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Migalhas Filosóficas

Autor: Sören Kierkegaard


Capítulo III
O paradoxo absoluto
Um capricho metafísico

Apesar de Sócrates ter-se empenhado ao máximo para reunir os conhecimentos sobre


o homem e para conhecer a si mesmo, sim, apesar de ter sido louvado através dos
séculos como o homem que certamente melhor conheceu o homem, ele confessava
entretanto que a razão de sua repugnância em refletir sobre a natureza de seres como
Pégaso ou as górgonas provinha de uma questão que não havia elucidado: a de saber
se ele mesmo (o conhecedor do homem) não seria um monstro mais estranho que
Typhon ou um ser mais amável e simples, que por sua natureza participava de algo
divino (cf. Pedra, § 229 E).

Isto parece um paradoxo. Contudo, não é necessário pensar mal do paradoxo, pois o
paradoxo é a paixão do pensamento, e o pensador sem um paradoxo é como o amante
sem paixão, um tipo medíocre.

Mas a potência mais alta de qualquer paixão é sempre querer a sua própria ruína, e
assim também a mais alta paixão da inteligência consiste em querer o choque, não
obstante o choque, de uma ou de outra maneira, tenha de tornar-se a sua ruína.

Assim, o maior paradoxo do pensamento é querer descobrir algo que ele próprio não
possa pensar. Esta paixão do pensamento está, no fundo, presente nele por todas as
partes, assim também como no pensamento do indivíduo, na medida em que este,
enquanto pensante, não é somente ele mesmo.

Mas por causa do hábito não se percebe isso. Assim também, o caminhar do homem,
conforme dizem os naturalistas, é um contínuo cair; mas um homem decente e bem-
educado, que toda manhã vai ao seu escritório e ao meio-dia volta à sua casa para
almoçar, provavelmente achará que isso é um exagero, pois o seu avançar é, afinal, a
mediação. Como lhe ocorreria a ideia de que vai caindo sem cessar, ele que não faz
outra coisa senão seguir atrás de seu nariz?
Contudo, para podermos começar, façamos uma proposição ousada: suponhamos que
sabemos o que é o homem.

Talvez pareça algo ridículo querermos dar a esta proposição a forma da dúvida ao
"supô-la"; pois tais coisas qualquer um já sabe em nossa época teocêntrica. Quem dera
que fosse assim! Demócrito também o sabia, pois ele define o homem nestes termos:
"O homem é o que todos nós sabemos"; e continua: "pois nós todos sabemos o que é
um cão, um cavalo, uma planta etc., e nada disso é um homem".

Nós não queremos ser tão maliciosos nem temos tanta graça quanto Sexto Empírico,
que a partir daí, como se sabe, deduzia muito corretamente que o homem é um cão:
pois se o homem é o que todos sabemos, e sabemos todos o que é um cão, ergo...
Não, nós não seremos tão maliciosos; mas ainda cabe perguntar: será que o assunto
está tão bem esclarecido em nossa época, que esta, pensando no pobre Sócrates e em
seu embaraço, não precisaria se mostrar um pouco inquieta com respeito a si mesma?

Aqui temos então o critério da verdade que toda a filosofia grega buscou, ou pôs em
dúvida, ou postulou, ou fecundou. E não é notável que tenha sido assim com os
gregos? Não está aí como que uma breve síntese do significado do helenismo, uma
epigrama que ele mesmo escreveu sobre si, e com o que ele também está mais bem
servido do que com as dissertações, às vezes tão prolixas, que foram escritas sobre
ele?

Desse modo, essa proposição bem merece ser adotada, e também por outra razão já
indica nos dois capítulos precedentes, já que, se desejamos explicar Sócrates de outra
maneira do que temos feito, devemos tomar cuidado para não cair nas armadilhas dos
céticos gregos mais antigos ou mais tardios.

Se não nos ativermos à teoria socrática da reminiscência e à ideia de que todo homem,
tomado individualmente, é o homem, então encontraremos Sexto Empírico, disposto a
tornar não só difícil como até impossível a passagem que se encontra no "aprender".

E Protágoras inicia no ponto em que Sexto as havia deixado, diz que tudo é à medida
do homem, no sentido de que ele é a medida dos demais, e de nenhum modo no
sentido socrático de que o indivíduo é sua própria medida, nem mais nem menos.
Assim, sabemos então o que é o homem, e esta sabedoria, cujo valor eu serei o último
a subestimar, pode enriquecer-se constantemente, assumir importância, e também,
consequentemente, tornar-se a verdade; mas aí se detém a inteligência, como
Sócrates se detinha; pois é então que desperta a paixão paradoxal da inteligência, que
quer o choque, e quer, sem compreender direito a si mesma, sua própria ruína.

É assim, aliás, que ocorre no caso do paradoxo do amor. O homem vive


tranquilamente em si mesmo e então desperta o paradoxo do amor que ele tem por si
mesmo sob a forma de amor por outro, por um ser que lhe falta.

