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Lottman
A dinastia
Rothschild
A trajetória da grande família de banqueiros
ao longo de dois séculos
a 3
Um
O FIM E O COMEÇO
O fim e o começo / 1
A reação inicial dele foi de raiva; melhor isso, ele refletiu, do que abrir
caminho à depressão. Depois de um debate que se estendeu por 13 dias e 33
sessões, o Parlamento votou pela estatização do banco dos Rothschild e de
mais três dúzias de instituições e grupos financeiros, juntamente com cinco
grupos industriais, no dia 26 de outubro de 1981.4
Em poucos dias, Guy já estava pronto com uma despedida de arrasar;
ela ganhou as manchetes dos jornais mais influentes de Paris. “Uma família
cujo nome está associado a uma instituição bancária capitalista proeminente
estava fadada a ver o encolhimento de suas atividades na medida em que a
sociedade francesa ia se tornando cada vez mais socializada desde o início
deste século.” Ele citou algumas das depredações a que a família Rothschild
tinha sido submetida em seu tempo: a apreensão das estradas de ferro (cam-
po tradicional dos Rothschild) pelo governo da Frente Popular de meados da
década de 1930 e a extensão da autoridade estatal sobre o Banque de France
(do qual o pai de Guy tinha sido diretor influente).
Rothschild sabia que, com o passar dos anos, sua família tinha se
transformado no “símbolo proverbial da riqueza” e que tinha feito jus a essa
imagem. Mas será que eles eram os únicos capitalistas da França? Em outros
lugares, ele observou, notadamente nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, a
prosperidade e a experiência eram incentivadas. Mesmo na França, o serviço
prestado por sua família a seus concidadãos – os hospitais, as escolas e as
moradias de baixo custo dos Rothschild, as obras de arte doadas a museus es-
tatais, os subsídios às artes e à ciência – não tinha passado despercebido. No
entanto, ele sabia que a família Rothschild necessariamente despertava senti-
mentos de inveja. Ele próprio tinha considerado seu sobrenome como uma
desvantagem, quando, por exemplo, depois de servir aos gaullistas na Segun-
da Guerra Mundial, não recebeu a nomeação que lhe permitiria continuar a
serviço de seu país. Antes, tinha sido o regime de Vichy que tirara de seu pai
e de seus tios a nacionalidade francesa e, é claro, que tinha se apropriado de
seu banco. “Um judeu para o regime de Pétain, um pária para Mitterrand;
para mim, já basta”, ele concluiu. “Ter de reconstruir sobre ruínas duas vezes
em uma vida só é demais.”5 Ao falar com um repórter do semanário alemão
Der Spiegel, ele declarou, de maneira mais ardente: “Os Rothschild estão can-
sados de trabalhar na França, onde os governos destroem suas propriedades
a cada quarenta anos”.
No entanto, o barão Guy ficou grato de ver que a imprensa e o rádio
na Europa e em lugares tão distantes quanto os Estados Unidos percebe-
ram o impacto ampliado de sua declaração. Isso significava que o sobrenome
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Rothschild ainda fazia diferença. O banco – que empregava duas mil pessoas,
tinha setenta mil clientes e um grupo de indústria e comércio que, com suas
subsidiárias espalhadas pelo mundo, era responsável por mais trinta mil em-
pregos – não poderia ser engolido pelo Grande Governo sem derramamento
de sangue.6
Talvez houvesse uma maneira de fazer o que o governo julgava necessá-
rio ser feito (pelo menos foi o que ele disse a um entrevistador) sem pratica-
mente expulsar os Rothschild. Mas estava claro que isso não serviria para satis-
fazer àqueles que exigiam uma solução radical. Guy divulgou a informação de
que ele próprio tinha votado nos socialistas depois da Segunda Guerra Mun-
dial – uma reação natural aos anos de Vichy. Mas os bancos pertenciam ao se-
tor privado e operavam em atmosfera de concorrência; quando já não tinham
mais permissão para operar com liberdade, era a economia que saía perdendo.
