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CHAMPIONS

A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)

VOLUME I
De antes da origem a 1961
CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)

VOLUME I
De antes da origem a 1961

TÍTULO DO EBOOK TEXTOS EDITORA E PROPRIETÁRIA


António Simões Sociedade Vicra Desportiva, S. A.
Champions — a história como nunca se contou
(mesmo quando não se chamava assim)
DESIGNER DATA
DIRETOR
Ricardo da Silva 2020
Vítor Serpa
ARQUIVO E REVISÃO ISBN
EDITOR Carlos Marques 978-989-8290-17-5
António Simões

PROPRIEDADE INTELECTUAL
Sociedade Vicra Desportiva, S. A.
Enquanto obra protegida, nos termos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, é interdita a
reprodução, no todo ou em parte, e independentemente dos meios existentes ou que no futuro possam vir
a existir, dos conteúdos vertidos neste EBOOK.
VOLUME I
De antes da origem a 1961
Capítulo I
As origens

CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)
Taça Mitropa
Do ideário de Hugo Meisl nasceu competição que acolheu,
inicialmente, clubes do espaço central europeu

1927
A Taça que nasceu
(sem ser dos Campeões)
por causa da arrogância dos ingleses

É de 1897 o registo da primeira competição internacional de clubes, no futebol — ideia


do austríaco John Gramlick, fundador do Viena Cricket FC: a Taça Challenge. Destinava-se
a clubes do Império Austro-húngaro mas apenas equipas de três cidades a quiseram dis-
putar: Praga, Viena e Budapeste. Durou até 1911 — e a última vitória coube ao Viena Sport
Club (é na sua sede que o troféu está).

*RTGNQNTS¥WNTHTSIJGJQLF;FSIJW8YWFJYJS5TSYMT_IJXFȁTZFYTWSJNT HTR
taça em seu nome) clubes da Bélgica e da Holanda — e a segunda edição embrulhou-se
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abandonaram o campo, descabelados com o árbitro: «por permitir jogo sujo aos seus com-
patriotas». A polémica em fogacho acabou por levar à criação de «instituição que regu-
lasse e uniformizasse o futebol internacional» — e foi assim que começou a nascer a FIFA.

A 17 de Julho de 1927 lançou-se em Viena a Taça Mitropa. Idealizada por Hugo Meisl, abriu-
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tantes da Áustria, da Hungria, da Checoslováquia e da Jugoslávia, não tardaram juntar-se ro-
menos e italianos. (Filho de banqueiros da Boémia, aos 10 anos Hugo Meisl foi viver para Viena.
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foi jogador e árbitro — e numa viagem a Inglaterra tornou-se amigo de Jimmy Hogan. Adaptou
as suas ideias de jogo — e as de Herbert Chapmann — à Áustria, não tardou tornar-se no que se
tornou como treinador: mais do que um mestre da tática, um revolucionário da tática, lançando,
como seu princípio, frase que se tornou famosa: «A melhor defesa é o ataque». Com ele a se-
lecionador, a Áustria virou Wunderteam: Equipa Maravilha — e, não fora ter morrido de ataque
cardíaco pouco antes de Hitler subjugar Viena, o mais provável era que Meisl tivesse acabado
gaseado num campo de concentração…)

Com a Taça Mitropa, cujo primeiro vencedor foi o Sparta de Praga, a ganhar cada vez
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que os campeões da Áustria, da Hungria, da Bélgica, da Checoslováquia, da Alemanha, da
Itália, da Holanda e da Espanha se lhe juntassem no que denominara Taça das Nações — e
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minando-se «Campeão dos Campeões».

9
Marcador de 5000 golos
(era o que se dizia…) perseguido por nazis
(e por comunistas também)

A Taça das Nações não passou dessa primeira edição — a Taça Mitropa
continuou a crescer em entusiasmo e fama, em fulgor vivendo até ao início da
II Guerra Mundial — e algumas das estrelas que por lá tinham passado foram
caindo ou fugindo dos vários infernos entretanto abertos — Josef Bican, por
exemplo. Nascera, em 1913, no pobre bairro operário de Viena, filho de che-
cos. O pai jogara futebol no Hertha de Viena, combatera na I Guerra Mundial,
de lá viera ileso mas morreu pouco depois por não ter dinheiro para fazer ope-
ração a um rim, lesionado durante um jogo de futebol. Josef tinha oito anos, a
mãe continuou a trabalhar como cozinheira, mas era tão pouco o dinheiro que
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lhe calhava do ofício que Bican tinha de jogar descalço. Uma vez revelou-o:

— No meio da miséria, foi a minha sorte, não ter que calçar ajudou-me a dominar a
bola com mais habilidade.

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equipa de juniores. De lá saltou Josef Bican, ainda antes dos 20 anos, para o Rapid de
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que, por janeiro de 1936, empolgou Portugal — e foi nos seus pés que se fez o golo
que deu a vitória à Áustria (por 3-2).

Perante sinais de que Hitler se preparava para anexar a Áustria fugiu, sorrateiro
para Praga, foi para o Slavia (clube dominado pela alta burguesia da cidade). Também
brilhara no atletismo, correndo os 100 metros em 10,8 segundos — e quando, em
1939, a Alemanha invadiu a Checoslováquia, agentes da Gestapo chamaram-no aos
seus serviços com uma proposta na manga:

— … naturalizar-me alemão, para jogar pela seleção nazi. Quando entrei na sala, os
generais estavam sentados, levantaram-se, aplaudiram-me. Quando ouviram a minha
resposta, pediram-me que, então, saísse e depressa, saindo já como se fosse um
vira-latas — ou pior: subversivo, perigoso.

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'NHFSYFRG­RGWNQMTZSTFYQJYNXRT Temendo as represálias do pé para a mão, Josef Bican viveu mais ou menos es-

10 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


condido tempos seguintes — e já por 1945 viram-no, ousado, à cabeça de movimento
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— Não, obrigado!

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Seleção nazi pretendeu-o, Josef Bican recusou-a


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— Não sei se haveria gente que acreditasse em mim quando eu mostrasse que tinha
cinco vezes mais golos do que Pelé.

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11
Mathias Sindelar
Mozart da Bola, assim também haveria de ser conhecido
em razão da sua habilidade enquanto futebolista

1927
Ɖ8·YJRTXIJTFSNVZNQFWXJOFQ¥HTRTKTWƓ
O «Homem de Papel»
a gozar com os Fosse pelo brado ou não, o certo é que Sindelar foi neutralizado à

invasores de Hitler pancada, com a complacência do árbitro e a euforia de Mussolini. Já


não pôde, sequer, alinhar no jogo para disputa do terceiro lugar, que a
Alemanha ganhou à Áustria — e no hospital de Milão para onde fora
Pior sorte que Josef Bican teve Mathias Sindelar. Nascera por fe- tratar das mazelas que lhe causaram nesse Campeonato do Mundo
vereiro de 1903, na Morávia. Pequenino, a família mudou-se para Vie- de 1934 conheceu Camila Castagnola, enfermeira judia, que com ele
na onde o pai encontrou trabalho como ferreiro. A I Guerra Mundial haveria de regressar a Viena, para viverem, trágicos, o mesmo destino.
deixou-o órfão aos 14 anos. Para sustentar a mãe e três irmãs, fez-se
aprendiz de mecânico — sem deixar, porém, de jogar futebol no Her- Dois anos depois, lesionado, Sindelar não pôde vir ao Porto jogar
tha de Viena. De lá saltou, como prodígio, para o FK Austria — o clube contra a Seleção Nacional de Cândido de Oliveira — já então, embre-
dos judeus pobres de Viena. Foi por lá que, largando furor do seu físi- nhado, em audácia, na luta contra o salazarismo. A Áustria ganhou,
HTKWFS_NSToHTRZRKZYJGTQJQJLFSYJNSYJQNLJSYJJXNRUQNȁHFITW mas não ganhou fácil, os golos de Portugal couberam ao portista
avançado-centro que não se limitava a marcar golos, alguém lhe cha- Carlos Nunes e ao sportinguista Manuel Soeiro, o tio de Vasques, o
RTZ4-TRJRIJ5FUJQJFXXNRȁHTZ )JUTNXMF[JWNFRIJTYWFYFW Vasques que haveria de tornar-se um dos Cinco Violinos — e abrir, no
também, como o Mozart da Bola.) Sporting, a participação nacional, na Taça Latina. Meses após o Portu-
gal-Áustria do Porto, o génio de Sindelar deu ao Austria de Viena nova
Pelo Áustria de Viena, Sindelar vencera a Taça Mitropa de 1933 — e vitória na Taça Mitropa. Não tardou, o Partido Nazi da Áustria lançou-
ele e Bican eram as duas estrelas maiores da Wunderteam, a Equipa -se ao ataque ao Austria Viena — por o Austria ser o clube dos judeus
Maravilha que, por entre o frenesim de Mussolini na tribuna do Stadio IJ;NJSF 3F&QJRFSMFYFRG­RKTNTVZJXJKJ_FYTIFXFXNSXYNYZN-
Nazionale del Partito Nazionale Fascista, perdeu o Campeonato do ções ligadas a judeus — e as que tivessem judeus nas suas direções,
2ZSITIJSZRLTQTIJ,ZFNYFJRHQFRTWTXTTKKXNIJ JXTGWJ- como, por exemplo, o Bayern de Munique, tinham, pura e simplesmen-
tudo, na tarde de inspiração de Gianpiero Combi, o seu guarda-redes). te de deixar de os ter…)

Em 1931 e 1932, a Áustria vencera a Copa Internacional da Europa Três semanas após o Anschluss, a anexação da Áustria pelo Tercei-
(JSYWFQƉJ1ZNX2TSYNVZJIJUTNXIJYJWXNITȁSFQNXYFIT2ZSINFQIJ WT7JNHMTWLFSN_TZXJTVZJXJHMFRTZTo/TLTIF7JHTSHNQNF«§T
UJQF&WLJSYNSFWJHJGJZIJ2ZXXTQNSN YFQHTRT,ZFNYFFSFHNT- Foi no Prater a 3 de abril de 1938, com o estádio todo decorado por
SFQNIFIJNYFQNFSFȁHTZIJYFQRTITFGFQFITHTRTIJXHTSHJWYTFVZJ GFSIJNWFXSF_NXƉJJXXJKTNT¾QYNRTIJXFȁTIJ2FYYMNFX8NSIJQFWUJQF
8NSIJQFWTFWWFXYTZSJXXJXIJXFȁTXHTRTXFZXYW±FHTXVZJXZUQNHTZ seleção austríaca, contra uma Alemanha — que, ainda não se sabia,
F;NYYTWNT5T__TVZJTIJN]FXXJIJKTWFIFJVZNUFSFȁSFQIT2ZSINFQ repudiaria. As ordens eram para que acabasse empatado. Sindelar
murmurando-lhe: passou o jogo a falhar golos de modo trocista — a meio da segunda
parte decidiu marcar golo e fez mais um golo de placa. Depois, quando
ƉVZJVZFSIT[JOTJXXJ8NSIJQFW¤RNSMFKWJSYJȁHTQTZHT Sesta, o capitão de equipa, que também jogara no Lima, fez o 2-0,
ou deixo de ser eu. Matthias correu em direção à tribuna onde estavam as altas patentes
nazis, atirando-se a provocadora dança de felicidade que os deixou
Não, Pozzo não o deixou de fora — e conta-se que a sua resposta JRNWF3TȁRITOTLTYFRG­RQMJXWJHZXTZFXFZIF«§TSF_N[NWTZ
fora simplesmente assim: ostensivo, a cara para o lado. E Karl Sesta fez-lhes o mesmo.

13
A Noite dos Cristais, na Áustria e na Alemanha, marcaria momento de desenfreado ataque nazi a judeus Sindelar, protagonista do futebol elegante
e inteligente

14 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Preso pela Gestapo, ainda o libertaram
(e de pijama apareceu
no terror da Noite dos Cristais)

No dia seguinte à falácia do «Jogo da Reconciliação», Mathias Sindelar e Karl Sesta fo-
ram interrogados pela Gestapo — e detidos numa prisão de Viena. Temendo tumultos na
cidade, acabaram por libertá-los — e de Sesta receberam promessa de que sim, que, de
futuro, aceitaria, jogar pela seleção da Alemanha. Pela Alemanha Nazi jogou ele e tal como
ele outros austríacos que tinham ganho por 3-2 a Portugal no Lima: o Franz Wagner, o Josef
Stroh, o Rudolf Raftl e o Johann Mock. (Depois do adeus, Sesta dedicou-se à luta, chegou a
campeão… alemão. Passou a cantor de vaudeville — e até um disco de ouro ganhou.)

A Sindelar, Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda Nazi, mandou dizer-lhe que todas
as suas afrontas seriam esquecidas se aceitasse jogar pela Alemanha no Mundial de 1938, a
resposta deu-a num remate fechado de ironia:

— Não posso, estou muito amachucado. E não só das pernas…

A 9 de novembro de 1938, na Noite dos Cristais — a noite em que, na Alemanha e na


Áustria, os nazis lançaram os ataques mais furiosos aos judeus, também bateram à porta da
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Por Dentro da Pele, revelou:

— Foi levado para a rua, em pijama, mas acabou por ser salvo por vários populares.
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empataram 2-2. O Matthias fez um golo e celebrou-o, uma vez mais, sem fazer a sau-
dação nazi. Depois disso, nunca mais foi visto em público…

Tal como Sindelar, Josef Bican, Peter Platzer e Karl Zischek também se recusaram a jogar
na seleção nazi — e Weisgram revelou-o:

— Matthias tinha convicções sólidas. Nunca cumprimentou um dirigente Nazi. Nem


o próprio Hitler. Foi, pois, mais do que um futebolista. Foi um símbolo da resistência
austríaca à invasão nazi de 1938. No Mundial de 1934, Matthias Sindelar consagrou-
-se aos olhos de todos. Ele, o Giuseppe Meazza e o György Sarosi eram os melhores
futebolistas do planeta. Infelizmente, a tragédia levou-o demasiado cedo…

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Mathias Sindelar
Aplaudido nos campos de futebol, perseguido por destemidamente
provocar nazis a destino terrível não escapou

1927
O suborno do amigo
para não se falar de suicídio
Nos relatórios de autópsia de Matthias Sindelar e Camilla colocou-se como causa
da morte «inalação de monóxido de carbono» — contudo, as notícias do dia seguinte
— falaram em acidente, muitos anos depois, Egon Ulbrich, um dos seus amigos, reve-
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se devera a uma fuga de gás, de modo a que Sindelar pudesse ter o que ele achava
que era o merecimento mínimo: «um funeral com honras de estado, que, de acordo,
com as leis nazis só seria possível se não se tratasse de suicídio.»
À sede do atacado FK Austria Viena chegaram só numa manhã 15 mil telegramas de con-
dolências — e, apesar da «ameaça da suástica» mais de 40 mil pessoas seguiram a urna em
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muito longe dele, estão os de Brahms, Beethoven, Strauss e Schubert. E, com o corpo a descer
à terra, Michael Schwärs, o presidente do clube, murmurou, por entre o pranto:

— Com Matthias Sindelar morre uma parte da Áustria, do melhor que a Áustria tem.

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fuga acidental de gás enquanto Matthias e Camila dormiam, pró-nazis juntaram-se
quase todos na mesma ideia:

— Se foi suicídio, foi porque Sindelar entrara em depressão por saber que chegara
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Não, não foi isso. Sabendo que ele e Camilla tinham o destino marcado: fugiram
à morte num campo de concentração, matando-se. À rua onde viveu, e morreu, a
LaaerbergStrasse, mudaram-lhe o nome para SindelarStrasse. À placa, juntaram-lhe
as estrofes de um poema que Friedrich Torberg lhe dedicara:

Jogava futebol como ninguém


Tinha a graça e a fantasia
Tinha o toque fácil e alegre
Jogava e nunca lutava

Lutar, lutava – mas de outro modo, fora do campo. (E seis décadas após a sua mor-
te, Matthias Sindelar foi eleito o Melhor Jogador de Futebol do século XX da Áustria.)

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Com jogadores presos, o rei da Roménia
(que era um ‘playboy’) foi para selecionador
(e exilado, morreu em Cascais)

O Sparta de Praga foi quem primeiro conquistou a Taça Mitropa. Foram, claro, dispensados.
Seguiram-se-lhe, no rol dos vencedores: Ferencváros (1928 e 1937), No barco que levou a Roménia para Montevideu foram igual-
Ujpeste (1929 e 1939), Rapid Viena (1930), First Viena (1931), Bolo- mente as seleções de França e da Bélgica — e Jules Rimet, o pre-
nha (1932 e 1934), Austria Viena (1933 e 1936), Sparta Praga (1935) sidente da FIFA, com a taça para o campeão do mundo, dentro de
e Slavia Praga (1938). Para a edição de 1940 inscreveram-se apenas uma das suas malas. Na escala no Rio, juntaram-se os brasileiros
oito clubes: três da Hungria, três da Jugoslávia e dois da Roménia) — — e continuou a suceder o que sucedera ao longo das duas sema-
JFȁSFQJSYWJT+JWJSH[¥WTXJT7FUNI'ZHZWJXYNO¥S§TXJWJFQN_TZ nas até lá se atracar: os jogadores a treinarem-se nos 10 decks do
— porque forçada a abdicação por parte do rei Carol II, com o apoio navio — e Carol II a «bater bolas» com os seus em todos os treinos.
de Hitler o poder passou para as mãos do general Ion Antonescu — e
parte Transilvânia entregue pela Roménia à Hungria. Com os romenos eliminados pelo Uruguai, Carol II regressou a
8JRFSFXFSYJXȁHFWFFMNXY·WNFITKZYJGTQWTRJSTRFWHFITUTW Bucareste ainda com maior entusiasmo. Gabriel Marinescu torna-
outra peripécia (aliás, pior…): Gabriel Marinescu era para além de mi- WFXJ JSYWJYFSYT UWJXNIJSYJ IT ;JSZX 'ZHFWJXYJ Ɖ J F ȁSFQ IF
nistro dos Assuntos Internos e comandante da Polícia de Bucareste, o Taça da Roménia de 1940 entrou em súbito alvoroço. Por entre
«braço direito do rei no futebol» — e rei encantado com o futebol não polémica e jogos repetidos, o Rapid Bucuresti acabou por vencê-la
se vira como se via Carol II. — e estando, os seus jogadores, a festejá-la, num jantar, um es-
quadrão da polícia de Marinescu entrou de roldão no salão e levou
«Mulherengo e playboy», tendo chegado ao trono romeno, sema- presos os seus quatro melhores jogadores, a pretexto de terem
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nato do Mundo — a primeira ação de Carol II foi atirar-se a manobras Venus — pois, com eles na cadeia, logo chegou ao presidente do
diplomáticas que abrissem vaga à da Roménia, conseguiu-a três dias Rapid a informação de que os libertariam se ele aceitasse repetir o
antes do fecho das inscrições. Afastando do cargo Costel Radulescu, jogo. Aceitou — e o Rapid voltou a ganhar.
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que convocou eram do Rapid Bucuresti, clube que fora fundado por 3T WJ[TQYJNT IF UTQ±YNHF UJWFSYJ LWZUT SF_N F FUTIJWFWXJ IT
ferroviários de Grivita — e, ao perceberem que a «aventura do rei» ti- poder, Gabriel Marinescu não tardou a ir parar à prisão — e lá o
raria alguns deles do trabalho nas suas fábricas durante mais de dois mataram. Por 1939, Carol II recebeu de Óscar Carmona o Presi-
meses, os patrões ameaçaram não dispensá-los. Gestor de empresa IJSYJIF7JU¾GQNHFIJ8FQF_FWFQYFHTSIJHTWF«§TF'FSIFIFX
NSLQJXFQNLFIFFTXUJYW·QJTXKJ_UNTWF[NXTZVZJTXKZYJGTQNXYFXVZJ Três Ordens — mas já enfraquecido pela entrega forçada da Tran-
lá trabalhavam que se ausentassem para o Campeonato do Mundo XNQ[¦SNFFTXM¾SLFWTXTLT[JWSTSF_NIJ.TS&SYTSJXHZJ]NLNZQMJ
seriam imediatamente despedidos — e Carol II, ao sabê-lo, pegou no a abdicação, garantindo-lhe, porém, saída livre para o exílio — e a 6
telefone e retorquiu-lhe: de setembro de 1940, partiu, com amante pela mão, num comboio
carregado de «todos os seus objetos de valor». Ainda tentou o
— Se não os dispensar, mando fechar a empresa! Brasil, preferiu Portugal — e em Cascais morreu, em abril de 1953.

18 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Carol II
Rei da Roménia, polémica foi a sua ação política e conturbada vida
levou. Fugido para Portugal, aqui viveu os derradeiros dias

1930
Taça Mitropa
A competição idealizada por Hugo Meisl teve várias interrupções.
Ao retomá-la, após uma delas, Zentropa foi designação atribuída

1927
O húngaro que se tornou Patrão
do Futebol depois das complicações
que lhe causou uma greve em Paris

Dois anos antes da morte de Carol II, retomara-se a Taça Mitropa (designada como
Zentropa – com o Zen a representar a Europa Central) – e o Rapid Viena venceu-a,
GFYJSITSFȁSFQT<FHPJW;NJSF IFXRJNFXȁSFNXXF±WFR[JSHNITXT)±SFRT?FLWJG
e a Lazio). Após três anos de nova paragem, fez-se uma vez mais – e campeão foi o
Vörös Lobogo que, com a passagem da Hungria à esfera comunista, deixara de ser o
MTK (dos judeus de Budapeste, o MTK onde jogara Béla Guttmann).

Senhor Futebol na Hungria era cada vez Gustav Sebes. Lançara-se como jogador
no Hungaria, tendo, na sua baliza, o Janos Biri, que em Portugal haveria de fazer do
'JSȁHFHFRUJ§T

— Após uma greve, fui despedido da fábrica onde trabalhava. Parti, então, para Pa-
ris e após várias semanas bem difíceis encontrei trabalho nas fábricas da Renault. Fui
convidado para jogar no Red Star, declinei, voltei a Budapeste em 1940.

Com a Hungria a entrar na órbita comunista após a II Guerra Mundial, não tardou
que se puxasse Gustav Sebes a vice-ministro do desporto — sem que ele largasse o
HTRFSITIFXJQJǤT

— Foi assim que ganhei o título de Patrão da Equipa da Hungria. Com uma certa
razão, porque eu era o chefe supremo do nosso futebol. Montei a a equipa que viria a
ser designada por críticos de todos os cantos do mundo como a «maior de todos os
tempos». O primeiro grande triunfo desse Dream Team foi nos Jogos Olímpicos de
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6-3. Faltou-nos apenas a vitória no Mundial de 1954, o que perdemos com a Alema-
nha, contra todas as previsões.

O Honved, clube de que se apoderara o exército húngaro, era a base nuclear desse
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cenário que Gustav Sebes entrou na comissão que haveria de levar (ainda sob jurisdi-
ção do L´Équipe) à Taça dos Clubes Campeões Europeus — quando também já havia
a Taça Latina e a Taça Mitropa se mantinha hibernada.

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22 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU
HQZGJIJKZYJGTQTYTNQJIJX)JZ]1FHXUTWQ¥KTNOTLFSIT5FX-
Depois de fundar A BOLA, XTZIJUTNXIJOTLFITWF¥WGNYWTƉJIZWFSYJOTLTJSYWJT,FWJS-
Ribeiro dos Reis SJ)T[JXJT'JSJ[TQJSHJ[N[JZRTRJSYTFSLZXYNFSYJWJRFYJ

conseguiu o que imaginara à queima-roupa de um avançado do Benevolence levou-lhe a


GTQF¤HFWFS§TYJSITXJVZJWYJRUTUFWFXJIJX[NFW)JQFZSF^
antes da Guerra: a Taça Latina JSLTQNZTFUNYTȁHTZHTRITNXIJSYJXUFWYNITXHTRXFSLZJF
JXHTWWJWQMJIFGTHF¤LTQKFIFQJ[FWFRSTUFWFTMTXUNYFQ¤[N[F
KTW«FUTWJQJXJWJHZXFWFIJN]FWFKZS«§TFRJNT
Fora a Taça Mitropa que dera a António Ribeiro dos Reis (antes
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de fundar A BOLA com Cândido de Oliveira e Vicente de Melo)
)JZ]1FHXJXJHWJY¥WNTLJWFQIT(TRNY­.SYJWKJIJWFQ+WFS«FNXVZJ
a ideia de um torneio entre campeões da Europa latina — o de-
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ȂFLWFWIF..,ZJWWF2ZSINFQIJN]FWFFJRXZXUJSXT;TQYFSITXJ
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a ela, na edição de 6 de janeiro de 1949 de A BOLA anuncia-
NRFLNSTZZRF9F«FIJ(FRUJ¹JX*ZWTUJZXIJ(QZGJX VZJS§T
vam-se em destaque reuniões para discussão e aprovação dos
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LFSN_F«§TIJZR(FRUJTSFYTIT2ZSITƉJVZFSITJR
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JRWJFQNIFIJƉUTNXRTWWJWNFUTZHTXRJXJX[TQ[NITXƉVZFSITO¥
VZJTXYWFSXUTWYF[FSFYTWWJIFHFYJIWFQIJ8ZUJWLFƉJ(TUJW-
havia Taça dos Campeões Europeus — que, na sua primeira ideia
SNHT X· S§T ȁHTZ YFRG­R RTWYT JSYWJ TX IJXYWT«TX UTWVZJ
S§TJWFUFWFFXXNRXJHMFRFWƓ
FKF_JWJXSFXZF[NIFHTRJWHNFQQMJYNSMFRNRUJINITF[NFLJRF
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5TWYZLFQ
XJSYF«§TJXUFSMTQFQNIJWFIFUTW&WRFSIT2ZµT_(FQJWTUWJXN-
Em sinal da importância dada à criação da Taça Latina, a Fran-
IJSYJIF7+*+ƉFQN¥XRFNXRZNYTRFNXITVZJUWJXNIJSYJIF
«FQJ[TZ¤XWJZSN¹JX*WSJXY'­IWNLSFSXTUWJXNIJSYJIF+++ƉJ
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JWZJQFXIFHNIFIJ
I®SHNFIFKJIJWF«§TJXUFSMTQFF*XUFSMFGFYJZF.SLQFYJWWFST
Católicos e protestantes juntaram no lançamento da Patrona-
2ZSINFQIJ(FQJWTHTWWJZFJS[NFWYJQJ]FT,JSJWFQ±XXNRT
LJ5FWTNXXNFQƉTWIJRQNLFIF¤NLWJOFVZJXJJXUFQMTZUTW+WFS«F
HTRZRFKWFXJFUJSFXFRFWHFWQMJJRKJW[TWFJZKTWNFo;JS-
JUJQF'­QLNHFYJSITUTWUTWȁRUTXXNGNQNYFWHZQYZWFJIJXUTWYT¤
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HQFXXJTUJW¥WNF3FUFYWTSFLJIJ5FWNX-JSWN)JQFZSF^HWNTZZR
IFIJRTHWFHNFƓ

23
No rescaldo da tragédia do Torino,
o adeus aos Cinco Violinos
(com Cândido de Oliveira)

Espírito que se acordou, de pronto: que a Taça Latina era competição de clubes e de
nações também — representadas pelo seu campeão. O troféu posto à disputa, ofere-
ceu-o a federação espanhola de Calero. Por sorteio, coube a Madrid a primeira edição
— e primeiro adversário do Sporting, a 26 de junho de 1949, no Estádio Municipal, foi
o Torino (o Torino que restara da tragédia de Superga, treinado por Copernico, com
juvenis e juniores em campo). Ganhou por 3-1, com três golos de Fernando Peyroteo.

No Torino brilhou Carapellese que não viera à festa de Francisco Ferreira devido
a doença de nervos de que já se queixara no Itália-Portugal, de Génova, depois do
Cinco Violinos, linha avançada para a eternidade
portista Virgílio o ter pura e simplesmente neutralizado — e por isso se salvou do avião
da tragédia.

)JXJRGFWF«FSITXJ T 'FWHJQTSF IT 8YFIJ IJ 7JNRX F ȁSFQ KWJSYJ FTX XUTWYNS-
guistas (na última vez dos Cinco Violinos na sua histórica formação: Jesus Correia,
Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano) disputou-se em Chamartin. Curta apertou a
W­IJFF5J^WTYJTƉJSF¾QYNRFUFWYNIFTȁHNFQIFXZF[NIFJQJS§TU¸XU­JRWFRT
verde.

Semanas antes fora o Sporting jogar com o Atlético Madrid ao Metropolitano,


que havia ano e meio lá não perdia – e ganhou por 6-3, Jesus Correia marcou
os... seis golos, ninguém mais o calou: «É que a malta tinha a mania que eu só
marcava no hóquei!». Contra o Barça foi dele o golo do empate, aos 26 minutos,
Seguer fizera 1-0 aos nove, Basora 2-1 aos 60. E aos 89 Jesus Correia falhou
de baliza aberta — a hipótese de prolongamento. Para Basora seria o cúmulo da
injustiça:

— Só houve equilíbrio porque houve Azevedo. Fantástico! Com outro guarda-redes, os


portugueses ter-se-iam afundado na primeira meia-hora.

A Marca também achou, admitiu que sim, que aquele Sporting (treinado por Cândi-
(JQJGWF«§TGJSȁVZNXYF
SFȁSFQIF9F«F1FYNSFJR do de Oliveira) era «equipa valiosa e perigosa, mas longe de ser o onze sem rival que
os portugueses querem fazer crer».

