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CAMPELLO, Maria do Carmo. Estado e Partidos Políticos no Brasil 1930-1964. Ed.

Alfa-
Omega,1990.

CAPÍTULO 4 – MECANISMO DE CENTRALIZAÇÃO

Neste capítulo a autora discute de que forma ocorreu a centralização político-administrativa


do Estado Novo, via instrumentos técnico-burocráticos e políticos bastante complexos.
Compreender essa centralização – sobretudo seu processo – é fundamental porque a partir de
1930 “o pêndulo ideológico se inclinava decisivamente no sentido da centralização autoritária
(...) que dava lugar a uma completa deslegitimação dos partidos políticos e dos mecanismos
eleitorais” (1990, p. 83).

Cabe ressaltar que as investigações da autora apontam críticas a trabalhos anteriores, cuja
explicação limitava-se a afirmar o Estado Novo como uma formação monolítica e de caráter
centralizante, sem realizar uma análise mais detalhada das estruturas de poder e dos
mecanismos burocráticos. Campello aponta que o processo de unificação ocorreu “de maneira
gradual” com o objetivo de controle por parte do poder central das “esferas estratégicas da
economia”. Não indo além de uma modernização conservadora, o movimento de 1930 não
provocou uma ruptura com grupos econômicos anteriores, mas diversificou e redefiniu as
articulações dos interesses, almejando a consolidação de um Estado forte e centralizado.
Tanto o Estado Novo, como a Primeira República, ressalta a autora, são elitistas, no entanto,
com mecanismos de ação diferentes. Enquanto a primeira suspende o funcionamento das
organizações partidárias, procura a unificação e faz intervenção nos estados, a primeira
baseara-se no princípio da autonomia estadual e na política dos governadores.

Por fim, a autora vai apontar três importantes mecanismos do processo de centralização: as
interventorias, os órgãos técnico-econômicos e as Forças Armadas.

No que tange às interventorias, esse sistema pode ser resumido da seguinte forma: o
Executivo Federal nomeava chefes para os governos estaduais a partir de seus interesses. Uma
característica peculiar é que, embora ligados à elite estadual, geralmente eram interventores
desprovidos de ligação partidária no sentido tradicional. Este foi um mecanismo político-
institucional criado a partir de 1930, contudo, antes disso é possível identificar pedido dos
próprios estados para a intervenção do Governo Federal, sobretudo quanto a regulamentação
de produção

Seria, contudo, errôneo supor que esse processo de centralização tivesse


surgido da noite para o dia. Ao contrário, se alguma data identificável puder
demarca-lo, ela provavelmente se encontra segunda parte da década de vinte,
antes mesmo da revolução, quando a concorrência entre regiões produtos
leva algumas situações de crise, fazendo avolumar de maneira quase
simultânea os pedidos de interferência do governo central. (1990, p. 89)

Neste sentido, pode-se destacar a Reforma Constitucional de 1926 em que objetivo foi
reforçar o poder da união e do Executivo Federal, ao dar o poder de vetos parciais do
presidente e a proibição das chamadas caudas orçamentárias (demandas estranhas ao
orçamento utilizadas por deputados para atender pedidos clientelísticos).

Esse processo de unificação tinha como objetivo combater a descentralização oligárquica da


Primeira República, reorganizar o padrão de articulação entre as forças políticas para garantir
completo grau de autonomia ao poder federal. Quando os interventores, na ânsia pela
solidificação de suas máquinas estaduais passaram a defender a constitucionalização do país,
o poder central reagia com mudanças de interventores (alguns sem ser da origem do estado
que iria intervir, o que provocava insatisfação da população). As trocas de interventores
também ocorriam para prevenir encastelamentos.

Dessa forma, a ter no interventor instrumento-chave para a relação Governo Federal e estados,
esse instrumento era a tentativa de controle. Ao mesmo tempo que o interventor controlava,
precisava ser controlado. “Quem guardaria os guardas?” questiona a autora. Um dos meios
que o governo central procurou, além da rotatividade de interventores, foi a criação de órgãos
paralelos administrativos, como o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público).

