A verdade está principal e primeiramente na coisa ou no intelecto?

Em coisas ordenadas com anterioridade e posterioridade, às quais são atribuídas

um mesmo predicado, não é necessário que a primeira coisa nessa ordem receba a
predicação comum, que é como causa dessa predicação nas outras coisas; antes, é
necessário que receba essa predicação comum, aquela coisa na qual se encontra
principal e primeiramente a razão completa dessa predicação comum1.
Por exemplo, o predicado saúde é antes aplicado ao animal do que ao remédio,
pois no animal, a saúde se encontra principal e principalmente em sua razão completa,
enquanto no remédio se encontra como efeito, i.e., produz a saúde no animal.

Seguindo esse raciocínio, a verdade, assim como a saúde, pode ser predicada de
muitas coisas, mas principal e primeiramente dever ser predicada naquela coisa que se
encontra a razão completa de verdade.

Como vimos anteriormente2, a relação da alma humana com os entes, de acordo

com Aristóteles, se dá como que em um movimento circular: a coisa é apreendida pelo
intelecto, querida pela vontade e possuída, voltando assim a coisa.
Mas o complemente de qualquer movimento é seu termo; ora, o movimento
intelectual termina na alma; logo, a alma é o complemento do movimento intelectual.
Ou seja, o movimento em relação à verdade tem seu acabamento no intelecto, por isso é
necessário que a coisa conhecida3 esteja no sujeito cognoscente ao modo deste;
consequentemente, o verdadeiro e o falso estão na mente.
E assim, a verdade está no intelecto principal e primariamente, enquanto na coisa
principal e secundariamente.

Contudo, deve-se ter ciência, que a coisa se compara ao intelecto prático e ao

intelecto especulativo de modo diferente: o intelecto prático, com efeito, causa a coisa,
e assim é a medida ou regra das coisas feitas por ele; já o intelecto especulativo recebe
das coisas, sendo como que movidos por elas, e assim é medido ou regulado por elas.

Assim, fica claro, que as coisas naturais, pelas quais nosso intelecto recebe a
ciência, são a medida ou a regra de nosso intelecto; enquanto, que são medidas ou
regradas pelo intelecto divino, no qual estão como as coisas artificiais no intelecto do
artífice.

1
Mesmo que não seja a primeira coisa na ordem.
2
Artigo 1.
3
Em contraposição à coisa fora da mente.