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ARTIGO 6

O sexto pergunta se a verdade criada é imutável


E parece que sim.
[51698] De veritate, q. 1 a. 6 arg. 1
Anselmo no livro “Sobre a verdade” diz: vejo que por esta razão, se prova que a
verdade permanece imóvel. Mas a razão da premissa era sobre a verdade da
significação, como se depreende do que já foi dito. Logo, a verdade dos enunciados é
imutável; e pela mesma razão a verdade da coisa que aquele enunciado significa.
[51699] De veritate, q. 1 a. 6 arg. 2
Além disso, se a verdade de um enunciado é mudada, muda-se maximamente pela
mudança da coisa. Mas mudada a coisa, a verdade da proposição permanece. Logo, a
verdade de um enunciado é imutável. Prova-se a média. A verdade, segundo Anselmo, é
uma certa retidão, na medida em que cumpre aquilo que foi concebido na mente divina.
Mas esta proposição: Sócrates está sentado; foi concebido na mente divina para
significar Sócrates sentado, o que continua a significar, mesmo quando Sócrates não
estiver mais sentado. Logo, mesmo quando Sócrates não estiver sentado, permanece a
verdade do enunciado; e, portanto, a verdade da proposição mencionada não muda,
mesmo que a coisa mude.
[51700] De veritate, q. 1 a. 6 arg. 3
Além disso, se a verdade é mudada, isso só pode se dar, mudando aquilo no qual a
verdade reside, assim como algumas formas não são mudadas, exceto quando seus
sujeitos mudam. Mas a verdade não é mudada pela mudança das coisas verdadeiras,
porque destruídas as coisas verdadeiras, a verdade ainda permanece, como provam
Agostinho e Anselmo. Logo, a verdade é totalmente imutável.
[51701] De veritate, q. 1 a. 6 arg. 4
Além disso, a verdade de uma coisa é a causa da verdade da proposição; pois, pelo
fato de que uma coisa é ou não é, a oração é considerada verdadeira ou falsa. Mas a
verdade de uma coisa é imutável. Logo, a verdade da proposição também. Prova da
média. Anselmo no livro “Sobre a verdade”, prova que a verdade do enunciado
permanece imóvel, pelo fato dele cumprir aquilo que foi concebido na mente divina.
Mas, semelhantemente, cada coisa cumpre aquilo que foi concebido na mente divina em
relação a si. Logo, a verdade de cada coisa é imutável.
[51702] De veritate, q. 1 a. 6 arg. 5
Além disso, aquilo que sempre permanece após toda mudança perfeita nunca é
mudado; pois na alteração de cores não dizemos que a superfície mudou, porque ela
permanece depois de qualquer mudança de cor feita. Mas a verdade permanece na coisa,
não importa a mudança feita, porque o ente e o verdadeiro se convertem. Logo, a
verdade é imutável.
[51703] De veritate, q. 1 a. 6 arg. 6
Além disso, onde há uma mesma causa, há um mesmo efeito. Mas a mesma coisa
é a causa da verdade dessas três proposições: Sócrates está sentado; Sócrates sentará;
Sócrates sentou: a saber, o sentar de Sócrates. Logo, sua verdade é a mesma. Mas se
uma das três afirmações é verdadeira, é necessário, semelhantemente, que as outras duas
sempre sejam verdadeiras; pois se em algum momento for verdade: Sócrates está
sentado; sempre foi e será verdade: Sócrates está sentado ou Sócrates sentará. Logo, as
três proposições, sempre por um modo, se relacionam a uma verdade, e assim é
imutável; portanto, pela mesma razão, todas as outras verdades.
[51704] De veritate, q. 1 a. 6 s. c.
Ao contrário, mudando as causas, os efeitos mudam. Mas as coisas, que são a
causa da verdade da proposição, mudam. Logo, a verdade das proposições é mudada.
[51705] De veritate, q. 1 a. 6 co.
