formação de Aikidô e que possivelmente assistiu apresentações do fundador. Em
1960 Kawai viaja para o Brasil, ano em que visita várias comunidades nipônicas no interior
de São Paulo. Logo após, pela popularidade que teve seu conhecimento de acupuntura e
shiatsu entre a comunidade nipônica e os paulistas, Kawai decide prolongar sua estadia no
Brasil e, em 1961, por determinação do representante internacional da Aikikai, Mestre
Munashigue, 9º dan de Aikidô, Reishin Kawai torna-se representante do Aikidô no Brasil.
(UNIÃO, 2009).

8
Kotodama: “função espiritual da vibração do som” (SAOTOME, 2005, p. 27).
9
Hombu Dojo: sede principal do Aikidô, localizada no Japão.
10
Fundação Aikikai Hombu Dojô – instituição internacional de Aikidô.
11
UNIÃO SUL- AMERICANA DE AIKIDÔ KAWAI SHIHAN. Disponível em
<http://www.aikidokawai.com.br/kawai.htm>. Acesso em 21 jun. 2009 as 12hs.
5

Morihei Ueshiba, em 1963, concede a Sensei Kawai o título de Shihan e em


1968, em viagem ao Japão, Shihan Kawai conversa com Morihei e Kisshomaru Ueshiba e
decide manter o vínculo com o Aikidô (UNIÃO, 2009).

AIKIDÔ: CAMINHO E SABEDORIA


De acordo com o livro "Chanoyu Arte e Filosofia", publicado pelo Centro de
Chado Urasenke do Brasil e Aliança Cultural Brasil-Japão, as artes japonesas tiveram origem
na China e ao chegar ao Japão receberam diversas influências regionais atingindo "o estado de
aprimoramento espiritual", momento em que cada campo artístico incorporou o sufixo "Dô"
(do ideograma michi, caminho), constituindo-se, daí, o termo "gueido", o caminho das artes
(FUNDAÇÃO JAPÃO, 2005).
De acordo com Ratti e Westbrook o bujutsu12 incorporou o sufixo “Dô”
recentemente e o processo desta incorporação foi longo. Ratti e Westbrook, assim como
Saotome, afirmam que o bujutsu evoluiu, quando incorporou aos exercícios disciplinadores os
ensinamentos do Zen, do Xintoísmo e do Budismo, o que levou a uma busca de equilíbrio
espiritual e corporal.
Dentre alguns dos "muitos caminhos de expressões artísticas" podemos citar o:
gadô (caminho da pintura), kôdô (caminho da fragrância do incenso), onkyokudô (caminho da
música), haikaidô (caminho do poema haikai), shodo (caminho da caligrafia), sadô (caminho
do chá) e, acrescentamos: o Aikidô (caminho da harmonia), que tem o intuito de desenvolver
(no sentido de formar) o ser humano em harmonia com a natureza e com o universo,
caracterizando um modo de vida (FUNDAÇÃO JAPÃO, 2005).
O citado livro ainda destaca que cada caminho artístico "criou o seu próprio
caminho esotérico”, mais tarde se tornando segredo de arte, oralmente difundido aos
descendentes e aos uchideshi (discípulos merecedores/residentes). Assim surgem, em cada
campo artístico, as escolas, constituindo-se o sistema Iemoto (base familiar, o Grande
Mestre), que transmite tais segredos e ensinamentos de pai para filho (FUNDAÇÃO JAPÃO,
2005).

12
Bujutsu é formado pelos ideogramas chineses bu ( ) e jutsu ( ) e possuem o significado de “artes” ou
“técnicas” militares. Segundo Ratti e Westbrook : À arte genérica de combate dá-se, na maioria das vezes, a
denominação de bujutsu. (...) Inclusive, nos primeiros documentos escritos da nação japonesa, bu era empregado
para denotar a dimensão militar de sua cultura nacional, diferenciando-a, por exemplo, da dimensão pública (ko)
ou da dimensão civil (bun) (...). Bu aparece, assim, nas palavras compostas buke e bumon para identificar
“famílias militares”, à diferença de Kuge e Kugyo (sendo ku variação fonética de ko) que faz referência a “nobres
públicos”. Bu aparece em bushi, “nobres militares” (...). (RATTI&WESTBROOK, 2006)
6