O amor a si próprio está no fundamento de todo amor ou vai ao fundo em todo amor,
eis por que, se quisermos imaginar uma religião do amor, esta, tão epigramática
quanto verdadeiramente, só há de pressupor uma única condição e a admitirá como
dada: amar a si mesmo, para em seguida ordenar que se ame ao próximo como a si
mesmo.

Ora, assim como o amante é transformado por este paradoxo do amor, de modo que
quase já não se reconhece a si mesmo (como o testemunham os poetas, que são os
porta-vozes do amor, assim como os amantes mesmos, já que estes só permitem aos
poetas tomar-lhes a palavra, mas não o estado), da mesma maneira aquele paradoxo
pressentido pela inteligência reage sobre o homem e seu conhecimento de si.

De sorte que este homem, que acreditava conhecer-se, já não sabe com certeza se não
é talvez um animal tão estranho como Typhon ou se não possui em seu ser algo de
mais doce e mais divino: "Como eu disse, não é sobre nada disso que me interrogo,
mas sobre mim mesmo: sou eu um monstro mais complexo e mais cheio de orgulho -
do que Typhon - ou quem sabe um ser mais doce e simples, dotado por natureza de
um destino divino e modesto".

Mas o que é este desconhecido contra o qual a inteligência em sua paixão paradoxal se
choca, e que perturba o homem em seu autoconhecimento? É o desconhecido. No
entanto, ele não é, certamente, um ser humano, na medida em que o homem sabe o
que o homem é, nem qualquer outra coisa que o homem conheça.

Chamemos então este desconhecido: o deus. É apenas um nome que lhe damos.
Dificilmente ocorreria à inteligência querer provar que esse desconhecido (o deus)
existe de fato.
Se, com efeito, o deus não existe, é claro que seria impossível prová-lo, e se ele de fato
existe, é claro que seria uma tolice querer provar isso; pois eu já o pressupus,
justamente no instante em que a prova começa, não como algo duvidoso (o que um
pressuposto aliás nunca pode ser, já que é um pressuposto), mas como algo já
resolvido, pois de outro modo eu não iria começar, entendendo facilmente que o todo
seria uma impossibilidade se ele não existisse.

Mas se, ao contrário, com a expressão provar a existência do deus, tenho em mente
querer provar que o desconhecido, que existe, é o deus, então me expresso de
maneira menos feliz. Pois neste caso não provo nada, e menos ainda uma existência,
mas apenas desenvolvo uma definição conceitual.

Em geral, provar que qualquer coisa existe é sempre uma questão difícil; sim, o que é
ainda pior para os corajosos que a tanto se atrevem, a dificuldade é tal que a
celebridade raramente aguarda aqueles que a isso se dedicam. A demonstração toda
se transforma sempre em algo completamente diferente, em um desenvolvimento
exterior da conclusão que tiro ao ter admitido que o objeto em questão existe.

Assim, minha conclusão nunca termina na existência, mas sim eu tiro conclusões a
partir da existência, quer eu me movimente na esfera dos fatos sensíveis e palpáveis,
quer no domínio do pensamento.

Assim, eu não provo que uma pedra existe, mas sim que algo, que de fato existe, é
uma pedra; o tribunal não prova que um criminoso existe, mas prova que o acusado,
que evidentemente existe, é um criminoso.

Quer chamemos existência de accessorium ou de prius eterno, ela jamais poderá ser
provada. Tomemos o tempo que for preciso; nós não temos assim nenhum motivo
para nos apressarmos como aqueles que, preocupados consigo mesmos, ou com o
deus, ou com alguma outra coisa, têm de apressar-se para ter provado que tal coisa
existe.

Nesse caso pode, de fato, haver razão para a pressa, especialmente quando o
envolvido se dá conta sinceramente do risco de que ele mesmo ou aquilo que está em
questão não exista antes que ele o tenha provado, e não cultive secretamente a ideia
de que aquilo no fundo existe, sim, quer ele o prove quer não.
Caso alguém quisesse, a partir dos feitos de Napoleão, provar a existência de
Napoleão, não seria este um procedimento sumamente estranho? Porque, se é
verdade que a sua existência explica bem os seus feitos, os seus feitos não podem
provar a sua existência, a menos que eu antes já tenha compreendido a palavra: "sua",
de tal maneira que com ela já pressupus que ele existe.

Contudo, Napoleão é apenas aquele indivíduo, e consequentemente não há nenhuma


relação absoluta entre ele e seus feitos; de modo que outra pessoa bem poderia ter
realizado os mesmos feitos.

Talvez seja essa a razão pela qual eu não possa deduzir a existência a partir dos feitos.
Se chamo a esses feitos "os feitos de Napoleão", a prova se torna supérflua, pois de
antemão já o terei nomeado; se o ignoro, jamais conseguirei provar, a partir dos feitos,
que eles são de Napoleão, mas apenas provar (de modo puramente ideal) que tais
feitos são os de um grande general etc.

Contudo, entre o deus e suas obras há uma relação absoluta; Deus não é um nome,
mas um conceito, talvez isso se deva a que sua essentia involvit existentiam.