O DASP foi criado em 1938, inicialmente pensado como um órgão técnico para realizar
estudos sobre a administração pública de forma geral, objetivando promover mudanças nas
relações de eficiência e economia, aos moldes do ideal weberiano. O órgão foi espalhado
pelos estados, chamados de “daspinhos” e foi além das preocupações técnicas, tornando-se
em um “super-ministério”. Seu poder era tão grande que podia vetar decisões tomadas por
interventores. Aliás, os “daspinhos” eram uma forma de controlar as ações destes. Campello
cita Karl Loweinstein para apontar que a relação entre o DASP e o interventor variava de
estado para estado. Em geral, pode-se afirmar, de acordo com a autora, que enquanto os
interventores realizam a coordenação política, os agentes do DASP realizam o trabalho
técnico, mais resistentes aos apelos clientelistas.

Outro movimento importante realizado pelo governo central para buscar formas de
centralização foi a criação de autarquias e institutos, principalmente voltado aos aspectos
econômicos. Campello divide em quatro categorias os órgãos criados ou revitalizados,
voltados por exemplo ao incentivo à atividade industrial, equilibrar consumo e produção de
setores agrícolas e extrativos, para modelar serviços de infraestrutura etc. Sob domínio do
presidente e dos ministérios que estavam ligadas, as agências serviam como coordenadoras
para a centralização do Governo Federal em campos de ação que ele considerava estratégico.

Por fim, cabe destacar o papel que as forças armadas exerceram. Embora tenham sido um
importante agente no mecanismo de centralização, não se tornaram um instrumento de poder
de Getúlio Vargas. Seu fortalecimento, nas palavras da autora como “diametralmente oposta
ao da Primeira República”, teve como consequência o enfraquecimento das milícias estaduais.
Outros dois pontos importantes apontados sobre as Forças Armadas eram de seu caráter de
“avalista final” da estrutura interventora-burocrática e árbitro do regime, relativo a um quase
“poder moderador”.

Na conclusão do capítulo, Campello considera que as mudanças político-institucionais a


partir da Revolução de 1930 tornaram a máquina burocrática incontrolável por um legislativo
ou pela sociedade civil, salientando que tal configuração não foi resultado “de uma impecável
eficiência racional-formal segundo o clássico paradigma weberiano” (p. 103), mas pela
cooptação de grupos de interesses.

CAPÍTULO 5 – DO ESTADO NOVO AO REGIME DE 1946

Dando continuidade ao seu argumento do capítulo anterior, neste capítulo Campello vai
apontar que o regime de 1946 não significou uma ruptura com o Estado Novo, mas apresenta
continuidades, como um Poder Executivo centralizador, resultado dos mecanismos de
centralização que cumpriram diferentes papeis neste sentido. Tais continuidades foram então
ignoradas pela Ciência Política Brasileira. “Desejamos realçar (...) alguns aspectos
institucionais de continuidade ou pelo menos mudança claramente condicionada e dirigida”
(1990, p. 105). Reafirmando o argumento, Campello diz que

O advento do pluralismo partidário, de eleições diretas e o retorno à


separação formal dos poderes do Estado, determinados pela Carta
Constitucional de 1946 foram acoplados à estrutura anterior, marcada pelo
sistema de interventorias, por um arcabouço sindical corporativista, pela
presença de uma burocracia estatal detentora de importante capacidade
decisória” (CAMPELLO, 1990, p. 105-6).
A autora divide o capítulo em dois momentos, o primeiro para discorrer sobre a conjuntura
que favoreceu o fim do Estado e no segundo para discutir a organização da estrutura
partidária, as regras do jogo e as formas de representação.

Sobre o aspecto conjuntural, Campello discorre sobre pelo menos quatro fatores que
contribuíram, direta ou indiretamente para pressionar o fim do Estado Novo. O primeiro,
pode-se dizer, diz respeito ao contexto internacional. Conforme ficava cada vez mais nítida a
vitória dos aliados sobre o eixo, a ditadura varguista perdia cada vez mais desprestígio,
difundindo-se a ideia de se implantar um regime liberal-democrático. O segundo aspecto é a
reorganização das elites liberais regionais, das antigas oligarquias da República Velha,
excluídas do Estado Novo ou derrotadas em 1930, em torno da UDN (União Democrática
Nacional). A partir do “Manifesto dos Mineiros” se dá início uma oposição aberta ao Estado
Novo. A terceira característica é a dissidência interna do próprio Estado Novo, representada
pelos interventores, militares e pessoas ligadas ao governo, como Oswaldo Aranha. Esses
grupos se organizarão em torno do PSD (Partido Social Democrático) e será um dos partidos
mais importantes pós democratização. Por fim, o crescimento de reivindicações operárias e
populares com o avanço da industrialização e urbanização da modernização capitalista. O
sindicalismo que fora cooptado pelo Estado Novo e subordinado a burocracia do Ministério
do Trabalho, ganhava novos contornos, com a atuação do partido comunista, que mobilizava
os sindicatos fora dos arranjos do Estado Novo.