Indo contra isso, ele sabia que também estava sendo contrário à França. “Para
os políticos da extrema esquerda, nós somos o arquétipo do mal.”7
Uma prima de Guy, a cineasta Nicole Stéphane, achou que o mínimo
que ela poderia fazer era uma visita ao banco na Rue Laffitte; chegou lá
e encontrou Guy empacotando tudo. Apesar de ele não ter feito nenhum
esforço para esconder seus sentimentos, ela reparou que ele não abaixou a
cabeça. “Está obviamente aflito”, ela pensou. “Mas também é petulante.”8
Ao receber um correspondente do jornal diário britânico The Guardian, o
barão Guy mostrou seu escritório despojado de qualquer objeto pessoal.
“Este aqui foi o meu lar”, ele explicou, “talvez mais ainda do que o lugar em
que eu moro, porque eu me mudei de casa. Este aqui foi meu lar constante
em todos os aspectos nos últimos cinquenta anos.” Ele caracterizou o ato do
governo como precipitado, “como se eles estivessem sendo seguidos por um
inimigo e quisessem incendiar tudo antes de serem alcançados, o que é um
absurdo completo”. Será que a família continuaria com sua atividade? “Se
algo que seria respeitável e valioso o suficiente para ser chamado de ‘Casa de
Rothschild’ na França vai sobreviver ou reviver eu não posso afirmar”, foi a
resposta dele.9
Pouco depois disso, na tradicional recepção de fim de ano para os
funcionários do banco, o barão Guy tomou consciência do estado das pes-
soas que trabalhavam com ele havia tanto tempo – algumas delas estavam
com os olhos marejados. Para elas, assim como para ele, era o fim de um
mundo.10
O fim e o começo / 3
O filho de Guy, David, celebraria seu aniversário de 39 anos durante
as semanas em que se deu a saída da Rue Laffitte; também para David, o que
mais doía era ser expulso de um local que era seu verdadeiro lar. Ele tinha
praticamente crescido naquela rua – primeiro na casa histórica de James,
fundador da dinastia Rothschild francesa, uma mansão neoclássica de três
andares que fora a residência do temido ministro da Polícia de Napoleão,
Joseph Fouché, e depois no prédio funcional que a substituíra na década de
1960. Seus amigos estavam ali; ele estava sendo separado à força desses ami-
gos. Em retrospecto, ele havia concluído que a estatização era mais um cho-
que psicológico do que um desastre financeiro, já que os Rothschild estavam
sendo desprovidos de seus investimentos em um momento em que o clima
dos negócios não era nada promissor (mas isso já não era mais preocupação
dos Rothschild!).
Mais tarde ainda, a experiência aterradora poderia até parecer posi-
tiva. Afinal, ela removeu camadas de atividades com as quais os Rothschild
tinham se envolvido ao longo dos anos, que com frequência se comprovaram
mais complicadas do que valia a pena. De fato, graças à tomada social-co-
munista dos gigantes econômicos da França, parecia possível que os Roths-
child retomassem seu talento histórico, as atividades de banco mercantil, ao
espírito do fundador da família, James, conhecido como o Grande Barão.11
Talvez sua dedicação à moda século XIX fosse o que o final do século XX
mais precisava.
Eles tinham uma base sobre a qual construir. Em Nova York, por exem-
plo, a família francesa compartilhava parceria financeira com os primos bri-
tânicos, que tinham escapado da estatização; Guy iria se mudar para lá para
ver o que poderia ser feito quanto ao desenvolvimento de seu potencial.12 Na
França, eles ainda eram donos de uma pequena firma de investimentos para
gerenciamento de carteira de ações chamada Paris-Orléans, até então um dos
veículos que a família usava para exercer controle sobre o banco de Paris. À
medida que a ameaça de estatização cresceu, David de Rothschild – que fa-
zia parte do trio de diretores com seu primo Nathaniel e um administrador
de banco de longa data, Jacques Getten – começou a transformar a Paris-
Orléans em uma instituição financeira que não era exatamente um banco,
mas que podia, da mesma forma, exercer algumas das funções de um banco
de investimento, mobilizando os recursos de seus parceiros e clientes para
iniciativas lucrativas na indústria e nas finanças.