A palavra Aikidô carrega consigo um significado indispensável para seus


praticantes, os três caracteres chineses que a formam possuem as seguintes significações: ai
carrega o significado de “reunir, juntar, fundir, harmonizar”; ki com seus múltiplos sentidos
indica “espírito, disposição, energia”; do carrega a acepção de “caminho, modo de vida”
(STEVENS, 2001)
John Stevens (2001) apresenta em “Os Segredos do Aikidô” algumas das
várias maneiras que Sensei Morihei Ueshiba usou para definir Aiki:

princípio universal que congrega todas as coisas; (...) processo maior de


unificação e de harmonização que opera em todos os reinos, desde a vastidão do
espaço até o menor dos átomos; (...) reflete o grande projeto do cosmos; (...) é a
força da vida, um poder irresistível que une os aspectos materiais e espirituais da
criação. (...) é fluxo da natureza; (...) a união do corpo e do espírito e é uma
manifestação dessa verdade. Além disso, aiki nos permite harmonizar o céu, a
terra e a humanidade numa unidade; (...) “conviver em harmonia”, num estado
de entendimento mútuo. (...) é a virtude social suprema. (...) o poder da
reconciliação e do amor. (p.13)

O sentido de aiki aproxima-se das ideias, segundo Stevens (2001), que as


palavras latinas integritas (integridade, plenitude) e consonantia (consonância, harmonia)
carregam, como integração, comunhão, “entre corpo e espírito, entre o eu e o outro, entre
humanidade e natureza, entre verdade e beleza” (p.13), que devemos todos buscar. Essa busca
não deixa espaço para a competição, já que, na concordância não há vencedores.
O Aikidô possui características peculiares, entre elas, a de ser uma arte e/ou
prática corporal não vinculada a sobreposição do outro ou a competição. A superação presente
é interior, introspectiva, uma busca continua de harmonia que se deve fazer pela prática. Há
presença de técnicas de imobilização, as quais não são entendidas enquanto movimento pelo
movimento, mas espiritualmente contextualizadas.
Ernesto Cohn (2004) afirma que o Aikidô é composto, assim como a maioria
das artes japonesas, de um conjunto de regras e etiqueta, vinculadas principalmente a desafios
de auto-superação, a desvinculação desse elemento cultural não leva a prática do Aikidô,
apenas a um conjunto de técnicas, “inconseqüente e provavelmente anacrônica” (p.17).
Encontramos diversos autores que afirmam não existir a competitividade na
prática do Aikidô. Em um de seus textos Stevens (2001) apresenta um dos poucos escritos que
Sensei Ueshiba deixou:

Hoje os esportes só servem como exercícios físicos – eles não treinam a pessoa
como um todo. A prática de aiki, por outro lado, promove o valor, a sinceridade,
a fidelidade, a bondade e a beleza, além de tornar o corpo forte e saudável (p.14).
7

