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A existências das formas: o argumento de Platão a partir da possibilidade de

conhecimento
A existência das formas está no centro da filosofia de Platão. Elimine-as e nada restaria de
uma filosofia que pudesse ser razoavelmente chamada de platônica. Para o leigo (para não
mencionar muitos filósofos)elas são de fato criaturas estranhas. Isso exige que qualquer discussão
sobre ele procure não apenas esclarecer como devem ser essas Formas, mas também por que
devemos acreditar que existem. Platão apresenta diversos argumentos a favor da sua existência,
mas o mais importante é o que devemos chamar “argumento a partir da possibilidade de
conhecimento”. Suas premissas podem ser encontradas em vários de seus diálogos. O argumento,
naturalmente, é o produto de suas próprias convicções apaixonadas e da influência de seus
predecessores sobre seu pensamento.
Profundamente influenciado por Sócrates, herdou dele o amor pela sabedoria, o amor pelo
conhecimento genuíno, com seu correspondente desprezo por suas pretensões a ele - incluindo o
relativismo e o subjetivismo de alguns pensadores contemporâneos, os sofistas. Percebeu que
precisava contestar também que precisava contestar a visão de dois outros pensadores importantes,
Heráclito e Parmênides - Heráclito alega que nada é, só o vir a ser, Parmênides alega que a
mudança não existe, só o que não muda (um certo Um). Se - como Platão acreditava juntamente
com Heráclito - tudo neste mundo está mudando de todas as maneiras, nunca permanecendo o que
é, como é possível para nós “captar” qualquer coisa, saber o que uma coisa é? Quando você pensa
que a captou, ela já escorregou das suas mãos.
Conhecer alguma coisa então deve ser conhecer alguma coisa que não muda, alguma coisa
que sempre permanece o que é. Só uma tal coisa pode ser conhecida e só uma tal coisa - aqui
Platão concorda com Parmênides - é realmente real. Como tais coisas não existem neste mundo,
têm que existir numa dimensão não espacial e não temporal - e constituir essa dimensão. São o que
Platão chama de “Formas”. (Observe que a estrutura do argumento de Platão não que as formas
existem porque o conhecimento existe, mas que o conhecimento existe porque as Formas existem. O
conhecimento não é a fonte da existência das Formas, mas o contrário: a existência das Formas
torna possível a existência do conhecimento. O argumento de Platão, portanto, não é epistêmico: é
ontológico.) Elas são perfeitas, eternas, a fonte de existência deste mundo e muitas outras coisas
também, mas Platão dá outras razões para o fato de terem esses atributos.

[Sócrates pergunta a Crátilo] Diga-me se não há uma beleza ou bem


absolutos, ou qualquer outra existência absoluta? Certamente, Sócrates,
penso que há. Então vamos buscar a verdadeira beleza, não perguntando
se um rosto é belo ou qualquer coisa desse tipo, pois todas as coisas
parecem estar em fluxo , mas perguntando se a verdadeira beleza não é
sempre bela. Certamente [...]. Então como pode isso ser uma coisa real,
que nunca está no mesmo estado? [...]. Nem podemos dizer com justeza
[...] que existe algum conhecimento se tudo está num estado de transição e
não há nada permanecendo. Pois o conhecimento também não pode
continuar a ser conhecimento a menos que continue sempre a permanecer
e existir. Mas se a própria natureza do conhecimento muda, no momento
em que o conhecimento ocorre não haverá conhecimento, e se a transição
está sempre em curso, haverá sempre nenhum conhecimento. (Crátilo,
439C-440C)

Na República, Platão apresenta o mesmo argumento de forma mais explícita - ou, se preferir,
uma versão diferente do mesmo argumento de forma mais explícita.

[Dirigindo-se a Glauco, Sócrates pergunta se um homem acredita na


existência de coisas belas, mas não na beleza em si [...], ele não estará
vivendo num sonho? [...] Compare-o ao homem que sustenta que existe tal
coisa, a Beleza em si, e que consegue discernir essa essência e também
as coisas que participam do seu caráter, sem nunca confundir uma com a
outra - será ele um sonhador ou estará vivendo um estado desperto? Ele
está muito desperto. Então podemos dizer que ele sabe, enquanto o outro
tem uma crença apenas em aparências; e podemos chamar seus estados
mentais de conhecimento e crença? Certamente.[...] Quando um homem
sabe, não deve haver alguma coisa que ele sabe? [...] Deve. Alguma coisa
real ou irreal? Alguma coisa real. Como poderia uma coisa irreal ser
conhecida? [...] Então, se o real é o objeto do conhecimento, o objeto da
crença deve ser outro que não o real. Sim. Poderá ser o irreal? Ou é este
um objeto impossível mesmo para a crença? Considere: se um homem tem
uma crença, deve haver alguma coisa diante da sua mente; ele não pode
não acreditar em nada, pode? Não. [...] Então, aquilo em que acredita não
pode ser real e nem mesmo irreal. Verdadeiro. [...] Parece então que o que
resta é aquele objeto que se pode dizer que é e que não não é, e não pode
ser propriamente chamado de real nem de puramente irreal. Se ele puder
ser encontrado, poderemos chamá-lo com justeza de objeto da crença. [...]
(República, 476C, 479A).

Sócrates identifica então esse objeto com o mundo em que vivemos, um mundo a que ele
antes se referiu implicitamente como um mundo de aparências. Embora aqui uma das premissas
operacionais não seja que todas as coisas deste mundo estão em fluxo constante, mas sim que não
são nem totalmente reais, nem totalmente irreais, não é ir longe demais argumentar que elas não são
nem totalmente reais nem totalmente irreais porque estão em fluxo constante. Se é esse o caso,
então o argumento é fundamentalmente o mesmo que o apresentado em Crátilo, se não, é outra
versão dele.

QUESTÕES

1- Reconstrua formalmente o argumento de Platão.

2- Por que é possível afirmar que Platão é influenciado por Parmênides e por Heráclito?

3- Que relação Platão estabelece entre a possibilidade de conhecimento e a existência das Formas?

4- O que é, para Platão, conhecer alguma coisa?

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