Assim Espinosa, que, aprofundando-se no conceito de Deus, procura derivar daí o ser
por meio do pensamento, porém, bem entendido, não como uma característica
contingente, mas como determinação essencial. Isto é o que há de profundo em
Espinosa, mas examinemos como é que ele procede.

Em Principia Philosophiae Cartesianae, Pars I, Propositio VII, Lemma I, diz ele: "quo res
sua natura perfectior est, eo majorem existentia et magis necessariam involvit; et
contra, quo magis necessariam existentiam res sua natura involvit, eo perfectior".

Então, quanto mais perfeito algo é, mais ser ele tem; quanto mais ser ele tem, mais
perfeito é. Isto, entretanto, é uma tautologia, o que fica ainda mais claro numa nota,
"nota II": “quod hic non loquimur de pulchritudine et allis perfectionibus, quas homines
ex superstitione et ignorantia perfectiones vocare voluerunt. Sed per periectiotietn
intelligo tantum realitatem sive esse”.

Ele explica pertectio por realitas, esse; de modo que quanto mais perfeito algo é, mais
ele é; porém, sua perfeição consiste em ter mais esse, isto quer dizer então que,
quanto mais algo é, tanto mais é. Isto quanto à tautologia, mas agora, vamos adiante.
O que está faltando aqui é uma distinção entre ser de fato e ser ideal. O uso, em si e
por si nada claro, de se falar em mais ou menos ser, e consequentemente em graus de
realidade ou do ser, torna-se ainda mais confuso quando aquela distinção acima não é
feita - dito em bom dinamarquês: quando Espinosa fala profundamente porém não
pergunta primeiro pela dificuldade.

Em relação ao ser fatual, não tem nenhum sentido falar de mais ou menos ser. Uma
mosca, se ela é, tem tanto ser quanto o deus; a observação boba que eu aqui escrevo
tem, no que toca ao ser de fato, tanto ser quanto a profundeza de Espinosa, pois,
quanto ao ser de fato, vale a dialética de Hamlet: ser ou não ser.

O ser de fato é totalmente indiferente à diversidade de toda e qualquer definição


essencial, e tudo que existe participa do ser sem ciúme mesquinho, e participa no
mesmo grau. Idealmente, o caso é bem diferente, isto é totalmente certo. Mas no
momento em que eu falo de ser no sentido ideal, não mais falo do ser, mas da
essência.

A idealidade suprema tem o necessário, por isso é. Mas este ser é sua essência, razão
pela qual ele não pode justamente entrar dialeticamente nas determinações do ser de
fato, porque ele é; nem se pode atribuir-lhe mais ou menos ser em relação a outras
coisas. Isto se exprimiu outrora, embora de modo algo imperfeito, dizendo-se que se
Deus é possível, ele é eo ipso necessário (Leibniz).

O princípio de Espinosa está, portanto, totalmente correto, e a tautologia está em


ordem; mas também é certo que ele se esquivou completamente da dificuldade; pois a
dificuldade consiste em chegar a apreender o ser de fato, e introduzir dialeticamente a
idealidade de Deus na esfera do ser de fato).

As obras de Deus, então, só o deus pode realizá-las. Corretíssimo, mas quais são,
afinal, as obras do deus? As obras a partir das quais eu quero provar sua existência não
existem, de jeito nenhum, de modo imediato.

Ou acaso se encontram visivelmente diante de nosso nariz a sabedoria na natureza, a


bondade, ou a sabedoria no governo do mundo? Não nos deparamos aqui com a mais
terrível das dúvidas religiosas, e não é impossível liquidar todas essas dúvidas
religiosas?
Mas, a partir de tal estado de coisas, não tentarei provar a existência de Deus, e
mesmo se eu começasse jamais chegaria ao fim, e, além disso, teria que viver
constantemente in suspenso, temendo que de repente alguma coisa tão terrível
acontecesse que viesse a demolir minha pequena prova.

De quais obras, então, proponho-me derivar a prova? Das obras contempladas


idealmente, isto é, tal como elas não se revelam imediatamente. Mas neste caso não é
a partir das obras que construo a prova; eu simplesmente desenvolvo a idealidade que
já havia pressuposto; e por causa de minha confiança nisso, ouso desafiar todas as
objeções, até mesmo aquelas que ainda não foram feitas.

No começo de minha prova eu já pressuponho a idealidade, e pressuponho que terei


sucesso em levá-la até o fim; mas o que é isso senão pressupor que o deus existe e que
é confiando nele que começo?

E como é então que a existência do deus emerge da prova? Será que isto se dá assim
tão simplesmente? Por acaso vale aqui o mesmo que com aqueles "bonecos
cartesianos"? Logo que eu largo o "joão-teimoso", ele volta à sua posição sobre a bola
de chumbo.

Contanto que eu o largue: é preciso portanto largá-lo! Assim também ocorre com a
prova; enquanto eu me agarro à demonstração (quer dizer, enquanto eu me obstino
em provar) a existência não aparece, se não por outro motivo, então talvez porque
tento prová-la, mas desde que a largo, a existência aparece.