24 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


FVZNQTYZITFY­FT*XY¥INT3FHNTSFQTSIJTXRJZXHTRUFSMJNWTX
/“ ³ “+K“b O¥JXYF[FRFJVZNUFWXJRZIJNIJWTZUFJLFSM¥RTXYW®XF_JWT
o guarda-redes que teve de ir
Os golos da vitória por 3-0 couberam a Corona, Rogério e Ar-
““-“    X­SNT3FTZYWFRJNFȁSFQT'TWI­ZXGFYJZT&YQ­YNHTIJ2FIWNI
p“ Ä “  UTWƉJSFȁSFQWJUJYNZXJFMNXY·WNFIT'FXYTX

Ä“$“ė“'“ “q Ɖ9FRG­RS§TRJKTWFRGZXHFWFTVZFWYJQKZNTZYWF[J_FU­J


IJHTRGTNT
A segunda edição da Taça Latina coube a Lisboa — e para
seu palco escolheu-se o Estádio Nacional. A FPF, alimentando &HFGFSITKTNUWJHNXTȁSFQ±XXNRFƉZRFFWWFXYFIFȁSF-
ainda a esperança (que o governo de Salazar lhe cortaria por Q±XXNRF FIJOZSMTIJ&TXRNSZYTX0FWLZKJ_LTQT
WJHJNTIJR¥ȁLZWFIJVZJF8JQJ«§TUZIJXXJJXYFWUTWHTS- UFWFT'TWI­ZXƉJFUFWYNWIF±TXKWFSHJXJXFYNWFWFRXJVZFXJ
vite no Mundial do Brasil, cancelou a Taça de Portugal (que só à defesa acesa do sonho. Ao aperceber-se da chegada do
então se disputava só depois do campeonato fechado, cam- RNSZYT&SIW­,­WFWITXJZYWJNSFITWQJ[FSYTZXJITGFS-
UJTSFYT VZJ T 'JSȁHF LFSMTZ Ɖ UFWF oJ[NYFW J]HJXXTX IJ co, a caminho do balneário (e do que talvez julgasse ser a sua
competição». JYJWSNIFIJ J FT HFGT IJ ITNX UFXXTX F KJQNHNIFIJ KZLNZQMJ
SZRFGFQTX¾GNYTITLTQTIJ&WX­SNTFXJLZSITXITȁR
O entusiasmo atiçado pela sua disputa levou a que Vicente
de Melo, Cândido de Oliveira e Ribeiro dos Reis decidissem pas- No termo do primeiro prolongamento de 30 minutos, mante-
sar A BOLA a trissemanário (juntando, às edições de segunda e [JXJT,NFHTRT'JWYTQNTT¥WGNYWTNYFQNFSTVZJJWFHTRJS-
VZNSYFZRFTZYWFSZRFoJ]UWJXX§TRFNXQNLJNWFIJXJSKFIFIF IFITWHMFRTZ/FHNSYTJ8\NFYJPTXHFUNY§JXIT'JSȁHFJIT
JRFLF_NSJXHF Bordéus, revelando-lhes por gestos, que a partir dali jogariam
UWTQTSLFRJSYTXIJRNSZYTXFY­XJIJXJRUFYFWƉJF/FHNSYT
Na primeira vez de A BOLA ao sábado contava-se que, já em ainda se lhe ouviu, brincalhão:
Lisboa, oito jogadores da Lazio foram atacados por surto de an-
LNSFXƈJTXGJSȁVZNXYFXJRKFNWUQF^FINFWFRTOTLTUTWYW®X Ɖ8JW¥VZJ[FRTXYJWIJITWRNWFVZNJSY§T$
dias, até que a febre arrefecesse. Ao jogarem-no, jogaram-no
com guarda-redes a sair de episódio rocambolesco: José Bas- Havia jogadores que se arrastavam, sombras amolgadas, des-
tos — que o revelou: ȁLZWFIFXUJQTJXKTW«TƉJJXUFSYTXTJWF[JW¤RJINIFVZJT
tempo se arrastava e a tarde fugia para o seu crepúsculo, Fran-
Ɖ4'JSȁHFYNSMFHNSHTLZFWIFWJIJXJZT2FWYNSXT7TXFT cisco Moreira na liça:
7TL­WNT(TSYWJNWFXJT5NSYT2FHMFIT9JI8RNYMVZNXVZJKTXXJ
JZFOTLFWFUJXFWIJYJWX·[NSYJFSTXUTWYJWJXYNQT¤NSLQJXF&S Ɖ (MFRF[FRRJ 5FN 3FYFQ KTWFR OTLFITWJX IT 8UTWYNSL VZJ
YJXITOTLTHTRF1F_NTFJVZNUFKTNYTIFUFWFJXY¥LNTRJSTXJZ RJ UZXJWFR F FQHZSMF IN_JSIT VZJ JZ JWF [JQMT RFX SNSLZ­R
VZJJXYF[FSFYWTUF3TINFITOTLTSNSLZ­RIT'JSȁHFRJKTNGZX UFXXF[FUTWRNR
HFW4VZFWYJQJWFF&WYNQMFWNFƉKZNFHTWWJWIJ(FRUTQNIJFT(FNX
IT8TIW­FUFSMJNTHTRGTNTUFWFF(WZ_6ZJGWFIFYN[JIJXZGNW No jogo com o Bordéus, Moreira estava a caminho dos 36

26 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


anos — e mal se apercebia de que algum companheiro dava in- KWFSHJXJX[NWFR ZSXRFNXITVZJTZYWTHTSYZITR¥HZQFFQLZ-
dício de desfalecer, gritava-lhe: RF*UFWF'TSHMJYTINWJYTWY­HSNHTIT,NWTSINSXTUWFLZJOT
foi noutro sentido:
— Sofre, como eu... como eu... que regressei à força dos 25 anos
para ganhar esta Taça Latina. — O resultado foi falseado pelo regulamento. Depois do primeiro
prolongamento, aquilo já não era futebol, era uma espécie de lota-
6ZFSIT JXXJ 'JSȁHF'TWI­ZX O¥ QJ[F[F  RNSZYTX FNSIF WNF3§TXJUTIJROTLFWIJXFȁTXHTRRNSZYTX­RZNYTUFWFT
foi o Moreira quem rematou, de cabeça, a bola que Astresse organismo humano, é uma selvajaria.
WJHMF«FWFIJUTSYFU­IJHFSYTIJ7TX¥WNTƉJSZRYTVZJIJ
raspão, Julinho desviou-a para o fundo das redes. Foi o golo Durante o primeiro prolongamento, Jacinto partira o pulso – e
IT'JSȁHFVZJIJZFTKZYJGTQUTWYZLZ®XTXJZUWNRJNWTY±YZQT WJHZXTZIJN]FWTHFRUTFUJXFWIFXoITWJXNSXZUTWY¥[JNX3§T
internacional! foi, contudo, por isso que não subiu à tribuna para receber a Taça
1FYNSFTMNXY·WNHTUWN[NQ­LNTHTZGJF7TL­WNTT7TL­WNT5NUN
5TW&XYWJXXJYJWFSTX&ZLZXYT&RFWTLZFWIFWJIJXVZJ
IJWFFT'JSȁHFTUWNRJNWT(FRUJTSFYTIF1NLFIFXZFMNXY·WNFJ — Com o entusiasmo e a invasão do público, todos perdemos a
FQNJXYF[FHTRTHWTSNXYFIJ&'41&STYTZToJR5TWYZLFQS§T HFGJ«FȁHTZYZITQTZHT*RUZWWFWFRRJKZNNSITSTRJNTIFRZQ-
QMJUJWRNYNWNFROTLFWUTWJVZNUFUWNSHNUFQ&JQJFT&XYWJXXJ tidão em histeria, quando dei por mim estava na tribuna à frente do
FUFSMTZXJQMJUTWJSYWJQ¥LWNRFXFHTWWJWJRQMJUJQTXTQMTX senhor Presidente da República que, por entre aquela confusão
toda, me atirou o troféu para as mãos.
— Não é justo, depois de ter rechaçado a bola senti-me empur-
rado para dentro da baliza, antes de a bola me chegar às mãos, por &JSYWJLFFTXYWTUJ«¹JXIF9F«F1FYNSFX·S§TKTNT¾QYNRT
isso não pude fazer nada naquele maldito golo. FYT U¾GQNHT IT RFWJHMFQ —XHFW (FWRTSF HTRT 5WJXNIJSYJ IF
7JU¾GQNHFUTWVZJFNSIFFUFWJHJZFNSFZLZWFWRZNYTITJSYJT
/JFS5ZOTQQJTUWJXNIJSYJIT'TWI­ZXKTNIFHFWFRZSMFFT VZJFUWTUFLFSIFHTSXNIJWTZFoTGWFITX­HZQTJR5TWYZLFQ
reconhecimento: FGFWWFLJRIT(FXYJQTIJ'TIJ

— Lamentando que o golo da vitória tenha saído de uma irregula- (TRTTXKWFSHJXJXS§TXJHFQF[FRHTRFNIJNFIJNQJLFQNIFIJ


WNIFIJYJSMTIJIFWHTRTOZXYFF[NY·WNFIT'JSȁHF JNSOZXYN«F+WFSHNXHT7JYTWYFINWJYTWIJKZYJGTQIT81'WJRF-
tou assim a questão:
Jean Swiatek, o central (e capitão) que era descendente de
UTQFHTXFȁSTZUJQTRJXRTINFUFX§T — Se houvesse justiça tínhamos ganho por cinco ou seis golos
antes de qualquer prolongamento.
— O Astresse foi carregado antes de receber a bola, mas no
UWTQTSLFRJSYTT'JSȁHFRTXYWTZRZNYTRFNTWWJXNXY®SHNFƉJUTW 3TINFXJLZNSYJVZJRQJZT1xVZNUJFUFSMTZJRUFWFSLT-
isso ganhou, foi melhor do que nós. SFXo4'JSȁHF[JSHJZNSINXHZYN[JQRJSYJFTXUTSYTXƉJ&S-
IW­,JWFWITYWJNSFITWIT'TWI­ZXWJHTSMJHJZT
3§T 7NGJNWT ITX 7JNX VZJ JXHWJ[JZ F HW·SNHF IT 'JSȁHF-
'TWI­ZX UFWF & '41& S§T [NZ ST LTQT IT /ZQNSMT T VZJ TX — Quem remata mais, tem quase sempre de ganhar.

27
Travaços
?­IF*ZWTUFFXXNRHTSMJHNITȁHTZUTWYJWXNITTUWNRJNWTOTLFITW
UTWYZLZ®XFNSYJLWFWZRFXJQJ«§TJZWTUJNF

1951
Com o Sporting na Taça Latina, moeda
ao ar recusada no jogo que teve de acabar
porque a noite chegara…

Nos princípios de julho de 1951, ressurgiu a Taça Mitropa – com toque na denominação: Zen-
YWTUF(ZU UFWFQMJ[NSHFWTYWF«TLJTLW¥ȁHTXJWIF*ZWTUF(JSYWFQ47FUNIGFYJZF1F_NTUTW
T&IRNWF<FHPJW[JSHJZT)±SFRTIJ?FLWJGUTW&ȁSFQJSYWJ[NJSJSXJXST5WFYJW
LFSMTZFT7FUNI UTWƉJIZWFSYJYW®XFSTXFHTRUJYN«§THFNZJRST[TQJYFWLT
3FXJRFSFFSYJWNTWUFWFFJIN«§TIJIF9F«F1FYNSFQFWLFWFT8UTWYNSLUFWF.Y¥QNFJR
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S§TXJWNFYFSYTUTWYFSYTƓ

29
De Carlos Gomes traído
pelas «bolas luminosas»
ao lagarto que não deu
sorte ao Sporting

De novo campeão nacional, o Sporting aterrou em Paris,


para a edição de 1952 da Taça Latina, tomando de seguida
o caminho da Gare dos Inválidos. Durou pouco o sonho: logo
no primeiro encontro, contra o Olympique de Nice, calhou-lhe
derrota por 2-4 (aos 20 minutos já perdia por 0-2). Foi partida
histórica essa, por outras razões: jogou-se, pela primeira vez,
de noite, sob iluminação elétrica ainda tosca e com bolas... lu- Taça Latina, edição de 1952, comitiva sportinguista à partida para Paris

minosas. Foi disso que Carlos Gomes se queixou — da traição


da luz.
3T FUZWFRJSYT IT YJWHJNWT HQFXXNȁHFIT RFNX ZRF IJWWTYF ZRXTȁXYNHFITXNXYJRFIJGTRGFXFSYJXIJXJNWUFWFTHFRUT
2-3 com a Juventus (aos 14 minutos os italianos já venciam por Com a Taça Latina de regresso a Portugal, ao Estádio Nacional, o
3-0 e ainda contaram com o benefício do árbitro no modo como primeiro jogo do Sporting foi diante do AC Milan... Gre-No-Li — o
lhe anulou golo «limpíssimo») — e Álvaro Cardoso, adjunto de Milan dos suecos Gren, Nordhal e Liedholm, que jogava avant la
7FSITQUM,FQQT\F^FȁWRTZT RZNYTHTS[NHYT létre em 3x4x3. O regista era Liedholm, estrela no campo e na alta
sociedade milanesa, pois acabaria por casar-se com baronesa de
— O Sporting teve infelicidade nos dois jogos. Merecia Piemonte, passando também ele a ser tratado por il barone.
melhor, muito melhor. Aliás, não exagero se afirmar que me-
recíamos ter vencido este torneio». Venceu-o o Barcelona Devido a grave lesão de Pacheco, o Sporting teve de jogar
— que, assim, se tornou o primeiro clube com duas vitórias quase duas horas em inferioridade. Com golo de Vasques, aos
na competição. 44 minutos, ganhou vantagem. Os italianos chegaram a 2-1,
Carlos Gomes defendeu uma grande penalidade, no último mi-
Pode dizer-se, porém, que o Sporting teve vitória na tesouraria, nuto Martins marcou o golo que repôs o empate. No primeiro
colhendo cerca de 100 contos. (Das receitas líquidas, na Taça Lati- minuto do prolongamento, 3-2 por Martins. De súbito, cruzou o
SF
JWFRUFWFTUWNRJNWTHQFXXNȁHFIT
UFWFTXJLZSIT relvado um lagarto de carne e osso. Não, não deu sorte: o Milan
23% para o terceiro e 24% para o quarto — e os organizadores empatou, arrastando novo período suplementar, desta feita de
tinham a obrigação, expressa nos regulamentos, de suportarem 10 minutos. E, no último instante, Frignani bateu Carlos Gomes.
despesas de viagens de primeira classe para 20 jogadores e de 10 Para o terceiro lugar, vitória por 4-1 frente ao Valência, com go-
dias de estada em hotéis igualmente de primeira classe.) QTXIJ;FXVZJX JIJ2FWYNSX ƈJSFȁSFQT7JNRXGFYJZ
100 contos era o que custava aderir à moda a que o Sporting se o AC Milan por 3-0 (e tinha já, airoso, no seu destino, Kopa, o
deu no arranque da temporada de 1952/53: inalar-se oxigénio de autor de dois dos seus golos…)

30 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


IJUWJXXFIJU¸W5ZXPFX VZJO¥FSIF[FIJXIJTXVZFWYTXIJȁSFQ
A fundação da UEFA, preso por arames) a mancar — e Jules Rimet, o presidente da FIFA,
a espantosa derrota da Hungria que se preparara para entregar o troféu a Ferenc Puskas teve de
JSYWJL¥QTF+WNY_<FQYJW &TXFSTX<FQYJWO¥JXYF[FSFXJQJ-
e os alemães na clínica ção alemã, a guerra alastrou e ele foi incorporado na brigada de
(no rumor da desintoxicação) para-quedistas do Reich. De 1940 a 1944 andou pela Europa em
combate sem fazer um único jogo de futebol. Quando o Armistício
se assinou estava preso na Frente Leste, libertado correu atrás do
À entrada dos anos 50, Ottorrino Barassi, presidente da fe- seu destino: o Kaiserslauten, ainda a tempo de levar o seu clube de
deração italiana, e José Crahay, presidente da federação belga, sempre a dois títulos alemães, à Suíça chegando com 34 anos, já
juntaram-se a Henri Delaunay no propósito de se criar organis- não o terrível goleador dos verdes anos mas o cérebro arguto do
mo que «supervisionasse o constante crescimento do futebol meio-campo da equipa de Sepp Herberger.
e desenvolvesse a unidade e a solidariedade entre a sua co-
munidade europeia» — e foi assim que, a 15 junho de 1954, se Nas semanas que se seguiram à epopeia de Berna, os joga-
fundou a UEFA em Basileia. dores da RFA foram sendo internados numa clínica para «re-
cuperação de esforço» (essa foi a versão que se espalhou).
Com Henri Delaunay indicado para seu secretário-geral, a pre- Estalaram de imediato insinuações de que eram curas de desin-
sidência entregou-se a Ebbe Schwartz, o chefe de missão da toxicação de doping — e a Puskas não deixara de se apanhar a
equipa da Dinamarca que nos Jogos Olímpicos de Londres con- desolação num murmúrio repetido amiúde:
quistara a medalha de bronze no futebol. Nascido em 1901, fora
guarda-redes do AB Copenhagen, Schwartz era dono de empre- — Nós jogámos alegremente, os alemães jogaram para ser
sa de fundição de ferro — e a sua escolha baseou-se na pres- campeões.
suposição de que não haveria ninguém mais capaz de exercer
o cargo com maior diplomacia. E não, nesse ano, com todas as
atenções centradas no Mundial da Suíça, não houve Taça Latina.

Reencontrando-se na decisão do Campeonato do Mundo de


1954, na fase de grupos a Hungria tinha dado 8-3 à República
Federal Alemã (com quatro golos de Kocsis, dois de Hidegkuti,
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de Berna, aos seis minutos já os húngaros estavam a ganhar,
graças a golo de Puskas. Aos oito, Czibor fez 2-0 — e ninguém
imaginava que a «surpresa do século» saísse, como saiu, dos
golos de Morlock aos 10 e de Rahn aos 18 e 84 minutos.

É verdade: a estratégia para o ataque aos húngaros não deixou


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dos carniceiros do futebol de 50, o seu jogo de faca na liga tratou Fritz Walter, da seleção alemã, com a taça Jules Rimet em 1954

33
Vitória do Wolverhampton sobre o Honved,
por 3-2, foi exaltada de forma exacerbada
Como vitória do Wolverhampton
levou um francês (que escapara
a trabalhos forçados de nazis)
a criar a Taça dos Campeões
(que não se queria assim)

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34 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Antes da BBC correr a retransmitir a segunda parte do Wolverhampton-Honved (a da
sua «estonteante reviravolta» apenas), a manchete do Daily Mail sintetizava a exaltação
(em clamor) tratando os Wolves exatamente assim: Somos Campeões do Mundo!

Ao lê-lo, Gabriel Hanot, escreveu no L´Équipe crónica a refutá-lo: que sim, que
YNSMFR HTSXJLZNIT IZFX LWFSIJX KF«FSMFX RFX VZJ S§T XJ OZXYNȁHF[F WJLT_NOT YF-
manho: «Será melhor que viajem até Moscovo ou até Budapeste para vermos se, de
facto, são a melhor equipa do Mundo, não esquecendo que, na Europa, há outros
clubes reconhecidos internacionalmente: o AC Milan ou o Real Madrid, para só citar
dois» — e, no balanço do remoque, Hanot abriu o futuro ao seu remate: «Assim sen-
do, um Campeonato do Mundo de Clubes, ou pelo menos um Campeonato Europeu
mais alargado e prestigiante do que a Taça Mitropa ou a Taça Latina e mais original do
que uma competição para seleções nacionais deveria ser lançado».

Jacques Goddet, o diretor do L´Équipe, encantou-se com a hipótese, pensando que, as-
sim, poderia incrementar as vendas ao longo no tempo em que o futebol estivesse parado
e as atenções se centravam quase só no Tour de France — e encarregou Jacques Ferran
de atiçar-lhe o rastilho. Filho de um magistrado e de uma herdeira de um joalheiro italiano
VZJUFWFQ¥NRNLWFWF+JWWFSȁ_JWFJRIJXYFVZJJXYZITXIJQNYJWFYZWFSF:SN[JWXNIFIJIJ
Montpellier — e após terminá-los conseguira escapar ao drama da STO — campanha de
trabalhos forçados em minas, fábricas e campos agrícolas imposta pelos ocupantes nazis
ao Governo de Vichy, que deportou mais de um milhão de franceses para a Alemanha —
refugiando-se, sorrateiro, numa propriedade de família em Aveyron. Os primeiros passos
no jornalismo, deu-os no Tigre, semanário criado por prisioneiros de guerra. Ao L´Équipe
Ferran chegara algures por 1948, indicado, como «jovem prodígio», a Jacques Goddet por
Emmanuel Gambardella, então presidente da Federação Francesa de Futebol.

35
No Barcelona
achou-se que era utopia,
Santiago Bernabéu
Percebeu que era o futuro
(que começara
com mulher a pedir ao marido
que telefonasse…)

Correspondente do L´Équipe em Espanha era Carlos Pardo,


jornalista do El Mundo Deportivo. Apesar do Real Madrid ter
conquistado a Liga de 1953/1954 no seu primeiro ano com Di
Stéfano, quando, de Paris, lhe pediram que convencesse um
clube espanhol a aderir ao projeto, a sua primeira tentativa foi
o Barcelona — que acabara de receber no seu seio Kubala, pri-
meiro grande futebolista a fugir do bloco comunista. Solicitou
reunião a Miró-Sans, o presidente despachou-o para o seu se-
cretário. Após obrigá-lo a esperar numa sala quase três horas,
ao ouvir de Pardo o que o levara à sede do Barça, Doménech
alvitrou-lhe, desinteressado:

— Isso é uma utopia. Nunca se fará. E o que queremos é rea- Miró-Sans, presidente do Barcelona, não quis ouvir proposta para que o seu clube
participasse numa competição europeia
tivar o campeonato catalão.

Ao regressar, desolado, a casa, Pardo contou à mulher o de grande persuasão para que o presidente do Real agarras-
ȁFXHTIFF«§TƉJJQFXZLJWNZQMJVZJYJQJKTSFXXJF7FNRZS- XJJZK·WNHTFXZLJXY§TXJQFS«FXXJJRUTQLFITFTIJXFȁT
do Saporta, amigo judeu que se tornara braço direito de San- achando que o «futuro estava ali, mesmo ali». E, pelo cami-
tiago Bernabéu. Ao escutá-lo, Saporta exclamou-lhe: nho, vários outros clubes foram fazendo o mesmo.

— Pensar numa Taça da Europa?! Isso pode ser uma mara- A ideia foi borbulhando cada vez mais em Jacques Ferran
vilha. (que, no seio do L´Équipe, criara, em 1946, a mais prestigiada
revista de futebol que havia: a France Football), embrulhando-
Solicitou-lhe que apanhasse o primeiro avião para Madrid -a numa pergunta bem mais do que retórica:
— em Barajas tinha o motorista de Bernabéu à sua cata. Na
sede, receberam-no Saporta e Bernabéu — e não necessitou — Como pode a Europa do futebol estar à frente do Resto

36 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


do Mundo se não for capaz de realizar uma competição que os
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Para lançar os moldes dessa Taça Europa (primeira desig-


nação no seio do L´Équipe) inspirou-se também no que fora
o Campeonato Sul-Americano de Campeões que o Colo-Co-
lo organizara em 1948 em Santiago do Chile — juntando aos
campeões da Argentina (o River Plate), do Chile (o Colo-Colo),
do Uruguai (o Nacional de Montevideu) e do Equador (o Eme-
lec), três «convidados ilustres»: o Vasco da Gama (pelo Bra-
sil), o Litoral (pela Bolívia) e o Deportivo Municipal (pelo Perú).
Favorito era o River, que então se tratava como La Maquina e
tinha Di Stéfano a despontar como sua estrela — mas a vitória
coube ao Vasco.

No regulamento esboçado por Jacques Ferran, vincou-se-


-lhe o espírito: «Os jogos disputam-se em meado da sema-
na, para não influírem no curso dos respetivos campeonatos
nacionais, e devem jogar-se sempre que as instalações as-
sim o permitam sob iluminação artificial». Marcou-se-lhe o
protocolo: «As equipas deverão entrar juntas no terreno de
jogo, atrás do trio de arbitragem, tocando-se o hino nacio-
nal de cada clube antes do começo do desafio. O vence-
dor conservará o troféu que o acredita como Melhor Equipa
Europeia até à edição seguinte, ficando automaticamente
classificado para essa fase final, na condição de defensor
do título». Vincaram-se-lhe regras que eram sinais dos tem-
pos: «Não poderá haver substituições de jogadores durante do comité organizador, cabendo a vice-presidência a Gustav
o encontro, com exceção do guarda-redes e apenas na cir- Sebes.
cunstância».
A questão de organização que largou maior discussão foi a
Tudo isso se aprovou entre os dias 2 e 3 de abril de 1955 na forma de se repartirem ganhos — e o que vingou foi o alvitre de
reunião de lançamento no chiquérrimo Hotel Ambassador — Santiago Bernabéu: «o clube visitado arrecadará toda a receita
tendo-se escolhido já os clubes concorrentes a essa primeira ITOTLTJRXZFHFXFȁHFSITHTRTXJSHFWLTXIJTWLFSN_F«§T
edição. Em sua representação, o Sporting enviou a Paris um e de deslocação e estadia do grupo visitante». (Só depois, se
dos vice-presidentes de Carlos Góis Mota: José Borges Ca- percebeu: Bernabéu propô-lo, interesseiro, por o Real ter, en-
lheiros — e, por sugestão de Santiago Bernabéu, entregou-se tão, um dos estádios de maior lotação — e a maior parte dos
a Ernest Bédrignans (vice-presidente da FFF) a presidência demais concorrentes terem campos mais acanhados.)

37
Quando em A BOLA
se falou em indignação
por a UEFA ter feito o que fez
(e Santiago Bernabéu
foi uma das suas vítimas)

Jacques Ferran não deixou de ser o que já era, igualmente: crítico de teatro no La France
Catholique — e desvendou-o:

— O nosso objetivo era um, sobretudo: pôr a competição no terreno para nos ajudar a
vender mais jornais a meio da semana, daí a ideia dos jogos à quarta-feira. E, depois de
concebermos a criança, preocupação passou a ser encontrar quem a pudesse adotar.

A 6 de maio de 1955, a UEFA solicitou à FIFA parecer sobre a «competição que o L´Équi-
pe tinha em mente» — e colheu garantia de que a FIFA o reconheceria se fosse «organi-
zado sob a sua autoridade e responsabilidade». Não perdeu tempo a assumi-lo, curando,
contudo, de lhe vetar o nome porque Taça da Europa era o que a UEFA escolhera para o
campeonato de seleções que tinha em projeto.

Em A BOLA de 23 de junho de 1955, Afonso Lacerda, enviado especial a Paris


(por causa da Taça Latina que lá se disputava) escreveu: «Decididamente, a Taça
Europa, primeira denominação do torneio entre clubes europeus lançado pelo jor-
nal L´Équipe, tem mudado de nome à medida que vai tomando forma. Depois de

Jacques Ferran, criador da revista France Football

38 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Taça Europa passou a chamar-se, provisoriamente, Taça da Europa, Taça Seell-
drayers e agora Taça dos Clubes Campeões Europeus, nome que é muito compli-
cado e que não entrará certamente no domínio popular. Taça da Europa seria mais
fácil de pronunciar e de escrever. Faltando-lhe o acordo da União Europeia (assim
tratava a UEFA), uma espécie de superfederação que abrange as 32 federações
da Europa, ontem à tarde, seis dos oito membros deste organismo reuniram-se
em Paris para examinar o assunto e resolveram, pura e simplesmente, autorizar
o torneio, mas organizado pela própria União Europeia. E, para variar qualquer
coisa, arranjaram, então, esse nome pomposo de Taça dos Clubes Campeões Eu-
ropeus que não significa nada, pois, nem todas as equipas serão os campeões dos
seus países, porque no primeiro ano vão aproveitar tudo o que estava feito pelo
antigo Comité Organizador e, consequentemente, fazer disputar o torneio com os
clubes já anteriormente convidados, ficando a organização a cargo de um comité
executivo da União Europeia composto por Ebbe Schwarts (Dinamarca), Gustav
Sebes (Hungria), Pierre Delaunay (França), Peco Bauwens (Alemanha) e George
Graham (Escócia). Realmente, é caso para perguntar como vão os membros da
nova comissão despedir os componentes da antiga, que eram Bédrignants, Sebes
e Bernabéu, a comissão que teve um papel importante na preparação da prova,
com tudo a correr maravilhosamente».
Afonso Lacerda, jornalista de A BOLA

Do triunvirato, salvou-se Sebes — e, por entre jogo do Belenenses com o Real Madrid,
Alberto Valente apanhou de Ernest Bédrignants o descontentamento e lamúria:

— Não está certo que nós estudássemos esta organização para agora os dirigentes
da União Europeia virem, sem mais nem menos, tomar conta de tudo e pôr em marcha
uma coisa que já estava a andar.

39
O Chelsea impedido de lá estar,
o Barcelona a preferir a Taça das Feiras
e os soviéticos a queixarem-se da neve…

Por essa altura já se sabia: a primeira edição da Taça dos Clubes Campeões Eu-
ropeus (mesmo que em A BOLA ainda aparecesse Taça da Europa) não teria lá o
Chelsea — que fora dos primeiros clubes a aconchegar-se à ideia de Jacques Fer-
ran para a sua criação e que John Battersby, seu secretário-geral tivesse sido um
dos membros escolhidos para a Comissão L´Équipe, representando a Inglaterra,
a Escócia, a Suécia e a Dinamarca.

Ao Chelsea, a FA impediu-lhe a participação, alegando que poderia ser «prejudi-


cial para o futebol britânico» — que, para a federação, muito mais interessante
era a Taça dos Clubes Cidades com Feira que se tinha posto em marcha, entre-
tanto (contando com o apoio e o resguardo da FIFA). Soltara-se da imaginação do
italiano Ottorino Barassi, do suíço Erns Thommen e do inglês Stanley Rous — e a
razão estava mesmo ali, nele, no Stanley Rous: tendo sido guarda-redes e árbitro,
tornou-se secretário-geral da FA, sua eminência parda (e a presidente da FIFA
haveria de chegar depois…), não querendo, dessa forma que a sua Taça das Cida-
des com Feira tivesse a concorrência da Taça dos Campeões Europeus da UEFA.

Sem que a UEFA a oficializasse (só em 1971 o faria, transformando-a em Taça


UEFA), o objetivo principal da Taça das Cidades com Feiras nem era tanto o fu-
tebol — era a promoção do comércio (e daí o nome que lhe deram). Podendo
disputá-la clubes, também a podiam disputar seleções das cidades com feiras
comerciais: Barcelona, Basileia, Birmingham, Colónia, Copenhaga, Frankfurt,
Lausanne, Leipzig, Londres, Milão, Viena, Zagreb — e, no jogo dos bastidores,
outro pormenor (ou não) se notou: o Club de Fútbol Barcelona (assim chamado
por imposição franquista) que torcera o nariz à ideia do L´Équipe para o que ain-
da queria que fosse a Taça da Europa — aderiu em entusiasmo solto à sugestão
de Rous, Barassi e Thommen, disponibilizando para o arranque da competição
uma seleção de Barcelona (a insinuar-se, em óbvio traço político, da Catalunha).

Para além do Chelsea como representante de Inglaterra, também se previra que,


na edição de arranque da Taça dos Campeões Europeus pudessem estar o Lin-
field FC como campeão da Irlanda do Norte, o St. Patrick´s Athletic FC como

40 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


campeão da Irlanda e o Aberdeen como campeão da Escócia — e nenhum deles
aceitou o repto. Os irlandeses desprezaram-na, os escoceses não tanto, mas ne-
nhum dos quatro primeiros classificados do seu campeonato quis ir a jogo no que
talvez não imaginasse o que era o futuro a abrir-se na história do futebol.

Com o Dínamo de Moscovo (o campeão soviético) igualmente em anunciado sinal


de desinteresse, ao Spartak de Moscovo chegou, num fogacho, convite para ser
um dos 16 primeiros disputantes do que o L´Équipe ainda considerava ser a Taça
da Europa — e a resposta da sua federação foi um frio (e polido) não: «Devido à
impossibilidade de se disputarem jogos internacionais de futebol em solo russo
durante o inverno e à eventual sobrecarga do nosso calendário, nenhuma equipa
soviética poderá disputar a Taça dos Campeões Europeus».

Pelo mesmo diapasão afinaram os campeões da Bulgária, da Checoslováquia e da


Roménia: o CDNA (que já ligado ao exército se tornaria CSKA), o Sparta de Praga
e o Flamura Rosie Arad (que, fundado, pouco antes do comunismo lá se implantar,
como IT Arad, o nome da fábrica de têxteis do Francisc Barão von Neumann se
tornou Flamula Rosie Arad — e sim: a bandeira vermelha da Flamula Rosie marca-
va-lhe o novo destino).
Assim sendo, o lote de pioneiros formou-se com o AC Milan, o Anderlecht, Arhus,
o Djurgardens IF FF, o Real Madrid CF, o Stade de Reims e SC Rot-Weiss Essen
(esses na verdadeira condição de campeões) e com o Sporting, o Partizan de
Belgrado, o MTK Budapest, o Servette, o Hibernian, o Warszawski Gwardia, o Ra-
pid Wien, o PSV Eindhoven e o Saarbrucken (como convidados em nome do seu
prestígio ou da sua fama). Deu no que se vai ver…

41
Capítulo II
1955/56

CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)
Sporting abriu
a Taça dos Campeões
sem que da Jugoslávia
viesse o clube
de anticomunistas presos

Mesmo não sendo campeão nacional, foi ao Sporting que


coube o lugar de Portugal na edição de arranque Taça dos
Campeões Europeus — e o Jamor não teria marcado a histó-
ria do futebol europeu (como palco do seu primeiro jogo, com
os jugoslavos do Partizan) se, meses antes, Gabriel Hanot não
tivesse reagido como reagiu à manchete que tratava o Wol-
verhampton como «campeão do mundo».