Durante a história do Aikidô ocorreram alguns pensamentos divergentes em


relação as proposições do Mestre Ueshiba, particularmente no que diz respeito a não existir
um tipo de competição vinculada a essa arte. Para Ô Sensei (como também é conhecido o
fundador dessa prática corporal) o Aikidô se fundamenta no princípio de aiki e este se traduz
em cooperação, união, por isto que durante os treinos os parceiros se alternam “nos papéis de
atacante e defensor, de vencedor e de vencido” (STEVENS, 2001, p.14), pois para um estudar
a técnica precisa do outro e assim sucessivamente. É uma prática com o outro, não é possível
treinar sozinho, existe a necessidade permanente do parceiro de treino.
Para Cohn (2004) o caminho filosófico do Aikidoista se manifesta por
intermédio do corpo, “o treino (...) constante e exaustão ensina o equilíbrio pela busca da
harmonia dentro da técnica” (p.13). Por outro lado, alguém que pense em vencer outrem já
perdeu no espírito. A luta, o combate, é constante, mas não fora de sí mesmo, a auto-
superação é a batalha a ser vencida. A “(...) competição com outro é a derrota (...)” (p.14) para
o Aikidoista, pois a única pessoa que pode julgar suas realizações é ele mesmo e mais
ninguém, no Aikidô aquele que espera reconhecimento externo demonstra insegurança,
fraqueza e necessidade de aperfeiçoamento. Segundo palavras do fundador, ao termino do
treino de aiki o praticante deve sair com um volume de energia maior do que entrou,
manifestando as “propriedades restauradoras” da prática do Aikidô.
No treino técnico dizemos que aiki é a “noção de tempo perfeita”, segundo
Stevens (2001), é o momento em que o praticante se funde ao ataque, de forma suave,
direcionando a quantidade exata de “movimento, equilíbrio e de força”. Durante o dia-a-dia o
principio de aiki apresentado se transfere para as relações e situações corriqueiras.
A palavra Aikidô contém ainda o sufixo do, que carrega o significado de
caminho, modo de vida. Este caminho pode ser trilhado por alguém em particular ou por um
coletivo. Quando falamos de modo de vida queremos nos referir a todo o conjunto de
elementos que o caracteriza, formado pelas vestimentas, meditação e prática de técnicas
específicas, princípios universais da sabedoria oriental, tudo baseado nos “ideais e técnicas
clássicas do fundador” (STEVENS, 2001, p.15). O modo de vida proposto pelo do abrange
uma preocupação por parte do Aikidoista com relação ao convívio com os demais seres
humanos, com a natureza, portanto, dentro e fora do dojo, com a sociedade.

DIALOGICIDADE DE FREIRE
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Criada pelo educador brasileiro Paulo Freire, a dialogicidade se coloca como


solução para contextos de conflitos e desigualdades. Pois busca manter relações horizontais
entre os seres humanos, de forma que não haja sobre posição de uns sobre os outros. Para
tanto Freire argumenta que é preciso um conjunto de fatores.
Antes de discorrer sobre dialogicidade, Freire (2005), nos situa quanto a
importância que a palavra exerce sobre os seres humanos e como o mal uso pode gerar
“verbalismo” ou “palavreria” (p. 90). E que este uso equivocado da palavra somente leva a
uma relação vertical em que uns mandam e outros obedecem.
Porém o uso da palavra, quando constituída de ação e reflexão, segundo Freire,
é igual à práxis. Quando a palavra é utilizada de forma transformadora ela se contrapõe ao
ativismo que se caracteriza por enfatizar a ação. Portanto o poder e a significação da palavra
estão diretamente ligados a ação e reflexão o que leva a práxis (FREIRE, 2005).
Para esclarecer a importância do significado da palavra: “Não é no silêncio que
os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 2005, p.90).
É na palavra que os homens enunciam o mundo e o diálogo é o “caminho pelo qual os
homens ganham significação enquanto homens” (FREIRE, 2005, p.91). O autor alerta para
que não percamos a noção da palavra verdadeira (o trabalho, a práxis), esta que é
transformação do mundo pelos homens, porém estes não são privilegiados, mas sim todos os
homens.
Para Freire (2005) o diálogo é formado do que aqui chamarei de elos, já que a
ausência de um rompe com o diálogo. Estes elos são: o amor, que para Freire (2005) é um ato
de coragem, é “compromisso com os homens” (p.92) e somente este amor pode levar ao
diálogo; para o diálogo existir é necessária humildade, o uso das palavras não pode ser em
tom arrogante, pois assim não há amor e deixa de ser um ato de criação e recriação, deixa de
ser diálogo; é preciso ainda fé nos homens para que o diálogo se estabeleça.
Os elementos apresentados e discutidos por Paulo Freire são básicos para se
constituir, entre os homens, um diálogo de maneira horizontal, a falta de um desses elementos
ou de todos perde-se o diálogo e tem-se a manipulação de uns por outros, visto que a relação
de confiança está abalada.