O segundo momento do capítulo a autora vai analisar as instituições partidária-eleitorais para


traçar os interesses estratégicos das forças nesta definição das regras do jogo. Como forma de
começar o processo de abertura política, Vargas institui, em 28 de fevereiro de 1945, a Lei
Constitucional n.º 9, que determinava o prazo de 90 dias para a data das eleições gerais e
reforça também o seu poder sobre a máquina administrativa. Ou seja, mesmo com a abertura,
Vargas procurava exercer controle total sobre a transição do regime. Aqui é preciso ressaltar
também a criação do novo código eleitoral, conduzido pelo então ministro da justiça,
Agamenon Magalhães e que instituía novamente o estabelecimento do Superior Tribunal
Eleitoral para impedir fraudes nas eleições.

Além do mais, a lei Agamenon estabelecia uma série de mecanismos para regulamentar as
eleições, não só do próximo presidente, mas para o Congresso Nacional, que iria compor uma
Assembleia Nacional Constituinte posteriormente. Campello argumenta que os mecanismos
da lei Agamenon favoreciam as forças políticas que estavam sendo originadas dentro do
Estado Novo, como o PSD e PTB. Da estrutura do Estado Novo surgem dois grandes
partidos, o primeiro que mobiliza da máquina dos interventores e suas relações com o poder
local e o segundo de lideranças trabalhistas e sindicais, que mobilizavam a força de trabalho.
Ambos os partidos eram, de alguma forma, tutelados por Vargas.

Entre essas séries de mecanismos da lei Agamenon, quais são destacados que favoreciam
essas forças políticas do regime.

a) A exigência que os partidos tivessem bases nacionais e não mais regionais e a


quantidade de 10 mil assinatura, com o mínimo de 500 em cada estado. (p. 114). Isso
foi visto pela oposição como manobra de Vargas, uma vez que, segundo a autora

(...) o momento de sua implantação, num processo eleitoral controlado pela


máquina getulista e com partidos políticos em processo de estruturação
inicial, conferia-lhe aspecto arbitrário. A obrigatoriedade de filiação nacional
afigurava-se à oposição como uma manobra getulista, dado que o partido do
governo, através das interventorias dispunha de articulações nacionais, ao
passo que as demais agremiações eram, em geral, restritas a um ou dois
estados. (CAMPELLO, 1990, p. 114-5).

b) Concessão e cassação de registro partidário (p. 116). O artigo 114 do código eleitoral
estabelecia que os partidos que fossem “ideologicamente” contrários à democracia e
aos direitos fundamentais do homem, estabelecidos na constituição poderiam ser
cassados. Campelo afirma que “uma só vez o artigo só foi acionado contra um partido
de considerável prestígio: o Partido Comunista” (CAMPELLO, 1990, p. 116).

c) Obrigatoriedade de candidaturas partidárias e não mais avulsas, mas a possibilidade de


o candidato disputar vagas distintas, por estados distintos e por partidos distintos (p.
118-9).

d) Alistamento eleitoral ex-officio, ou seja, registro de eleitores independente da


iniciativa do eleitor, mas feito por empresas, órgãos públicos, sindicatos feitos em
blocos a base de base de dados de cadastros de cidadãos (p. 121).

e) Mecanismos de sobra, ou seja, do puxador de votos, que conseguindo votos acima da


quantidade necessária, distribuía votos entre outros candidatos do mesmo partido (p.
119-20).
Além dos mecanismos da lei Agamenon que disciplinam as eleições de 1946, algumas desses
mecanismos seriam colocados na constituição de 1946, influenciariam, na análise de
Campello, na capacidade de atores políticos se sustentarem neste novo regime. Ela pontua
duas regras que são importantes para isso.

1) Cálculo de representação proporcional de número de deputados por estado por número


de habitantes. De acordo com a autora, isso gerou uma sobre representação dos
estados mais “atrasados” e menos populosos e uma sub-representação dos estados
mais populosos e desenvolvidos e que não seria recompensado pelo Senado, que
tratava igualmente estados grandes e pequenos em número de representantes. Quem
ganha e quem perde com isso? PSD e PTB seriam os principais favorecidos (p. 125-7).

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