Hanot não era, então, apenas jornalista do L´Équipe


— e marcara a história do futebol e da sua vida por mui-
to mais. À seleção de França chegara em 1908, com 18
anos. Após se ter aventurado à Alemanha para jogar pelo
Preussen de Berlim (e, pelo caminho, aprender-lhe o idio-
ma), ao estoirar da I Guerra Mundial, em impulso aven-
tureiro, ofereceu-se a combate como piloto-aviador. Não
tardou que os alemães o aprisionassem — e rocamboles-
ca foi a forma como conseguiu, logo depois, fugir-lhes.
Ao acabar de fazer 29 anos, acidente com avião que tri-
pulava (já com a guerra terminada) obrigou-o a deixar o
Gabriel Hanot, jornalista do L’Équipe que também foi selecionador de França
futebol. Aliás, a deixar o futebol, não — pois logo se lan-
çou a jornalista, dirigente. E mais: em 1949 chegou a se-
lecionador de França — e após derrota embaraçante com
a Espanha (1-5), Gabriel Hanot escreveu sob pseudónimo
crónica sobre si próprio que levou a FFF a… despedi-lo
(sem perceber quem a escrevera).

Defrontando, a 4 de setembro de 1955, o Sporting no jogo


de abertura da Taça dos Campeões Europeus no Jamor (por-
que o Estádio de Alvalade ainda estava em obras), o Partizan

44 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


de Belgrado também não era campeão da Jugoslávia (o título QMJ[NJXXJFFHTSYJHJWUTWTXYJWIJN]FITȁHFW5TWNXXTVZFSIT
ganhara-o o Hajduk Split). a polícia telefonou para a federação, já se sabia — e o coronel
(MFG^XJZFQYTINWNLJSYJKTNGZXHFW>TXYJ'ZINXNSN¤JXVZFIWF
Ao integrar na Jugoslávia a Croácia, Tito (que se tornara seu Moniz Pereira levou-os para o Sporting, arranjou-lhes trabalho
adepto pelo modo como o clube resistira a nazis e fascistas du- em colégios de Lisboa, a ensinar voleibol. A propaganda sala-
rante a II Guerra Mundial) sugerira a mudança do Hajduk Split zarista não perdeu o ensejo de usá-los a seu favor como sinal
para Belgrado convertendo-se no que o Partizan se converte- do que estava para lá da Cortina de Ferro: um regime de que se
WNFSToHQZGJTȁHNFQIT/3&T*]­WHNYT3FHNTSFQIF/ZLTXQ¥- fugia, um regime que punha uma senhora a chorar em pânico
via — e os seus dirigentes recusaram-no. só de pensar nas represálias — e, por isso, nas vésperas do de-
XFȁTHTRT5FWYN_FSS§TKTNWFWTFSIFWIJGTHFJRGTHFRFNX
Vjenceslav Zuvela criou a Torcida Split (assim mesmo: tor- TZRJSTXNSXNSZFSYJFI¾[NIF
cida por se inspirar no que soubera do Brasil) — e os seus
FIJUYTXKTWFRXJSIT[NXYTXHTRToMTXYNXFTHTRZSNXRTƉ Ɖ8JW¥VZJ[FNH¥ȁHFWRFNXFQLZR$
a ponto de a direção do Hajduk ser irradiada, o seu capitão
IJJVZNUFoJ]UZQXTIT5FWYNIT(TRZSNXYFƉJ;OJSHJXQF[ 3§T S§T ȁHTZ Ɖ J RJXJX IJUTNX JXYFSITXJ O¥ UTW 
Zuvela preso pela polícia política. Fosse ou não por «razões >TXYJ'ZINXNSNKTWFR[N[JWUFWFTX*XYFITX:SNITX
UTQ±YNHFX FT WJHJGJW T HTS[NYJ UFWF F 9F«F IF *ZWTUF F
Federação da Jugoslávia logo o determinou: «nosso repre- 5FWF XJ [JW T 8UTWYNSL5FWYN_FS ST *XY¥INT 3FHNTSFQ XJR
XJSYFSYJ­T5FWYN_FS FT-FOIZPIJWFRQMJFHTSXTQF«§T que o campeonato tivesse sequer começado) havia bilhetes
de disputar a Taça Mitropa…) a 30 escudos — que era o que pagaria quem fosse apanhado
HTRoFVZNQTSFR§T8NRJR[NLTWO¥JXYF[FF5TWYFWNF
Menos de dois anos antes do Partizan vir jogar contra o Spor- IF(¦RFWFIJ1NXGTFVZJHTRJ«F[FFXXNRo;JWNȁHFSITXJT
YNSLST/FRTWȁ_JWFXJST5F[NQM§TITX)JXUTWYTXYTWSJNTIJ aumento de atos atentatórios à moral e aos bons costumes,
voleibol em que, para além de Portugal, da França e da Holan- STXQTLWFITZWTXU¾GQNHTXJOFWINSXJJRJXUJHNFQSFX_TSFX
da, também participou a seleção da Jugoslávia — e, de repente, ȂTWJXYFNX2TSYJX(QFWTX5FWVZJX8NQ[F5TWYT2FYFIF9WFKF-
JSYWFWFR SF JXVZFIWF IT 7JLT ITNX NSIN[±IZTX oRZNYT FQYTX ria, Jardim Botânico, Tapada da Ajuda e outros, determina-se à
que só conseguiam dizer uma palavra que os guardas perce- Polícia e Guardas Florestais uma permanente vigilância sobre
biam: voleibol. Havia quem, no entanto, já soubesse o que se as pessoas que procurem frondosas vegetações para a prática
JXYF[FFUFXXFW3T¾QYNRTINFFTWTRUJWIFSTNYJ>TXYJ'Z- IJFYTXVZJFYJSYJRHTSYWFFRTWFQJTXGTSXHTXYZRJXƉJ
disini, dois dos jugoslavos, segredaram a Moniz Pereira, então de seguida, estabelecia-se o cumprimento que se lhe deveria
selecionador nacional: IFW HTR FX NQJLFQNIFIJX J]UWJXXFX SZRF HWNFYN[F QNSLZFLJR
que não fosse, também ela, beliscadura «na moral e nos bons
— Nós não vamos regressar, tem de nos ajudar... vamos pedir HTXYZRJX
asilo político...
Mão na mãoRZQYFIJ Mão naquiloIJ Aquilo na
O avião para regresso a Belgrado era à meia-noite e chefe de mão, de 30$00. Aquilo naquiloIJ Aquilo atrás daquilo,
delegação da Jugoslávia era uma mulher que, ao aperceber-se IJ Com a língua naquiloRZQYFIJ UWJXTJKT-
da falta dos jogadores, desatou em pranto com medo do que tografado.

45
Como Travaços e ao Sporting se foi oferecer para seu jogador de futebol.
Recebeu-o Joseph Szabo que, vendo-o espigadote, mas
fugiu do que se achava franzino, lhe atirou, brusco, água para a fervura onde ele

que era rapto tinha o sonho a ferver:

(para o ter no FC Porto) — Minino precisa comer muitos batata com bacalhau!

e abriu a Taça dos Campeões Desencantado, José Travaços tentou o atletismo — e, de


cinco semanas depois fogacho, Salazar Carreira encantou-se com a sua velocida-

de se tornar o Zé da Europa de. Sem tardar, levou-o à prova em que Tomás Paquete ba-
teu o recorde ibérico dos 100 metros com 10,6 segundos — e
ele saiu de lá com 11,0 segundos, uma das melhores marcas
Havendo ainda a Taça Latina, o Benfica deu ao Belenen- nacionais de juniores de sempre.
ses (que golo de João Martins impedira, à beira do fim, de
ser campeão) o seu lugar na prova — e, nesse Sporting, que Chegou-se a 1946 — e um emissário do FC Porto foi à ofi-
recebera «convite de honra» para a Taça dos Clubes Cam- cina da CUF, onde Travaços trabalhava como serralheiro,
peões Europeus (nome que ficou, oficial, na competição), a perguntar-lhe o que queria para se mudar para lá. Respon-
estrela era José Travaços, o Travaços que acabara de jogar deu-lhe, de chofre:
pela seleção da Europa.
— 20 contos de luvas e boa casa montada na cidade.
José António Barreto Travaços nasceu, algures por 1926,
numa casa que ficava entre dois famosos campos de fute- Logo recebeu sim como resposta. O rumor do acordo che-
bol: Lumiar e Campo Grande. O pai era rendeiro da quinta gou ao Sporting — e um dos seus dirigentes achou que se-
com portão na Alameda das Linhas de Torres, n.º 105 — a guro era mandá-lo de férias para Torres Vedras. Ao cabo de
quinta que haveria de ser destruída para que lá se construís- 15 dias por Torres, deixaram-no sair para que pudesse par-
se o Estádio de Alvalade. Aos 13 anos foi para uma oficina ticipar numa corrida de atletismo — e, de um instante para o
aprender o ofício de torneiro. Ouvindo contar que a CUF outro, despareceu. Diretor portista descobrira-o — e levou-o
estava a admitir pessoal, dando preferência a jogadores de de imediato para o Porto, onde o hospedou num hotel, com
futebol, Travaços tentou a sua chance. Aprovaram-no, mas direito a tratamento VIP. Como o Sporting estava para jogar
para isso teve de haver pedido de autorização a um ministro em Coimbra por essa altura — acharam que mais prudente
de Salazar: sim, como ainda não fizera 16 anos, não poden- seria escondê-lo em Escamarão, aldeia perto de Cinfães,
do alinhar pelos juniores, sem a «permissão superior» não cruzada pelo Douro, que nem no mapa aparecia.
o deixariam jogar. Deram-lha — a CUF pô-lo a trabalhar nos
seus estaleiros e ele não tardou a espalhar o seu génio pela Por Lisboa soltaram-se queixas de que o FC Porto o raptara —
equipa da empresa, o Unidos de Lisboa, que jogava, então, e, num impulso do coração, José Travaços escreveu, sorrateiro,
no Lumiar B, mesmo à beira da casa onde vivia, na Vila Rosa. ao irmão a dizer onde estava, pedindo-lhe que, de combinação
com dirigentes do Sporting, fossem lá buscá-lo. O estratagema
Tinha, porém, desde pequenino, o Sporting no coração — foi telegrama que lhe despacharam — dizendo que tinha de se

46 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


UWNRJNWTYJYWFIFMNXY·WNFITKZYJGTQUTWYZLZ®XƉJJQJYTWSTZ
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(TXYFIF(FUFWNHF&NSIFUJSXTZVZJKTXXJUFW·INF

— Convocado para jogar pela seleção da Europa que, em


Belfast, defrontaria a Inglaterra, nas comemorações do
Centenário da Introdução Oficial do Futebol nas Ilhas Britâ-
nicas? Hum… Será?!

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YNHFNSLQJXFHTRToRTYTWNSHFSX¥[JQIFXJQJ«§TIF*ZWTUF

— Na segunda parte o nosso domínio foi total. Ganhámos por


4-1, mas podíamos ter dado 10! Os senhores Kopa e Puskas, muito
Após integrar seleção da Europa, José Travaços foi homenageado pelo Sporting
pessoalistas, pareciam querer evitar o desastre britânico. Confes-
XTVZJHMJLZJNFFȁSFW8JJZYN[JXXJRJQMTWUWJUFWF«§TUTIJWNF
ter feito um brilharete dos diabos, talvez ser considerado o melhor
apresentar no dia seguinte num quartel de Lisboa, a pretexto de jogador em campo. Mas antes assim, joguei para a equipa, fui feli-
inspeção militar. Não, não foi isso que ele fez no dia seguinte — o citado por todos, o Ocwirck até me deu um beijo!»
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J,ZNQMJWRJ(TWWJNF(­XFWIJUWTSYTQMJJSYWJLFWFRHTSYTX )TNX ITX LTQTX JZWTUJZX KTWFR UTW 9WF[F«TX KFGWNHFITX
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8UTWYNSLIJXUJINZTITXXJZXVZFIWTX JUFWFVZJS§THF±XXJ — Estava tanta gente à caça de autógrafos, na rua, que me
STIJXJRUWJLTTHQZGJFNSIFQMJFWWFSOTZJRUWJLTSZRFJR acanhei, fiquei no bar, a beber uma cervejinha.
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;NTQNSTXT8UTWYNSLFWWFSHTZKZQLZWFSYJUFWFFHTSVZNXYFIT UTW[JWLTSMF

47
Primeiro golo
da Taça dos Campeões
para Martins, o corticeiro
que ao assinar pelo Sporting
recebeu 100 escudos
(que não davam
para três galinhas)

Não tendo já Fernando Peyroteo, o novo Peyroteo do Sporting


(depois de Mário Wilson não o conseguir ser e de ter ido para a
Académica estudar) era o Martins — que, tendo tirado ao Bele-
nenses o título no drama das Salésias, o pôs na Luz — e o Ben-
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negro Matateu, que se comportou como atacante terrível pela
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ITXRFIWNQJSTXJFHTRUQFH®SHNFIT¥WGNYWT2FYFYJZHMJLTZF
XJWWJYNWFITITHFRUTJRGWF«TXXFSLWFSITƉUFWFQ¥[TQYFS-
do, minutos depois, tratado pelo massagista…)

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Perdendo no campo, o Belenenses (esse Belenenses que tam-
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48 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


sar da UEFA desejar que os jogos da Taça dos Campeões se Ribeira, custava, então, 38 escudos — e quando o presidente
disputassem à noite e tivessem a televisão a mostrá-los — o do Sporting lhe disse que passaria a ter 400 escudos por mês
Jamor ainda não tinha luz). de ordenado, Martins espantou-se:

João Batista Martins nascera em Sines por setembro de 1927, — Achei uma fortuna.
mas como a família era pobre, a vida difícil, mal acabou a quar-
ta classe puseram-no a trabalhar na indústria da cortiça, como Ao chegar a Lisboa, João Martins pesava apenas 48 quilos,
entalhador de rolhas. Na fábrica descobriram-lhe o jeito para a RJINFRJYWTX&TȁRIJYW®XRJXJXIJ8UTWYNSLVZJQMJ
bola, levaram-no para o Sport Lisboa e Sines — e no seu primei- pagava as «refeições reforçadas» para que não continuasse a
ro jogo, contra o Barrosinha, em Alcácer do Sal, abriu bocas XJWZRoUFZIJȁTO¥YNSMFJSLTWIFITVZNQTXƉJFUTZHT
de espanto, abriu-as de tal forma que, pouco depois, o chefe e pouco, foi agarrando destino que era mais do que só suplente
IJZRFK¥GWNHFIJHTSXJW[FXTIJXFȁTZUFWFF.IN[NX§TUFWFT de Peyroteo…
Olhanense. Acabara de fazer 17 anos, foi sozinho de comboio
UFWF4QM§TZRR®XUTWQ¥ȁHTZRFXVZFSITFXXFZIFIJXIJ
casa apertaram desapareceu sem deixar rasto.

Voltou a alinhar pelo Sport Lisboa e Sines — e indo um misto


do Barreiro jogar ao Alentejo perdeu por 6-1, três dos seis golos
foram marcados pelo avançado-centro imberbe e escanifrado.
Dirigente da CUF já não saiu de Sines sem contrato assinado
por ele. João Martins pedira apenas um emprego, disseram-lhe
VZJXNRRJNFMTWFFSYJXITUWNRJNWTOTLTTȁHNFQUJQF(:+WJ-
cusou-se a entrar em campo porque a promessa permanecia
por cumprir. Continuou a treinar apenas. O campo de treinos
da CUF era no Lumiar, paredes-meias com o do Sporting — e
foi por lá que António Abrantes Mendes o descobriu. Cândido
de Oliveira também deu espreitadela e encantou-se. Apesar de,
por essa altura, ninguém imaginar que Peyroteo só jogaria mais
dois anos, pediram a António Ribeiro Ferreira que o contratas-
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J]NLNZ SFIF RFX VZFSIT FXXNSTZ F UWNRJNWF ȁHMF UJQT 8UTW-
ting, para a época de 1947/48, António Ribeiro Ferreira deu-lhe
100 escudos:

— Para que os gastes como quiseres neste teu primeiro dia


de leão.
João Martins (dir.) com Henrique Monteiro, jornalista de A BOLA
Uma galinha inteira, das que se compravam vivas na praça da

49
Partizan
Juntamente com o Sporting, a equipa jugoslava do Partizan faria
história ao participar, a 4 de setembro de 1955, no Jamor, naquele
que foi o primeiro jogo da Taça dos Campeões Europeus

1955

50 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


O jugoslavo que se magoou a correr atrás
de Martins (e que quando já era treinador
se viu bêbado no banco)

Na crónica do Sporting-Partizan que Vítor Santos escreveu em A BOLA, o título a rasgar


a primeira página era:
Uma «senhora equipa» obrigou um Sporting «fora de tempo» a utilizar a «raiva» lusitana.
«Fora de tempo» por ter de jogar a Taça dos Campeões, sem que o Campeonato Na-
cional da I Divisão se tivesse já iniciado — e, por isso, também o pôs, em letra de forma:
A Sporting de jogo lento, telegrafado, arrastado, contrapôs-se o Partizan, de campeo-
nato a decorrer há mais de um mês na Jugoslávia, de toada rápida, direta e acutilante.
Ainda assim, foi de João Martins o primeiro golo do jogo (o primeiro golo da história da
Taça dos Campeões Europeus): recebendo a bola de Barros, livrou-se, galhardo e valente,
da oposição de Zebec e, após duas passadas a galope, disparou para o fundo da baliza de
Slavko Stojanovic, fazendo «golo vistoso».
Na sequência da queda ao tentar apanhar Martins, Zebec magoou-se — e levaram-no, a
braços, para assistência fora de campo. Largos minutos depois, regressou — e, cambado,
passou, para o lugar de extremo-esquerdo, «pouco mais fazendo que número».
(A Zebec, o Branko Zebec, vice-campeão olímpico em Estocolmo, o regime comunista
haveria de permitir que fosse jogar para a Alemanha, mas só depois de ter passado os 30
anos — e, ao cabo de dois anos, algures por 1965, regressou à Jugoslávia para treinar o
Dínamo de Zagreb. Foi o início de um percurso que teve como ponto alto de glória a con-
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Zebec ainda atirou, depois, o Hamburger SV de Manfred Kaltz, Horst Hrubesch e Kevin
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KTWFUFWFFȁSFQIJ2FIWNI9ZITUNTWTZJSY§TSTXRJXJXXJLZNSYJXƉJUTWRFNXIJZRF
vez o apanharam a dormir no banco, a ir para ele, sem esconder sinais de bebedeira. Numa
das vezes, ao voltar para o intervalo, murmurou:
ƉƓ40ƓUJWIJRTXS§TKF_RFQLFSMFRTXTUW·]NRTƓ
E ainda faltavam jogar 45 minutos. Despedido ainda passou, sempre fugaz, pelo Borús-
XNF)TWYRZSIUJQT*NSYWFHMY+WFSPKZWYJUJQT)±SFRTIJ?FLWJGƉJJRXTQYTZXJF
notícia de que Branko Zebec morrera, aos 59 anos, de doença causada pelo álcool.

51
Por que ao abrir a porta
a uma mulher Carlos Gomes
(o primeiro português
a sofrer golo
na Taça dos Campeões)
foi parar aos calabouços
da PIDE

No Sporting-Partizan, o 1-1 surgiu quando já não devia — o


árbitro enganou-se na cronometragem, estava-se já no minu-
to 46 (e não, nessa altura não havia descontos ou compen-
sações). No DL, Tavares da Silva (que com Joseph Szabo a
treinador de campo tinha levado para Alvalade o título de
1953/54) escreveu: «Foi golo dado pelo Sporting. Estava um
meia-vermelha estendido no chão, Pajevic, a meio do terreno,
o árbitro deixou seguir naturalmente o jogo e toda a defesa
sportinguista quedou, paralisada, deixando que o n.º 9 rolasse
UFWFFXGFQN_FXJȁ_JXXJTYJSYT

Sofrendo-o de Milos Milutinovic, Carlos Gomes tornou-se,


assim, o primeiro guarda-redes português a sofrer um golo na
Taça dos Campeões Europeus — e era já personalidade mais
fogosa e fervilhante do plantel leonino (por ser já mais, muito
mais, do que um grande guarda-redes…)

Carlos António do Carmo Costa Gomes nasceu no Barreiro


em janeiro de 1932. De miúdo começou a ir para trás da baliza
de Francisco Silva, suplente de Azevedo na seleção, desva-
necendo-se com as suas defesas e oferecendo-lhe, quando a
bola andava por longe, não água para se refrescar mas laran-
jas que levava, à sorrelfa, dos pomares vizinhos.
Carlos Gomes, primeiro guarda-redes português
a sofrer golo na Taça dos Campeões
&TFHFGFWIJKF_JWFSTXXFGNFXJVZJT'JSȁHFXJNS-
teressara por ele, apareceram-lhe em casa dois dirigentes do

52 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Carlos Gomes, guardião sportinguista sempre irrequieto na polémica, ladeado por João Morais (esq.) e Hilário (dir.)

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XZFUWNRJNWF­UTHFVZFYWTOTLTXGFXYFWFRUFWFQMJIFWTXJZ — Pois mete na tua cabeça, se é que a tens, que enquanto eu for
UWNRJNWTY±YZQTIJHFRUJ§T3FXJLZNSYJSFIJFNSIF presidente do Sporting são cinco contos ou nada. Para que queres
KTNHTR&_J[JITSFGFQN_FVZJT8UTWYNSLFGWNZTHFRUJTSFYT tu mais dinheiro? Para putas e automóveis?

53
Retorquiu-lhe que não aceitava que lhe pagassem «cinco palhaço?! Está diante do Ministro da Defesa Nacional» — e por
miseráveis contos», havendo no clube quem recebesse 20 ou causa disso, fui castigado com três dias de detenção em quartel.
mais. Góis Mota urrou:
Pior lhe sucedeu depois:
— Mentira, o clube nada dá a mais aos outros. E se há alguém
que recebe algum extra, isso deve-se à dádiva de algum sócio. — Possuía um velho carro descapotável (o ganho não dava para
mais) e estava sempre rodeado de belas mulheres. Uma das mi-
Atirou com a porta à cara do presidente, que também era nhas íntimas era estrangeira. Como necessitava de um visto,
comandante da Legião, exclamando-lhe, ao virar de costas: acompanhei-a ao tenebroso edifício da PIDE. Ao parar o carro,
HNSHTHMTKJWJXUTQ±HNFXKF_JSITXJJSLWF«FITIJXFȁTZRJo*M
— Pois então trate de encontrar-me um sócio desses para mim tu! Tira daí essa carroça. Por acaso não sabes, idiota, que aqui é
ou um outro guarda-redes para si. proibido estacionar?!»

Deixou de aparecer aos treinos, estava a cumprir tropa na Carlos Gomes abriu, cavalheiro, a porta à menina, murmurou:
Ajuda, apercebeu-se de rumores de que, por causa da sua
rebeldia, o poderiam despachar para África, voltou à Rua do — Bando de chacais!
Passadiço, para dizer ao presidente:
Acordou nos calabouços da PIDE com um olho num trambo-
— Regresso, mas com uma condição: que me tire da tropa. lho e mossas pelo corpo todo — e, horas depois, Santos Costa
telefonou a Francisco Cazal-Ribeiro, que, entretanto, subira
,·NX2TYFFȁWRTZQMJ a presidente do Sporting, sucedendo a Góis Mota (e que era,
como o outro, comandante da tenebrosa Legião Portuguesa,
— Tirar-te da tropa, isso não, que é dever sagrado de todo o por- a milícia do regime) para um desabafo:
tuguês.
— Se não fosse o futebol, o Sporting, teria mandado o gajo para
Mas, através de telefonema ali mesmo, conseguiu que San- onde ele merecia, para Peniche ou para o Tarrafal. Mas, para que o
tos Costa, ministro de Salazar, o pusesse em pouco serviço no malandro não se julgue impune, vai ter de cumprir 10 dias de prisão
seu próprio gabinete. militar».

Antes de partir para a Bélgica, para o Campeonato da Eu- Logo ali, Santos Costa e Cazal-Ribeiro decidiram, porém,
ropa de militares, Santos Costa chamou a Seleção, coman- que só cumpriria a pena depois do jogo com o FC Porto, que,
dada por António Ribeiro dos Reis, a jantar de despedida em por essa altura, ainda andava em luta pelo título, com o Spor-
Queluz: ting — no campeonato de 1957/58, o primeiro a dar ao Spor-
ting lugar na Taça dos Campeões Europeus de pleno direito.
— A certa altura, o ministro contou-nos uma história idiota, qual-
quer coisa como um jogador que meteu um penálti com a cabeça (Em 1958, pela transferência de Carlos Gomes para o Gra-
— e, naquele silêncio impressionante, desatei a rir à gargalhada. nada de Scopelli, o Sporting recebeu um milhão de pesetas,
Olhando de viés, avançou direito a mim: «Cabo, eu tenho cara de cerca de 570 contos. Como o máximo que a federação espa-

54 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


— Insinuou-se, atreveu-se e...

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nhola permitia que se pagasse a um jogador era 125 mil pese- (TSYFHYFWF HTSYWFGFSINXYF UFWF T UFXXFW ZR YNU·LWFKT UFWF
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ZRFJRUWJLFIF&UFWJHJZQMJJXUFRUFSFSYJZRFWFUFWNLF — Comigo na baliza, Portugal teria sido campeão do Mundo e o
ƉUFWFTJRUWJLT Sporting teria ganho mais do que uma Taça das Taças...)

55
No segundo golo do Partizan, pretendeu fazer boxe, arrastando os companheiros para cenas
deploráveis. Os ânimos serenaram, dois portugueses cumpri-
o azar de Passos mentaram, então, dois jugoslavos, o sossego voltou e o Sporting

(e depois o boxe no campo…) atacou com ainda maior categoria.»

O 2-2 apareceu ao minuto 65 através de Quim, a arma sur-


Ao minuto 50 do primeiro jogo da história da Taça dos Cam- preendente que Alejandro Scopelli usara no ataque aos parti-
peões Europeus, Milos Milutinovic voltou a fazer golo, o 1-2 a zans. Quim, o Joaquim Ventura da Silva, chegara meses — com
favor do Partizan foi para Tavares da Silva uma dádiva de Passos 19 anos — apontado como «sucessor de Albano». Era tão gran-
— «involuntária, traição do vento, mas ainda assim uma dádiva». IJFJXUJWFS«FVZJIJXUJWYF[FVZJT'JSȁHFJ]UZQXFWFITXJZ
LWZUTIJȁQNFNXT814QN[FNX TSIJHTRJ«FWFFOTLFWUTWTXXJZX
Ao idealizar-se na redação do L´Équipe a Taça dos Clubes dirigentes terem preferido transferi-lo para o Sporting (as quatro
Campeões Europeus (ainda sem assim a denominarem) — a épocas seguintes seriam de cada vez maior ocaso para Quim —
ideia era que os jogos à quarta-feira se disputassem à noite. Mas que em meados de 1960 saiu, pelo buraco do ponto, para o V.
como o Estádio Nacional não tinha ainda iluminação, foi pela tar- Setúbal) — e, com ele nas nuvens, ainda se lhe ouviu, por lá, pelo
de — e a um domingo. Jamor:

A caminho do balneário, a Manuel Passos logo se apanhou — Eles, os jugoslavos, são bons jogadores, mas… mas nós mere-
mágoa a soltar-se: cíamos ter ganho. Não fomos afortunados. Perdemos alguns golos
por um triz — e a nossa defesa também não teve a ampará-la o
— Tive azar, muito azar no segundo do Partizan. fator sorte. No terceiro golo, sim: a nossa defesa foi batida apenas
por virtude dos lances envolventes e das rapidíssimas desmarca-
A seu lado, Carlos Gomes esboçou-lhe a consolação: ções dos jugoslavos — que, nisso, são muito perigosos.

— Quase o evitava, com uma palmada mais em cheio na bola. Esse terceiro golo, o que pôs o placard em Sporting, 2-Parti-
Mas o chuto foi muito à queima. zan, 3 — marcou-o Stjepan Bobek aos 73 minutos. Era, então,
o mais badalado jogador do Partizan. Nascido em dezembro de
E Passos continuou a remoer o golpe do destino: 1923 — para que o pudessem inscrever pelo Viktorija Zagreb,
com apenas 13 anos, usaram-se documentos do irmão mais
— Azar, um grande azar… Fiz-me à jogada, queria deter a bola velho. Para o Partizan o levaram quando, por outubro de 1945,
com o corpo, mas ela passou-me por baixo do braço — ao menos, combatentes na Guerra Civil de Espanha e na II Guerra Mundial
que lhe tivesse batido, que só teria sido falta. o fundaram em homenagem aos partizans (como se chamavam
às milícias comunistas) — logo se tornando o clube do exército
Entretanto, agitou-se o Jamor com escaramuça: levando para do Marechal Tito. Vice-campeão olímpico em Londres e em Es-
lá do limite, a rudeza com que o Partizan vinha jogando, Pajevic tocolmo — Bobek não deixara também de espalhar o seu brilho
JSYWTZ[NTQJSYTXTGWJ9WF[F«TXJSLFQȁSMFSITXJZRSTTZYWT (e o seu instinto goleador) pelo Mundial de 1954 (e por tudo isso
houve pugilato no campo, Tavares da Silva revelou-o: «Dois mi- em 1995 foi eleito o Melhor Jogador de Todos os Tempos do Par-
nutos depois, o jogo parou de novo porque um defesa jugoslavo tizan).