Porém, o ato de largá-la representa, afinal de contas, algo. Sim, é "meine Zuthat"
(minha contribuição); é, portanto, forçoso não esquecer este pequeno instante, por
mais curto que ele seja: e aliás ele não tem necessidade de ser longo, dado que é um
salto. Por menor que seja este momento, mesmo que reduzido ao "agora mesmo",
este "agora mesmo" deve ser levado em conta.

Caso alguém já tenha se esquecido disso, então eu quero, nem que seja para mostrar
que o momento existe de fato, aproveitar um momento para contar uma pequena
anedota.
Crisipo fazia experimentos para, interceptando o movimento de vaivém de um sorites,
detectar o surgimento da qualidade. Mas não entrava na cabeça de Carnéades quando
é que surgia realmente a qualidade. Então Crisipo lhe disse que se poderia interromper
a contagem por um instante, que então, que então - então daria para compreender
isso melhor.

Mas Carnéades respondeu: "Por favor, por mim, tu não precisas te constranger, tu
podes não apenas interromper, mas até te deitar e dormir, que isto tampouco ajudará;
quando tu despertares, nós começaremos de novo por onde tiveres parado". E assim
são as coisas; não adianta querer dormir para se afastar de algo e nem querer dormir
para se aproximar de algo.

Aquele então que quer provar a existência de Deus (num outro sentido que não o de
aclarar-se o conceito de Deus, e sem a reservatio finalis que já indicamos, de que a
existência, mesmo a partir da prova, aparece graças a um salto) demonstra, na falta
disso, uma proposição completamente diferente, algo que talvez nem precisasse de
uma demonstração, e em todo caso nunca mais do que isso.

Pois o insensato diz em seu coração que não há nenhum Deus, mas aquele que disser
em seu coração, ou diante dos homens: "esperem um pouquinho, que eu vou provar
que ele existe", oh, mas que sábio excepcional ele não será!(Que magnífico tema para
o cômico delirante!) Ora, se ele não estiver, no instante em que começa a sua
demonstração, numa perfeita indecisão entre a existência e a não existência do deus, é
claro que não a demonstrará; e se ele colocar esta indecisão logo de entrada, nem
sequer chegará a começar, em parte por receio de não ter sucesso, já que talvez o
deus não exista, e em parte por não ter por onde começar.

Na Antiguidade, problemas deste tipo nem se colocariam. Sócrates, pelo menos, que
aliás, como dizem, teria exposto a prova físico-teleológica da existência de Deus, não
procedeu desta maneira.

Ele constantemente pressupõe que o deus existe e com esta pressuposição busca
entretecer a natureza com ideia de finalidade. Caso se lhe tivesse perguntado por que
se comportava desta maneira, teria sem dúvida explicado que não tinha coragem
suficiente para se lançar numa exploração tão temerária sem pelo menos ter
assegurado a retaguarda sobre o fato da existência do deus.
Apoiado sobre a palavra do deus, ele deita, por assim dizer, uma rede para apreender
a ideia da finalidade: pois não faltam à própria natureza figuras aterradoras e
subterfúgios para confundir.

A paixão paradoxal da inteligência choca-se, portanto, constantemente contra este


desconhecido, que decerto existe, mas que também é desconhecido, e, nesta medida,
inexistente.

A inteligência não pode ir mais longe: mas o seu sentido do paradoxo leva-a a
aproximar-se do obstáculo e a ocupar-se dele; porque, pretender exprimir a sua
relação com ele negando a existência daquele desconhecido, não dá certo, visto que o
enunciado desta negação envolve precisamente uma relação.

Mas o que é então este desconhecido (pois dizer que ele é o deus significa
simplesmente que ele é para nós o desconhecido)? Enunciando-se sobre ele que ele é
o desconhecido, dado que não se pode conhecê-lo, e que, se mesmo assim se pudesse
conhecê-lo, não se poderia enunciá-lo, a paixão não se dará por satisfeita, embora ela
tenha captado corretamente o desconhecido como limite: mas o limite é justamente o
tormento da paixão, ainda que ao mesmo tempo seu incitamento.

E, no entanto, ela não consegue ir mais adiante, quer ela arrisque uma saída via
negationis, quer via eminentiae.

O que é então o desconhecido? É o limite, ao qual se chega constantemente, e


enquanto tal, quando substituímos categoria do movimento pela categoria do
repouso, é o que difere, o absolutamente diferente. Mas o diferente absoluto é aquele
para o qual não se tem signo distintivo.

Definido como o Absolutamente-Diferente, ele parece estar a ponto de se revelar; mas


não é assim; pois a diferença absoluta, a inteligência não pode nem pensar; pois esta
não pode negar-se de uma maneira absoluta, porém ela usa a si mesma para tanto, e
portanto pensa em si mesma a diferença que ela pensa por si mesma; e
absolutamente não pode passar por cima de si mesma, e portanto só pensa aquela
elevação para além de si mesma que ela pensa por si mesma. Na medida então que o
desconhecido (o deus) não é apenas limite, a ideia única do diferente vem a
emaranhar-se nas múltiplas ideias do diferente.
O desconhecido encontra-se assim numa Diáspora, e a inteligência tem uma cômoda
escolha entre aquilo que lhe está à mão e aquilo que sua imaginação pode inventar (o
monstruoso, o ridículo etc. etc.).