Resposta. É preciso dizer que algo se diz mutável de dois modos. Primeiro,
porque é sujeito à mudança, pois dizemos que o corpo é mutável e, portanto, nenhuma
forma é mutável; e assim se diz que a forma consiste em essência invariável;
conseqüentemente, visto que a verdade é significada por meio da forma, a questão
presente não é se a verdade é mutável desse modo. De outro modo, se diz que algo é
mutável, porque segundo si mesmo se faz a mutação, como quando dizemos que a
brancura é mudada, porque segundo a própria brancura, o corpo é mudado; e, assim é
que se pergunta a respeito da verdade, se ela é mutável. Para deixar isso claro, deve-se
notar que, na medida em que se trata de uma mutação, às vezes se diz que mudou, às
vezes não. Pois quando é inerente àquilo que se move segundo si mesmo, então se diz
que é mudado em si mesmo, como se diz que a brancura ou a quantidade muda, quando
algo segundo si mesmo é mudado, porque se sucedem no sujeito de acordo a esta
mudança. Mas quando aquilo, segundo aquilo que muda, é extrínseco, então nessa
mudança aquilo não se move, mas permanece imóvel, assim como não se diz que um
local se move quando algo se move de acordo com o lugar. E assim é dito na “Física,
III”, que um local é um termo imóvel continente, porque não se diz que por movimento
local há uma sucessão de locais em um localizado, mas sim de muitos localizados em
um local. Mas das formas inerentes, que se dizem mudar ao mudar o sujeito, de dois
modos pode-se dar essa mutação: pois de um modo, se diz mudar as formas gerais; e de
outro modo, as formas especiais. Pois uma forma especial depois de uma mudança não
permanece a mesma, nem segundo o ser, nem segundo a razão, como a brancura, feita a
alteração, de nenhum modo permanece; mas a forma geral, feita a mudança, permanece
a mesma segundo a razão, mas não segundo o ser; por exemplo, quando uma mudança é
feita de branco para preto, permanece a cor segundo a razão comum de cor, mas não a
mesma espécie de cor. Ora, foi dito acima que uma coisa é denominada verdadeira pela
primeira verdade como por medida extrínseca, mas pela verdade inerente como medida
intrínseca. Disso se conclui, que as coisas criadas variam em sua participação na
primeira verdade; no entanto, a própria primeira verdade, segundo aquilo pelo que se
diz verdadeira, de nenhum modo muda; e isso é o que Agostinho diz no livro “Sobre o
livre-arbítrio”: nossas mentes às vezes veem mais, às vezes menos da própria verdade;
mas, a verdade permanece a sempre mesma em si, não aumentando, nem diminuindo.
Contudo, se aceitarmos a verdade inerente às coisas, diz-se que a verdade muda,
conforme algumas coisas são mudadas verdadeiramente. Assim, como foi dito
anteriormente, a verdade é encontrada nas criaturas de dois modos: nas próprias coisas e
no intelecto; pois a verdade de uma ação é compreendida sob a verdade de uma coisa, e
a verdade de um enunciado sob a verdade que o intelecto significa. Por outro lado, uma
coisa é dita verdadeira, tanto pela comparação ao intelecto divino, quanto ao humano.