56 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Com Travaços a coxear, viagem, com escalas em Barcelona, Roma
e Atenas. Na capital grega entusiasmaram-
«casos dignos de polícia» -se com a Acrópole. Na capital da Sérvia
continuaram em turismo, utilizando o au-
tocarro de luxo do Partizan, um Austin
Aos 78 minutos, Martins fechou a con- que a aventura da Taça dos Campeões co- ultramoderno que fora oferecido ao clube
tagem do Sporting-Partizan nos 3-3. José meçara — e não falhou no alvitre: durante muito afamada digressão a Ingla-
Travaços era o mais sisudo dos sportinguis- terra.
tas, coxeando a caminho do balneário. Ao — Não deixa de ser uma boa proeza do
perguntarem-lhe se se ressentira da perna Sporting, mas este resultado torna-lhe as Ao chegarem, havia notícia de inunda-
esquerda, apanhou-se-lhe após um esgar: coisas feias para Belgrado. Porque o Parti- ções no Danúbio. No dia do jogo a chuva
zan, graças à sua experiência internacional desapareceu — e o Partizan ganhou por
— Não viram? Acham poucas as que le- e à classe de vários dos seus jogadores: 5-2 — e Alejandro Scopelli frisou:
vei lá dentro?! — e sim ainda dói. Bobek, Zebec, Milutinovic ganhará lá, mes-
mo se Travaços jogar tão bem como aqui — 2-4 é que estaria bem.
Do árbitro, Édouard Hariz (francês J(FWQTX,TRJXȁ_JWFKFSY¥XYNHFJ]NGN«§T
que, anos antes, andara pela URSS a que fez. Carlos Gomes considerou o Partizan a
JSXNSFW FWGNYWFLJR FȁWRTZ 9F[FWJX IF mais extraordinária equipa que defrontara:
Silva: «Deixou passar em claro agres- Para Belgrado partiram os sportinguis-
sões, casos de rua dignos de polícia. tas sem muitas esperanças. Foi longa a — Milutinovic é um sonho, marcou-me
No primeiro quarto de hora da segunda três golos e até poderia ter marcado mais
parte —, foram os jugoslavos que os de- Taça dos Campeões - 1955/1956
três.
sencadearam, mas houve resposta por-
tuguesa. E ainda foi mau cronometrista, 3 Sporting Os dirigentes sportinguistas, igualmente
permitindo, assim, o primeiro golo do deslumbrados, cogitaram contratar Miluti-
3 Partizan
Partizan, mais de meio minuto depois novic mas assustaram-se quando soube-
4NYF[TXIJȁSFQUWNRJNWFR§T
do tempo regulamentar». ram que, para além das quase inultrapas-
4 de setembro de 1955
sáveis limitações políticas, por menos de
*XY¥INT3FHNTSFQ/FRTW
Do Jamor foram ambas as equipas con- 3000 contos nem valeria a pena começar a
Árbitro: Edouard Harzic (França)
fraternizar para a Feira Popular e foi por lá falar do caso. O pai fora morto em comba-
SPORTING: Carlos Gomes; Caldeira e Galaz;
que a Travaços se apanhou: Barros, Passos (cap.) e Juca; Hugo, Vasques, te na segunda guerra mundial, tuberculose
Martins, Travassos e Quim.
matara-lhe a mãe logo depois — e, cria-
— Sem merecermos empatar até pode- dos por uma tia, tal como Milos, jogaram
PARTIZAN: Stojanovic; Belin e Lazarevic;
ríamos ter ganho. Borozan, Zebek e Pajevic; Valok, Bobek (cap.), no Partizan os seus dois irmãos: Milorad
Milutinovic, Mihailovic e Herceg e Bora (esse mesmo que haveria de fazer
A Lisboa viera, como enviado especial 2FWHFITWJX  2FWYNSX    2NQZYNST[NH  
história, estando como selecionador de
do L´Équipe, Gabriel Hanot. Fora no seu  2NQZYNST[NH    6ZNR    'TGJP cinco países diferentes em cinco edições
 2FWYNSX 
comentário ao Wolverhampton-Honved de Campeonatos do Mundo).

57
XJXFGJƓS§TKTNT-TS[JIVZJWJUWJXJSYTZF-ZSLWNFSFXZF
Ao clube do Puskas primeira edição.
prenderam-lhe o guarda-redes
— e em vez do Honved Quando, em 1949, a Hungria se tornou estado comunista e
,ZXYF[T8JGJXXZGNZF[NHJ2NSNXYWTIT)JXUTWYTQTLTTIJHN-
a Hungria mandou diu: concentrar a base da sua seleção em dois clubes apenas.
(TRTT+JWJSH[FWTXJXYF[FHTSTYFITHTRSFHNTSFQNXYFXJINX-
à Taça dos Campeões sidentes do PC, escolheu para o seu plano o MTK, que passou
o clube da polícia política FXJWTHQZGJIF&;-FUTQ±HNFUTQ±YNHFITWJLNRJ2ZIFSITQMJ
TSTRJHTRJ«TZUTWXJW'¥XY^F8*JIJUTNXFNSIFHTRRFNX
(e trágico foi o destino KJW[TWWJ[TQZHNTS¥WNTUFXXTZF;TWTX1TLTGT8* ;TWTX1TLT-
do seu goleador) GTXNLSNȁHFGFSIJNWF[JWRJQMF&T290OZSYTZT0NXUJXY&(
IJ5ZXPFXTUFNJTȁQMTVZJUFXXTZFXJWHTSYWTQFITUJQT
J]­WHNYTRZIFSITQMJTSTRJYFRG­RƉUFWF-TS[JI MTS[JI
Ao saber da ideia do L´Équipe, o Chelsea não perdeu tempo VZJJRM¾SLFWTXNLSNȁHFTXIJKJSXTWJXIFYJWWFR§J
a agarrar-se a ela: que sim, que estaria também na Taça dos
Campeões Europeus — dela desistindo, largando como des- &IJWWTYFIJ'JWSFIJN]FWFKJWNIFGJRFGJWYFSTHTWF«§TITX
HZQUFoINȁHZQIFIJXUFWFFWYNHZQFWHFQJSI¥WNTXWJ[JQFSITXJ M¾SLFWTXJSYWJJQJXMF[NFVZJRFHMFXXJVZJFHZQUFIFIJW-
porém, logo depois que fora a FA que lhe proibira o intento por WTYF SF ȁSFQ IT 2ZSINFQ IJ  KTWF IJ 5ZXPFX J ITX XJZX
oFHMFWVZJYFQUTIJWNFXJWUJWNLTXTUTIJWNFIJX[NFWFXFYJS- HTRUFSMJNWTXIT-TS[JIJUTWNXXTSFXXJRFSFXVZJXJQMJ
«¹JXIFXZF1NLFƉHMFRFSITXJJRXJZQZLFWTXUTQFHTXIT XJLZNWFRXJRUWJVZJT-TS[JIOTLF[FFUZUF[FRSTNSXZQYF-
Gwardia Warszawa. [FRST+TNUJWIJSITFUFHN®SHNFZRF[J_FGFSITSTZTHFR-
UT3TZYWFKJ_UNTWYNWTZUWT[THFITWTXHFQ«¹JXJRWJXUTXYF
3FVZJQFKFRTXFYFWIJJRVZJT-TS[JIOTLTZJR.SLQFYJW- a apupos que se soltaram das bancadas — e por causa disso
WFHTRT<TQ[JWMFRUYTSIJXFȁTFUWJXJSYFITHTRTToIZJQT JXYJ[J[¥WNTXOTLTXXZXUJSXT
UFWFIJHNINWVZFQFRJQMTWJVZNUFIJKZYJGTQITRZSITMTZ[J
truque: apesar de ser dezembro, dezembro de 1954, não cho- .RUJINITIJOTLFWUJQFUTQ±HNFUTQ±YNHFJRUWNX§TITRNHNQN¥-
[NFƉJJSHMFWHTZXJTWJQ[FITHTRZRUWTU·XNYTJXHTSINIT WNF UTW oXZG[JWX§T HTSYWF T WJLNRJ HTRZSNXYF HTSYNSZF[F
oNRUJINWTOTLTȂZ±ITITXRFLNFWJX&HFGTZHTRIJWWTYFIT ,^ZQF,WTXNHXƉJFNSIFFXXNRT-TS[JILFSMTZHFRUJTSFYT
-TS[JIUTWHTRTGFSIJNWNSMFVZJFSZQFWFTLTQTITJR- IJ  4 ¾QYNRT OTLT HTSYWF T ;TWTX 1TGTL· JWF RFNX IT
UFYJ F 5ZXPFX ST 2ZSINFQ F FSZQFW T  YFRG­R IJN]FSIT VZJZROTLTTIFHTSXFLWF«§TITXHFRUJ¹JX&HFGTZƉ
5ZXPFXFVZJN]FWXJKZWNTXTIJoRFNXZRWTZGT J ST OTWSFQ 0­UJX 8UTWY JXHWJ[JZXJ o8J ZRF UFWYNIF IJ KZ-
tebol tem 16 golos, a primeira reação é achar-se que não foi
9FQ HTRT -FSTY IJXHFGJQFIT ȁHTZ 5ZXPFX FT UJWHJGJW WJFQRJSYJX­WNF2FXS§TKTNJXXJTHFXT5JQTHTSYW¥WNTTVZJ
T VZJ XJ JXHWJ[JWF STX OTWSFNX NSLQJXJX IT INF XJLZNSYJ Ɖ F resultou desse brilhante placard foi que cada uma das equipas,
RJXRF HTS[NH«§T WJUJYNIF o& RJQMTW JVZNUF IT 2ZSIT X§T T-TS[JIJT;TWTX1TGTL·VZJWJSITRTXYWFWVZJRJWFWJFQ-
TX<TQ[JX*FUJXFWIJYJWXNITT-TS[JIFQJ[FW¤NIJFQN_F- RJSYJRJQMTWȁ_JWFRYFQ[J_TOTLTRFNXKFSY¥XYNHTIFMNXY·WNF
«§TIF9F«FIF*ZWTUF VZJS§TȁHTZFXXNRIJSTRJHTRTO¥ IF-ZSLWNF

58 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Sebes não deu, contudo, ao campeão o lugar da Hungria na 4YWJNSFITWIFJVZNUFXZJHFJWF+WFSP8TTƉTȁQMTIJZR
Taça dos Campeões, deu-o ao Voros Lobogó (que, eliminando RFWNSMJNWTHMNS®XJIJZRFNSLQJXFIJ1N[JWUTTQVZJXJYTWSFWF
T-TS[JISFXRJNFXȁSFNXFHFGFWFIJLFSMFWF9F«F2NYWTUF TUWNRJNWTS§TGWFSHTFOTLFWUJQFXJQJ«§TIJ.SLQFYJWWFJVZJ
GFYJSITT)ZPQFIJ5WFLFIJ/TXJK2FXTUZXYUTWƉIJQ¥ RFQHMJLTZF*XYTHTQRTU¸XTXUZUNQTXJRKWJSJXNRFTTGWNLF-
IJXUFHMTZ T &SIJWQJHMY HZOT WJUWJXJSYFSYJ QTLT SF KFXJ IJ QTXFKF_JWYTIFXFXXJRFSFXRNSZYTXIJHTWWNIF FYW¥XIJ
QFS«FRJSYTIT1xVZNUJQFS«FWFFXZLJXY§TITXOTLTX¤VZFW- XNƓJUTWQMJXUWTNGNWJRTVZJFY­JSY§TJWFSFYZWFQT¥QHTTQ
YFKJNWF JTHNLFWWT

& UWNRJNWF R§T ITX TNYF[TX IJ ȁSFQ ST 290 8YFINTS IJ ,FSMFSITJR2FIWNIUTWJUJWIJSITJR2NQ§TUTWT
'ZIFUJXYJ FHFGTZ HTR T UQFHFWI F  Ɖ J SJXXJ INF  IJ 7JFQJQNRNSTZT&(2NQFSƉJFXXNRF9F«FITX(QZGJX(FRUJ¹JX
XJYJRGWTIJ5­YJW5FQTY¥XYTWSTZXJTUWNRJNWTOTLFITW *ZWTUJZXIJWJUJYNZSTRJXRTUFQHTFȁSFQIF9F«F1FYN-
F KF_JW MFYYWNHP SF HTRUJYNǤT *WF ZRF IFX VZFYWT JXYWJQFX SFIJ9WJNSFITWITXRFIWNQJSTXIJN]FWFIJXJWTZWZLZFNT
RFNTWJX IF JVZNUF FX TZYWFX JWFR 3¥SITW -NIJLPZYN 2NM¥Q^ *SWNVZJ+JWS¥SIJ_ VZJJRMF[JWNFIJKF_JWIT8UTWYNSL
1FSYTXJ/·_XJK?FPFWN¥XƉJS§TXJNRFLNSF[FVZJJXYN[JXXJ HFRUJ§TUFXXFWFFXJW/TX­;NQQFQTSLF1QTWJSYJ
O¥FHFRNSMTIJIJXYNSTKFYFQYW®XFSTXIJUTNXFUFSMFWFRQMJ
UWTGQJRF ST HTWF«§T FU·X OTLT IF XJQJ«§T HTSYWF 5TWYZLFQ Depois de ter sido discreto guarda-redes em Córdoba, Vil-
TGWNLFWFRSTFFGFSITSFWTKZYJGTQƉJIJFYFVZJHFWI±FHT QFQTSLF IJINHTZXJ XTGWJYZIT ¤ HFWWJNWF RNQNYFW )ZWFSYJ F
RTWWJZFQLZWJXUTW ,ZJWWF(N[NQ*XUFSMTQFKTNITXRFNXIJXYFHFITXHTRFSIFSYJX
KWFSVZNXYFXFQ«TZXJFLJSJWFQIJNSKFSYFWNFƉJUJQTHFRNSMT
6ZFYWTOTLTXFUJSFXKJ_5FQTY¥XSFJIN«§TIJIF JXUJHNFQN_FITJR*IZHF«§T+±XNHFYTWSTZXJUWTKJXXTWIF*X-
9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZX RFNXYW®XLTQTXRFWHFSITUTW- HZJQFIJ*SYWJSFITWJX8FSYNFLT'JWSFG­ZVZJHTRTJQJYFR-
que o Voros Logogó saiu eliminado pelo Stade de Reims dos G­RHTRGFYJWFWJUZGQNHFSTXSFXMTXYJXKFQFSLNXYFXIJXFȁTZ-
VZFWYTXIJȁSFQ HTRJR5FWNXJJR'ZIFUJXYJ3JXXF TUFWFUWJUFWFITWK±XNHTIT7JFQƉJ;NQQFQTSLFKTN&UQNHFSIT¤
KFXJJXGFWWTZNLZFQRJSYJT5FWYN_FS VZJJQNRNSFWFT8UTWYNSL JVZNUFoRJYTITQTLNFZXFIFJRJ]JWH±HNTXRNQNYFWJX
S§TIJN]FSITUTW­RIJQJ[FWT7JFQFZRXZXYTFU·XIJWWTYF
UTWJR2FIWNI[JSHJWFRUTWJR'JQLWFIT)JUTNXITX 6ZFSITJRIJ_JRGWTIJ*SWNVZJ+JWS¥SIJ_KTNIJX-
XJNXLTQTXF(FWQTX,TRJX2NQTX2NQZYNST[NHKJ_RFNXITNXƉJ UJINITJRHMTVZJHTRFINWJ«§TXZGNZ;NQQFQTSLFFYWJNSFITW
JXXJXTNYTYTWSFWFRSTTUWNRJNWTRJQMTWRFWHFITWIFHTRUJ- UWNSHNUFQGWNSHFSITHTRTIJXYNST
YNǤT
— E eu que pensava que só me queriam para tratar de corpos…
48YFIJIJ7JNRXFKFXYTZIFȁSFQ VZJMF[NFRZNYTXJXFGNF
XJWNFJR5FWNXST5FWVZJITX5W±SHNUJXT-NGJWSNFS+(.SX·- )JUTNX IJ FWWFXYFW T 7JFQ ¤ HTSVZNXYF IT HFRUJTSFYT IJ
QNYT TZYFQ[J_S§TKTNTRTITHTRTTXJXHTHJXJXLFQLFWFRF OZSYTZFTY±YZQTIJHFRUJ§TJZWTUJZIJT
WTSIFFSYJWNTWHFGJSITQMJXOTLFWHTRT)OZWLFWIJSXFTFUJW- IJHFRUJ§TJXUFSMTQ[TQYFSITFXJWƉJUTW'JWSF-
ceberem-se de que agrestes condições meteorológicas impe- G­ZS§TQMJVZJWJWIFWTINSMJNWTVZJQMJJ]NLNZIJN]TZT7JFQ
INFRIJXFȁTFHJNYFWFRKF_JWFRGFXFXR§TXSF*XH·HNF3T [TQYTZ FT VZFWYJQ ;NQQFQTSLF YNSMF UTW­R RFNX MNXY·WNF ¤ XZF
+NWMNQQ5FWPIJ,QFXLT\ FKZSHNTSFWHTRTXZFHFXFUJWIJWFR JXUJWFƉKTNHTRJQJFXJQJHNTSFITWVZJF*XUFSMFLFSMTZT
UTWJST*FXYJW7TFIIJ*INRGZWLTUTW *ZWT

59
Como o acidente de França, a mais de 600 metros de profundidade, no meio do pó,
da água e da escuridão. Tornei-me no que se chama um galibot,
na mina (que lhe levou mineiro em calão do Norte. No dia de folga fazia tudo para jogar
KZYJGTQ5TWȁRHTSXJLZNYWJNSFW¤YFWIJSTRJZHQZGJ8FGNFVZJ
dedo de uma mão) era a minha única arma para me escapar da mina — e logo depois
mudou a vida a Kopa daquela cidade.»

)FRNSF TSIJYNSMFUTWXJW[N«TJRUZWWFWTXHFWWTXFYFKZQMF-
+TNFIJOZSMTIJFȁSFQIFUWNRJNWF9F«FITX(FR- ITXIJHFW[§TUJQTXJXHTSXTXJJXYWJNYTXHTWWJITWJXUTW[J_JX
UJ¹JXƉFSYJRNQJXUJYFITWJXST5FWVZJITX5W±SHNUJX6ZF- FRFNXIJRJYWTXITXTQTJXHFUTZJRIWFRFFTFHFGFWIJ
XJ¤RJXRFMTWFXJQJ«§TIJ'ZIFUJXYJ RNXYZWFSITOTLFITWJX KF_JWFSTXWTHMFHFNZIJZRHFWWNSMTJJXKFHJQTZQMJTNSIN-
IT-TS[JIJIT;TWTX1TLTG·HTRFQLZSXIJQJXTXIT-TS[JI HFITWIFR§TJXVZJWIF;JSITTFRUZYFITIJWFRQMJUJSX§T
S§T RZNYT QTSLJ IJ XJ YTWSFWJR ST VZJ XJ YTWSFWFR J]NQFITX IJNS[FQNIJ_J0TUFX_J\XPN FQN¥XX·0TUFUFWFTXNRUQNȁHFW
UTQ±YNHTXNSFZLZWF[FHTSYWFT8UTWYNSLFNQZRNSF«§TIT*XY¥INT UTWXZLJXY§TIJZRUWTKJXXTWVZFSITFNSIFFSIF[FSFJXHTQF
IJ&Q[FQFIJƉJSFU¥LNSFIJINHFIFJR&'41&FTOTLTIJ5F- UWNR¥WNF ȁHTZ HTR RFNX YJRUT QN[WJ UFWF FQNSMFW UJQF JVZNUF
WNXWJ[JQF[FXJo&U·XTFQRT«TIT7JFQ8FSYNFLT'JWSFG­ZKJ_ IJ3TJZ]QJX2NSJX VZJFSIF[FJSY§TUJQFYJWHJNWFIN[NX§T
ZRFJ]TWYFǤTFTXOTLFITWJXRFIWNQJSTXIN_JSITQMJXVZJJWF JYNSMFHTRTUWJXNIJSYJTJSLJSMJNWTIFRNSF
YTIFF*XUFSMFVZJJXUJWF[FVZJF9F«FKTXXJUFWF2FIWNIƉJ
YFRG­RXJHTSYF[FVZJFUTQ±HNFYN[JWFIJoGQTVZJFWYTIFXFX /TLFSIT XJRUWJ JR JVZNUFX IJ OTLFITWJX RFNX [JQMTX FQ-
WZFXFIOFHJSYJXFTJXY¥INTFȁRIJJ[NYFWVZJSJQFXUJSJYWFX- LZWJXUTWIJXFȁFWFRSTFZRYWJNSTIF+++UFWFOT[JSX
XJRUJXXTFXXJRGNQMJYJ JXNRMF[NFRZNYFXFTXRFLTYJX UWTRJXXFXƉJS§TQMJIJWFRNRUTWY¦SHNFIJRFNTWUTWTFHMF-
UTWVZJUTWoVZJXY¹JXIJXJLZWFS«FFTWLFSN_F«§TWJIZ_NWFF WJRGFN]TYJ RJINFRJYWTXJFNSIFS§TXJQMJWJHTSMJHJW
QTYFǤTIJUFWFRNQJXUJYFITWJX FSFHNTSFQNIFIJKWFSHJXF

48YFIJIJ7JNRXJWFF¾SNHFJVZNUFVZJFNSIFS§TUJWIJWF Ɖ&VZNQTS§TYNSMFLWFSIJXJSYNITUFWJHNFRJRZNYTFWYNȁHNFQ
ƉUTWJSYWJTXTSMTIJFXXNRHTSYNSZFWNSXNSZF[FXJXTRGWF Tínhamos de marcar cantos, livres, e fazer uma corrida cronome-
UTW­R0TUFFXZFJXYWJQFRFNTWJXYF[FoKJWNITSZRYTWST_J- trada tipo slalom. De qualquer modo, pensei que surgisse um dos
QTƉJX·¤¾QYNRFMTWFXJXFGJWNFXJNSȁQYWF«§TIJFSFQL­XNHT grandes clubes do Norte a oferecer-me contrato: o Lille, o Lens, o
QMJUJWRNYNWNFOTLFWTZS§T Valenciennes ou o Roubaix — e não deixou de ser desilusão para
mim ver que só o Angers, da segunda divisão, me fez oferta.
0TUF JWF T INRNSZYN[T IJ 0TUFX_J\XPN Ɖ J S§T T FUJQNIT
S§TJSLFSF[FȁQMTIJUTQFHTVZJKZLNWFIF&QJRFSMFUFWFF +TNJRƉJITNXFSTX[TQ[NITX0TUFXFQYTZIJQ¥ JR
+WFS«FIJUTNXIF.,ZJWWF2ZSINFQJKTWFYWFGFQMFWUFWFFXRN- SJL·HNT JS[TQ[JSIT  RNQM¹JX IJ KWFSHTX UFWF T 8YFIJ IJ
SFXIJHFW[§T3TJZ]QJX2NSJX5TWQ¥SFXHJZFIJTZYZGWT 7JNRX VZJ HTRJ«FWF UTW IJSTRNSFWXJ 8THN­Y­ 8UTWYN[J IZ
IJƉJKWFSH®XKTNTSTRJVZJTUFNQMJU¸X7F^RTSI3F 5FWH5TRRJW^KZSIFIFSTXJNTIFK¥GWNHFIJHMFRUFSMJ5TR-
GNTLWFȁFVZJMF[JWNFIJJXHWJ[JWo2TS+TTYGFQQHTSYTZT RJW^ ,WJSTUWTUWNJIFIJIT2JWHMNTWIJ5TQNLSFHRFWVZ®X
VZJFNSIFUJSTZFQLZRYJRUTFHZXFITIJHTQFGTWFHNTSNXRT
— A partir dos 14 anos comecei a trabalhar numa mina do norte HTRFTHZUF«§TSF_N

60 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


&YWJNSFITWIT7JNRXJWF&QGJWY'FYYJZ]:RIJȁQMTXIZR IJQFITƉJKTNUTSYFUJFWUJWSFIJ,^ZQF1·W¥SY(QFWTKTN
ferroviário de Reims, o talento que depressa mostrou para o fu- UFWFFWZFYFRG­R5ZXPFXS§TJSYWFWFJRHFRUTUTWFSIFW
YJGTQIJX[NTZTITIJXYNSTFVZJO¥XJQFS«FWFNWYWFGFQMFWUFWF FHTSYFXHTRQJX§TRFXS§TIJN]TZIJXFQYFWUFWFFXGTHFX
a beira do pai. Sendo já a estrela do Stade de Reims que em IT RZSIT NLZFQRJSYJ HTRT KJWWFW¥X Ɖ J KTN )OFQRF 8FSYTX
LFSMTZTXJZUWNRJNWTY±YZQTSFHNTSFQƉHFGJSITQMJFX- VZJRIJUTNXTHTSYTZ
sim, ser representante de França na edição de estreia da Taça
1FYNSFFVZJQFJRVZJXTGTXNLSTITX(NSHT;NTQNSTXT'FW- — A confusão maior aconteceu, já com o jogo terminado, por
HJQTSFGFYJZSFȁSFQT8UTWYNSLIJ(¦SINITIJ4QN[JNWF)TNX conta de um mal-entendido. As duas cabinas eram uma ao lado da
FSTX IJUTNX ;NHYTW (FSFWI T UWJXNIJSYJ J -JSWN ,JWRFNS T outra e indo os dois times para lá, Newton Paes, nosso médico, pe-
diretor desportivo, entraram balneário dentro e, sem que antes gou uma garrafa de água. Naquele tempo, era de vidro, não era de
TYN[JXXJHTSXZQYFITJSYWJLFWFRQMJXJRWJYNH®SHNFXTHFWLT plástico — e jogou no Puskas. Só que errou e acertou no Pinheiro,
VZJIJN]FWFIJXJWIJ-JSWN7TJXXQJW nosso zagueiro, pegou na testa dele. Quando o Pinheiro se virou
para ver quem a havia arremessado alguém gritou: Foi o Puskas! —
/TLFITWYWJNSFITWKTNSTXITNXFSTXXJLZNSYJX'FYYJZ]YNSMF e aí começou a confusão.
VZFSITQJX§TLWF[JTTGWNLTZFFGFSITSFWTHFRUTFȁHFW
FUJSFXYWJNSFITW5FXXTZJSY§TFFSIFWXJRUWJIJHMFU­ZIJ (TROTLFITWJXYWJNSFITWJXJINWNLJSYJX¤UFSHFIFJFXKTW-
KJQYWTSFHFGJ«FƉVZFSITTXUZUNQTXQMJUJWLZSYF[FRFWF_§T «FXUTQNHNFNXJRINȁHZQIFIJUFWFYWF[FWJRFXQZYFXJJXHFWFRZ-
FȁWRF[FQMJXUTWJSYWJXTWWNXTX «FXƉJJXHZYFSIT2¥WNT;NFSSFVZJKF_NFQ¥IJ'JWSF ITJX-
Y¥INTTSIJT'JSȁHFMF[JWNFIJLFSMFWF9F«FITX(FRUJ¹JX
— É para que vos pareça mais velho, não se esqueçam que ainda FT 'FWHJQTSF T WJQFYT IT OTLT F IJXFYFW NRUWTU­WNTX HTSYWF
há pouco tempo estava na casa dos 20. &WYMZW*QQNXLWZUTIJHFWNTHFXJRNWFoUFWYNWFRUFWFF[NSLFS«F
JIJUWJIFWFRFJRGFN]FIFIF8Z±«FUTWXJWRFNXUW·]NRFVZJ
9FQYFRG­RHTRT(¦SINITIJ4QN[JNWFST8UTWYNSL'FYYJZ] FNSLQJXFƓ
YWTHTZT=]UJQT<2HWNTZTVZJUFXXTZ¤MNXY·WNFHTRTT
oKZYJGTQHMFRUFSMJƉIJHTWYJHZWYTFJXUZRFWIJGJQJ_F 2JXJXFSYJXIJFUNYFWT7JFQ2FIWNI8YFIJIJ7JNRX&WYMZW
Fulgurantes foram os primeiros 10 minutos do Stade de Reims, *QQNX UFXXFWF UTW TZYWT MNXY·WNHT HFXT ST (T[JSYW^ (NY^ 8FS
SFȁSFQIFUWNRJNWF9F«FITX(FRUJ¹JXST5FWVZJITX5W±SHN- 1TWJS_T IJ &QRFLWT JR -NLMȁJQI 7TFI FT [®QT F FXXNSFQFW
UJXƉFHJSYWTIJ0TUF2NHMJQ1JGQTSIHFGJHJTZUFWFFGFQN- UJS¥QYN/TXJ8FSȁQNUUTFLWJINZTGWZYTFUTSYFU­2FSITZT
_FIJ&QTSXTT¥WGNYWTIJZLTQTTXOTLFITWJXIT7JFQ2FIWNI UFWFFWZFTFWLJSYNSTWJHZXTZXJFXFNWƉXFNZ*QQNXXTWWFYJNWT
desataram em protestos, jurando que a bola não ultrapassara HTRFGTQFIJGFN]TITGWF«TFWWFXYFSITFHFRNSMTITGFQSJ¥-
FQNSMF WNTGJRHTRUTXYFFOZXYNȁHF«§T

4 ¥WGNYWT JWF T NSLQ®X &WYMZW *QQNX VZJ XJ YTWSFWF KFRTXT — Acabei com o jogo porque eles precisam de aprender o que
UTW YJW FUNYFIT ST 2ZSINFQ IJ  OTLT ITX VZFWYTX IJ é o fair-play, o espírito desportivo. Os sul-americanos são muito
KNSFQJSYWJT'WFXNQJF-ZSLWNFVZJUFXXFWF¤MNXY·WNFHTRT mais excitáveis que nós, muito mais apaixonados que nós. Impul-
F'FYFQMFIJ'JWSF&TXRNSZYTX[JSIT3±QYTS8FSYTXJ sivos, fazem coisas loucas — e, minutos depois, já estão profunda
'T_XNP FTX XTHTX J]UZQXTZTX 6ZFSIT O¥ ¤ GJNWF IT KNR JLJSZNSFRJSYJFWWJUJSINITX5TWNXXTITVZJȁ_XJS§TLZFWIT
0THXNXU¸XTUQFHFWIJR-ZRGJWYT9T__NIJN]TZFGTQF arrependimento, também não guardo rancor.

61
Ter sido grevista
impediu Rial
de regressar à Argentina,
Di Stéfano pediu a Bernabéu
que o fosse buscar
(e ele marcou
dois golos ao Reims)

Aos 10 minutos da final com o Real Madrid, Jean Templin


colocou o Stade de Reims a vencer por 2-0 — e, aos 14, sol-
tou-se o génio de Di Stéfano, no modo como bateu Jacquet.
À meia hora, Rial fez o 2-2. Filho de espanhóis que emi-
Héctor Rial (dir.) apontou o quarto golo do Real,
graram para a Argentina, Héctor Rial nasceu em 1928 — e
TIF[NY·WNFSFȁSFQHTSYWFT8YFIJIJ7JNRX crescendo em Almagro, lançou-se no futebol através do San
Lorenzo de Almagro. Após fulgurante digressão pela Europa
em 1948, que encantou Portugal e não só, o Barcelona de-
safiou-o a ficar por lá, não quis. Mal regressou à Argentina
envolveu-se na greve de futebolistas que contestavam me-
dida do governo de Péron, que impunha teto de 1500 pesos
aos seus salários — e foi um dos que, de súbito, aceitaram ir
para a Colômbia disputar liga que a FIFA considerava pirata.
Di Stéfano foi para os Millionários de Bogotá, Rial foi para o
Independiente de Santa Fé:

— Em 1952 quis voltar a San Lorenzo mas como tinha sido gre-
vista e a AFA estava sob mando de Péron, não me deixaram.

Aproveitou-o o Nacional de Montevideu e com Santiago


Bernabéu a desviar Alfredo Di Stéfano do Barcelona para o
Real, ele lançou-lhe, vincado, o pedido:

— Quero que me tragam para Madrid um jogador que, quando


eu lhe passo a bola, sabe devolver-ma redondinha — ou então faz
golo.