AIKIDÔ E DIALOGICIDADE: um possível caminho de sabedoria

Para que um praticante de Aikidô possa treinar ele necessita de um parceiro, ao


contrário de outras artes japonesas essa mantém um contato constante entre os aprendizes. Em
9

todos os treinos é preciso convidar um parceiro para que ambos se ajudem a praticar os
movimentos e técnicas demonstradas pelo Sensei, se não houver este parceiro o praticante não
aprende o que seu professor lhe deseja ensinar.
Esta relação que passa a ser construída entre os praticantes é uma relação de
confiança, visto que durante os treinos cada aikidoista empresta o corpo para seu parceiro
estudar os movimentos da arte. Estes movimentos são torções, “chaves”, quedas, que
realizadas de forma inadequada podem resultar em problemas graves como lesões no ombro,
fraturas, lesões ósseas, inflamação de ligamentos. Desta maneira cada aprendiz precisa cuidar
muito bem se seu parceiro.
Diante desta realidade, os praticantes de Aikidô precisam manter um diálogo
entre si, pois estão sempre indicando ao companheiro de treino quais movimentos ou técnicas
não estão sendo executadas corretamente. Porém para isso ambos precisão se entregar neste
diálogo, que apesar de não haver muitas palavras – durante os treinos e a permanência no dojo
é considerado parte da etiqueta o silêncio, visto que este local é considerado sagrado e que ao
início de cada treino o Sensei pede para que o fundador da arte esteja presente no local – não
deixa de ser um diálogo, pois os envolvidos compreendem os movimentos realizados durante
os treinos e quando não o sabem solicitam explicações ao Sensei.
Como para treinar faz-se necessário ter um parceiro é preciso então manter um
diálogo com este. Mesmo no treino de Aikidô pode-se perceber que este diálogo pode não
existir, aja visto as atitudes que alguns praticantes tomam com outros, atitudes as quais faltam
humildade, amor e fé nos homens.
Nas referencias citadas acima quanto aos propósitos da prática do Aikidô
podemos notar a presença da auto superação. Esta superação, como a expressão diz, é de si
mesmo. O Aikidô procura ensinar aos praticantes que não se deve superar o outro, este é um
princípio básico do Aikidô. Ao longo dos anos o aikidoista aprende que a comunhão, “aiki”, é
fundamental para a vida.
Paulo Freire também fala da comunhão entre os homens e que esta se dá pelo
uso da palavra verdadeira. Os homens, para manter essa comunhão, precisão dialogar entre si
e este segundo Freire não pode ser palavras direcionada de um sobre o outro, pois desta forma
se constitui a competição, a superação do outro. Este diálogo precisa ser humilde, precisa ter
amor, e precisa de fé no outro, com esses fundamentos os homens mantem a confiança ente si
e desta forma, somente desta forma é possível obter diálogo.
10

Tanto para o Aikidô quanto para a Dialogicidade de Paulo Freire a relação


entre os seres humanos deve permear o diálogo, porém não qualquer diálogo, mas o diálogo
que se dá horizontalmente entre os homens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho está na fase de análise de dados, estes foram coletados


através de entrevistas com Senseis da União Sul-americana de Aikidô presidida por Kawai
Shihan e diários de campo de treinos de Aikidô. As entrevistas foram realizadas com três
Senseis: Kawai Shihan, Ono Shihan e Fugita Sensei. Todos descendentes de japoneses, sendo
apenas Fugita Sensei nascido no Brasil.
Apesar de poucos dados é possível, através do resgate bibliográfico, identificar
algumas afinidades entre os escritos sobre a prática do Aikidô com os escritos sobre a
dialogicidade. Apesar das particularidades e principalmente das diferenças culturais, em
ambas existe a preocupação com a relação em que nós humanos nos colocamos com o(s)
outro(s). Nesta relação podemos perceber que tanto o primeiro pensamento quanto o segundo
defendem a comunhão entre os humanos e que esta somente se dá através do diálogo entre o
eu e o outro, sem sobreposições de uns sobre os outros.
Este trabalho objetiva compreender os processos educativos presentes na
prática do Aikidô, possivelmente fornecer elementos para o pensar a prática docente e a
metodologia de ensino e desta forma contribuir com o meio escolar.
Apesar de estar em meio ao processo de análise dos dados, podemos iniciar um
esboço sobre os objetivos iniciais. Embora elaboradas em regiões diferentes do mundo,
separadas por doze horas e escritas em momentos históricos diferentes ambas as sabedorias
preocupam-se com o homem e a mulher e suas relações com os/as outros/as. A instituição
escolar forma pessoas para viverem e relacionarem-se com outras pessoas. Assim podemos
dizer que tanto a dialogicidade quanto o Aikidô podem contribuir para a formação docente e
fornecer elementos para a prática dentro da escola.

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