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De Veritate, cap. 2.
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Que são deficientes, no latim original.
10
De Veritate, cap. 7.
11
O inglês traduz: objeto direto.
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I de Anima, cap. I (402 b 21).
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VI Metaph., V, 29 (1024 b 21).
interiormente. Mas uma coisa não é causa da falsidade na alma no sentido de que
necessariamente cause a falsidade; pois a verdade e a falsidade existem principalmente
no juízo da alma; e a alma, enquanto julga sobre as coisas, não é influenciada pelas
coisas, mas, em certo sentido, age sobre elas. Portanto, uma coisa não é dita falsa
porque sempre por si mesma causa uma falsa apreensão, mas sim porque sua aparência
natural é suscetível de causar uma falsa apreensão.
Contudo, como foi dito anteriormente, a comparação da coisa ao intelecto divino é
essencial a ela; e a esse respeito diz-se que uma coisa é verdadeira em si mesma. Sua
comparação ao intelecto humano, porém, lhe é acidental; e a esse respeito uma coisa
não é verdadeira, absolutamente falando, mas, por assim dizer, secundum quid (em
algum aspecto) e em potência. Portanto, todas as coisas são verdadeiras simpliciter
loquendo (absolutamente falando), e nenhuma é falsa. Mas secundum quid (em certo
aspecto), isto é, em ordem ao nosso intelecto, algumas coisas são ditas falsas. Portanto,
é necessário responder aos argumentos de ambos os lados.
Respostas às objeções
1. A definição: “o verdadeiro é aquilo que é”, não expressa perfeitamente a razão
da verdade. Ele a expressa, por assim dizer, apenas materialmente, a menos que aqui
“é” signifique a afirmação de uma proposição, e assim significa que uma coisa é dita
verdadeira quando se diz ser ou ser inteligida como é na realidade. Nesse sentido, pode-
se dizer que o falso é aquilo que não é, ou seja, que é (algo), mas não é aquilo se diz ou
se intelige que não seja. E esse tipo de falsidade pode ser encontrado nas coisas.
2. Propriamente falando, o verdadeiro não pode ser uma diferença do ente, pois o
ente não tem nenhuma diferença, como prova a Metafísica 14. Mas, em certo sentido, o
verdadeiro, assim como o bom, está relacionado ao ente ao modo de uma diferença, pois
expressa algo sobre o ente que não é expresso pelo nome ente; e nesse sentido a
intenção15 do ente é indeterminada em relação à intenção do verdadeiro.
Conseqüentemente, a intenção do verdadeiro é comparada à intenção do ente, de certo
modo, como uma diferença é comparada ao gênero.
3. Esse argumento deve ser concedido, pois trata de uma coisa em sua ordem com
o intelecto divino.
4. Todas as coisas têm alguma forma, mas nem todas tem aquela forma cujas
características são manifestadas externamente por qualidades sensíveis; e é em relação a
isso que uma coisa é dita falsa, na medida em que é naturalmente capaz de produzir uma
estimativa falsa sobre si mesma.
5. Como fica claro pelo que foi dito no corpo do artigo, algo existente fora da
alma é dito falso se é naturalmente tal que dá uma falsa impressão de si mesmo. Mas o
nada não é naturalmente capaz de causar qualquer impressão, pois não move uma
virtude cognitiva. Por isso, é necessário, que o que se diz ser falso, seja algum ente; e
como todo ente, enquanto ente, é verdadeiro, é necessário que a falsidade nas coisas que
existem, baseiem-se em alguma verdade. Por isso Agostinho diz 16 que um ator
representando outras pessoas no teatro, não é falso, mas sim um verdadeiro ator.
Semelhantemente, uma pintura de um cavalo não seria um falso cavalo, se não fosse
uma verdadeira imagem. Não se segue, porém, que os contraditórios sejam verdadeiros,
14
III Metaph., l. 8 (998 b 22)
15
O inglês traduz por significado.
16
Soliloquiorum, II, 10.
pois a afirmação e a negação ao expressar o verdadeiro e o falso não se referem à
mesma realidade.
6. Diz-se que uma coisa é falsa na medida em que, por sua natureza, é suscetível
de enganar. Quando digo enganar, porém, quero dizer uma ação que produz algum
defeito; pois nada pode naturalmente agir a não ser na medida em que é ente, e todo
defeito é não-ente. Além disso, tudo tem alguma semelhança com o verdadeiro na
medida em que é um ente; mas na medida em que não-é, afasta-se dessa semelhança.
Conseqüentemente, esse engano, na medida em que implica ação, se origina a partir
dessa semelhança; mas, na medida em que implica defeito, no qual consiste
formalmente a razão da falsidade, se origina a partir da dessemelhança. Por isso,
Agostinho diz17 que a falsidade se origina da dessemelhança.
Respostas às objeções contrárias
1. A alma não é naturalmente enganada por qualquer semelhança, mas sim por
uma grande semelhança, na qual não é fácil encontrar a dessemelhança. Assim, a alma é
enganada por semelhanças maiores ou menores, conforme a perspicácia maior ou menor
em descobrir dessemelhanças. Porém, uma coisa não deve ser enunciada simpliciter
(absolutamente) falsa porque induz ao erro, por mais que possa fazê-lo, mas apenas
porque é naturalmente tal que engana a muitos ou a sábios. Ora, embora as criaturas
portem em si alguma semelhança com Deus, tão grande é a dessemelhança que subjaz
entre os dois, que só por causa de uma grande falta de sabedoria poderia acontecer que
uma mente fosse enganada por tal semelhança. Portanto, da semelhança e
dessemelhança entre as criaturas e Deus, não se segue que todas as criaturas devam ser
ditas falsas.
2. Alguns estimaram que Deus é um corpo; e, como Deus é a unidade pela qual
todas as coisas são uma, conseqüentemente estimaram que o corpo era a própria
unidade, por causa de sua semelhança com a unidade. Portanto, um corpo é dito falsa
unidade, na medida em que induziu ou poderia induzir alguns ao erro de acreditar que é
uma unidade.
3. Existem dois tipos de perfeição: primeira e segunda. A primeira perfeição é a
forma de cada coisa, pela qual ela tem seu (ato de) ser. E nenhuma coisa é destituída
dessa perfeição enquanto permanece [no seu ato de ser]. A segunda perfeição é a
operação, que é o fim de uma coisa ou o meio pelo qual ela atinge seu fim; e, às vezes, a
coisa é destituída dessa perfeição. A razão da verdade nas coisas resulta da primeira
perfeição; pois é pelo fato de uma coisa ter uma forma, que ela imita a arte do intelecto
divino e gera conhecimento de si mesma na alma. Por sua vez, a razão de bondade nas
coisas resulta de sua segunda perfeição, pois essa bondade surge a partir do fim.
Conseqüentemente, o mal é encontrado nas coisas simpliciter (absolutamente), mas não
a falsidade.
4. Segundo o Filósofo18, a própria verdade é o bem do intelecto, pois uma
operação do intelecto é perfeita porque seu conceito é verdadeiro. E como um
enunciado é um signo do intelecto, a verdade é o seu próprio fim. Mas isto não é assim
com outras coisas e, portanto, não há semelhança.
17
Vera Religione, cap. 36.
18
VI Ethic., l. 2 (1139 a 27).