62 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Era Rial que ele queria no Real — e foi o próprio Di Stéfano vencedor da Taça dos Campeões Europeus (apesar do susto
que lhe escreveu para Montevideu (quando já saltara para que foi o remate de Templin à barra de Alonso, mesmo à
o Nacional) a lançar-lhe o desafio da Europa. Estava-se em beira do fim).
1954, fácil foi contornar o problema com os estrangeiros na
equipa: como Héctor Rial era filho de espanhóis, o governo No dia seguinte, Gabriel Hanot escreveu no L´Équipe:
de Franco não demorou a dar-lhe nacionalidade. (Pela sele- «Não se pode dizer que tenha sido um jogo de qualidade
ção de Espanha, o adeus fê-lo Rial contra Portugal, em abril extraordinária. O Reims agradou pelo seu começo rápido
de 1958, num jogo histórico pela pancadaria dentro e fora e muito incisivo, parecendo evoluir no meio de uma equipa
de campo, de onde Carlos Gomes saiu com a cabeça aberta parada que não conseguia encontrar o seu equilíbrio, que
por um isqueiro e a derrota saiu do golo de Di Stéfano a cin- se mostrava estupefacta e aterrada. Depois, os madrilenos,
co minutos do fim…) como se tivessem ficado descontraídos com este atraso
de dois golos, puseram em evidência a sua vivacidade de
Na final contra o Reims, Michel Hidalgo ainda pôs o Stade ataque e de domínio de bola, assim como a velocidade dos
de Reims outra vez em vantagem, ao minuto 62 — e cinco seus jogadores, particularmente Joseito e Gento. Mas a ra-
minutos após Marquitos Alonso (avô do Marcos Alonso do zão principal baseia-se no facto de Di Stéfano, que começou
Chelsea) fez o 3-3, num pontapé de ressaca que, tocando muito lento, ter, de repente, entrado em ação da maneira
na perna de um dos seus defesas, traiu Jacquet. Na sequên- mais sensacional que jamais se tenha visto! Sempre modes-
cia de lance vertiginoso de Gento, a 11 minutos do fim, Héc- to e desapagado, esteve presente em toda a parte, a médio,
tor Rial voltou a marcar — e em 4-3 se tornou o Real primeiro a defesa, às vezes à esquerda, outras à direita e a avan-
çado-centro sempre que as circunstâncias o exigiam. Foi a
personagem central do desafio. É certo que Kopa, ainda fe-
rido num tornozelo, não conseguiu jogar o que sabe, mas, de
qualquer maneira, a comparação entre os dois avançados é
sempre vantajosa para o madrileno. Aliás, o trabalho que Di
Stéfano produziu é verdadeiramente incomparável…»

Por essa altura já se sabia: Santiago Bernabéu contratara


Kopa para o Real — e a ele, ao Kopa, não deixou de se apa-
nhar, num sussurro:

— Depois do que vi neste jogo, não sei por que o Real precisa
de mim…

Nesse Real havia Ángel Atienza que ao pôr ponto final no


futebol, se tornou pintor, muralista e escultor de fama (fama
bem maior do que a que o futebol lhe dera) — e seu capi-
tão, o primeiro a receber a Taça dos Campeões, foi Miguel
Alfredo Di Stéfano, nome maior da história do Real Madrid Muñoz.

63
OITAVOS DE FINAL QUARTOS DE FINAL
Sporting (Portugal) – Partizan (Jugoslávia) Djurgårdens IF (Suécia) – Hibernian (Escócia)
3–3 // 2–5 1–3 // 0–1
Vörös Lobogo (Hungria) – Anderlecht (Bélgica) Stade de Reims (França) – Vörös Lobogo (Hungria)
6–3 // 4–1 4–2 // 4–4
Servette (Suíça) – Real Madrid (Espanha) Real Madrid (Espanha) – Partizan(Jugoslávia)
0–2 // 0–5 4–0 // 0–3
Rot-Weiss Essen (RFA) – Hibernian (Escócia) Rapid Viena (Áustria) – AC Milan (Itália)
0–4 // 1–1 1–1 // 2–7
Djurgårdens IF (Suécia) – Gwardia Warszawa (Polónia)
0–0 // 4–1
AGF (Dinamarca) – Stade de Reims (França)
0–2 // 2–2
Rapid Viena (Áustria) – PSV Eindhoven (Holanda)
6–1 // 0–1 MEIAS-FINAIS
AC Milan (Itália) – FC Saarbrücken (Sarre)
3–4 // 4–1 Real Madrid (Espanha) – AC Milan (Itália)
4–2 // 1–2
Stade de Reims (França) – Hibernian (Escócia)
2–0 // 1–0 MELHORES MARCADORES
0LORå0LOXWLQRYLþ 3DUWL]DQ
8 (4 jogos)
Péter Palotás (Vörös Lobogó S. E.)
6 (4 jogos)
Léon Glovacki (Stade de Reims)
6 (7 jogos)
René Bliard (Stade de Reims)
5 (7 jogos)
Alfredo Di Stéfano (Real Madrid)
5 (7 jogos)
Héctor Rial (Real Madrid)
5 (7 jogos)
FINAL
Taça dos Campeões Europeus, 1955/1956

3 Stade de Reims

4 Real Madrid
Final
13 de junho de 1956

Parque dos Príncipes, Paris


Árbitro: Arthur Ellis (Inglaterra)

STADE DE REIMS: Jacquet, Zimny, Jonquet


(cap.), Giraudo, Leblond, Siatka, Hidalgo,
Glovacki, Kopa, Bliard, Templin.

Treinador: Albert Batteux

REAL MADRID: Alonso, Atienza, Marquitos,


Lesmes, Munoz (cap.), Zarraga, Joseito, Marsal,
Di Stefano, Rial, Gento.

Treinador: Jose Villalonga.

Marcadores: 1-0: Michel Leblond (6): 2-0: Jean Tem-


plin (10); 2-1: Alfredo Di Stéfano (14); 2-2: Héctor
Rial (30); 2-3: Michel Hidalgo (62); 3-3 Marquitos
Alonso (67); 3-4: Héctor Rial (79).
Capítulo III
1956/57

CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)
A habilidade de Franco para -centro, por ter as pernas arqueadas e fazer o que nunca an-
tes se vira pelos campos do Brasil: lançar-se aos adversários
desviar Di Stéfano do Barça para lhes disputar a bola em carrinhos temerários — recebeu

e a euforia do ditador ao alcunha de Alicate.

entregar a Taça ao Real Madrid No Flamengo ganhou apenas o campeonato carioca de


1927 — e em 1935 ajudou o Rio a ganhar torneio entre se-
leções estaduais. Por essa altura já era jogador-treinador e
Primeiro clube português a disputar a Taça dos Campeões para treinador apenas o desafiou a Portuguesa do Rio em
Europeus de pleno direito (ou seja, sem convite, como sucede- 1937. Passou pelo Santos — e em 1939 regressou ao Rio
ra com o Sporting, na edição anterior) foi o FC Porto. O cam- de Janeiro para fazer curso na Escola de Educação Física.
peonato de 1955/56 (e a Taça) ganhara-o com Dorival Yustrich O Fla voltou a tentá-lo — os campeonatos de 1942, 1943 e
— e indo fechar a temporada em digressão pela América Latina 1944 deixaram-lhe o Brasil aos pés.
abriu-se tremendo escarcéu, o presidente despediu o treinador
(por ele ter os maus fígados que tinha…) Após a conquista desse tricampeonato do Flamengo, o
Vasco da Gama contratou-o, oferecendo-lhe o maior salário
Ao aperceber-se de que estava a caminho do título, em da história do futebol brasileiro até então. Saiu-lhe bem o
vez dos combinados 100 contos de prémio de campeão, investimento, pois Flávio Costa criou o histórico Expresso
Yustrich exigiu que lhe dessem automóvel de 170 contos — e da Vitória através de uma variação tática por si criada do
que o seu ordenado mensal passasse de 15 para 20 contos. britânico WM — e dos seus punhos de ferro também.
Satisfizeram-no — e, andando já pela Venezuela, como o te-
soureiro não lhe passou, ali mesmo, cheque de 250 contos Pelo Vasco, refinou-se-lhe a fama de disciplinador. Havia,
referentes a luvas para o ano seguinte, Yustrich chamou-lhe porém, quem o dissesse pior — dizendo-o ditador. Por exem-
«estúpido, cavalo, filho da p...» – e mais lhe disse, pior que plo, quando, depois de conquistar o título sul-americano de
enfarinhado: clubes no Chile (nesse torneio do Colo Colo que inspirou
Jacques Ferran no esboço do que haveria de ser a Taça dos
— Se você fosse mais homem, eu o jogaria pela janela do hotel Campeões Europeus), Rafagnelli e Djalma lhe contestaram,
abaixo! em sussurro, os «métodos militares», Flávio Costa despa-
chou-os de uma penada para o Bangu.
Deixou, assim, de ser o que era — e para o seu lugar Ce-
sário Bonito foi buscar Flávio Costa. Era, sem dúvida, nome Houve mais: certa tarde, ao intervalo de uma partida im-
de fama ainda maior. Nascera em Carangola, no interior de portante, apanhou Ipojucan numa crise nervosa, queixando-
Minas — e jogador de futebol começou por ser, num modes- -se de estar tudo a correr-lhe mal, ser seu dia negro, mur-
to clube chamado Heleno. O pai, porém, queria-o militar — e murando-lhe:
essa foi a razão por que Flávio Costa se tornou aluno do
Colégio Militar da Tijuca. — Professor, não quero jogar o segundo tempo, não…

Foi de lá que saltou para o Flamengo. Jogava a médio- Flávio Costa agarrou-o pelo colarinho — e por entre sa-

68 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


fanões e bofetadas, obrigou Ipojucan voltar ao relvado. Não, a «droga dos grã finos» — e, desentendendo-se com ele,
não era só com os seus jogadores que usava esse seu espíri- o Doutor Heleno (era assim que lhe chamavam por se ter
to de autoridade brusca: quando ainda estava no Flamengo, formado advogado enquanto jogava) ameaçou-o com uma
para contestar decisão do árbitro em partida com o Botafo- arma (que só depois se viu estar sem bala). Destemido, a
go, ordenou a toda a sua equipa que se sentasse no campo, Heleno se lançou, tirando-lhe, num golpe lesto, a pistola da
parasse de jogar — e, eles, sem vacilarem, cumpriram-na. mão, dando-lhe, de seguida, «surra monumental» — que
acabou com a ameaça cumprida:
Para se dar exemplo de que também usava a sua autorida-
de «para o bem», contava-se que, quando já selecionador — Comigo, não jogas mais, nem aqui nem no escrete.
do Brasil, a CBD lhe exigiu que banisse Zizinho das convo-
catórias, Flávio Costa «mandou a ordem às favas», devol- O fulgor que Flávio Costa causara no Vasco levou a que
vendo ao escrete o excecional futebol de Zizinho (que ele lhe entregassem, também, o comando da seleção do Brasil.
descobrira e lançara no Flamengo — e era, então, já o ídolo Ganhou a Copa América de 1949 — e ninguém tinha dúvidas:
de um menino de Três Corações chamado Pelé). mais do que autoritário, era estratega. Afirmava-o, amiúde:

Clamor maior causou picardia de Flávio Costa com Heleno — Só faço o que é melhor para os meus times.
de Freitas. Não estando ainda o craque caprichoso atacado
pela sífilis que haveria de o atirar para hospital de loucos Não admitia que os seus pupilos jogassem de meias em
onde morreu, estava já marcado pela boémia, a bebida e baixo ou camisolas de fora, com gorros ou fitas — definia
até o modo como tinham de vestir-se fora de campo e o que
tinham de comer. Por isso, dele se dizia:

— Os únicos serviços que o Prof. Flávio não faz é cozinhar para o


time, lavar o fardamento dele e dirigir o ónibus.

Selecionador do Brasil no Mundial de 50, aconteceu-lhe o


que se sabe: campeão foi o Uruguai (com treinador de san-
gue português) — e quando, depois, Paulo Perdigão lançou
livro sobre o Maracanazo: Anatomia de uma Derrota, Flávio
Costa não deixou de ir, descomplexado, à sua apresentação.
À entrada, apareceu-lhe uma desinformada repórter de tele-
visão a perguntar-lhe:

— O senhor é o autor?!

E ele, em mais uma das suas espirituosas tiradas, bradou-lhe:


Flávio Costa era selecionador do Brasil quando o Uruguai se sagrou,
em pleno Maracanã, campeão do Mundo em 1950 — Não, senhora, eu sou a derrota!

69
IJF[N§TƉHTR;NWL±QNTTHFUNY§TUTWYNXYFFQJRGWFWVZJSFX
O capitão do FC Porto &SYFX,FNS_FTFRJF«FWFIJRTWYJJR'NQGFZ
a queixar-se da ameaça 3§T,FNS_FS§TRFYTZ;NWL±QNTT&YQMQJYNHTGWNLTZT+(5TW-
YTFIJXUJINWXJIF9F«FITX(FRUJ¹JXRFXYFQHTRT)FZHNP
de que em Bilbau o matavam UWJ[NWFIJHTWF«¹JXYWJRNITXƉJTXUTWYNXYFXYTITX¤ZRFF
(e o que lá houve QFRJSYFWJRTIJXYNSTJRoLWFSIJWTZGT&TXVZFYWTRNSZYTX
-JWS¦SNU¸XTUQFHFWIJRFTX/FGZWZU¸QTJR4
foi um «grande roubo») &YMQJYNHKJ_SZRUJS¥QYNIJGWFIFWFTXH­ZX+Q¥[NT(TXYF
FY­KTNRFNXQTSLJ

Continuando, porém, a ganhar por outras frentes, quando — Sofremos dois golos irregulares.
(JX¥WNT'TSNYTTIJXFȁTZUFWFXZGXYNYZNW)TWN[FQ>ZXYWNHM+Q¥-
[NT(TXYFHTRJ«TZUTWJ]NLNWHTSYTXUJQTUW­RNTIJFXXN- (FWQTX)ZFWYJFOZITZ¤QFR¾WNF
SFYZWFJRFNXIJ[JSHNRJSYTRJSXFQƉFHFGFSITUTW­R
UTWFHJNYFWFU·XQFWLFSJLTHNF«§TFTYJQJKTSJVZJTTWIJSFIT — Fomos eliminados pelo árbitro.
KTXXJRFNXGFN]TJSY§THTSYTX2FQHMJLTZU¸XT+(5TWYT
FOTLFWoKZYJGTQSZRFGJQJ_FHTRTS§TXJ[NWFƉJKTNSJXXF 4¥WGNYWTKTNTNYFQNFST2FZWJQQNƉJ&WYJHMJTRFWHFITWIJ
K­VZJFIJXJYJRGWTIJXJQFS«TZ¤UWNRJNWFR§TIF ITNX ITX YW®X LTQTX IF XZF JVZNUF FTX   J  RNSZYTX
UWNRJNWFJQNRNSFY·WNFIF9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZXHTSYWF WJHTSMJHJZVZJSFVZJQFYFWIJ)JZXKTWFGFXHT
TT&YMQJYNH'NQGFT
— O FC Porto foi a melhor equipa que atuou em Bilbau nos últi-
&TXTNYTRNSZYTXUTSYFU­IJ,FNS_FIJZJRKWFSLTIJ&H¾W- mos seis anos, o que nós sofremos, ninguém imagina.
HNT VZJ JWF YFRG­R LZFWIFWJIJX IF XJQJ«§T IJ M·VZJN JR
UFYNSXƉJIJXYWT«FITJSYWTZSTGFQSJ¥WNTFHMTWFWJUJINZ
IJXHZQUFFTXHTRUFSMJNWTXƓ

/TX­2FWNFFNSIFJRUFYTZFTXRNSZYTX(FSNYTKJ_T
FRNSZYTXITȁRƉJ+JWSFSIT)FZHNP YWJNSFITWHMJHTVZJ
HTSXJLZNWFFUWTJ_FIJYZITLFSMFWJR*XUFSMFHTRT&YMQJ-
YNHƉJFT+(5TWYTMF[JWNFIJNWUFWFWƓS§TXFNZITJXY¥INT
IJXHFSXFITFSYJXUJQTHTSYW¥WNT

— Vamos ter de sofrer muito.

)JFZYTHFWWT[NJWFRTXGFXHTXIJFZYTHFWWTUFWYNWFRQTLT
FU·XTOTLT5JWSTNYFWFRST1ZXTFYNWFSITXJIJUTNXUFWFINF
NSYJNWT¤JXYWFIF6ZJTF[N§TJWFQZ]TINXUJSX¥[JQOZXYNȁHFWFR
TX XJZX INWNLJSYJX 5TW­R UFWF T 5F±X 'FXHT KTN T +( 5TWYT Na época de 1956/57, o FC Porto despediu-se da Taça dos Campeões em Bilbau

70 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Gainza
Do que se disse, que, nas Antas, havia ameaçado de morte Virgílio, capitão portista,
de Gainza uma certeza apenas: ajudou a traçar destino do FC Porto, eliminado pelo
Athletic Bilbao na edição de 1955/56 da Taça dos Campeões Europeus

1956

71
Com Puskas na loja
de ferramentas entrou
Guttmann na sua vida
(e por sua causa
foi-se embora, zangado…)

O Kispesti Atlétikai Club foi fundado em 1909 — e lá jogou,


entre 1927 e 1936, médio-centro chamado Ferenc Purczeld.
Não, não era só futebolista, também trabalhava nos caminhos
de ferro e, para compor o ordenado acanhado, à noite fazia
biscate num matadouro da vila dos subúrbios de Budapeste. Ao
pendurar as chuteiras, passou a treinador — e treinando todas
as suas equipas, dos iniciados aos seniores.
Ferenc Puskas entrevistado pelo jornalista de A BOLA, Carlos Pinhão

-NYQJWYTRTZTUTIJWSF&QJRFSMFJUFWFVZJTȁQMTS§Tȁ-
casse com o apelido alemão com que o batizara: Purczeld — foi
a um conservatório mudá-lo, dando-lhe toque mais húngaro:
5ZXPFXƉHZOTXNLSNȁHFIT­ƓJXUNSLFWIF 8NRS§TIJN]TZIJ
ter algo de premonitório, no seu simbolismo.) Aproveitou e fez
TRJXRTȁHFWFRFRGTX5ZXPFX+JWJSH5ZXPFXƉZRT+JWJSH
5ZXPFX8WTZYWTT+JWJSH5ZXPFX/W*KTNT+JWJSH5ZXPFX/W
quem o contou em Puskas, Uma Lenda do Futebol:

— Uma de minhas lembranças mais antigas é o clamor dos adep-


tos a entrar pela janela da nossa cozinha nos dias de jogos. E eu,
RJXRTVZFSITS§TJWFTRJZUFNVZJJXYF[FQ¥FOTLFWȁHF[FKFX-
cinado com isso.

A mãe era costureira — e aos dez meses Puskas já chutava


as bolas do Kispesti que o pai guardava em casa — e cresceu a
limpar as chuteiras dos jogadores mais velhos:

— Por vezes, também ajudava a tratar da relva e quando um in-


cêndio destruiu parte do campo andei lá a ajudar nos arranjos.

72 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


3§TKTNTUFNVZJSTJSYFSYTQJ[TZ+JWJSH5ZXPFX TȁQMT — O Kispesti era na verdade um clube diferente. Era o al-
para o Kispesti, foi um dos dirigentes do clube que o viu, do faiate da vila que dava os equipamentos com que jogávamos, o
QFITIJKTWFITHFRUTFOTLFWSFWZFHTRZR[N_NSMT dono do restaurante servia as refeições antes dos jogos, o ho-
mem do talho distribuía carnes pelos futebolistas, dizendo-lhes
— Ficou, sobretudo, encantado com o Jozsef Bozsik e, quando que, assim, poderiam ter mais força.
ele lhe disse que o queria no Kispesti, eu perguntei-lhe: Então e
eu? É só o Jozsef? É que se quiser que ele marque muitos golos 5ZXPFX J 'T_XNP YTWSFWFRXJ IJUWJXXF FX JXYWJQFX IF
tem de me ter lá também, sempre jogámos juntos… JVZNUFJKTNO¥HTRFRGTXYWFGFQMFSITSZRFQTOFIJKJW
WFLJSXVZJT0NXUJXYNHMJLTZF[NHJHFRUJ§TIF-ZSLWNF
3§TTUWTGQJRFS§TJWFIJVZFQNIFIJJWFIJNIFIJ'T_XNP JR  HFRUJ§T KTN T :OUJXY IJ '­QF ,ZYYRFSS
JWFITNXFSTXRFNX[JQMTVZJ5ZXPFXƉJST0NXUJXYNFNSIFS§T T '­QF ,ZYYRFSS VZJ ST žOUJXY HTSVZNXYFWF TNYT FSTX
MF[NFJXHFQ§TUFWFJQJ&WWFSOTZXJXTQZ«§TSZRFRFSNL¦SHNF FSYJX T XJZ UWNRJNWT LWFSIJ Y±YZQT NSYJWSFHNTSFQ F 9F«F
T+JWJSH5ZXPFXȁQMTITYWJNSFITWUFXXFWNFFOTLFWHTRT+J 2NYWTUF
WJSH0T[FHXHTRITHZRJSYTXKFQXNȁHFITXHTRTXJYN[JXXJ
FSTXƉJS§TTXVZJYNSMF & NIJNF KTN IJ +JWJSH 5ZXPFX 8W IJN]FW T GFSHT J IJXF
KNFW '­QF ,ZYYRFSS UFWF Q¥ Ɖ SF JXUJWFS«F IJ VZJ F XZF
(TRTFNSIFJWFRJSTWS§TTHMFRFWFR¤..,ZJWWF2ZSINFQ JXYWJQNSMFQJ[FXXJTY±YZQTUFWF0NXUJXYN+TNRFXTJSHFSYT
ƉJFTXFSTXO¥JWFYNYZQFWIFJVZNUFUWNSHNUFQIT0NXUJXYN UTZHTIZWTZHTRTHFRUJTSFYTFRJNT,ZYYRFSSIJXJS
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WFIFFRJF«FITXSF_NXQJ[FSITHTSXNLTUTW­RFWJ[TQZ«§T
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5ZXPFX TUFNFYWJNSFWT0NXUJXYN&(ƉVZJQTLTIJXJLZNIF
Desentendido com Puskas, Guttmann abandonou o Kispesti a meio dum jogo… IJN]TZIJXJW0NXUJXYNJUFXXTZFXJW-TS[JI

73
Se o FC Porto não fosse eliminado,
talvez os exilados do Honved
tivessem partido de Portugal

Apesar de campeão, à primeira edição da Taça dos Campeões Europeus não foi
o Honved, foi o Voros Lobogó (o MTK entretanto transformado no clube da polícia
política) — e foi o Athletic Bilbao (que eliminara o FC Porto, nas circunstâncias
que já se sabe…) que lhe calhou em sorte nos oitavos de final.

A 23 de outubro de 1956 deu-se o primeiro sinal da Revolução Húngara — a partir


de uma manifestação de estudantes marchando pelo centro de Budapeste exigindo o
oȁRIFTHZUF«§TXT[N­YNHFJFoNRUQFSYF«§TITXTHNFQNXRT[JWIFIJNWT

O Voros Lobogó continuava a ser o clube da AVH — e os agentes da AVH disper-


saram a manifestação a tiro, houve quem morresse. No dia seguinte, militares jun-
taram-se aos estudantes, derrubaram estátua de Estaline e gritaram pelas ruas:

— Abaixo Gero! Viva Nagy!

O próprio Partido Comunista da Hungria forçou a renúncia de Gero, lançou Imre


Nagy para Primeiro Ministro — que logo anunciou o regresso do multipartidarismo
e a extinção da AVH, voltando o Voros Lobogó a MTK. Depois, mandou libertar
o cardeal Mindszenty e todos os presos políticos. Era já novembro quando mil
YFSVZJXIT*]­WHNYT;JWRJQMTNS[FINWFR'ZIFUJXYJƉJHTRFUTNTIFKTW«FF­WJF
repuseram o comunismo na Hungria, János Kádár passou a Primeiro Ministro, a
Revolta de Budapeste deixou mais de 20 mil mortos pelo caminho, Imre Nagy foi
preso — e enforcado, como ele enforcados foram mais 350 revoltosos, pelas suas
prisões penaram mais de 13 mil.

Foi sob esse pano de fundo que o Honved jogou em Bilbau. Perdeu por 3-2
e, claro, a segunda mão não se pôde fazer em Budapeste, fez-se na Suíça. Os
húngaros jogaram com a cabeça a arder – sem saberem de notícias da família, se
estavam vivos ou mortos, empataram 3-3, foram eliminados.

Da Suíça, saltou a equipa para o exílio, dos seus principais jogadores só regres-
sariam a Budapeste, o Hidegkuti, o Grocsis e o Bozsik. (O Bozsik, que tivera a

74 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


vida toda vivida em paralelo com Puskas, o vizinho da casa ao lado com quem
crescera a jogar futebol de rua, haveria, depois, de tornar-se deputado no Parla-
mento Comunista…)

Já em Viena, Czibor contratou grupo de contrabandistas para tirarem, a salto, a


mulher e o filho de Budapeste — a ela e a ele e não só:

— Vieram buscar-nos à noite. No grupo também estava a mulher de Kubala. Dei-


xámos tudo: casa, móveis, roupas, amigos, cruzando a fronteira com a Áustria a pé,
fugindo de patrulhas que tinham ordem de atirar a matar. Eu era pequeno, ia com a
minha mãe e o meu avô. Mas, ao chegarmos à fronteira, o meu avô desistiu, voltou
UFWFYW¥XS§TVZNXIJN]FWFRNSMFF[·X·ITJSYJ-F[NFGJG­XSTLWZUTȁQMTXIJTZ-
tros jogadores, e aos bebés deram um licor muito forte, embebedaram-nos, para que
não chorasse, dormissem apenas. O meu pai esperou-nos na Áustria. Como o Puskas
e o Kocsis estavam na Suíça e o Kubala em Espanha — reunimo-nos todos em Roma
JIJUTNX[TQY¥RTXF;NJSF NXXTHTSYTZ?TQYFS(_NGTWTȁQMTITKZYJGTQNXYFVZJJR
'FWHJQTSFHWJXHJZƉJXJYTWSTZKTY·LWFKTUWTȁXXNTSFQ

Durante a sua aventura italiana, Béla Guttmann saltara de Pádua para o Triestina
— e, em 1955/56 fez do AC Milan campeão. Entrou, porém, em desentendimento
com o seu presidente — por lhe exigir mais dinheiro, acabou pura e simplesmente
despedido, na hora do adeus a Milão espantou os jornalistas com a frase que
largou, magoado:

— Não sendo nem criminoso, nem maricas, fui demitido, fui demitido sendo campeão,
mas vão arrepender-se…

E voltou para Viena. Foi lá que acolheu todos os exilados do Honved e lhes deu
a ideia:

— Se a FIFA não vos deixa jogar por não quererem voltar a Budapeste, joguem em digres-
sões pelo Mundo, arranjando, assim, dinheiro para viverem.

Foi o que fizeram e apesar de o treinador do Honved, Jeno Kalmar — que, depois,
haveria de passar pelo FC Porto —, se ter tornado exilado também, foi Béla Gutt-
mann o escolhido para comandar os húngaros que desataram a jogar (rebeldes e
«proscritos» pela FIFA) por quase todo o lado: de Itália a Espanha, de Portugal
ao Brasil.

75
Manchester United não admitiu
o que ao Chelsea se proibira
(e para jogar em Madrid o Real
deu 1950 contos ao Rapid de Viena)

Se, na edição anterior, o Chelsea fora impedido pela FA de entrar na Taça dos Cam-
peões (entrando na Taça das Cidades com Feiras) — o Manchester United não permi-
tiu que tal lhe sucedesse. Matt Busby, seu treinador, exigiu à FA que lhe enviasse a
candidatura à UEFA, embrulhando-o num convicto alvitre:

— É ali que está o futuro do futebol.

Ao tornar-se território da RFA, o protetorado do Sarre deixou de ter representante


como na primeira vez — e aos campeões (sim, porque, agora, só mesmo campeões
lá podiam estar) da Roménia, da Bulgária, da Turquia, da Checoslováquia e do Lu-
xemburgo obrigaram-nos a eliminatória extra — e por essa «ronda prévia» tiveram de
passar igualmente, para além do FC Porto e do Athletic Bilbao, o Arhus GF, o Nice, o
Borússia Dortmund, o Anderlecht e o Manchester United.

Após vitória por 2-0 ao Bruxelas, o United esmagou o Anderlecht em Manchester — e não,
não foi em Old Traford — porque os holofotes para iluminação do campo não estavam prontos
ainda, foi no estádio rival, no Maine Road do City — e cronista do Times espalhou júbilo pelo
jornal: «Não é difícil entrar-se em êxtase perante a explosão dos Busby Babes. A sua preci-
são, a sua arte e o seu ritmo, numa equipa com uma média de idades de 22 anos, teria pulve-
rizado qualquer outro time britânico — e certamente a maioria dos outros times europeus».

Inesperadamente complicado foi o apuramento do Real Madrid para os quartos de


ȁSFQ)JUTNXIJGFYJWT7FUNI VZJSFJIN«§TFSYJWNTWXTKWJWFXJYJLTQTXIT&(2NQFS
por 4-2 em Madrid, três golos em Viena de central que haveria de marcar muito mais
a história do futebol: Ernest Happel — deixaram meia Europa boquiaberta por ele ser
o que era: defesa-central. Para o forçado terceiro jogo, Santiago Bernabéu ofereceu
cheque de 25 mil libras para que ele se disputasse em Madrid — e os austríacos acei-
taram-no — românticos ou talvez não. (25 mil libras eram, então, cerca de 1950 contos
— e, por 1000 contos, estava à venda prédio inteiro em Algés, com indicação de que
poderia dar rendimento de 71 contos ao ano.)