Mas esta diferença não se deixa captar. Cada vez que isto acontece, trata-se, no fundo,
de uma arbitrariedade, e nas profundezas do temor a Deus espreita loucamente a
caprichosa arbitrariedade, que sabe que foi ela mesma quem produziu o deus. Assim,
se a diferença não se deixa apreender, por falta de sinal distintivo, ocorre com a
diferença e a igualdade como com todos estes contrários dialéticos: são idênticos.

A diferença, que se agarra à inteligência, perturba-a de tal maneira que esta não se
reconhece mais e, bem consequentemente, confunde-se com a diferença. Com
respeito a invenções fantásticas, o paganismo foi bastante fecundo; mas no que
concerne à última suposição que adotamos, àquela autoironia da inteligência, vou
apenas salientá-la em alguns traços, sem levar em consideração se ela ocorreu
historicamente ou não.

Existe então um homem individual, ele tem a mesma aparência que os demais, cresce
como todos os demais, casa-se, tem um ganha-pão, preocupa-se com os recursos para
o amanhã, como compete a cada homem (já que pode ser muito bonito viver como as
aves do céu, mas isto não é lícito, e pode acabar da maneira mais triste, ou porque ele
morrerá de fome, caso persista, ou porque teria de viver às custas dos outros).

Este homem é ao mesmo tempo o deus. De onde o sei? É claro, eu não posso sabê-lo;
porque neste caso eu precisaria conhecer o deus e a diferença; e eu não conheço a
diferença, dado que a inteligência tornou-a idêntica àquilo de que se diferencia.

Desse modo, Deus se tornou o mais perigoso dos impostores, pelo fato de que a
inteligência se enganou a si mesma. A inteligência recebeu o deus tão próximo quanto
possível e, contudo, igualmente distante.

Mas agora alguém dirá: "És um caçador de quimeras, disso estou convencido, mas
decerto não acreditas, de modo algum, que me passe pela cabeça preocupar-me com
tal quimera, tão estranha ou tão ridícula que jamais terá ocorrido a alguém, e
sobretudo tão absurda que seria necessário esvaziar minha consciência de todo o seu
conteúdo para achá-la".
Com toda segurança é isto o que tu tens de fazer; mas será justificável querer
conservar todos os pressupostos que tens na consciência e ainda querer achar que
pensas sobre a tua consciência sem pressupostos?

Mas tu não negas decerto a consequência do que acabo de expor: que a inteligência,
ao definir o desconhecido como o diferente, acaba extraviando-se e confunde a
diferença com a semelhança? Mas disso parece resultar outra coisa: que o homem,
para verdadeiramente chegar a saber algo do desconhecido (do deus), deve primeiro
vir a saber que este é diferente dele, absolutamente diferente dele.

Por si mesma, a inteligência não pode chegar a sabê-lo (dado que isso seria, como já
vimos, uma autocontradição). Mas se deve vir a sabê-lo, será necessário que receba
este saber do deus, e se o recebe não pode, por sua vez, compreendê-lo e, portanto,
não pode chegar a sabê-lo, pois como compreender o Absolutamente-Diferente?

Se isso não ficar claro de imediato, resultá-lo-á à luz das consequências, porque se o
deus é absolutamente diferente do homem, o homem é absolutamente diferente do
deus, mas como a inteligência poderia compreender tal coisa? Estamos aqui
aparentemente diante de um paradoxo.

Apenas para saber que o deus é o diferente, já o homem necessita do deus, e vem
então a saber que o deus é absolutamente diferente dele. Mas se o deus deve ser
absolutamente diferente dele, isto não pode ter seu fundamento naquilo que o
homem deve a deus (pois sob este aspecto ele até lhe está aparentado), mas sim no
que deve a si mesmo ou naquilo de que se tenha feito culpado.

Em que consiste, pois, a diferença? Sim, em quê senão no pecado, já que da diferença,
da absoluta, é o homem mesmo o culpado? E o que exprimíamos antes ao dizer que o
homem é a não-verdade, e o é por sua própria culpa, e nós concordávamos, brincando,
mas com seriedade, que seria demasiado exigir do homem que descobrisse isso por si
mesmo. Agora acabamos de chegar ao mesmo resultado.

O conhecedor dos homens ficou quase desamparado em relação a si mesmo, ao


chocar-se contra a diferença; logo ele já não sabia se era um monstro mais estranho
que Typhon ou se tinha algo de divino em si. O que é que lhe faltava então? A
consciência do pecado, que nem ele podia ensinar a outros e nem os outros a ele, e
que só o deus poderia ensinar-lhe - se quisesse ser mestre.
Mas é claro que queria fazê-lo, como o pintamos no poema, e queria para tanto
tornar-se igual ao indivíduo a fim de que este pudesse compreendê-lo de todo. Deste
modo, o paradoxo torna-se ainda mais terrível, ou o mesmo paradoxo tem essa dupla
natureza pela qual se mostra como o absoluto: negativa, ao colocar em descoberto a
diferença absoluta do pecado; positiva, ao querer abolir esta diferença absoluta na
igualdade absoluta.

