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ENTREVISTA

LUTA CONTRA
O ESTIGMA
FRANCISCO LYRA, PRESIDENTE DA ABAG
POR VALTÉCIO ALENCAR • FOTO MARCELO GALLI

O comandante Franciscode Assis Souza Campos Lyra assumiu AERO – Comenta-se que há uma campanha do governo federal para reti-
a presidência da ABAG (Associação Brasileira de Aviação Geral), rar a aviação geral dos aeroportos centrais. Como o senhor vê isso?
no início deste ano. Piloto de carreira, Lyra voou na extinta Vasp LYRA – Não podemos fazer política pública baseados em apenas um
e depois se transferiu para a aviação executiva. Como represen- aspecto de volume. Se não se pode forçar uma companhia aérea
tante de um setor em franca ascensão no Brasil, a ABAG organiza a operar numa cidade com prejuízo, então temos de desenvolver
a Labace, uma das maiores feiras deste segmento no mundo todo, essa cidade de forma que ela um dia justifique o volume necessá-
e agora prepara uma campanha de conscientização sobre a im- rio para receber o serviço regular de uma companhia aérea. E co-
portância da aviação geral para o desenvolvimento do País. mo fazer o capital de investimento direto chegar a estas cidades?
Somente por meio da aviação geral. Não podemos esperar que um
AERO MAGAZINE – Qual é a definição de Aviação Geral? empreendedor passe dias numa picape ou num barco porque ele
FRANCISCO LYRA – É curioso que a Aviação Geral, no Brasil, não es- quer desenvolver uma região. Ele precisa ter acesso e conveniên-
teja definida em lei, apesar de a OACI (Organização da Aviação Ci- cia. Porém, a visão da política pública brasileira é “não há nada
vil Internacional) já haver publicado uma definição. Trata-se de contra a aviação geral, desde que ela não acesse os grandes cen-
toda a aviação que não é comercial. Então, a aviação privada, de tros”. Então, se quiser voar de uma cidade pequena para outra ci-
táxi aéreo, de serviços especializados, serviços aeromédicos, de dade pequena, não tem problema nenhum. Isso é um grande equí-
pulverização, de resgate, de instrução, de aerodesporto, tudo isso voco. Porque o capital está nos grandes centros. Onde um em-
é aviação geral. Enfim, tudo que não é aviação de transporte de preendedor de uma cidade pequena vai buscar investidores? Nos
passageiros por linhas aéreas regulares. grandes centros. Então, é uma via de duas mãos. Por sinal, é pre-
AERO – E qual é a importância deste segmento no Brasil? ciso deixar claro que há dois tipos básicos de investimento. Há in-
LYRA – A relevância dele é enorme. Isso porque, enquanto as li- vestimento especulativo e o investimento direto. O primeiro é ca-
nhas aéreas possuem volume de passageiros, elas atendem a ape- racterizado pela utilização de meios eletrônicos e pela volatilida-
nas 2% dos municípios brasileiros. Temos aproximadamente 5.650 de. Mas qual deles nos interessa como nação? O que nos interes-
municípios no País, sendo que somente 130 são servidos por li- sa como o Estado brasileiro? O investimento direto cujas caracte-
nhas aéreas regulares. Um estudo divulgado recentemente pelo rísticas são longo prazo, baixíssima liquidez e dificuldade de can-
IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Apli- celar o investimento. Este é o investimen-
cada) aponta que há 4.200 aeródromos no to que gera empregos, renda e desenvolvi-
Brasil, mas somente 130 são servidos por mento para uma cidade. O perfil do inves-
linhas comerciais. Considerando que, nos PRECISAMOS ENTENDER tidor é o de visitar o município, conversar
anos 80, eram cerca de 300 as cidades ser- com as autoridades locais, enfim, ele vai
vidas por linhas regulares, é fácil perceber
QUE A AVIACÃO GERAL É verificar se é um bom terreno, se a cadeia
que houve uma concentração de cidades UM IMPORTANTE VETOR de suprimento existe, se existe logística de
causada por dois fatores: a demanda eco- DE DESENVOLVIMENTO E transporte para escoar sua produção. E ele
nômica e o tamanho das aeronaves. En- DE INCLUSÃO SOCIAL não vai apenas uma vez, vai muitas vezes,
tão, para receber um avião de passageiros, porque em cada fase do projeto ele volta,
com capacidade de 150, ou até 180 luga- e depois ele manda equipes de suporte, de
res, a rota precisa ter 60% de ocupação e engenheiros, de técnicos, de especialistas
apenas 130 cidades justificam isso. Com o aumento do tamanho que dão andamento. Agora, se estamos propondo fazer isso em
dos aviões nos últimos anos, mais cidades se tornam excluídas. uma cidade que não é servida por nenhuma linha regular, como
Já a Aviação Geral chega a todos os 4.200 aeródromos nacionais, é que esse corpo técnico chega a seu destino? Como é que esse em-
o que representa 75% dos municípios brasileiros. Se por um lado preendedor vai até lá? Só com a aviação geral.
não temos volume, temos uma grande cobertura, o que é tão im- AERO – Quer dizer que o governo não reconhece a importância do setor?
portante quanto. LYRA – Não. A leitura do governo hoje em dia é apenas enxergar a