76 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


3THFRNSMTUFWFTFHJXXTFTXTNYF[TXIJȁSFQUTWUTZHTS§T[N[JZF9F«FITX(FRUJ¹JX
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1Z]JRGZWLUTWJST1Z]JRGZWLTUJWIJZUTW(TRTTXLTQTXKTWFFNSIFS§T[FQNFRF
ITGWFWUFWFIJXJRUFYJ XJO¥[FQJXXJYJWNFRXNITTXQZ]JRGZWLZJXJXFFUZWFWJRXJKTNXJF
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3NHJUTW*R3NHJFU·XTXKWFSHJXJXKF_JWJRTFTXRNSZYTX1TLNJJ'WF[TIJXFYF
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YW®XLTQTXIT&YMQJYNHSTXUWNRJNWTXRNSZYTXUZXJWFRRNQGFXHTXJR®]YFXJ3FXJLZS
IFUFWYJRZITZXJTHJS¥WNTTOTLTFHFGTZHTRJ+JWINSFSI)FZHNPS§TWJ[JQTZLWFSIJ
UWJTHZUFǤT

— Não acredito que haja alguma equipa na Europa capaz de nos ganhar por três golos de
diferença…

*XUFSYTKTNTS¾RJWTIJUJINITXIJGNQMJYJXVZJHMJLFWFR¤XJIJIT:SNYJIRNQƉJ
)FZHNPJSLFSTZXJT2FSHMJXYJW:SNYJI[JSHJZUTW

77
Como Portugal pôs ainda mais
«escândalo» numa seleção
de Itália que diziam
que parecia o Cambodja

(FQMFSIT FT 2FSHMJXYJW :SNYJI T 7JFQ SFX RJNFXȁSFNX F


euforia arrastou cinco aviões fretados para Madrid — e lá per-
IJZUTW*R4QI9WFKKTWIFTXRNSZYTXFJVZNUFIJ/TXJ
;NQQFQTSLFO¥[JSHNFUTWHTRLTQTXIJ0TUFJ7NFQ9MTRFX
9F^QTW GFYJZ &QTSXT FTX  RNSZYTX 'TGG^ (MFWQYTS GFYJZT
FTX  Ɖ KJHMFSITXJ T IJXFȁT HTR  FUZWTZXJ T 7JFQ
UFWFFȁSFQYJSITITTZYWTQFITF+NTWJSYNSFƉVZJJQNRNSFWF
T.+03TWWPTUNSLT,WFXXMTUUJWJT*XYWJQF;JWRJQMFIJ'JQ-
LWFIT&[NSLFS«FS§TYFWIFWNFUTWTZYWF[NFINFXIJUTNX
FXJQJ«§TIF/ZLTXQ¥[NFHTRT*XYWJQF;JWRJQMFSFXZFGFXJ
Teixeira faz, com golpe de cabeça, ganhou à seleção de Itália por 6-1.
o segundo dos três golos apontados por Portugal frente à Itália

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JSYWJYFSYTRZIFWFIJSFHNTSFQNIFIJ/TX­9WF[F«TXHTSYNSZF-
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5FQRJNWT-JWS¦SNƉUTWXJJS[TQ[JWJRVZJ_±QNFXSZRYWJNSTKTN
FKFXYFITIFHTRNYN[F(TRUFN]§TINXHZYNFXJT(FXT;FXVZJX
T XJZ YJRUJWFRJSYT YNUT FQHFYWZ_ IJ STWF ZRFX [J_JX JR
HNRFTZYWFXJRGFN]TVZFSITQMJKFQF[FRSNXXTJQJWJUQNHF[F
NW·SNHTo3§TXJNYJWYJRUJWFRJSYTX·XJNOTLFW¥GTQFRFX
STXOTWSFNXYFSYTQMJHMFRF[FRoLFQLTIJWF«FHTRToOTLF-
ITW XJR FQRF oUNSYTW IJ L­SNT HTRT oGZWQ§T IJ HNWHT
oMJW·NHTRToRJWHJS¥WNTIFGTQF

5TNX;FXVZJXOTLTZƉJRFWHTZTUWNRJNWTLTQTFTXRNSZ-
YTXTXTZYWTXITNXKTWFRIJ9JN]JNWFFTXJIJ2FYFYJZFTX
/TWSFQNXYFIF,F_JYYFIJQQT8UTWYLFWFSYNZVZJ;FXVZJX2F-
YFYJZJ&WHFSOTUTIJWNFROTLFWJRVZFQVZJWJVZNUFIF*ZWTUF

78 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Arcanjo, que por duas vezes esteve dado como acabado para UWJXNIJSYJIF+NTWJSYNSFVZJKTXXJGZXHFWoOTLFITWKFGZQTXT
o futebol, chegando de Angola para o FC Porto quase cego, que por lá vira. Com tanto fervor o disse, que logo convenceu
acabou salvo pelo seu presidente Urgel Horta, prestigiado of- 'JKFSN(MJLTZYTWSTZXJYNYZQFWKTNZRFIFXFWRFXSZHQJFWJX
talmologista — e estreara-se nesse dia com as quinas ao peito, SFHTSVZNXYFITY±YZQT 3§TYJSITFNSIFFSTXFQLZWJXUTW
no lugar de Passos — e a José Maria Pedroto ouviu-se: 1961, o destino foi-lhe aziago: num jogo amigável com o Peru-
gia, bola chutada com violência deslocou-lhe a retina, os distúr-
— Ganhámos a onze jogadores de grande classe, que rece- bios visuais impediram-no de continuar a jogar futebol, nos 162
bem muito, muito mais do que nós, que nem sequer somos ver- OTLTXSF8­WNJ&ȁ_JWFLTQTXƓ
IFIJNWTXUWTȁXXNTSFNXRFXS§TSTXUTIJRTXIJXQZRGWFWHTR
este triunfo.

O River Plate acabara de aceitar acordo para a transferência


de Omar Sivori para a Juventus, recebendo pelo passe 8700
HTSYTXƉȁHFSITTF[FS«FITHJSYWTFWLJSYNSTHTRUWTRJXXF
de ordenado de 20 contos. Os 3-0 à Itália valeram a cada jo-
gador de Portugal prémio de 3000 escudos (e 7990 escudos
JWFTVZJHZXYF[FZRFUFWJQMTIJYJQJ[NX§TƉFoST[NIFIJIT
momento»…)

5TW7TRFJXUFQMTZXJNSINLSFǤTUJQTXOTWSFNXIJUQTWFSIT
TX oJ]FLJWFITX TWIJSFITX FX UWJTHZUF«¹JX HTRJWHNFNX ITX
HQZGJXFNS[FX§TIJFXJXXZQFRJWNHFSTXJXHFSINSF[TXJGWN-
Y¦SNHTXƉJMTZ[JFY­VZJRXZLJWNXXJVZJXJoXZXUJSIJXXJR Seleção portuguesa obteve, em maio de 1957, com três golos marcados
sem que a Itália a eles tivesse respondido, a primeira vitória em jogos
YTITXTXOTLTXNSYJWSFHNTSFNXIJ.Y¥QNFUTWYJRUTNSIJȁSNIT* de apuramento para Mundiais
mais remoques houve-os assim:

Ɖ3FXJQJ«§TJXYFRTXFTS±[JQIT(FRGTIOF

3JXXFXJQJ«§TIJ.Y¥QNFMZRNQMFIFUTW5TWYZLFQMF[NFVZFYWT
jogadores da Fiorentina: Magnini, Cervatto, Chiappella e Mon-
tuori.

Montuori era um dos seus naturalizados. Nascera em Rosá-


WNTSF&WLJSYNSFTUFNJWFNYFQNFSTIJ3¥UTQJXFR§JȁQMFIJ
JXHWF[TX ƈ J UTW S§T T UTWJR F OTLFW ST 7FHNSL &[JQQFSJIF
QFS«TZXJ¤F[JSYZWFUFWFT(MNQJTKJWJHJSITXJFOTLFITWIF
:SN[JWXNIFIJ(FY·QNHF5TW8FSYNFLTFSIF[FJRRNXX§TTUFIWJ
;TQUNƉJFTWJLWJXXFWF+QTWJS«FHTWWJZFIN_JWF*SWNHT'JKFSN

79
Os incríveis sentimentalismos de Julinho
Botelho e a polémica com a luz que levou
Bernabéu à demissão (que não foi)

De Itália não era a estrela da Fiorentina, o Julinho Botelho — que, assim, chegou
TSIJFNSIFSJSMZRGWFXNQJNWTHMJLFWF¤ȁSFQIF9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZX)JX-
UWJ_FITUJQT(TWNSYMNFSXSF5TWYZLZJXFWJ[JQTZFMFGNQNIFIJVZJRJYNFSF[JQTHNIF-
IJOTLFSITFJ]YWJRTINWJNYTHTQFSITXJQMJTHTLSTRJFTIJXYNST+QJHMF)TZWFIF
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VZJ 2FLSNSN (JW[FYYT (MNFUUJQQF J 2TSYZTWN KTWFR IJ 1NXGTF & ȁSFQ IJXXF 9F«F
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(MFRFWY±SJWF*XY¥INT8FSYNFLT'JWSFG­ZUTWVZJFIJOFSJNWTIJ&,IT7JFQ
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HNIFIJUFWFRNQJXUJYFITWJX

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ƉVZFSITUTW5TWYZLFQNWFTKZYJGTQWFWFRJSYJHZXYF[FRFNXIJJXHZITXJUTW

80 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


195 escudos vendiam-se calções de praia em nylon para homem que, na publicidade
se vincava estarem… «dentro da lei»): a federação espanhola marcou a partida para
as 17.10 horas — e o Real, que gastara 12 milhões de pesetas em holofotes, que,
FȁFS«F[FR QMJ IF[FR F oRJQMTW NQZRNSF«§T IF *ZWTUF J YFQ[J_ FY­ IT 2ZSIT
lançou «ataque, animosidade e antipatia» contra o presidente Alfonso de la Fuente
Chaos (cardiologista ilustre e deputado franquista) que, em defesa da sua decisão,
FȁWRTZJRYWF«TGZH·QNHT

— O sol é uma das riquezas de Espanha e não há razão para privar o jogo de tão
formoso elemento.

8FSYNFLT'JWSFG­Z VZJIZWFSYJF,ZJWWF(N[NQSJXXJUJW±TITSJLWTIFMNXY·WNF
IJ*XUFSMFJRVZJJQJHTRGFYJZJRGFYFQM§TKWFSVZNXYFTXWJUZGQNHFSTXIJ'FW-
HJQTSF[NWFTXJZ7JFQJRIJXLWF«FUTGWJJFY­IJYWTK­ZXWTZGFITXQFS«FWFXJ
JRUTQLFITSFXZFWJ[NYFQN_F«§THTRFFOZIFIJ+WFSHT­HJWYTƓFYNWTZJRW­UQNHF
FT UWJXNIJSYJ IF 7+*+ T VZJ JWF GWFIT F HTWWJW IJ GTHF JR GTHF JSYWJ TX XJZX
adeptos:

— Talvez seja bom então que o dr. La Fuentes vá assistir à partida de pé e ao sol,
exatamente como os espetadores das entradas populares.

3§TS§TKTNX·FXZF/ZSYF)NWJYN[FIJRNYNZXJ[TQYFSITFYW¥XFUJSFXVZFSITIF
KJIJWF«§TXFNZIJHNX§TXFQTR·SNHF

— Fica, então, o Real-Fiorentina, para as 20 horas que assim teremos 15 minutos


IJQZ_SFYZWFQJIJQZ_FWYNȁHNFQUWTIZ_NIFUJQTXYFNXKTHTXVZJIN_JRVZJ
permitem ver melhor do que de dia…

81
[¥WNTX HQZGJX OZINTX T 4)* T &*) T *)< Ɖ J RFNX QTSLJ
Como holandês ZRGJRRFNXKFRTXTVZJS§TXJSITHQZGJJXXJSHNFQRJSYJIJ
OZIJZXJWFHQZGJRFWHFITUJQTUJXTJUJQFKTW«FITXOZIJZXT
que esteve em rocambolesco &OF]+TNUFWFQ¥VZJ1JT-TWSVZNXNWƓ
roubo de armas a nazis
&TXFSTXIJXȁ_JWFRXJQMJFXNQZX¹JXLWF[JQJX§TSZR
abriu caminho à vitória OTJQMTIZWFSYJZROTLTQJ[TZFVZJTHTSXNIJWFXXJRNSFUYT
do Real por não ligar UFWF T KZYJGTQ *RUWJLTZXJ SF 1JMRFSS  (T K¥GWNHF IJ
Y®]YJNX IJ OZIJZX Ɖ J YJ[J YFRG­R IJ QFWLFW T OZIT TSIJ
»“  “K“  “ SZR¥UNHJHMJLFWFFHNSYZW§TSJLWT(TQTHTZFUFN]§TSTZYWT
QFIT NSXHWJ[JZXJ SZR HZWXT UFWF ¥WGNYWTX QJ[FSIT HTSXNLT
*ILFWTNWR§TRFNX[JQMT8FNZIJQJJRYFQKZQLTWVZJFNSIF
& HW·SNHF IF ȁSFQ IF 9F«F ITX (FRUJ¹JX *ZWTUJZX IJ FSYJXITXFSTXTUZXJWFRFFUNYFWUFWYNIFJSYWJT'QFZ\
JR&'41&HTZGJF(¦SINITIJ4QN[JNWFƉTXJZY±YZQT <NYJ9&'&
JWF
— Não, não me correu nada bem — e eu até cheguei a casa
Um «penalty» dos discutíveis abriu caminho à vitória do Real a pensar não voltar a usar mais o apito. Só voltei porque Edgar
Madrid não me deixou desistir.

*SFFS¥QNXJFTQFSHJUWJHNXF[FT 1JT -TWS IJXYFHF[FXJ UJQF UJWXTSFQNIFIJ KTWYJ J T K±XNHT


NRUTSJSYJƉJHTSYFXJVZJIJUTNXIJINWNLNWFXUFWYNIFXUFWF
Na grande penalidade que originou o primeiro golo do Real, o VZJ T STRJF[FR HWZ_F[F &RJXYJWI§T IJ GNHNHQJYF ¤ UWTHZWF
árbitro mostrou não desejar complicações… IJTZYWFXFVZJKFQYFXXJR¥WGNYWTXUFWFTXXZGXYNYZNW&TX
FSTXO¥JXYF[FSFUWNRJNWFIN[NX§TMTQFSIJXFƉJMF[NFVZJR
4¥WGNYWTJWF1JTUTQI-TWSTO¥KFRTXT1JT-TWS+NQMTIJ S§TTJXHTSIJXXJ
ZRSJLTHNFSYJIJLFITIJ8NYYFWITUWNRJNWTITRVZJSJQJXJ
UJWHJGJZKTNTOJNYTUFWFTHNWHTTHNWHTVZJHWNTZHTRZRFRN — É, já, o nosso melhor árbitro.
LTUFWFHTRTXXJZXJXUJY¥HZQTXLFSMFWINSMJNWTUFWFHTR
UWFWJRITHJXJWJGZ«FITX *R  HTR F -TQFSIF XZGOZLFIF F -NYQJW JXYJSIJWFRXJ
UTWQ¥FXQJNXHTSYWFOZIJZXVZJO¥[NLTWF[FRSF&QJRFSMF5TW
— E, uma vez, a tentação, foi pior: comprámos um licor muito XJWOZIJZF03;'KTNTGWNLFIFFWNXH¥QTITXXJZXVZFIWTXNR
doce — e aconteceu o que se imagina. UJINSITT FXXNR IJ FWGNYWFW VZFQVZJW OTLT HTRT NRUJINITX
KTWFRTZYWTXOZIJZXIJOTLFWKZYJGTQƉXNRUQJXRJSYJUTWXJWJR
&UJWHJGJSITXJIJVZJ8NYYFWIJWFHFIF[J_RFNXZRFHN OZIJZXƓ
IFIJ ITRNSFIF UJQT KFSFYNXRT HTSYWF OZIJZX TX UFNX RZIF
WFRXJ UFWF &RJXYJWI§T *QJ FSIF[F UJQTX TNYT FSTX Ɖ J F 4X OZIJZX IF 1JMRFS  (T KTWFR NLZFQRJSYJ IJXUJINITX
HFIF INF VZJ UFXXF[F RFNX VZJSYJ QMJ ȁHF[F T XTSMT OTLFW S§TYFWITZVZJTIJXYNSTIJVZFXJYTITXKTXXJ&ZXHM\NY_TZ
UJQFXJQJ«§TIF-TQFSIF3TGFNWWTMF[NFIJINHFITXFTKZYJGTQ TZYWT HFRUT VZFQVZJW IJ YWFGFQMTX KTW«FITX -TWS JXHTQMJZ

82 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


1JTUTQI-TWS¥WGNYWTMTQFSI®XFUNYTZȁSFQIF9F«FITX(FRUJ¹JXJRJKFWYFKTNFUTQ­RNHFWJXZQYFSYJIFXZFFYZF«§T

opção mais ousada: levando Catharina, a mulher, com ele, jun- po a corpo os 11 soldados alemães, não os quiseram matar,
tou-se à Resistência. Tal como ela, passou a viver por Amester- deixaram-nos amarrados por lá — e, com ele ao comando do
dão com identidade falsa. George, o irmão mais novo, salvou-se comboio, foram entregar as armas a um esconderijo da resis-
da deportação por ter sido escondido num sótão (como Anne tência em Havenstraat, à beira do Estádio Olímpico (por onde
+WFSPUTWHNRFITXJZHFK­UTW0ZPN0WTQ HZOTȁQMTMF[JWNFIJ haveria de passar também a sua história, numa grande história
tornar-se estrela do futebol mundial no Ajax, o Ruud Krol), mas UFWFT'JSȁHFƓ
a Edgar, o irmão que o levara para árbitro, a Gestapo atirou-o
para Sobibor, morreu na câmara de gás… Estava o jogo já para além da hora, quando Horn assinalou
penálti a favor do Real — por entre um não disfarçado esgar de
Tomando o falso nome de doutor Van Dongen, cruzava de nervosismo. Os italianos precipitaram-se para ele, descabe-
&RJXYJWI§TSZRFGNHNHQJYFNIJSYNȁHFIFHTRTGFXY§TIJ*X- lados, em urros:
culápio, o símbolo da medicina, como se fosse médico — e
a sua célula na Resistência especializou-se em sabotagens e — É off-side, é off-side!
roubos de armas aos nazis. A mais famosa operação do gru-
UTUTW1JTQNIJWFITKTNHTRFLZJWWFVZFXJSTȁRTZ[NSIT Sim, a rasteira de Orzan a Mateo não deixara fímbria de dú-
rumor de que a Wehrmacht estava a armazenar armas para [NIFTȁXHFQIJQNSMFS§TIJN]FWFIJFYNWFWFGFSIJNWNSMFFTFW
levar de comboio dali — Horn e os seus 10 homens entraram, — a dar sinal de fora-de-jogo que Leo Horn devia ter assinalado
sorrateiros, pela janela do armazém, dominaram em luta cor- e não assinalou.

83
Como um eletricista
pôs Di Stéfano no seu destino
e uma greve o pôs
a caminho do Real

Na cobrança do polémico penálti, Di Stéfano fez 1-0 – à beira da


hora de jogo. Alfredo Di Stéfano nascera por julho de 1926 em Bar-
racas, bairro pobre de Buenos Aires. Com o trabalho no Mercado
Nacional da Batata, o pai (que fora de Itália para a Argentina) jun-
tara dinheiro que lhe dera para comprar algumas terras de cultivo.
Por isso, cogitava ser engenheiro agrónomo — mas, entranhando-
-se-lhe na vida por um acaso, o futebol desviou-o de tal destino:

— Um dia apareceu lá em casa um eletricista que era jogador do


River Plate e era amigo do meu pai. Por entre a conversa, a minha
mãe disse-lhe que eu também tinha muito jeito para a bola. Dias
depois, apareceu no correio um postal a convidar-me para um tes-
te no River Plate.

A sua primeira ideia foi ignorar — só o aceitou por insistência


da mãe (italiana como o pai). Desempenhado, apanhou autocarro
para o estádio — onde o recebeu Carlos Peucelle (que, no Mundial
de 1930, marcara ao Uruguai golo que não bastara para fazer da
Argentina campeã do Mundo). Ao cabo de meia-hora, mandou-o
sair — e pediu que o acompanhasse à secretaria: Símbolo do clube. Difícil encontrar na história do Real Madrid
nome que supere o de Di Stéfano

— Perguntou-me se tinha o BI comigo, dei-lho. Mandou-me assi-


SFWZRFȁHMFƉJHTRFVZJQFFXXNSFYZWFȁVZJNQTLTUWJXTFT7N[JW na conquista do campeonato de 1947 (e seu melhor marcador) —
também arrastou a Argentina à conquista da Copa América. Já lhe
Estava a caminho dos 19 anos, não demorou a escalar da quarta chamavam La Sieta Rúbia (pela velocidade estonteante — e a cor
à primeira categoria, mas na época de 1946 emprestaram-no ao dos cabelos ao vento…)
Huracán — e quando lhe coube defrontar o River, entrou de «rai-
va» no jogo e logo aos 15 segundos fez golo. Em 1949, a Argentina vivia em pleno golpe militar sob o signo de
Ao passar de médio-direito a avançado-centro, desatara a mar- Perón — os jogadores de futebol deixaram de receber os salários
car golos — e o River Plate pediu-lhe que voltasse à base. Estrela e os do River Plate entraram em greve, durante cinco meses não

84 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


jogaram. Alguns, nem sequer voltaram a jogar — saltaram para a Ɖ3FGFQN_FS§TOTLTRFNX
Colômbia que se abrira, em surpreendente empolgamento, ao pro-
ȁXXNTSFQNXRT)N8Y­KFSTKTNUFWF2NQQNTSFWNTXIJ'TLTY¥JRYW®X &NSIFOTLTZRFXUTWUTZHTYJRUT3ZRIJXFȁTJR+TWYNYZIT
FSTXQJ[TZTXFYW®X[NY·WNFXSTHFRUJTSFYT FYFHFSYJ FYNSLNZT F UTSYFU­ IJN]FSITT IJXRFNFIT ST HFRUT
&TWJHZUJWFWFHTSXHN®SHNFWJUJYNZTGWFIT
42NQQNTSFWNTXQFS«TZXJFINLWJXX§TUJQF*ZWTUFƉJTJXUFSYT
XTQYTZXJQMJITXU­XIJKTLFHMTJRKTLFHMT;JSITOTLFWHTSYWF Ɖ3FGFQN_FS§TOTLTRFNX
T7JFQJR2FIWNI8FSYNFLT'JWSFG­ZFYNWTZQJXYTTIJXJOTFTFW
&±XNRUFXXTZUFWFF[FS«FITƉJS§TYFWITZVZJT.SYJWQMJQFS-
Ɖ6ZNJWTJQ7¾GNT6ZJRJȁHMJRJQ7¾GNT «FXXJHFSYTIJXJWJNFJF/Z[JSYZXYFRG­R*XHTQMJZT.SYJWUTW
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WFRSTFVZJHFUWNHMTXTINXXJXXJ 1F_NTF9F«FIJ.Y¥QNF

85
Di Stéfano, forte presença na área, elegância e inteligência, um verdadeiro terror para as defensivas contrárias

Seis minutos após o penálti convertido por Di Stéfano, Gento Se, para Cândido de Oliveira, Di Stéfano foi «sem dúvida» (e
fez o 2-0 para o Real Madrid — e com o placard assim fechado de novo) o «atacante mais perigoso» e por Chamartín (foi assim
coube a Francisco Franco, o generalíssimo Franco, entregar a Taça que A BOLA denominou o estádio e não Santiago Bernabéu) ainda
dos Campeões a Miguel Munoz, por entre estádio a arder de júbilo se viram laivos da «perfurante velocidade de Gento» — a princi-
— sem que a euforia o enfarinhasse, como se aquela vitória fosse UFQoȁLZWFRFNXXFQNJSYJITIJXFȁTYFQ[J_YN[JXXJXNIT(JW[FYT
apenas uma vitória no futebol… pelo seu «poder atlético, o seu fantástico poder de antecipação»
e a sua técnica individual, pouco normal em defesas. Sim, Sérgio
Durante a Guerra Civil que o levou a tornar-se o Salazar de Es- Cervato era um defesa diferente — também por ter uma mão como
panha, para Franco a batalha contra os republicanos também era tinha. Lançara-se no futebol como lateral esquerdo de modestas
batalha contra o Barcelona. Quando a cidade caiu, os falangistas equipas de Lampo di Carmignano — e indo oferecer-se a teste à
de Franco (por onde também andara Santiago Bernabéu) mataram Sampdoria mandaram-no embora. Não tinha polegar na mão di-
inúmeros deles (ligados ao clube), enterrando-os em valas comuns reita, amputaram-no na sequência dum acidente com ferramenta
SF HTQNSF 2TSYOZNH * +WFSHT FȁFS«F[FT TWLZQMTXT [J_JX XJR agrícola no campo onde trabalhava desde pequenote. Tentou a
conta: Fiorentina, não o desprezaram — e a sua estreia pela seleção foi
em Portugal, numa vitória da azzura por 4-1, em 1951. (Quando,
— Sou capaz de recitar as formações completas do Real Madrid, depois, se tornou treinador — percebeu-se-lhe um dom: descobrir
recuando décadas e décadas… «talentos de futebol inteligente», um deles foi Fabio Capello…)

86 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Alfredo Di Dtefano
Eusébio, o grande Eusébio, guardado na galeria dos génios do futebol, idolatrava-o.
Di Stéfano foi, para o Pantera Negra, o maior dentre os maiores. Sobre Di Stéfano,
tendo Eusébio dito o que disse, por dizer algo mais restará?

1957

87
RONDA PRÉVIA QUARTOS DE FINAL
AGF Århus (Dinamarca) – Nice (França) Athletic Bilbao (Espanha) – Man. United (Inglaterra)
1 – 1 // 1 – 5 5 – 3 // 0 – 3
FC Porto (Portugal) – Athletic Bilbao (Espanha) Fiorentina (Itália) – Grasshopper (Suíça)
1 – 2 // 2 – 3 3 – 1 // 2 – 2
R.S.C. Anderlecht (Bélgica) – Man. United (Inglaterra) Real Madrid (Espanha) – Nice (Franaça)
0 – 2 // 0 – 10 3 – 0 // 3 – 2
B. Dortmund (RFA) – CA Spora Luxembourg (Luxemburgo) Estrela Vermelha -XJRVOiYLD ²&'1$6RÀ\D %XOJiULD
4 – 3 // 1 – 2 // 7 – 0 3 – 1 // 1 – 2
Dínamo Bucareste 5RPrQLD ²*DODWDVDUD\ 7XUTXLD 
3 – 1 // 1 – 2.
Slovan Bratislava (Checoslováquia) – Legia Warszawa
(Polónia)
4 – 0 // 0 – 2

OITAVOS DE FINAL MEIAS-FINAIS


Athletic Bilbao (Espanha) – Honved SE (Hungria) Real Madrid (Espanha) – Manchester United (Inglaterra)
3 – 2 // 3 – 3 3 – 1 // 2 – 2
Man.United (Inglaterra) – Borussia Dortmund (RFA) Estrela Vermelha (Jugoslávia) – Fiorentina (Itália)
3 – 2 // 0 – 0. 0 – 1 // 0 – 0
Fiorentina (Itália) – IFK Norrköping (Suécia)
1 – 0 // 1 – 1
Slovan Bratislava (Checoslováquia) – Grasshopper
(Suiça)
MELHORES MARCADORES
3 – 4 // 0 – 2
Real Madrid (Espanha) – Rapid Viena (Áustria)
Alfredo Di Stéfano (Real Madrid)
4 – 2 // 1 – 3 // 2 – 0 7 (8 jogos)
Glasgow Rangers (Escócia) – Nice (França) %RUD.RVWLþ (VWUHOD9HUPHOKD
2 – 1 // 1 – 2 // 1 – 3 5 (6 jogos)
Rapid JC (Holanda) – Estrela Vermelha (Jugoslávia) Dennis Viollet (Manchester United)
4 (4 jogos)
3 – 4 // 0 – 2 7RPP\7D\ORU 0DQFKHVWHU8QLWHG
()3&8Tȁ^F (Bulgária) – Dínamo Bucareste (Roménia) 4 (6 jogos)
8 – 1 // 2 – 3 Ernst Happel (Rapid Viena)
3 (3 jogos)
FINAL
Taça dos Campeões Europeus, 1956/1957

2 Real Madrid

0 Fiorentina
Final
30 de maio de 1957

Estádio Santiago Bernabéu, Madrid


Árbitro: Leopold Horn (Holanda)

REAL MADRID: Juan Alonso; Manuel Torres e


Rafel Lesmes; Miguel Munoz (cap.), Marquitos
Alonso e Jose Maria Zarraga; Raymond Kopa,
Enrique Mateos, Alfredo Di Stéfano, Héctor Rial
Rial e Paco Gento.

Treinador: Jose Villalonga

FIORENTINA: Giuliano Sarti; Magnini, Orzan e


Cervato (cap.); Scaramucci e Segato; Julinho,
Gratton, Virgili, Montuori e Bizarri

Treinador: Fulvio Bernardini

Marcadores: 1-0: Alfredo Di Stéfano (70); 2-0: Paco


Gento (76).
Capítulo IV
1957/58

CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)
Se o avião No dia seguinte, cada um tinha no seu cacifo notícia de multa
IJJXHZITXoUTWSJLQNL®SHNFJUTWS§TYJWJRFHFYFITFX
do Manchester United TWIJSXITYWJNSFITWJQJJWFRJXRTFXXNRƉJ†SLJQT2FW-
YNSXTXJZIJKJXFINWJNYTWJ[JQTZJSYWJYFSYT
não se tivesse transformado
numa bola de fogo, — Criou-se o Lar dos Jogadores, que era uma espécie de re-

o Real teria ganho gime de vigilância máxima — quem não cumprisse os horários
era multado a doer. Havia também controlo para quem não vivia
a sua terceira Taça? no Lar, os casados. Uma vez, fui apanhado em casa de uma vizi-
nha às 23.10 horas, estava na sua festa de anos, aplicaram-me
1000 escudos de multa — e eu só ganhava 750 por mês. Tudo
Por meados de 1954, Joaquim Ferreira Bogalho encantou-se isso ajudou a mudar-nos a mentalidade…
com o modo como um treinador de 35 anos (que era neto de por-
tugueses e deixara em suspenso o curso de direito) pusera o Vasco 4KZQLTWIJXXJ'JSȁHFUJWHJGJZXJSF9F«F1FYNSFIJ
IF,FRFFOTLFWƉJIJXFȁTZTUFWFT'JSȁHF(MFRF[FXJ4YYT F¾QYNRFVZJXJINXUZYTZYFRG­RKTNT†SLJQTVZJTHTSYTZ
2FWYNSXIF,Q·WNF&TFXXNSFWHTSYWFYTWJHJGJZHTSYTXƉJȁHTZ
FLFSMFWJXHZITXUTWR®X4ZYWFUWTRJXXFWJHJGJZJSYWJ- — Para além da vitória no campeonato, ganhámos a Taça de
YFSYTVZJVZFQVZJWY±YZQTIJHFRUJ§TQMJ[FQJWNFZRG·SZXIJ 5TWYZLFQFT(T[NQM§ƉJSFXRJNFXȁSFNXIF9F«F1FYNSF[JSHJ-
HTSYTX.RUQJRJSYTZFXHTSHJSYWF«¹JXJTXJXY¥LNTXUWTNGNZTX mos o Saint Etiénne, fui eu que marquei o golo da vitória. Para
OTLFITWJXIJ[¥WNFXHTNXFXƈIJZYNQN_FWTHFQ§TUTWJ]JRUQT9FR- FGFQN_FKTNT(TXYF5JWJNWF)JUTNXSFȁSFQSTJXY¥INTIJQJX
G­RIJHNINZVZJSJRXJVZJW'TLFQMTUTINFJSYWFWSTGFQSJ¥WNTJ em Madrid, perdemos por 1-0 com o Real, golo do Di Stéfano,
KFQFWHTRTXOTLFITWJXFXJZGJQYFQFSYJUFWFQ¥NWYNSMFIJQMJUJ- o guarda-redes foi o Bastos. Ficaram todos muito espantados,
INWFZYTWN_F«§T5¸XFJVZNUFFOTLFWJR]]Y¥YNHFNLZFQRJSYJ UJWLZSYFSITHTRT­VZJT'JSȁHFYNSMFITNXLZFWIFWJIJXFX-
WJ[TQZHNTS¥WNFVZJMF[JWNFIJKF_JWIT'WFXNQHFRUJ§TIT2ZSIT sim, fartaram-se de rir quando seu Otto explicou que o Costa
VZFYWTFSTXIJUTNXSF8Z­HNF Pereira era para jogos mais do tipo dos franceses, com cruza-
mentos e bolas pelo ar, o Bastos mais para o jogo rendilhado,
+J_IJUWTSYTIT'JSȁHFHFRUJ§THFRUJ§TIJ como o deles. Era mesmo assim — e foi mais uma lição de co-
Ɖ RFX S§T NXXT S§T QMJ FGWNZ FHJXXT ¤ INXUZYF IF 9F«F ITX nhecimento e de estratégia que o homem deu. Contra o Real,
(FRUJ¹JXƉVZJSFXZFUWNRJNWFJIN«§TXJKJ_UTWHTS[NYJXT marquei o Gento, o Di Stéfano mostrou o que era, o melhor jo-
HTS[NYJHTZGJFT8UTWYNSL4+(5TWYTNRUJINZQMJFWJ[FQNIF- gador que eu vi. Sim, era extraordinário, jogava com os ombros,
«§TITY±YZQTƉWF_§TUTWVZJFJXYWJNFIT'JSȁHFX·XJIJZSF com os calcanhares, com tudo — só com as mãos é que não.
JIN«§TIJ&SYJXIJQ¥HMJLFWFUFSMTZZRYWJRJSIT Sem ele, nunca o Real Madrid, que já tinha vencido a Taça dos
XZXYTSF1Z_FSYJXIFRJNFMTWFO¥T'JQJSJSXJX[JSHNFUTW Campeões, nos teria ganho aquela Taça Latina...
FHFGTZJRUFYFITHTR4YYT,Q·WNFSZRXNSFQITXJZ
JXU±WNYT_FSLFITFJRUJWYNLFWXJ &SYJXIJXJQFS«FWUJQFUWNRJNWF[J_SF9F«FITX(FRUJ¹JX
F  IJ XJYJRGWT IJ  T 'JSȁHF FGWNZ T HFRUJTSFYT IJ
— Os jogadores não cumpriram o que lhes disse, deve ter- HTRFT;NY·WNFJR8JY¾GFQƉFUJXFWIJLWF[JJS-
-lhes dado alguma coisa na cabeça. YTWXJYJWFYNWFIT(TXYF5JWJNWFUFWFTJXYFQJNWT3§TU¸IJUTW

