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A ética da virtude

Durante a maior parte dos últimos quatrocentos anos, os filósofos morais tenderam a se

concentrar principalmente nas ações, não nos agentes – nas coisas que deveríamos fazer em

vez do tipo de pessoas que deveríamos ser. Isso envolveu a elaboração de princípios dos quais

as obrigações morais teoricamente dependem e a criação de regras para nos comportarmos

de acordo com esses princípios. No último meio século, no entanto, muitos filósofos se

mostraram insatisfeitos com essa abordagem e, inspirados principalmente pela ética de

Aristóteles, voltaram sua atenção para o caráter e as virtudes. O resultado foi uma nova

abordagem conhecida como “ética da virtude”.

Segundo a narrativa grega, o bem mais elevado e o grande propósito da atividade humana é a

eudaimonia – em geral traduzida como “felicidade” ou “bem-estar”, mas que significa

literalmente “o estado de ser habitado por um bom daemon, um bom espírito”. Então, a

questão mais importante não é “Qual a coisa certa a fazer [em tais e tais circunstâncias]?”,

mas “Qual a melhor maneira de viver?”. De acordo com Aristóteles, a essência do homem é a

capacidade de raciocinar – em especial, usar a razão prática para determinar a melhor forma

de viver. A eudaimonia consiste no “exercício ativo das faculdades da alma [isto é, a atividade

racional] em conformidade com a virtude ou excelência moral”. Viver virtuosamente é uma

questão de ser ou tornar-se o tipo de pessoa que, pela aquisição de sabedoria através da

formação e da prática adequadas, comporta-se habitualmente da maneira apropriada nas

circunstâncias apropriadas. Em outras palavras, o tipo certo de caráter e temperamento,

natural ou adquirido, produz o tipo certo de comportamento. Essa concepção não perdeu

absolutamente nada de sua força ao longo de mais de dois mil anos.

Aluno e mestre Às vezes se diz, de forma simplista, que a filosofia de Aristóteles se

desenvolveu como reação à de seu professor, Platão.

Na verdade, a relação entre os dois é bastante complexa. O jovem filósofo era mais

sistemático do que seu mestre e tinha uma gama de interesses muito mais ampla,

tendo feito contribuições significativas e frequentemente fundamentais em física,

biologia, psicologia, política, ética, metafísica, retórica, estética, lógica, entre

outras. Enquanto Platão tinha a cabeça (quase literalmente) nas nuvens, Aristóteles

tinha os pés firmemente fincados no chão; enquanto Platão era abstrato e

visionário, propondo um reino transcendental de realidade derradeira onde apenas


o conhecimento verdadeiro é alcançável, Aristóteles era teimosamente concreto,

realista. Sempre respeitoso em relação ao senso comum, bastava-lhe a realidade do

mundo normal, insistindo em que o conhecimento genuíno pode ser adquirido aqui

(e somente aqui) pela investigação e pelo estudo diligente. Ele era incansavelmente

empírico e prático em seus métodos: reunia evidências; ordenava-as e classificavaas

cuidadosamente; submetia-as à análise metódica e sistemática; e então, de modo

racional, lógico e judiciosamente indutivo, tirava conclusões generalizadas à luz de

suas investigações.

A síntese escolástica A influência de Aristóteles se manteve por vários séculos após

sua morte graças à sua própria escola, o Liceu, e às obras de vários editores e

comentadores, mas seu legado sumiu de vista em 529, quando o imperador

Justiniano fechou as escolas pagãs de Atenas e Alexandria. O ressurgimento do

interesse pela obra de Aristóteles no Ocidente durante a Idade Média foi estimulado

inicialmente pelas traduções de textos árabes para o latim, especialmente os de

Avicena e de Averróis. Então, devido principalmente ao esforço de dois frades

dominicanos – Alberto Magno e seu pupilo Tomás de Aquino –, é que Aristóteles

se tornou um dos pilares das florescentes universidades europeias.

Em parte como reação às abstrações dos teólogos neoplatônicos, Tomás de Aquino

decidiu formular uma única filosofia que adaptasse muitos aspectos do

racionalismo aristotélico à teologia cristã.

“Poucas coisas podem ser mais absurdas

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