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Aviação Geral como formador de mão de obra para a Aviação Co- AERO – Como é tratado o passageiro da aviação executiva no Brasil?
mercial. Porém, o equívoco na defesa do interesse público, é que LYRA – Nós temos várias burocracias de Estado que tratam da avia-
ele não é representado apenas pelos passageiros de linhas comer- ção, não é apenas o Ministério da Defesa e a ANAC. Tem a Polícia
ciais. O interesse público também é representado pela população Federal, que faz o controle de fronteiras e que está ligada ao Mi-
de todas essas cidades que estão privadas do transporte aéreo re- nistério da Justiça, a Receita Federal que faz o controle de aduana
gular. Neste sentido, há um interesse público ainda maior, que su- que está ligada ao Ministério da Fazenda, e as autoridades aero-
planta o interesse dos passageiros de linha aérea. Por isso que cha- náuticas ligadas ao Ministério da Defesa. Não há uma política oriun-
mamos a aviação geral de vetor de desenvolvimento e de inclusão da do governo central que oriente todas essas burocracias a en-
social. Esse é o nome da campanha que nós vamos lançar duran- tenderem que os empresários que veem ao Brasil são nossos con-
te a Labace (Latin American Business Aviation Conference & Ex- vidados. Por exemplo, imagine o presidente de uma multinacio-
hibition), feira que acontecerá em agosto, aqui em São Paulo. Afi- nal que queira abrir uma fábrica aqui, na Argentina, no México,
ou na Índia. Ele está vindo ao Brasil a convi-
te. Mas como ele é recebido? Dependendo do
órgão de governo, ele é recebido como um
explorador ou ele é percebido como alguém
que quer ter privilégios, ter prioridade na fi-
la da imigração, ou então ele é recebido co-
mo simplesmente um milionário que está
aqui com algum dinheiro escuso. Eles esque-
cem que o Brasil mandou delegações, às ve-
zes chefiada pelo próprio presidente da Re-
pública, para o exterior justamente para con-
vidar esse tipo de empresário a visitar — e in-
vestir — em nosso País. Agora, é preciso en-
tender que uma pessoa dessas não voa de
companhia aérea. Ele vem em seu avião pri-
vado, até por uma questão de segurança.
AERO – A aviação geral está sendo incluída no pla-
nejamento da Copa do Mundo de 2014?
LYRA – Durante a Labace, vamos organizar um
painel com especialistas de alguns países que
foram os anfitriões de grandes eventos, co-
nal, temos de incluir os 5.450 municípios que não são servidos por mo o Canadá, que sediou os Jogos Olímpicos de Inverno, em Van-
linhas aéreas de alguma forma. Se olharmos para o assunto com couver, e também da Alemanha, que sediou a última Copa do Mun-
um pouco mais de atenção, veremos que isso também tem a ver do. Na Alemanha, 1.500 jatos executivos visitaram o país duran-
com soberania, com a ocupação do território, ou seja, precisar es- te a Copa. E quem são esses passageiros? São os patrocinadores.
tar na agenda do Estado brasileiro. Então, vamos dizer para o principal patrocinador do evento: “olha,
AERO – Quais serão as principais ações da campanha? você não pode vir com a sua aeronave”? Ele pode decidir nem pa-
LYRA – Vamos investir na conscientização, conversar com prefei- trocinar o evento, pois se ele quiser trazer seus parceiros estraté-
tos. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma lei que obriga gicos e desfrutar de alguns momentos de privacidade com eles,
cada condado a ter uma pista de 4.000 pés (1.220 metros) de com- não adianta que ele não vai vir de avião comercial.
primento pavimentada. Lá existem 6.000 municípios e 90% deles AERO – Quais são as perspectivas para a Labace deste ano?
não são servidos por linhas comerciais, apenas 10%. Mesmo as- LYRA – Para se ter uma ideia, a segunda maior feira do setor é a Eba-
sim, é uma situação muito melhor que a nossa, pois aqui apenas ce, que acontece em Genebra (Suíça). Eles tiveram 11.000 visitan-
2% são servidos por linhas regulares. Mas um governo faz políti- tes este ano, sendo que a Labace do ano passado teve 13.000 visi-
ca pública para 2%, para 10% ou para 100%? É isso que estamos tantes. Portanto, já somos a segunda maior feira mundial do se-
questionando: as pessoas que elaboram a política pública estão fa- tor. A edição deste ano está totalmente comercializada, e agora al-
zendo isso para quem? gumas empresas estão disputando os últimos espaços disponíveis.
AERO – E o que precisa melhorar para que haja essa conscientização? É uma feira cujos visitantes são qualificados, são usuários que es-
LYRA – É preciso que a aviação geral esteja incluída na matriz de tão ali para conhecer os produtos de todos os fabricantes e con-
planejamento de todo o sistema aéreo brasileiro, nas políticas pú- versar com as pessoas do mercado. Na minha opinião, a Labace
blicas, na política pública de aviação civil. Também é necessário será mais uma vez um tremendo sucesso, não só porque o Brasil
compreender que a leitura superficial e preconceituosa, de que está num momento de desenvolvimento, mas até mesmo porque,
isso tem a ver com ricos e com luxo é equivocada, pois este seg- desenvolvendo ou não, o Brasil é um país continental, e o tama-
mento tem a ver com o desenvolvimento econômico do País. nho dele não vai mudar.

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