92 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


isso, jogar a jornada seguinte contra o Braga, para a baliza foi No último treino antes da viagem para Sevilha, lesionou-se
José Bastos — e se espanto houve, foi no resultado: no empate Cavém:
a zero. Espanto sobretudo para os espanhóis do Sevilha — que
YTHFWFJRXTWYJFT'JSȁHFSFUWNRJNWFJQNRNSFY·WNFƉXTGWJ- — … uma queda causou-lhe forte traumatismo nos ossos da
YZITUTWYJWJRJSYWJYFSYTȁHFITFXFGJWVZJJRIJXFȁTUFW- bacia
YNHZQFWTXGJSȁVZNXYFXYNSMFRGFYNITST7JXYJQTT'FWHJQTSF
por 4-0, proeza que levou a que Peppilo, a estrela do ataque do E Palmeiro andava a contas com um furúnculo numa perna.
Sevilha, o revelasse:
Apesar de tudo, era tão grande o otimismo (e não só em Otto
— Sou franco: a derrota do Barcelona lançou o pânico em ,Q·WNFƓVZJFINWJ«§TIT'JSȁHFIJHNINZVZJF[NFLJRUFWF
nós. Do empate com o Braga talvez se pudesse dizer que é uma Sevilha se faria no próprio dia do jogo. Vá lá, não se fez de auto-
nova esperança, mas nós não nos iludimos, preferimos contar carro, fez-se de avião, obrigando a que os jogadores se levan-
HTRZR'JSȁHFHTRTT'JSȁHFVZJKTN[JSHJITWIT'FWHJQT- tassem pela madrugada, Francisco Palmeiro contou-o:
na! E também não nos esquecemos das exibições do Águas, do
Palmeiro e do Ângelo contra a Espanha, nos 3-0 de Portugal, — Foi chegar, almoçar, quase calçar as chuteiras — e ir jo-
não há muito tempo… gar…

4YYT,Q·WNFFIRNSNXYWFYWJNSTST'JSȁHF9JSITLFSMTQTLTSF­UTHFIJJXYWJNFFTQJRJITXJSHFWSFITXTHFRUJTSFYTSFHNTSFQIJS§TINXUZYTZFUWNRJNWF
JIN«§TIF9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZXJR&JXXFKTNT8UTWYNSLƓUTWHTS[NYJ

93
Com um furúnculo
numa perna, Palmeiro
   +K“
na Taça dos Campeões

O Sevilha entrou em campo com os jogadores levando nas mãos


FGFSIJNWFIJ5TWYZLFQTXIT'JSȁHFȁ_JWFRTRJXRTQJ[FSIT
nas mãos a bandeira de Espanha. O Sevilha ganhou por 3-1 — e
Cândido de Oliveira sublinhou-o: «Neste jogo do Nervion, o Ben-
ȁHFS§TKTNZRFNRFLJRIJQJUW·UWNT*SYWJT'JSȁHFIF9F«F1F-
tina, cheio de personalidade, de vigor, de entusiasmo, de garra e,
XTGWJYZITIJGTRIJRZNYTGTROTLTJT'JSȁHFIJFLTWFHF-
[TZXJZRKTXXTYFQVZJTXXJZXFIJUYTXJFUW·UWNFHW±YNHFIJ[JR
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IJJHTRGFYN[NIFIJJ]HJ«§TKJNYFIJITNXTZYW®XOTLFITWJXVZJ
FSIFWFRXJRUWJRZNYTUW·]NRTXITXJZMFGNYZFQWJSINRJSYTƓ

5FWF(¦SINITOTLFITWJXJRIJXYFVZJKTWFRT'FXYTXJT5FQ-
RJNWTƉJ/TX­…LZFXJSYWTZSTGFQSJ¥WNTFVZJN]FWXJFRFWLF-
mente:

— Pela parte que me toca devo dizer que Campanal não é um


jogador leal pois toma sempre o caminho da violência…

A BOLA, edição do dia 28 de setembro de 1957, página 5 *RTXYWFSITFWWFSM§TSTUJXHT«TJ]HQFRTZ

— Isto foi uma das carícias, mas infelizmente o árbitro deixou


passar tudo, contra mim. Porém, sim: acho justa a vitória do Sevi-
lha, mas o resultado poderia ter sido menos duro para nós.

(TQZSFS§TITZWTZFU±QZQF GJRUJQTHTSYW¥WNT

Ɖ3§TLTXYJNITOTLTSJRIT'JSȁHF48J[NQMFOTLTZRZNYT
bem e nós muito mal…

94 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Satur Grech, o treinador do Sevilha, de fato amarelo e lacinho *XY¥INT3JW[NTSHTRT[JWIFIJNWTXOTLFITWJXIT'JSȁHFT/TX­
puxado, deixou o campo eufórico como nenhum dos seus jogado- Bastos e o Francisco Palmeiro — e do Palmeiro, que tivera de jo-
res o deixara — e ao cruzar-se com Silva Resende, o repórter de A LFWHTRZRKZW¾SHZQTSZRFUJWSFINXXJXJo7¥UNITKZQLZWFSYJ
'41&ST3JW[NTSFȁWRTZ IJXHTSHJWYFSYJ5FQRJNWT­IJHNINIFRJSYJZROTLFITWKJQN_HTSYWF
TXJXUFSM·NXVZJTYJRJRJXJFUF[TWFRHTRFXZFUWJXJS«F
Ɖ&[JQTHNIFIJIT8J[NQMFIJXYWT«TZTXNXYJRFIT'JSȁHF
&TXRNSZYTX5FZJYKJ_TUWNRJNWTLTQTVZJT'JSȁHFXTKWJZ
4YYT,Q·WNFYWJNSFITWIT'JSȁHFXJLZNZXNSHJWTUJQTRJXRT na Taça dos Campeões — e, dois minutos após, Palmeiro puxou
JSHFQ«T ainda mais história a si num golo que Silva Resende descreveu
UT­YNHToƓJ[TQZHNTSTZSFLWFSIJ¥WJFHTRTUFXXNSMTQNLJNWTIJ
— Sim, é verdade: o Sevilha ganhou muito bem e deve-se certa- ZRFFQ[­TQFJSFRJQMTWFQYZWFFWWFSHTZTUTSYFU­KFYFQFGNXRFS-
mente a Bastos não ter sido mais elevado o score. ITTLWTXXTITHFRUTSZRRZYNXRTHTSKWFSLJITWƓ

Vendo Bastos defender o que parecia impossível, viram-se 7JHJGJWF F GTQF IJ (TQZSF FSYJX IT WJRFYJ KZQLZWFSYJ UTW
adeptos do Sevilha soltando «ohs!» de exclamação, gritando em FQYTIJN]FWFJXYTSYJFITHTRTXJZIWNGQJ(FRUFSFQT(FRUFSFQ
UFXRT VZJXJSITJXYWJQFRFNTWIT8J[NQMFRFQXFNZITHFRUTFȁFS«TZ

— Que barbaridad! Ɖ5FWFRNRJQJRJSYTJ]YWFTWINS¥WNT­T5FQRJNWT*T'JSȁHF


uma boa equipa, com muito poder e conjunto, isso deu, pois, ainda
5FWF & '41& FUJSFX ITNX OTLFITWJX IT 'JSȁHF OTLFWFR ST mais fulgor à nossa vitória.

95
dos 3-1 achara que tinha a eliminatória garantida, deu o dito
(““ Ä+K“ por não dito:

foi pedir ao árbitro — Tratando-se do Benfica não nos dá tranquilidade a van-


que expulsasse o Zezinho tagem de dois golos. É verdade que disse que com 3-1 vi-

(e era um truque) nha para Lisboa sem grandes apreensões, mas isso é uma
daquelas coisas que nos saem quando o entusiasmo pode
mais do que o raciocínio. Por isso lhe garanto, dois golos é
Campanal fora no campo do Nevrion o mais impetuoso vantagem insignificante para um adversário da categoria do
jogador do Sevilha, sendo, também, o mais cauteloso fora Benfica.
dele:
Na véspera do desafio, Otto Glória levou os seus pupilos
— Por mim, acho que vai haver terceiro jogo. Nós vence- ao Hospital de Santa Maria — e em A BOLA desvelou-se:
mos em Sevilha e o Benfica vai derrotar-nos em Lisboa. «… por lá tomaram banhos de agulheta e, depois, no Campo
Grande efetuaram exercícios físicos, bateram bolas e sujei-
Não, não era essa a ideia de Eduardo Teus, jornalista do taram-se a novos banhos — de imersão».
Ya:
Como o Estádio da Luz ainda não tinha luz, o jogo com o
— A velocidade do Sevilha dominou o segundo tempo. O Sevilha fez-se à tarde, numa tarde de quinta-feira e o título
Benfica perdeu por 3-1 e podia ter perdido por maior conta- da crónica de Vítor Santos em A BOLA foi:
gem. Não se pode dizer que o resultado não é justo porque
na segunda parte o Sevilha dominou sempre. Não se pode O Sevilha jogou sempre como se houvesse só uma baliza
nem sequer invocar a desculpa usada na final da Taça Lati- (a sua).
na, contra o Real Madrid, de que Zezinho tinha sido expulso.
Desta vez, se Zezinho não jogou foi porque foi substituído Por isso, tudo acabou como acabou. Com 0-0. Mal entrou
por Pegado, um dos jogadores mais em voga em Portugal. O no balneário, Ângelo atirou-se para um dos seus recantos —
Benfica não tem, portanto, nenhuma desculpa para invocar e desatou a chorar, «a chorar copiosamente de desespero».
desta vez… O médico do Benfica explicou a um jornalista espanhol em
espanto:
A viagem para Lisboa, fê-la o Sevilha três dias antes
do jogo da segunda mão — e em A BOLA não deixou de — É um homem que sente a camisola como ninguém e que
escrever-se: «O Sevilha preparou com todos os cuidados quando perde tem estas crises nervosas. Mas não há nada a
a sua deslocação, num processo totalmente diferente do recriminar. Quer o Ângelo, quer os demais rapazes, fizeram
Benfica, que fez a viagem de avião para lá, no próprio dia tudo o que puderam.
do jogo».
Ângelo levara do campo a bola do jogo — sem saber que
Antes da partida, ficaram os espanhóis a saber que o Ben- pertencia ao Sevilha e, com ele ainda em lágrimas, apareceu
fica batera o Oriental por 7-0 — e Satur Grech, que na noite alguém a pedi-la. Vendo o que se passava perguntou:

96 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


— Tem interesse em ficar com bola? Taça dos Campeões: a bola escapou-se das mãos de Bustos,
Zezinho estendeu o pé, procurando aproveitar-se da falha do
E, ouvindo sim na resposta do Ângelo, retorquiu-lhe: guarda-redes, o braço de Campanal enroscou-se furiosamen-
YJJRWJITWITUJXHT«TITGJSȁVZNXYFƉYWTHFWFRXJXTHTX
— Pois, então, fique com ela. JSYWJ FRGTX MTZ[J IJXTWIJR INXHZXX§T _FWFLFYF Ɖ J ST
meio da confusão um árbitro muito benévolo a tentar apazi-
Zezinho repetiu a lamúria: guar os ânimos, a pedir calma aos jogadores, sem conseguir
fazer-se obedecer…
— O Campanal agrediu-me. Tive de responder. Pontapeou-me e
agarrou-me pelo pescoço e isso eu não admito a ninguém! 3JXXFYFWIJHFUNY§TIT'JSȁHFKTWFT+WFSHNXHT5FQRJNWTƉJT
VZJFHTSYJHJZKTNTVZJJQJQFWLTZJRRJR·WNFIJQNHNTXFRZNYTX
Sim, esse fora, ainda na primeira parte, o momento dra- muitos anos depois:
R¥YNHT IT OTLT T UWNRJNWT XZWZWZ IT 'JSȁHF SF MNXY·WNF IF
— O Campanal era um defesa fabuloso. Limpava tudo e saía
a jogar. Para o segundo jogo, o senhor Otto meteu o Zezinho,
que era médio, mais avançado, para ver se o travava, se não o
deixar sair a jogar. Eles pegaram-se e eu fui pedir ao árbitro, um
senhor francês, para expulsar os dois. Chamei um diretor para
traduzir, disse que os dois tinham de ser expulsos, mas ele não
os expulsou. E foi pena. O Zezinho não nos fazia falta e o que
nós queríamos era o Campanal na rua.

4YYT ,Q·WNF YWTHFWF (FNFIT UTW ?J_NSMT IT ?J_NSMT INXXJWF &
2FWHFVZJFSIFWFoYTITTYJRUTJRHF«FFTMTRJRƉJ(FR-
UFSFQRTXYWFSITȁTIJXFSLZJSTWTXYTFHFRNSMTITGFQSJ¥WNT
jogou forte na ironia:

— Zezinho é um «bueno chico». Não precisava de se mostrar


mau. O sangue na cara? Oh! Isso foi uma beliscadura.

4YYT,Q·WNFQFRJSYTZFKFQYFIJoYFSVZJXUFWFFGWNWFRZWFQMF
XJ[NQMFSFƉJIJXIWFRFYN_TZ

— Foi melhor assim, agora podemos pensar só no Campeonato.

1¥UJSXFWUJSXFWFRRFXTXGJSȁVZNXYFXS§TUFXXFWFRITYJW-
HJNWTQZLFWFYW¥XIT8UTWYNSLJIT+(5TWYT*UFWFTXUTWYNXYFX
Palmeiro confessou ter pedido ao árbitro para expulsar Campanal, jogador fabuloso
IT8J[NQMFJ?J_NSMTIT'JSȁHFƓVZJXTGWJFXZFFZX®SHNFXJS§TIFWNF UJWIJWFRF9F«FIJ5TWYZLFQST/FRTW

97
Di Stéfano e Puskas
Dupla temível do Real Madrid, já Di Stéfano era o que era quando Puskas,
então trintão, se lhe junta em Madrid

1958
Com a URSS de fora, Ɖ8NRXNRXJSMTWJX)N8Y­KFST­ZROTLFITWKFGZQTXT*T7JFQ
para a RDA a sorte da moeda ZRFJVZNUFKFGZQTXFYFRG­R2FXFHWJINYJRRJQMTWITVZJ)N
8Y­KFST­5ZXPFXRJQMTWITVZJT7JFQJWFT-TS[JIƓ
ao ar (pela primeira vez) 8FSYNFLT'JWSFG­ZKTWFITXVZJJXHZYFWF(XTWIFXVZJGWFSIT
TXNQ®SHNTSZRGFN]TRZWR¾WNTYFQ[J_HTRFUZQLFFYW¥XIFTWJQMF

;TQYTZFMF[JWWTSIFUWJQNRNSFWƉVZJKTNTSIJT'JSȁHFJXYJ[J — Pois, mas parece que Puskas está um barril…


ƉJIJQ¥XFNZHTRWJHTWIJYNWFITFT2FSHMJXYJW:SNYJI JSY§TO¥
FHFRNSMTIJMNXY·WNHFYWFL­INFƓT*XYWJQF;JWRJQMFIJ'JQLWFIT 5ZXPFXHTSXJLZNWFVZJFRZQMJWJFȁQMFJXHFUFXXJRIJ'Z-
JQNRNSTZT8YFIJ)ZIJQFSLJIT1Z]JRGZWLTHTRFRFNTW[FSYF- IFUJXYJƉJKTXXJRYJWHTRJQJF;NJSF4HFXYNLTVZJF+.+&
LJRFY­JSY§TFTLFSMFWQMJUTWJ*XXFJIN«§TS~IF QMJFUQNHFWFUTWFHMFWVZJFXZFF«§TFTS§TVZJWJW[TQYFWF
9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZXYWTZ]JRFNXFIJX¹JX¤HTRUJYN«§T 'ZIFUJXYJFU·XFKTWRFHTRTF:788OZLZQFWFF7J[TQYF-¾S-
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F.XQ¦SINFJF3TWZJLF FU·XFNS[FX§TXT[N­YNHFYTWSFWFXJXJHWJY¥WNTY­HSNHTIT7JFQ
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JXY¥INTJIFSITXJJRUFYJFU·XUWTQTSLFRJSYTSTYJWHJNWT — Já lhe disse, senhor presidente: não perca mais tempo! Os 18
OTLTMTZ[JUJQFUWNRJNWF[J_FUZWFITFYWF[­XIJXTWYJNTUTWRTJ- quilos a mais que Puskas tem é problema que se resolve depressa.
IFFTFWFUFXXFLJRFTXTNYF[TXIJȁSFQHTZGJFTXFQJR§JXIT
QFITHTRZSNXYF4;FXFXIJ'ZIFUJXYJYTWSTZXJTHQZGJVZJUFW- 3§TYFWITZVZJ'JWSFG­ZKTXXJ¤XZFUWTHZWFƉJ[JSITTJR
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SFWF(80&FUJXFWIJO¥XJWTHQZGJITJ]­WHNYTUTUZQFWG¾QLFWT — Quer mesmo que eu vá para o grande Real Madrid? Não viu
T>TZSL'T^XJT&OF] como estou gordinho?!

3FUWNRJNWFR§TIFXRJNFXȁSFNXJR2FIWNIT7JFQ VZJSFJQN- *TUWJXNIJSYJIJZQMJJRW­UQNHF


RNSFY·WNFFSYJWNTWLFSMFWFFT8J[NQMFUTWGFYJZT;FXFXUTW — Isso é problema seu, não é problema meu, é, pois, problema
 HTRMFYYWNHPIJ)N8Y­KFST(TRFXZFJVZNUFVZFXJYTIF para você resolver e depressa…
STJ]±QNTT-TS[JIIJXȁ_JWFXJSTXJZKZQLTWƉJ1FOTX(XTWIFX
JXYWJQFITST[THFRUJ§TQ¥JR(MFRFWY±S[JSITFJZKTWNFFKT- )JWWTYFIT7JFQJR'ZIFUJXYJHTRT;FXFXS§TQMJYNWTZFYJW-
LFHMFWJRYTWSTIJ)N8Y­KFSTKJ_VZJXY§TIJNWFTGFQSJ¥WNTHZR- HJNWFȁSFQHTSXJHZYN[FƉJFNSIFFSYJXIJQFXJINXUZYFWST-J^XJQ
UWNRJSY¥QT RFX ¤ XF±IF S§T IJN]TZ IJ QFWLFW SZR GWFIT VZJ JR'WZ]JQFXO¥+JWJSH5ZXPFXYNSMF[NFLJSXRFWHFIFXUFWF2F-
XZWUWJJSIJZVZJRTTZ[NZ IWNIUFWFXNJUFWFFKFR±QNFƓ

99
que o garoto de Yorkshire carregasse o peso de ser o primei-
A tragédia de Munique ro jogador de 30 mil libras, Busby teve uma das suas insólitas

no avião que levava ideias:


Ɖ+NHFFXXNR[FRTXIFWZRFQNGWFIJLTWOJYF¤YJFQFI^¤RJ-
o Manchester United SNSFXNRU¥YNHFVZJSTXYWTZ]JTHM¥IZWFSYJFSJLTHNF«§T

de Belgrado Do inferno de destroços ainda saiu com vida Duncan Edwards.


Apesar dos 21 anos era já a estrela maior da constelação, Bob-
A 6 de fevereiro de 1958, o Manchester United vinha de by Charlton, amiúde, o disse:
Belgrado, onde, apesar de empate a três com o Estrela Ver-
melha, garantira a passagem às meias-finais. O Airspeed Ɖ*WFTOTLFITWVZJRJKF_NFXJSYNWNSKJWNTW8JUFWFOTLFWUJQF
Ambassasor G-ALZU parou para escala. Nevava e caíra a RNSMF[NIFYN[JXXJVZJJXHTQMJWFQLZ­RUFWFFYZFWHTRNLTXJ-
noite de um denso manto. Sentindo o avião aos solavancos WNF)ZSHFSVZJRJXHTQMJWNF
como uma folha ao vento, Billy Whelan inclinou-se para Al-
bert Scanlon, murmurou-lhe: Sofreu lesões internas devastadoras, médicos juraram que
qualquer homem assim morreria em duas ou três horas, Ed-
ƉTȁRRFXJXYTZUWTSYTƓ wards ainda sobreviveu por 15 dias.

Billy Foulker salvou-se e depois contou: /FHPNJ 'QFSHMȂT\JW J /TMSS^ 'JWW^ XFQ[FWFRXJ RFX S§T
mais puderam jogar futebol.
Ɖ9ZITXJUFXXTZYJWWN[JQRJSYJIJUWJXXF:RFJ]UQTX§TKTW-
RNI¥[JQ VZJ XFHZINZ T FUFWJQMT J Y±SMFRTX F NRUWJXX§T VZJ Matt Busby estava, em redor de dois ou três corpos inertes,
STXXTXY±RUFSTXJ]UQTINFR estendido na neve onde se viam, arrepiantes, tufos vermelhos
de sangue — e quando Foulkes se aproximou, ouviu um som de
O aparelho não ganhara a altura necessária, chocando violen- agonia:
YFRJSYJHTRZRUW­INTXNYZFITSTȁRIFUNXYFYWFSXKTWRTZXJ
numa bola de fogo. Whelan teve morte imediata. Ele e Geoff Ɖ 5JSXJN VZJ FVZJQJ LJRNIT YJWW±[JQ JWF T ȁR IF QNSMF UFWF
Bent, Roger Byrne, Eddie Colman, Mark Jones, David Pegg e 8NW2FYY
Tommy Taylor.
No hospital descobriram-lhe um pulmão perfurado, várias
Aos 26 anos, Taylor era o avançado-centro da equipa, na se- costelas partidas — e, por duas vezes, um padre surgiu a dar-
mana anterior chegara a Manchester notícia de que o AC Milan -lhe a extrema unção. Após esses dois meses entre a vida e a
tinha 650 mil libras para oferecer pela sua contratação, mas morte, Busby voltou a casa — e decidiu:
Busby avisou de pronto:
Ɖ+ZYJGTQUFWFRNRSZSHFRFNXFITWVZJXNSYTS§TIJN]F
Ɖ3JRUJSXJRJRSJLTHNFWXJVZJW
Jen, a mulher de Matt Busby, convenceu-o, tocando-lhe ao
Viera, cinco anos antes, do Barnsley por... 29.999 libras. Para sentimento:

100 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


— Olha que se calhar os rapazes que não morreram estão à — Se o Brasil nos tivesse vencido assim no Estádio do Cen-
tua espera... tenário, os brasileiros não teriam saído vivos do Uruguai.

A dúvida, carregada de sentimentalismo (ou talvez não) nun- Sim, lá, nesse Mundial de 50, no Brasil, Obdulio Varela era
ca mais se desfez, nunca se desfará: se o avião do United não o dono do time, o dono da bola celeste e Ghiggia entrou
se tivesse transformado em tragédia do fogo e destroços, o para a história como o mago que descobriu o ouro na ponta
Real Madrid teria ganho a sua terceira Taça dos Campeões Eu- do pé:
ropeus?
— Só três pessoas calaram o Maracanã: o papa, Frank Si-
Sobreviventes da catástrofe que acabaram por ter mais natra e eu.
história à sua espera, foram, por exemplo, William Foulkes,
antigo mineiro que, numa crónica de A BOLA, se dizia que Schiaffino foi o que já era e continuou a ser: avançado-
era uma «montanha de força, verdadeiramente granítico, -centro de toque rápido e remate de precisão mortal, e iro-
quase intransponível», e os ingleses afiançavam que, no seu nia do destino: o golo mais importante da sua vida não foi
raio de ação, ninguém toca na bola e onde mete o pé mais nada assim, o golo que marcou a Barbosa e pôs o Uruguai a
ninguém leva a melhor; David Herd, que o United comprara caminho do título de campeão do Mundo (com selecionador
por 2400 contos, era filho de Alec Herd que fora estrela em que era filho de portugueses…), contava-o assim:
Manchester, mas no City — temível no ataque porque «nun-
ca pára, está sempre onde se encontra a bola, possui remate — Tentei escorar a bola de raspão, só que acertei com o
fulminante, poder de elevação notável e resistência ao cho- peito do pé. Em vez de ir para o canto direito, ela foi para o
que que surpreende os adversários mais rudes»; e Bobby ângulo esquerdo, foi uma sorte espantosa.
Charlton, o sobrinho de Jackie Milburn, o grande avançado-
-centro da geração anterior, um «avançado terrível pelo seu Dez pessoas morreram no Maracanã de ataque cardíaco,
poder de remate». nos dias seguintes nos jornais brasileiros houve relatos vá-
rios de suicídios, notas de uma noite malvada em rixas e za-
Antes do regresso ao futuro, o Manchester United não dei- ragatas. Os golos de Schiaffino e Ghiggia transformaram em
xou de fazer, com os jogadores que lhe restavam, os dois de- inferno o resto da vida de Moacir Barbosa, o guarda-redes
safios das meias-finais, frente ao AC Milan. Em Old Trafford do escrete. (Por Abril de 2000, quase 50 anos após o Ma-
venceram por 2-1, no Giuseppe Meazza perderam por 4-0. racanazo, morreu de acidente vascular cerebral — não pa-
rando de escutar a lengalenga de que «brasileiro não pode
Nesse AC Milan, em fulgor continuava Juan Alberto Schia- confiar em goleiro negro», passando pela humilhação de lhe
ffino, contratado após o Mundial da Suíça, em 1954, ao barrarem a entrada no hotel onde a selecção que haveria de
Peñarol por 72 mil libras esterlinas — que equivaliam a mais disputar o Mundial de 94 estava em estágio para não dar
de 5600 contos (e foi, então, recorde mundial de transferên- azar! Foi nessa tarde que chorou outra vez, balbuciou:
cias). Seis meses depois, com dupla nacionalidade, já estava
a jogar na seleção de Itália — e sempre que lhe falavam do — No Brasil a pena máxima por um homicídio brutal é de 30
Maracanazo retorquia às gargalhadas: anos e eu pago há 44 por um crime que não cometi.)

101
Da desgraça
que poderia ter sido
o tornozelo de Rial à terceira
vitória do Real tirada dos pés
em fogo de Gento

&ȁSFQIF9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZXIJYJ[JUTW
UFQHTT*XY¥INTIT-J^XJQJR'WZ]JQFX&TXRNSZYTX8HMNF-
KȁSToHZOFUWJXJS«F[NXN[JQRJSYJNSVZNJYF[FFXMTXYJXRFIWN-
QJSFX JWFHTRT&'41&IN_NFTGWNLTZ&QTSXT¤oRFNTWIJKJ-
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A BOLA, edição do dia 31 maio de 1958, página 5
YJWHJNWF 9F«F ITX (FRUJ¹JX Ɖ [FQJSIT F HFIF ZR ITX XJZX
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102 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


tratar delas. Não deixou, porém, o seu destino — e, aos 15 anos, Considerado o extremo mais rápido que se vira até então no
foi jogar para o Nueva Montaña, clube do vilarejo. Para ir aos futebol (fazia 100 metros em 10,9 com a bola nos pés, quando o
treinos nunca ia de autocarro ou de boleia — ia sempre a correr, recorde mundial andava pelos 9,9 segundos) desataram a cha-
largos quilómetros corria. mar-lhe Galerna da Cantábria — mas os seus primeiros tempos
em Chamartín foram mais de sombra do que de luz. Sem se
No intervalo dos jogos, levavam-no ao atletismo — e não ha- conseguir conter, havia situações em que corria mais do que a
via quem mostrasse, mais do que ele, pés em fogo — ganhando bola — e de tanto correr, a maior parte das vezes, não sabia o
todas as corridas de velocidade em que se metia e, bastas ve- que fazer bem com ela. Alfredo Di Stéfano e Hétor Rial ensina-
zes, mais do que só corridas de velocidade… ram-no a moderar-se e a usar, venenoso, a velocidade, a cruzar
da linha de fundo com mais perícia para trás — e Vento do Mar
Saltitou para o Unión Club, onde o pai jogara — e vendo-o mar- da Cantábria foi sendo cada vez mais e melhor, a ponto de um
HFWST[JLTQTXSZRFX·UFWYNIFT7F^T(FSYFGWNFȁQNFQIT7FHNSL defesa do Manchester United (na primeira vez em que jogou
de Santander, acenou-lhe com 3000 pesetas de luvas, 500 pese- HTRT7JFQUFWFF9F«FITX(FRUJ¹JXTFȁWRFW
tas por mês e mais 50 por cada jogo ganho. Não foi muito o tempo
em que andou, fulgurante, por Santander — aos 20 anos já estava — Gento corre muito, corre como nunca vi correr outro jogador,
no Real Madrid, para lá levado pelo vice-presidente Álvaro Busta- mas o pior não é o que ele corre, o pior é não haver forma de o
mante, que era cantábrio e se entusiasmara com o seu frenesim parar ou não se saber como pará-lo…
em campo. Ao assinar contrato deram-lhe 25 mil pesetas, o orde-
nado mensal logo se acertou que seriam 4000 pesetas. Contava-se, também, que quando os companheiros já anda-
vam pelo campo de língua de fora — lhe davam a bola na ânsia
de que, com a sua velocidade e com o «fôlego que nunca per-
dia», Gento fosse capaz de virar o jogo de pernas para o ar,
na sua vertigem. Acontecia muitas vezes — voltou a acontecer
contra o AC Milan — outras mais aconteceria depois (fazendo
HTRVZJSNSLZ­RHMJLFXXJTSIJJQJHMJLTZFXJNX9F«FXITX
Campeões…)

Com Madrid a viver, uma vez mais, em júbilo a vitória na Taça


dos Campeões de 1957/58 — houve, de súbito, notícia que foi
FGFQTVZJF+JIJWFǤT*XUFSMTQFJXYF[FFJQFGTWFWST[FWJ-
gulamentação sobre os contratos de jogadores — que poderia
impedir Puskas de jogar no Real. Deveria ter chegado à cidade
na semana anterior, não chegara — e o que rumorejava por lá,
de boca em boca, era que talvez se lhe não concedesse visto
IJWJXNI®SHNFFXN¤RZQMJWJ¤ȁQMFƉJQTLTIJUTNXXJ[JWNF
VZJ FȁSFQ S§T S§T UFXXF[F IJ GTFYT J S§T MF[NF SFIF STX
3FȁSFQIJ,JSYTRFWHTZO¥STUWTQTSLFRJSYT novos regulamentos que lhe impedissem a inscrição, bem pelo
TLTQTIF[NY·WNFIT7JFQ2FIWNI contrário…

103
RONDA PRÉVIA
Sevilla CF (VSDQKD ²%HQÀFD 3RUWXJDO
3 – 1 // 0 – 0
Århus GF (Dinamarca) – Glenavon F. C. (Irlanda Norte)
0 – 0 // 3 – 0 QUARTOS DE FINAL
Gwardia Warszawa (Pol.) – Wismut Karl-Marx-Stadt
(RDA)
Real Madrid (Espanha) – Sevilla FC
3 – 1 // 1 – 3 // 1 – 1 (moeda ao ar) 8 – 0 // 2 – 2
&'1$6RÀ\D %XOJiULD ²Budapesti Vasas SC (Hungria)
Man. United (Inglaterra) – Estrela Vermelha (Jugoslávia)
2 – 1 // 1 – 6 2 – 1 // 3 – 3
Shamrock Rovers FC (Irlanda) – Man. United (Inglaterra)
Ajax (Holanda) – Budapesti Vasas SC (Hungria)
0 – 6 // 2 – 3 2 – 2 // 0 – 4
Stade Dudelange (Lux.) – Estrela Vermelha (Jugoslávia)
Borussia Dortmund (RFA) – AC Milan (Itália)
0 – 5 // 1 – 9 1 – 1 // 1 – 4
Glasgow Rangers (Escócia) – A. S. Saint-Étienne (França)
3 – 1 // 1 – 2.
AC Milan (Itália) – S. K. Rapid Wien (Áustria)
4 – 1 // 2 – 5 // 4 – 2

OITAVOS DE FINAL MEIAS-FINAIS


Royal Antwerp (Bélgica) – Real Madrid (Espanha) Real Madrid (Espanha) – Budapesti Vasas SC (Hungria)
1 – 2 // 1 – 3 4 – 0 // 0 – 2
IFK Norrköping (Suécia) – Estrela Vermelha (Jugoslávia) Manchester United (Inglaterra) – AC Milan (Itália)
2 – 2 // 1 – 2 2 – 1 // 0 – 4
Wismut Karl-Marx-Stadt (RDA) – Ajax (Holanda)
1 – 3 // 0 – 1
Young Boys (Suíça) – Budapesti Vasas SC (Hungria)
1 – 1 // 1 – 2 MELHORES MARCADORES
Man. United (Ing.) – Dukla de Praga (Checoslováquia)
3 – 0 // 0 – 1 Alfredo Di Stéfano (Real Madrid)
Sevilla FC (Espanha) – Aarhus (Dinamarca) 10 (7 jogos)
4 – 0 // 0 – 2 %RUD.RVWLþ (VWUHOD9HUPHOKD
Borussia Dortmund (RFA) – Steaua Bucareste 9 (6 jogos)
(Roménia) Lajos Csordás (Vasas)
8 (8 jogos)
3 – 1 // 2 – 4 // 3 - 1 'H]VŃ%XQG]ViN 9DVDV
Glasgow Rangers (Escócia) – AC Milan (Itália) 6 (8 jogos)
1 – 4 // 0 – 2 Ernesto Grillo (AC Milan)
6 (7 jogos)
FINAL
Taça dos Campeões da Europa 1957/58

3 Real Madrid

2 *ap AC Milan
Final
28 de maio de 1958

Estádio do Heysel, Bruxelas


Árbitro: Albert Alsteen (Bélgica)

REAL MADRID: Juanito Alonso (cap.); Atienza,


José Santamaria e Rafael Lesmes; Santisteban
e Zarraga; Raymond Kopa, Joseito, Alfredo Di
Stefano, Héctor Rial e Paco Gento

Treinador: Luis Carniglia

AC MILAN: 3FWHNXT8TQIFS &QȁT+TSYFSF(JXFWJ


Maldini e Eros Beraldo; Mario Bergamaschi e
Luigi Radice; Giancarlo Danova, Nils Liedholm
HFU/ZFS8HMNFKȁST*WSJXYT,WNQQTJ*WSJXYT
Cucchiaroni.