Logo, se a verdade de uma coisa é tomada de acordo com a ordem ao intelecto divino,
então a verdade de uma coisa é mudada, não em falsidade, mas em outra verdade; pois a
verdade é uma forma maximamente geral, já que verdade e ente se convertem: por onde,
assim feita qualquer mutação na coisa, o ente permanece, apesar de ser outra coisa
segundo outra forma, pela qual tem ser; portanto, sempre permanece verdadeira, mas
por outra verdade, porque, seja qual for a forma ou a privação que adquira por meio da
mudança, a coisa se conforma com o intelecto divino conforme tal forma ou privação, e
assim é conhecida como é de acordo com qualquer disposição. Mas se considerarmos a
verdade de uma coisa em ordem ao intelecto humano, ou vice-versa, então às vezes se
faz uma mudança da verdade para a falsidade, e às vezes de uma verdade para outra
verdade. Pois visto que a verdade é uma adequação da coisa e do intelecto, se de coisas
iguais se removem alguma igualdade, elas ainda permanecem iguais, embora não sejam
iguais do mesmo modo, é necessário que quando semelhantemente se muda o intelecto e
a coisa, permaneça alguma verdade, mas outra; por exemplo, se Sócrates senta, entende-
se o sentar-se de Sócrates e, de outro modo, se não senta, entende-se o não-sentar. Mas
porque se algo é removido de um dos iguais, e nada do outro, ou se de ambos é
removido algo diferente, é necessário surgir uma desigualdade, que está relacionada à
falsidade, assim como a igualdade está relacionada à verdade; conseqüentemente, se o
intelecto verdadeiro existente for mudado, a coisa não muda com o intelecto, ou vice-
versa; ou ainda, ambos são mudados, mas não similarmente, resultará em falsidade; e
assim haverá uma mudança da verdade para a falsidade, como se Sócrates fosse branco,
e fosse inteligido como branco, o entendimento é verdadeiro; mas se posteriormente
inteligisse que ele é negro, enquanto Sócrates permanecesse branco, ou, inversamente,
que Sócrates se mudasse em negro, mas ainda fosse inteligido como branco; ou, quando
se mudar em pálido, for inteligido como corado, haverá falsidade no intelecto. Assim, é
claro como a verdade é mudada e como a verdade não é mudada.
[51706] De veritate, q. 1 a. 6 ad 1
Ao primeiro, deve-se dizer, que Anselmo fala ali da verdade primeira, visto que,
segundo ela, todas as coisas se dizem verdadeiras por medida extrínseca.
[51707] De veritate, q. 1 a. 6 ad 2
Ao segundo, deve-se dizer que, porque o intelecto reflete sobre si mesmo, e se
intelige como se fosse outra coisa, como é dito no “Sobre a alma, III”; portanto, as
coisas que pertencem ao intelecto, na medida em que se referem à natureza da verdade,
podem ser consideradas de dois modos. Primeiro, na medida em que são certas coisas; e
assim a verdade se diz dele da mesma maneira que se diz das outras coisas; de modo
que, assim como uma coisa é dita verdadeira, porque cumpre o que recebeu na mente
divina enquanto retém sua natureza, assim também um enunciado se diz verdadeiro por
reter sua natureza, que é dispensada a ele na mente divina, nem pode se subtrair a isso,
permanecendo o mesmo enunciado. De outro modo, na medida em que é comparado às
coisas inteligidas, e assim o enunciado se diz verdadeiro quando se adequa à coisa; e tal
verdade pode mudar, como afirmado antes.
[51708] De veritate, q. 1 a. 6 ad 3
Ao terceiro, deve-se dizer que a verdade que permanece quando as coisas
verdadeiras são destruídas, é a primeira verdade, que não muda, mesmo quando as
coisas são mudadas.
[51709] De veritate, q. 1 a. 6 ad 4
Ao quarto, deve-se dizer que enquanto permanece a coisa, nenhuma mudança
pode ser feita sobre ela no que diz respeito ao essencial, assim como é essencial ao
enunciado que signifique aquilo para o qual foi instituído para significar.
Conseqüentemente, não se segue que a verdade de uma coisa seja de nenhum modo
mutável, mas que seja imutável no que diz respeito ao essencial da coisa, enquanto
permanecer a coisa. Entretanto nos casos em que a mudança ocorre, isso se dá por meio
da corrupção da coisa. Contudo, quanto ao acidental, a mudança pode ocorrer mesmo
enquanto a coisa permanece; e assim quanto ao acidental, pode se dar a mudança da
verdade da coisa.
[51710] De veritate, q. 1 a. 6 ad 5
Ao quinto, deve-se dizer que, feita cada mudança, a verdade permanece, mas não
a mesma, como fica claro pelo que já foi dito.
[51711] De veritate, q. 1 a. 6 ad 6
Ao sexto, deve-se dizer que a identidade da verdade depende não apenas da
identidade da coisa, mas também da identidade do intelecto, assim como a identidade do
efeito depende da identidade do agente e do paciente. Mas, embora seja a mesma coisa
que é significada por essas três proposições, seu intelecto não é o mesmo, porque na
composição do intelecto o tempo é adicionado; portanto, existem diferentes intelectos
de acordo com a variação do tempo.

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