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RICCI, Paolo, Jaqueline Porto ZULINI (2014): Partidos, Competição Política e Fraude

Eleitoral: A Tônica das Eleições na Primeira República, em: DADOS - Revista de


Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 57, no 2, 2014, pp. 443 a 479.
RESUMO – JOHNNY DANIEL M. NOGUEIRA

Tornou-se lugar-comum na literatura sobre as eleições na Primeira República as


alegações sobre um processo fraudulento e corrupto. No entanto, como destacam os autores,
“a associação imediata entre processo eleitoral e fraude tem aniquilado qualquer esforço de
aprofundamento na crítica das eleições em época republicana” (p. 444). Além do mais, os
approaches sobre o período se limitam a escrever alguns dos métodos mais comuns que eram
utilizados para forjar a vitória e impedir o avanço das oposições, contudo, sendo pouco
explicativos. Neste sentido, os autores vão buscar nas leituras das contestações e petições
formais, documentos de protesto oficial contra o escrutínio eleitoral apresentado à Câmara
Federal, como forma de “enveredar, por vias inéditas, nas práticas fraudulentas ditas habituais
ao jogo eleitoral da Primeira República.
A questão central do artigo pode ser resumida da seguinte forma: por qual motivo o
processo eleitoral se fazia alvo de questionamentos? A partir deste ponto e contrariando boa
parte da literatura, a pesquisa dos autores aponta que

O conjunto dos relatos indica que a intimidação física e a corrupção não


faziam condições suficientemente capazes de manter, sob controle o
resultado das urnas. Era, antes, o domínio partidário da máquina
administrativo-eleitoral, entendida aqui como estrutura organizacional
necessária à realização dos escrutínios, segundo as prescrições legais da
época, a melhor aposta no intento de diminuir a incerteza dos pleitos que se
seguiram. (RICCI & ZULINI, 2014, p. 463, GRIFOS DOS AUTORES).

Cabe, portanto, a questão: por que essa era a melhor aposta? Para compreender a essa
questão é preciso analisar a centralidade do município no processo eleitoral.
O município é um ponto central de análise porque além de ser o foro ordinários dos
escrutínios era também o espaço privilegiado da competição política no período republicano.
Dava-se, a partir do município, as fases decisivas dos pleitos. Essas fases, diferentes dos dias
atuais, afirmam os autores, “contava com pelo menos quatro etapas burocráticas necessárias à
viabilização dos pleitos” (p. 447). Essas fases podem ser resumidas em: i) fase pré-eleitoral,
ou seja, de provimento de alistamento, a divisão do município em seções, a definição do local
de votação e eleição dos membros das mesas eleitorais; ii) a fase do momento eleitoral, a
votação em si; iii) a fase de apuração dos resultados. Primeiro, a contagem primária dos votos
nas seções, sendo realizada uma ata depois de totalizados os votos nas juntas apuradoras
distritais. Na ata havia espaço para o registro de alguma contestação, caso fosse preciso; iv) o
reconhecimento dos poderes dos eleitos. Na época, não havia Justiça Eleitoral, sendo esta
criada somente em 1932. Dessas fases, as três primeiras eram responsabilidade da esfera
municipal.
Na primeira etapa, por exemplo, de caráter preparatório, estava subordinada à
influência das forças políticas locais. “A provisão de alistamento e qualificação dos aptos a
votar se mostrava cuidadosamente conduzido pelos dirigentes municipais” (p. 447). Da
mesma, a eleição dos membros das mesas coordenadoras do dia da votação, tinha como
precedência o poder local. Afirmam os autores que “dominá-las significava conduzir o
desenrolar do pleito”, e complementam
Os mesários geriam a votação: regravam a chamada dos eleitores, conferiam
a lista dos qualificados, examinavam os títulos apresentados por cada
cidadão. (...) tratavam-se de homens que engatavam a apuração preliminar
dos votos, na seção, tão logo encerrado o pleito. (RICCI & ZULINI, 2014, p.
449).

As forças político-partidárias tinham como objetivo viabilizar o domínio da condução


dos escrutínios eleitorais no dia do pleito. A composição das mesas eleitorais, conforme os
relatos, eram alvo de lutas travadas entre diferentes facções por sua constituição unânime. De
acordo com os autores, as conformações da mesa “configuravam a garantia de exclusão dos
eleitores de oposição, a partir da recusa de seu título e da admissão de correligionários”. (p.
464).
Desta forma, aumentava a possibilidade de impedir as denúncias de fraude pelos
oposicionistas e facilitando, também, a apuração dos votos após o encerramento do pleito.
Afinal, sem os opositores, a mesa podia contar o voto de modo próprio, ajustando, assim, os
resultados de acordo com seus interesses e forjando atas falsas, na lógica das eleições a bico
de pena.
Além desse processo, após as eleições, havia ainda o chamado “terceiro escrutínio”,
que consistia no reconhecimento do diploma de eleito, que era respaldado pela própria
Câmara Federal. Tal reconhecimento passava pelo crivo de uma comissão composto de cinco
membros, “comissão dos cinco”. Nem sempre esse diploma era reconhecido, sobretudo se o
candidato fosse de oposição. Ao não ser nomeado, ocorria sua “degola”, ou seja, não tomava
posse.
QUESTÕES METODOLÓGICAS

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