Eles teriam seis meses pela frente – ou pelo menos acreditavam ter,
na época da eleição de Mitterrand. Enquanto outros grupos almejados pelo
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governo tomavam atitudes mais decisivas para deixar seus recursos fora do
alcance da estatização, ou trabalhavam por baixo dos panos para se proteger
da ocupação, os Rothschild decidiram permitir que o governo fizesse aquilo
que os governos fazem e simplesmente começar tudo outra vez.
O nome Rothschild desapareceu da placa na porta do prédio da Rue
Laffitte; mas voltaria a aparecer em outra placa, sobre outra porta.
O fim e o começo / 5
Dois
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pais, sem lugar para brincar nem jardim. Seu pai era comerciante de bens
variados, incluindo material de construção, e complementava a renda com a
troca de moedas.
A história e a lenda mostram que o filho tinha habilidade extrema na
lida de moedas novas e raras, mas ninguém precisa dizer que Mayer Amschel
era mesmo excepcional. De que outra maneira explicar a riqueza e a influên-
cia que ele adquiriu ao longo da vida, além do fato de ter encaminhado nos
negócios cinco filhos que transformariam a história econômica do continen-
te europeu?1
8 / A dinastia Rothschild
Em janeiro de 1800, quando os filhos de Mayer Amschel já eram ho-
mens feitos e tinham sua parte nos negócios – pai e filhos então tinham fun-
ções oficiais sob as ordens do príncipe –, os Rothschild deram mais um enor-
me passo e se transformaram nos agentes da corte do imperador austríaco
em Viena. Sua atividade mais lucrativa continuava sendo a movimentação
de dinheiro, sempre que possível por meio de cartas de crédito em vez de
sacos de moedas entre a Grã-Bretanha e o continente. Eles também assu-
miram uma proporção cada vez maior dos investimentos do príncipe, com
frequência na forma de empréstimos a outros Estados. Às vezes, esperava-se
que os Rothschild ocultassem o papel do príncipe na transação, colocando-se
pessoalmente como intermediários. Sua reputação, assim como sua comis-
são, cresceu.7
A essa altura – com o nascimento da carreira internacional e o início
das viagens ao exterior que seria seguido pelo estabelecimento de filiais es-
trangeiras –, os contemporâneos atentos já eram capazes de observar sinais
daquilo que mais tarde seria reconhecido como o estilo Rothschild: lealdade
absoluta entre os membros da família, discrição na condução dos negócios
alheios e rapidez e eficiência na transmissão de mensagens e dinheiro, ex-
traordinárias para a época. Acima de tudo – e apesar de seu sucesso inigua-
lável na obtenção de bens e moedas, independentemente de qualquer fron-
teira e entre nações em guerra –, eles tinham uma forte noção de honra e se
recusavam a tomar atalhos ou lesar aqueles a quem prestavam serviço (essas
qualidades deixariam seus clientes contentes e conquistariam reis).
A França revolucionária declararia guerra contra a Áustria em 1792.
Guilherme de Hesse ficou do lado da Áustria, e Napoleão jamais iria se es-
quecer disso. Mas Guilherme não entrou na guerra; ele emprestou dinheiro e
alugou mais soldados para a Inglaterra; os Rothschild, como agentes discre-
tos, não sofreram com o fato. Em 1795, Mayer Amschel atingiu a categoria
mais alta de impostos em Frankfurt, com base em sua declaração de ganhos
estimados. No final do século, a cidade tinha se transformado em ponto de
contato entre a Inglaterra e o resto do continente, tanto como centro ban-
cário quanto como aduana para mercadorias inglesas destinadas a todos os
Estados germânicos, a ponto de fazer sentido a exportação de um Rothschild,
Nathan, de 21 anos, para representar a família em Londres. Nascia a firma
britânica.8
Nathan levou parte da fortuna consigo. A partir de então, durante
as guerras napoleônicas, ele se tornou um elo vital para a transferência de
fundos e de bens, sendo que boa parte deles precisava passar por barreiras.