Agora, tal paradoxo deixa-se pensar? Não queremos nos apressar, e quando o debate
gira em torno da solução para uma questão, aí não se disputa como nas pistas de
corrida, e não é a velocidade, mas sim a correção, o que alcança a vitória.

A inteligência decerto não o pensa; não pode sequer ocorrer-lhe tal ideia, e quando o
paradoxo é anunciado, ela não pode compreendê-lo, e apenas sente que ele será a sua
perdição. A este respeito, a inteligência tem bastante que objetar-lhe, e, contudo, por
outro lado, a inteligência quer mesmo, em sua paixão paradoxal, a sua própria
perdição. Mas esta perdição da inteligência é também o que quer o paradoxo, e dessa
maneira estão de acordo; mas este acordo só está presente no instante da paixão.

Consideremos a relação do amor, ainda que esta seja uma imagem imperfeita. O amor
a si mesmo está no fundamento do amor, mas sua paixão paradoxal quer, no seu
ápice, precisamente sua própria perdição. É também isto o que quer o amor, e assim
estas duas potências se entendem na paixão do instante e esta paixão é justamente o
amor.

Por que um amante haveria de ser incapaz de pensá-lo, mesmo que aquele que no
amor a si mesmo se debate contra o amor não consiga e nem sequer se atreva a
concebê-lo, porque isso é a sua perdição? É assim que ocorre com a paixão do amor.

Sem dúvida, o amor a si próprio foi ao fundo; mas, não obstante, ele não foi
aniquilado, e sim convertido em prisioneiro, e constitui os spolia opima (espólios
abundantes) do amor, porém pode outra vez voltar à vida, e isso se torna a provação
do amor. O mesmo sucede com a relação entre o paradoxo e a inteligência, só que
esta paixão tem outro nome, ou melhor, só que ainda temos de tratar de encontrar-
lhe um nome.
Apêndice
O escândalo provocado pelo paradoxo

Uma ilusão acústica

Se o paradoxo e a inteligência toparem um com o outro na compreensão mútua de sua


diferença, este encontro será feliz, como na mútua compreensão do amor, feliz nesta
paixão a que ainda não demos um nome e só mais tarde vamos dar.

Se o encontro não se dá na compreensão, então a relação é infeliz e este, se me


permitem chamá-lo assim, amor infeliz da inteligência (o qual, notemos bem, é como o
amor infeliz que tem seu fundamento no amor de si mesmo mal compreendido; a
analogia não alcança mais longe, porque o poder do acaso aqui nada consegue),
poderíamos caracterizá-lo mais precisamente como: o escândalo.

Ora, todo escândalo, em seu fundamento mais profundo, é padecente.

A língua dinamarquesa chama corretamente Affekten (o afeto) de SindsUdelse (afeição


mental [Lidelse = paixão, padecimento]), enquanto que nós quando empregamos a
palavra Affekt somos propensos a pensar mais imediatamente na audácia convulsiva
que impressiona, e com isso esquecemos que se trata de um padecimento. Assim, por
exemplo, orgulho, obstinação etc.

É o mesmo que se dá com este amor infeliz de que agora falamos; ainda quando o
amor a si mesmo (e não parece já uma contradição que o amor de si mesmo seja um
padecer?) se anuncia na façanha mais temerária, num ato surpreendente, ele é
padecente, ele está ferido, e é a dor dessa ferida que lhe dá essa ilusória expressão de
força, que se assemelha ao agir e facilmente pode enganar, especialmente porque o
que o amor de si próprio mais esconde é isso.

Ainda quando arrase o objeto do amor; ainda quando se discipline, atormentando-se,


para uma endurecida indiferença, e se martirize para mostrar a indiferença; ainda que,
ainda que chegue a entregar-se com triunfante leviandade à alegria de ter sido bem-
sucedido em sua simulação (esta forma é a mais enganadora de todas), ainda aí ele
está padecendo.
E o mesmo se dá com o escândalo; ele pode expressar-se do jeito que quiser, continua
padecente, mesmo quando festeja com maligna satisfação o triunfo da insensibilidade
espiritual. Quer o escandalizado fique aí sentado esmagado, e quase como um
mendigo crave os olhos no paradoxo, petrificado em seu sofrimento, quer ele se arme
com o escárnio e alveje com os dardos da pilhéria, lançando-os como que à distância -
ele está padecendo, e não à distância.

Quer o escândalo chegue e arranque do escandalizado sua última migalha de consolo e


alegria, quer o fortaleça, o escândalo é, mesmo assim, um padecimento; ele lutou
contra o mais forte, e o estado de suas forças corresponde, no aspecto corporal, ao de
um lutador que teve a espinha dorsal quebrada, o que, diga-se de passagem,
proporciona uma elasticidade toda especial.

Entretanto, podemos, se quisermos, distinguir entre o escândalo padecente e o


escândalo agente, porém sem esquecer que o escândalo padecente sempre é agente o
bastante para não se deixar anular de todo (pois escândalo é sempre uma ação e não
um acontecimento), e que o escândalo agente é sempre tão fraco que não consegue
livrar-se da cruz em que está cravado, nem arrancar-se a flecha que o feriu.

O uso do idioma demonstra também que todo escândalo é padecente. A gente diz
"estar escandalizado", o que quase só exprime o estado, mas emprega-se em sentido
idêntico at tage Forargelse [literalmente: "tomar escândalo"] (identidade do agente e
do padecente). Em grego se diz skandalídsesthai. Esta palavra vem de skándalon (um
choque) e significa, portanto, tomar choque. Aqui se mostra claramente o rumo; não é
o escândalo o que choca, mas sim o escândalo é o que recebe o choque, portanto
passivo, ainda que tão ativo que é ele mesmo que o toma. Por isso, não foi a
inteligência mesma que inventou o escândalo; pois o choque paradoxal que a
inteligência isolada desenvolve não descobre nem o paradoxo nem o escândalo).

Mas precisamente porque o escândalo é assim padecente, a descoberta não pertence,


se quisermos nos expressar assim, à inteligência, porém ao paradoxo; pois como a
verdade é index sui et falsi (critério dela mesma e do falso), o paradoxo também o é, e
o escândalo não se compreende a si mesmo (Nesse sentido justifica-se o princípio
socrático de que todo pecado é ignorância; o pecado não se compreende na verdade;
mas disso não se segue que ele não possa por certo querer-se na não-verdade), mas é
compreendido pelo paradoxo.
Portanto, enquanto o escândalo, como quer que ele se exprima, parece soar de outro
lugar, sim, do lado oposto, é o paradoxo o que ressoa através dele, e isso constitui
certamente uma ilusão acústica.

Mas se o paradoxo é index e judex sui et falsi (critério e juiz de si mesmo e do falso),
então o escândalo pode ser tomado como uma prova indireta da correção do
paradoxo; pois o escândalo é o cálculo errôneo, é aquela consequência da inverdade,
com que o paradoxo empurra para longe de si.

As palavras do escandalizado não provêm dele próprio, mas vêm do paradoxo, assim
como aquele que faz caricaturas de alguém não inventa nada, mas meramente copia o
outro às avessas.

Quanto mais profunda é a expressão do paradoxo na paixão (agindo ou padecendo),


tanto mais se mostra o quanto o escândalo deve ao paradoxo. O escândalo não foi,
portanto, inventado pela inteligência, longe disso; pois senão a inteligência também
precisaria ter podido inventar o paradoxo; não, com o paradoxo o escândalo entra na
existência, ele vem a ser; aqui temos de novo o instante, ao redor do qual tudo gira.

Recapitulemos. Se não admitirmos o instante, recairemos no socrático: mas foi


precisamente dele que partimos, de modo a descobrir algo. Uma vez estabelecido o
instante, existe o paradoxo; pois na sua forma mais abreviada pode-se denominar o
paradoxo o instante: com o instante o discípulo está na não-verdade; o homem, que
conhecia a si mesmo, agora torna-se indeciso a respeito de si mesmo, e recebe, em vez
do conhecimento de si, a consciência do pecado, e assim por diante; pois tão logo
pomos o instante, tudo segue-se daí.

Do ponto de vista psicológico, o escândalo irá matizar-se numa extrema diversidade


entre as determinações do mais ativo e do mais passivo. Introduzirmo-nos nessa
descrição não constitui o interesse de nossa investigação; porém é importante, isto
sim, manter em vista que todo escândalo constitui essencialmente uma má
compreensão do instante, porque, como sabemos, ele é o escândalo frente ao
paradoxo, e o paradoxo por sua vez é o instante.
A dialética do instante não é difícil. Na perspectiva socrática, não se pode vê-lo nem
discerni-lo; ele não existe, não foi e não virá; é por isso, aliás, que o discípulo mesmo é
a verdade e o instante da ocasião não passa de uma brincadeira, assim como uma
sobrecapa que não faz parte essencialmente do livro; e o instante da decisão é uma
loucura; pois, se a decisão tem de ser posta, então (conforme acima) o discípulo passa
a ser a inverdade, porém é precisamente isto o que torna necessário um começo no
instante.

A expressão do escândalo é que o instante é a loucura, que o paradoxo é a loucura; e o


que é a pretensão do paradoxo: que a inteligência é o absurdo, ressoa então, devido a
um eco, como vindo da parte do escândalo.

Na outra alternativa, o instante precisa sempre entrar em cena, a gente se reporta a


ele, e o instante deve ser "aquilo que importa"; porém, depois que o paradoxo
converteu a inteligência em absurdo, o que a inteligência considera importante já não
é critério algum.

O escândalo fica, pois, fora do paradoxo e o motivo é: quia absurdum. Contudo, não foi
a inteligência quem descobriu isso, já que, pelo contrário, foi o paradoxo quem o
descobriu, e que agora recebe o testemunho do escândalo. A inteligência afirma que o
paradoxo é o absurdo, porém isto é apenas uma caricatura, pois afinal o paradoxo é o
paradoxo quia absurdum.

O escândalo mantém-se exterior ao paradoxo e se agarra à verossimilhança, enquanto


que o paradoxo é o que há de mais inverossímil. Mais uma vez, não é a inteligência
que o descobre, já que ela fica só falando na linguagem do paradoxo, por estranho que
pareça; pois o paradoxo mesmo diz: "as comédias, os romances, as mentiras precisam
ser verossímeis", mas eu, como poderia sê-lo?

O escândalo permanece exterior ao paradoxo: que há de prodigioso nisso se o


paradoxo é o prodígio? Eis o que a inteligência não descobriu, pelo contrário, é o
paradoxo que lhe indica seu lugar na cátedra da admiração, e lhe replica: Ora, de que
te admiras? É precisamente como tu dizes e o admirável é que tu crês que isso seja
uma objeção; porém a verdade na boca de um hipócrita me é mais cara do que ouvi-la
de um anjo ou um apóstolo.
Quando a inteligência se ufana do próprio esplendor, comparando-se com o paradoxo,
tão reles e desprezível, não foi ela quem inventou isso, senão que o paradoxo mesmo
é o inventor, que cede à inteligência todo o esplendor, inclusive os pecados
esplêndidos (vitia splendida).

Quando a inteligência quer compadecer-se do paradoxo e ajudá-lo a encontrar a


explicação, decerto o paradoxo não se sente bem aí, mas considera natural que a
inteligência o faça; pois acaso não é para isso que existem nossos filósofos, para tornar
triviais e cotidianas as coisas sobrenaturais?

Quando a inteligência não consegue meter o paradoxo na cabeça, não é ela quem o
inventou, mas o paradoxo mesmo, que seria bastante paradoxal para não ter
escrúpulos de dizer que a inteligência é tão estúpida, que diante de uma mesma coisa
no máximo diz "sim" e "não", o que não é nenhuma boa teologia. As mesmas coisas
ocorrem com o escândalo. Tudo o que ele diz do paradoxo, foi dele que o aprendeu,
ainda quando, aproveitando-se de uma ilusão acústica, pretenda havê-lo inventado ele
mesmo.

Porém, quem sabe, alguém dirá: "Estás ficando realmente maçante; pois agora temos
outra vez a mesma história: todas essas expressões que colocas na boca do paradoxo
simplesmente não te pertencem". "E como elas poderiam pertencer-me, se são do
paradoxo?"

"Deixa de sofismar. Bem entendes o que quero dizer, estas expressões não te
pertencem, mas são bem conhecidas e todo o mundo sabe de quem são". "Oh, meu
caro, isso que dizes não me aflige em nada, como talvez penses, senão que pelo
contrário alegra-me extraordinariamente; pois eu confesso que me arrepiava quando
as escrevia, já não me reconhecia mais a mim mesmo, ao imaginar que eu, que de
resto sou tímido e medroso, pudesse dizer algo assim.

Porém, se estas expressões não são minhas, queres dizer-me de quem são?" "Nada
mais fácil. A primeira é de Tertuliano, a segunda de Hamann, a terceira de Hamann, a
quarta de Lactâncio e repetida frequentemente, a quinta de Shakespeare numa
comédia chamada Bem está o que bem termina, Ato II, Cena III; a sexta de Lutero, a
sétima é uma réplica do Rei Lear.
Bem vês que estou a par das coisas e que posso agarrar-te em flagrante". - "Oh, sim,
estou vendo; porém queres me dizer se toda essa gente não falou de uma relação
entre o paradoxo e o escândalo, e não queres anotar que eles afinal não eram os
escandalizados, mas justamente aqueles que se mantinham no paradoxo, e contudo
falavam como se o fossem, e o escândalo não poderia encontrar uma expressão mais
significativa?

Não é estranho que o paradoxo, deste modo, tire o pão da boca - por assim dizer - do
escândalo, e o transforme numa arte assim sem pão, e que não recebe nenhuma
recompensa por seus esforços, mas que é tão excêntrica como se, por exemplo, em
uma discussão de tese, não refutasse o autor, mas por distração o defendesse? Não te
parece que as coisas são assim?

Mas o escândalo tem pelo menos um mérito: o de fazer ver mais nitidamente a
diferença; pois de fato, naquela feliz paixão, à qual ainda não demos nome, a diferença
está num bom entendimento com a inteligência. A diferença é necessária para que se
unam num terceiro termo; porém a diferença está precisamente em que a inteligência
renuncia a si mesma e que o paradoxo se abandona (halb zog sie hin, halb sank er hin -
Em parte o atraía, em parte o deixava cair), e a compreensão está nesta feliz paixão
que por certo receberá um nome, ainda que este ponto seja o menos importante. Que
importa que minha felicidade tenha ou não um nome, se eu sou feliz? Mais eu não
exijo".

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