Treinador: Giuseppe Viani

Marcadores:  /ZFS 8HMNFKȁST    &QKWJIT


Di Stéfano (74); 1-2: Ernesto Grillo (78); 2-2: Héctor
Rial (79); 2-3: Paco Gento (107).
Capítulo V
1958/59

CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)
No tetra do Real, perdera o posto para Luís Villalonga, que a Chamartín
chegara como revolucionário preparador físico.
Puskas não jogou
e Santiago Bernabéu Empatados a 43 pontos com o FC Porto, esse campeonato ga-
nharam-no os sportinguistas — no goal average (em Alvalade ven-
mandou o treinador para a rua ceram por 3-0, nas Antas perderam por 2-1) — e a três jornadas
ITȁRIJWWTYFSF1Z_VZFXJIJNYFWFYZITFUJWIJWX·S§TKTNUNTW
porque os portistas tropeçaram em Braga. Complicado foi o desa-
Fidel Castro lutava contra Fulgêncio Baptista em Cuba — e ȁTXJLZNSYJHTSYWFT'FWWJNWJSXJƉHTR[NY·WNFFWWFSHFIFFKJWWTX
a seu lado tinha um argentino chamado Ernesto Guevara, o golo de Joaquim José aos 87 minutos e Silvino, guarda-redes do
Che, que durante as aventuras revolucionárias pela América Barreirense, inconformado, denunciou-o, agreste:
procurava sempre arranjar equipas de futebol para treinar. Os
Estados Unidos lançaram um satélite aos céus — e na Suécia — Foi ilegal, o golo. Estava bem dentro do lance e se Vasques
explodiram duas estrelas: Pelé e Garrincha, começou a dese- não tivesse desviado a bola com a mão eu teria intercetado o esfé-
nhar-se o futuro em 4x2x4. As travessas nas botas já tinham rico. Perder assim é penoso, custa muito.
passado à história por quase todo o lado, era o tempo dos pi-
tons — e para o Mundial de 1958 a Puma lançara chuteiras em O árbitro, Álvaro Rodrigues, assinalou de pronto o golo re-
design vanguardista, todas brancas e ponteadas a dourado — cusando dirigir-se, apesar das súplicas frenéticas dos barrei-
não pegaram porque os jogadores de então eram pouco dados WJSXJXFTXJZȁXHFQIJQNSMFVZJȁ_JWFXNSFQHTRFGFSIJNWTQF
a modernices e preferiam o couro preto, o aspeto tradicional, de algo de que se apercebera mas que nunca mais se saberia
revelaram-no. o quê. Com esse golo, o Sporting só não venceria o Campeo-
nato se o Caldas não deixasse. 3-0 em Alvalade, primeiro golo
Nasceu a Barbie, a boneca da moda, na publicidade de... Travaços, o «rei do azar». Pensara mesmo ir à bruxa, para
em Portugal começaram a aparecer modelos mostrando desfazer o «mau-olhado», o título era o seu consolo no adeus
as pernas, desfiles em lingerie faziam-se, discretos, nos a insinuar-se:
corredores de hotéis, usar biquíni nas praias não era só
pecado soprado do Vaticano, podia dar multa até 5000 — E vão oito! Estou há doze anos no Sporting e este é o meu
escudos e não havia, em Portugal, jogador que tivesse oitavo título nacional.
ordenado mensal assim. Num outro traço de «modernis-
mo», organizaram-se concursos Miss Praia e uma das Façanha igual rubricou Vasques — que ainda jogou na Taça
suas vencedoras até foi a Alvalade posar (mas não em dos Campeões, o Travaços é que não.
fato de banho) entre os jogadores numa tarde que a equi-
pa do Sporting entrou em campo com o equipamento al- Alejandro Scopelli fora para Espanha — e convencera Fran-
ternativo: todo verde, gola branca, calções pretos — esse cisco Cazal-Ribeiro, o presidente que era comandante da Le-
Sporting que, depois do jejum de 1954/55, 1955/56, gião, a libertar Carlos Gomes para o Granada. Com isso o clube
1956/57, voltou a campeão, sob comando de Enrique Fer- ganhou um milhão de pesetas, o guarda-redes 250 mil — e,
nández — o uruguaio que lançara as bases do Real Madrid num ano apenas, recebeu mais do que em oito de Sporting, o
campeão da Europa, mas que, antes do primeiro título, ordenado mensal andava-lhe pelos cinco contos.

108 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Puskas
Nome maior na história do futebol húngaro. Chega ao Real Madrid já com mais de trin-
ta anos, a tempo, porém, de se eternizar muito à custa do seu fabuloso pé esquerdo.
No Real contribui para a conquista de três Taças dos Campeões Europeus

1958

109
Depois da primeira vitória portuguesa (através do Sporting),
o desconsolo da má noite com bolas cor de laranja

Em edições anteriores da Taça dos Campeões, que regis- *XXFUWNRJNWF[NY·WNFUTWYZLZJXFSFHTRUJYN«§TIJZXJFIJ


to era o dos clubes portugueses? Duas derrotas do Sporting TZYZGWTIJJR:YWJHMYHTSYWF)48ITNXLTQTXIJ
contra Partizan em 1955/56, duas derrotas do FC Porto con- .[XTSZRIJ-ZLT8FWRJSYTJZRIJ;FXVZJX;FSIJW1NSIJS
tra o Athletic Bilbao em 1956/57, um empate e uma derrota do o craque dos holandeses, desabafou:
'JSȁHFHTSYWFT8J[NQMFJR5FWYNSITYFQHTRTIFX
TZYWFX[J_JXIF7TSIF5W­[NFƉT8UTWYNSLHTSXJLZNZJSȁR — Estou maravilhado, voltei a ver uma equipa jogar como
FUWNRJNWF[NY·WNFSFHNTSFQSF HTRUJYN«§TVZJFGWNZHTRNSHN- a mágica equipa da Hungria, do Puskas e dos outros como o
dente político-diplomático: do sorteio saiu Besiktas-Olympia- Puskas…
P·XƉJRFQTXTZGJWFRTXLWJLTXFSZSHNFWFRFXZFIJXNXY®S-
HNFUTWXJWJHZXFWJRFOTLFWHTSYWFYZWHTXHTRVZJRFSIF[FR 4NYT INFX IJUTNX JR &Q[FQFIJ ST[F [NY·WNF UTW  XTGWJ T
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FKFXYTZ IT GFSHT UTW [¥WNFX XJRFSFX YTRFSITQMJ F RNXX§T
2NLZJQ2ZS¹_THFUNY§TIFXUWNRJNWFX9F«FXVZJFU·XTFIJZX — Eliminámos uma equipa de campeões.
FIOZSYTȁHTZ
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JR&Q[FQFIJT8YFSIFWILFSMTZUTWJJR1N¬LJUTW
5TWQ¥XJTZ[NZTWJRTVZJIJ3NHTQF^TLZFWIFWJIJXGJQLFFT
terminar da partida:

— Gostaria muito de agradecer aos rapazes do Sporting a noite


mais tranquila da minha vida. Ninguém lhe pôde responder à letra
porque Francisco Cazal-Ribeiro proibiu os jogadores de falarem,
no primeiro blackout português na Europa — e talvez pudessem
desculpar-se com a má iluminação, com o manto de nevoeiro, com
a chuva e com a lama — e com as bolas luminosas, que eram cor de
laranja e tiveram de ser sete vezes trocadas porque ao cabo de dez
Vadinho, Osvaldinho e Ivson com António Abrantes Mendes, dirigente do Sporting ou quinze minutos já se tinham tornado invisíveis

110 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Tendo conquistado o título nacional em 1957/58, Sporting teria participação pouco feliz na Taça dos Campeões Europeus de 1958/59,
XJSITJQNRNSFITSTXTNYF[TXIJȁSFQUJQT8YFSIFWI1N¬LJ

Por entre a comoção que fora o acidente de Munique, que lhe Por ideia de Béla Guttmann (para que, não podendo jogar
dilacerara a equipa, Ebbe Schwartz decidira abrir, simbólica e sob a égide da FIFA, pudessem ganhar dinheiro) criara-se a
emocionalmente, a edição de 1958/59 ao Manchester United. «Equipa dos Refugiados Políticos da Hungria», ficando ele
Os seus dirigentes agradeceram-lhe o gesto, mas acharam me- seu treinador — e de cinco jogos no Rio de Janeiro e em
lhor não — e assim Inglaterra teve apenas à liça o seu campeão: São Paulo, levaram 70 mil dólares. Como em qualquer outro
o Wolverhampton Wanderers FC (que, no fundo, fora, através lado o dinheiro era dividido por todos, em partes iguais, a
da sua famosa vitória ante o Honved, a razão da criação da cada jogador coube 3600 dólares. Do Brasil, não regressou
Taça dos Clubes Campeões Europeus — e não passou da pri- Guttmann — contagiado pela magia do seu futebol, Laudo
meira eliminatória, foi o Schalke 04 quem se apurou). Natel, o presidente do São Paulo que haveria de chegar
a governador do Estado, desafiou-o para seu técnico. Foi
Aos primeiros tempos de exílio, soltaram-se notícias dando Ferenc campeão — e era sempre assim: sendo campeão, Guttmann
Puskas como morto — que era boato percebeu-se ao verem-no pela pediu mais dinheiro. O São Paulo achou que era de mais, ele
Áustria. Por lá tentou jogar, não pôde. AC Milan e Juventus também despediu-se, o FC Porto foi lá buscá-lo, nas Antas ganhou o
o puseram nos seus desejos — e a FIFA não dava indício de ceder, campeonato de 1958/59 — e antes de jogar a final da Taça
de lhe tirar (e aos demais exilados) o castigo que lhe impusera por com o Benfica, assinou pelo Benfica. Ao sabê-lo, o presi-
se recusar a voltar a Budapeste na sequência da invasão soviética. dente do FC Porto proibiu-o de ir ao Jamor.

111
Carniglia obrigou Puskas
a perder 15 quilos
de um instante para o outro
e ainda se viu provocação
do Barcelona

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XJQMJFTYWJNSFITW
FQ[NYWTZQMJX

— Puskas sabe, comigo só joga se perder 10 quilos de um ins-


— Daqui por pouco tempo, estão a chamar-me Canhãozinho
tante para o outro. E depois, mais. Sou acusado de ser rude, com
Pum Pum.

112 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


ele ou com os outros, olhem… até com o presidente — mas o que )N 8Y­KFST KJ_  FTX  RNSZYTX (TQQFW JRUFYTZ FTX 
tenho é caráter. Eu digo a verdade, o que sinto e nunca deixo de Puskas bateu Manuel Pazos aos 42 — e no último minuto Peiró
pedir muito trabalho e ainda mais disciplina e esse é o segredo do teve o empate na ponta da bota, «falhou escandalosamente golo
meu sucesso, vai ser o segredo de mais um sucesso para nós to- de baliza aberta» — e Ferdinand Daucik (que não tardaria a sur-
dos. LNWSFX&SYFXHTRTYWJNSFITWIT+(5TWYTWJXNLSFITFȁWRTZ

Toda a sua ideia de jogo funcionava em torno de Di Stéfano, — Kopa, Di Stéfano e Puskas roubaram-nos o sonho, por eles
mas a sua criatividade fazia com que, às vezes, espantasse as tenho de dizê-lo: é justa a vitória…
hostes, pondo Kopa a lateral ou a médio-direito ou Santamaría
a médio — dando à equipa (e à tática) mobilidade como até en-
tão se não vira.
3THFRNSMTUFWFFYFQȁSFQIF9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZX
de 1958/59, o obstáculo mais picante que o Real apanhou foi
T &YQ­YNHT IJ 2FIWNI SFX RJNFXȁSFNX Ɖ TSIJ MF[NF ZR FS-
LTQFSTJRGWNQMTT/TWLJ2JSITS«FJZRGWFXNQJNWTIJFNSIF
maior fulgor, o Vavá. Naquele tempo em que os golos fora não
contavam para desempate, houve uma vitória para cada lado:
2-1 para o Real, 1-0 para o Atlético — e, assim, decisão atirada
para terceiro jogo.

Para poder jogar à noite eliminatórias anteriores, o Atléti-


co de Madrid (de Ferdinand Daucik — que não muito depois
XZWLNWNFSFX&SYFXFYWJNSFWT+(5TWYTFY­KN_JWFUFWYNIFX
no Santiago Bernabéu (já assim chamado) — e Santiago Ber-
nabéu (o presidente) sugeriu que, então, se fizesse o mes-
RT 7JHZXFWFRST Ɖ J F :*+& YFRG­R S§T UJWRNYNZ VZJ
se violasse o regulamento que determinava que o terceiro
jogo teria de ser em «terreno neutral», assumindo-se que
isso significava, também, que não fosse na mesma cidade
(e era a primeira vez que tal sucedia). Por entre complicadas
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(FRU3TZUFWFUFQHT TVZJQTLTXJJSYJSIJZUWT[THFǤT
FT 7JFQƓ JXHTQMJZXJ 8FWFLT«F HTR KFRTXT ¥WGNYWT NS-
LQ®XST1F7TRFWJIF&WYMZW*QQNXƉJFSYJXO¥XJJXHZYFWF
JXK±SLNHTIJ(FWSNLQNF

— Terão de ocorrer muitas coisas estranhas para que o Real seja


eliminado…

113
Do Di Stéfano como «chefe» e «amparo» ao modo
como Gento pôs francês em «noite horrível»

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[­XUJWFSTMTYJQIT7JFQXZWLNZ,ZXYF[8JGJXƉVZJHTSYNSZF ZRF[J_NSHTRUFW¥[JQNSNRNY¥[JQJIJZRFHQFXXJXZUJWNTWFYT
[FRNSNXYWTITXIJXUTWYTXIF-ZSLWNFƉUFWFOFSYFWHTRITNXITX ITX RJXRT FTX XJZX RFNX JRNSJSYJX HTRUFSMJNWTX (TRT IJ
J]NQFITXIT-TS[JI4XYJWWJNHMJWJ5ZXPFXSZRXNSFQIJVZJT HTXYZRJHTGWNZVZFXJYTITTYJWWJSTFZ]NQNFSITUTIJWTXFRJSYJ
oKZYJGTQHTSXJLZJFUWT]NRFWTXMTRJSXRJXRTVZFSITFUTQ± FIJKJXFJJXYFSITSTFYFVZJXJRUWJVZJTXINFSYJNWTXYN[JWFRSJ
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WJXUTSXFGNQNIFIJ JXHWJ[JZTOTWSFQNXYFIF&3.

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RJITS§TM¥I¾[NIF5WNRJNWTVZFSITKFQM¥RTXTUJS¥QYNJNXXT
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RTXHTRHTRYFSYTYJRUTFNSIFUFWFOTLFWQZYFWWJXNXYNW

114 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


115
O destino cruel 8· HTSYWF F &QJRFSMF ST FUZWFRJSYT IT YJWHJNWT HQFXXNȁ-
que já ameaçava Just Fontaine HFITFUTSYFWFVZFYWTLTQTXSF[NY·WNFUTWƉJIJUW­RNT
UJQTX  LTQTX F +JIJWFǤT +WFSHJXF IJ +ZYJGTQ TKJWJHJZQMJ
e fez dele cantor arma especial de caça, sua outra paixão.

2JSTXIJXJNXRJXJXFU·XFȁSFQIF9F«FITX(FRUJ¹JX*Z-
Por esse Stade que tinha em destaque o Penverne e o Jon- WTUJZXVZJT8YFIJIJ7JNRXUJWIJZ UJQFXJLZSIF[J_UFWFT
quet, o Piantoni — teve uma vez mais o Just Fontaine. Aos 12 7JFQ2FIWNITNSKJWSTFGWNZXJQMJFTXU­XIJKJXFIT8THMFZ]
minutos, rematou à trave de Rogelio Dominguez, na sequência KWFYZWTZQMJFY±GNFJTUJW·SNT3T[JRJXJXFU·XWJLWJXXTZ¤
IJ ZRF IFX RFNX JSQJFSYJX OTLFIFX IT IJXFȁT oJR YWTHF IJ QN«FƉJ[TQYTZFYJWTINFGT¤JXUWJNYF¤VZNSYFJXVZNSF
passes entre ele e Bilard») — e nunca deixou de ter os espanhóis
de olho nele e coração nas mãos. Ao Reims chegara para ocupar — Ao quinto jogo voltei a partir a perna — e, mesmo tendo 27
F[FLFIJ0TUF HTSYWFYFITUJQT7JFQFNSIFFSYJXIFUWNRJNWF FSTXFUJSFXUJWHJGNVZJJWFYJWW±[JQTRJZȁR
ȁSFQIF9F«FITX(FRUJ¹JXJSYWJFRGTXTXHQZGJX
&KFRFIJOTLFITWIJZF/ZXY+TSYFNSJTZYWTHFRNSMTO¥LWF-
Just Fontaine nascera, por agosto de 1933, em Marraquexe [FWFZRINXHTIJINHTZXJ¤R¾XNHF
ƉJTXUWNRJNWTXHMZYTXSFGTQFIF[FTXFRN¾IJUJQTXU¥YNTX
ITX UFQ¥HNTX J ITX Y±UNHTX OFWINSX IF HNIFIJ TSIJ T UFN YWFGF- — Tinha uma voz suave e agradável, sabia que não era grande
QMF[FHTRTKZSHNTS¥WNTIF(TRUFSMNF*XYFYFQIJ9FGFHTX+TWF cantor, só que vendia discos, pagavam-me bem.
um outro marroquino, Mario Zatelli, quem sugerira ao Nice que
TKTXXJRGZXHFWF2FWWTHTXƉVZJJWFZRFƓoU­WTQF JFSYJX A pouco e pouco foi-se tornando homem de negócios, ainda
IJUFWFQ¥XFQYFWFNSIFYJ[JIJUJSFWSFYWTUFJRGFYFQM§TVZJ FSITZUJQTKZYJGTQHTRTKZLF_XJQJHNTSFITWSFHNTSFQƉJYWJNSF-
UFXXTZUJQFLZJWWFSF&WL­QNF ITWFIOZSYTIT5FWNX8FNSY,JWRFNS INWNLNSIT-ZRGJWYT(TJQMT
por exemplo). Assumiu a presidência do Sindicato de Jogadores
8FQYTZUFWFT8YFIJIJ7JNRXTVZJTU¸XSFXGTHFXITRZS- ƉIFXZFQZYFSFXHJWFRTXUWNSHNUFNXINWJNYTXQFGTWFNXFIVZNWNITX
ITKTWFRFXU¥LNSFXNRTWYFNXIFXZFK¥GZQFST8Z­HNF UJQTXUWTȁXXNTSFNXJR+WFS«F(TRRZNYTRFNXXZHJXXTYTWSTZ-
LTQTXSZRFX·KFXJȁSFQIJZR(FRUJTSFYTIT2ZSITSZSHF XJHTRJSYFITWIJ9;[T_FRFWHFWUTW+WFS«FOTLTXIF9F«F
SNSLZ­RRFWHFWFSZSHFRFNXSNSLZ­RRFWHTZƉJNSHW±[JQKTN ITX(FRUJ¹JX JRFNXƓ
HTRT+TSYFNSJFGWNZFXFLF
4 JU±QTLT VZJ YFQ[J_ SNSLZ­R NRFLNSFXXJ VZJ XJ UZIJXXJ
— Dez dias antes do primeiro jogo, frente ao Paraguai, repa- XTQYFWIFVZFWYF[NY·WNFIT7JFQ2FIWNISF9F«FITX(FRUJ¹JX
rei que as chuteiras que me deram não me serviam. Como não *ZWTUJZXYJWXNITFYNWFITUFWFKTWFIFJVZNUFHTSYWFT7JNRX
tínhamos patrocinadores, cada um de nós levara para a Suécia JXUFQMTZRTXYFWIFUJQTSFWN_IJ5ZXPFXƉJHTRFVZJXYN¾SHZQF
um par apenas — e, a minha sorte, foi que Stéphane Bruey, ha- HFIF[J_RFNXFTWZGWTJSYWJJQJJTYWJNSFITW8FSYNFLT'JWSF-
bitualmente suplente, calçava o mesmo número que eu, com as G­ZIJXUJINZ(FWSNLQNFVZJKTNUFWFF+NTWJSYNSFUTW.Y¥QNFS§T
botas que eram para ele passei, então, a jogar e a marcar todos IJN]TZIJNWKF_JSITRFNXMNXY·WNFƉJ5ZXPFXYFRG­RJRFNTWF
aqueles golos. KJ_ST7JFQƓ

116 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


Just Fontaine
Um dos nomes de maior relevo do futebol francês, nascido em Marrocos, na altura
colónia francesa, detém o maior número de golos marcados (13) num Mundial

1959

117
RONDA PRÉVIA
-XYHQWXV)& ,WiOLD ²Wiener Sport-Club ÉXVWULD QUARTOS DE FINAL
3 – 1 // 0 – 7
'tQ=DJUHE -XJRVOiYLD ²Dukla Praga &KHF :LHQHU6SRUW&OXE ÉXVWULD ²Real Madrid (Espanha)
2 – 2 // 1 – 2 0 – 0 // 1 – 7
.%.¡EHQKDYQ 'LQDPDUFD ²FC Schalke 04 (RFA) Atlético de Madrid (VSDQKD ²)&6FKDONH 5)$
3 – 0 // 2 – 5 // 1 – 3 3 – 0 // 1 – 1
Atl. Madrid (VSDQKD ²'UXPFRQGUD)&'XEOLQ ,UODQGD Young Boys 6XtoD ²:LVPXW.DUO0DU[6WDGW 5'$
8 – 0 // 5 – 1 2 – 0 // 0 – 2 // 2 – 1
SC W. Karl-Marx-Stadt 5'$ ²3HWUROXO3ORLHVWL 5RPpQLD 6WDQGDUG/LqJH %pOJLFD ²Stade de Reims )UDQoD
4 – 2 // 0 – 2 // 4 – 0 2 – 0 // 0 – 3
$6/D-HXQHVVHG·(VFK /X[HPEXUJR ²IFK Göteborg 6XpFLD
1 – 2 // 1 – 0 // 1 – 5
6.3RORQLD%\WRP 3ROyQLD ²MTK Budapest +XQJULD 
0 – 3 // 0 – 3
'268WUHFKW +RODQGD ²Sporting CP 3RUWXJDO  
3 – 4 // 1 – 2
Standard Liège %pOJLFD ²+HDUW2I0LGORWKLDQ)& (VFyFLD
5 – 1 // 1 – 2
$UGV)&1HZWRQDUGV ,UO1RUWH ²Stade de Reims )UDQoD MEIAS-FINAIS
1 – 4 // 2 – 6
Real Madrid (VSDQKD ²$WOpWLFRGH0DGULG (VSDQKD
2 – 1 // 0 – 1 // 2 – 1
<RXQJ%R\V 6XtoD ²Stade de Reims )UDQoD
1 – 0 // 0 – 3
OITAVOS DE FINAL
Real Madrid (VSDQKD ²%HüLNWDü6.úVWDQEXO 7XUTXLD
2 – 0 // 1 – 1 MELHORES MARCADORES
Wiener Sport-Club ÉXVWULD ²'XNOD3UDJD &KHFRVORYiTXLD
3 – 1 // 0 – 1 $OIUHGR'L6WpIDQR 5HDO0DGULG
:ROYHUKDPSWRQ:DQGHUHUV ,QJ ²FC Schalke 04 (RFA) 6 golos (7 jogos)
2 – 2 // 1 – 2 9DYi $WOpWLFRGH0DGULG
Atletico de Madrid (VSDQKD ²&'1$6yÀD %XOJiULD 5 golos (8 jogos)
-XVW)RQWDLQH 6WDGHGH5HLPV
2 – 1 // 0 – 1 // 3 – 1 4 golos (5 jogos)
07.%XGDSHVW +XQJULD ²Young Boys 6XtoD .ODXV=LQN :LVPXW.DUO0DU[6WDGW
1 – 2 // 1 – 4 4 golos (5 jogos)
,).*|WHERUJ 6XpFLD ²Wismut Karl-Marx-Stadt 5'$ (XJHQ0HLHU <RXQJ%R\V
4 golos (7 jogos)
2 – 2 // 0 – 4 (UQVW:HFKVHOEHUJHU <RXQJ%R\V
6SRUWLQJ&3 3RUWXJDO ²Standard Liège %pOJLFD 4 golos (7 jogos)
2 – 3 // 0 – 3
Stade de Reims )UDQoD ²+36+HOVLQNL )LQOkQGLD
4 – 0 // 3 – 0
FINAL
Taça dos Campeões da Europa 1958/59

2 Real Madrid

0 Stade de Reims
Final
3 de junho de 1959

Neckarstadion, Estugarda
Árbitro: Albrt Dusch (RFA)

REAL MADRID: Rogelio Domínguez; Marquitos


Alonso, José Santamaría e José María Zárraga
(cap.); Juan Santisteban e Antonio Ruiz; Ray-
mond Kopa, Enrique Mateos, Alfredo Di Stéfano,
Héctor Rial e Francisco Gento.

Treinador: Luis Carniglia

STADE DE REIMS: Dominique Colonna; Bruno


Rodzik, Robert Jonquet (cap.) e Raoul Giraudo;
Armand Penverne e Robert Lamartine; René
Bliard, Michel Leblond, Just Fontaine, Roger
Piantoni e Jean Vincent.

Treinador: Albert Batteux.

Marcadores: 1-0: Enrique Mateos (2). 2-0: Alfredo Di


Stéfano (46)
Capítulo VI
1959/60

CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)
122 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU
Quando se achou que o futebol dos judeus de Bucareste, o Ciocanul, a troco de 700 dólares por mês
— e Pista Kaufmann, que o levara para a Roménia, revelou-o:
atingiu a perfeição, Puskas usou
— Antes da chegada de Mister G, a única coisa que os joga-
““K“ “ “ dores do Ciocanul sabiam sobre bola era que ela era redonda e
p i““ “  ÄĤq ele transformou o nosso 11 de pés de chumbo na equipa com o
futebol mais bonito de toda a Roménia.

Ao aperceber-se de que Hitler estava a preparar-se para tomar 3§TKTNHFRUJ§TȁHTZJRXJLZSITQZLFWRFX[JSHJZF9F«FIF


Viena, Béla Guttmann conseguiu que o consulado americano na ci- Roménia. O Ujpest foi novamente buscá-lo, ganhou o campeonato
dade lhe desse visto para os Estados Unidos — e era em Nova Iorque da Hungria de 1947 — e mudou-se para o Kispesti AC (tomando lugar
que já estava quando se deu o Anschluss. Sendo judeu, natural seria que antes era do pai de Ferenc Puskas). Com o campeonato ao ru-
que por lá permanecesse em guarda, mas não — a «tentação do bro, foi jogar a Gyor — e soltou o aviso aos seus jogadores:
futebol» lançou-o de novo a aventura (mesmo que perigosa): Lipot
&XHMSJW RNQNTS¥WNTNSIZXYWNFQJNLZFQRJSYJOZIJZIJXFȁTZTUFWF — Tenham cabeça, não reajam a provocações, para não se-
treinador do Ujpest e pelo Ujpest ganhou a Taça Mitropa de 1939 rem expulsos.
(então a mais importante competição de clubes que a Europa tinha).
Patyi, seu defesa-central, não tardou a entrar duro ao avan-
Ainda a festejar a façanha, chegou-lhe, abrupto, o abalo: por via çado que lhe coubera marcar e, persistindo no desconcerto,
da «lei antijudaica» que o governo da Hungria lançara (a exemplo de Guttmann decidiu retirá-lo do campo. Patyi hesitou, falou com
Hitler), Aschner foi escorraçado do clube e a Guttmann tiveram de o Puskas e não saiu. Não saiu Patyi do campo, saiu Guttmann do
despedir de treinador do Ujpest. Através de um artifício, porém, de- banco. Furioso, foi sentar-se, de rosto fechado, nas bancadas
ram-lhe (mais ou menos em segredo à sorrelfa) o cargo de «olheiro» — — e nem sequer regressou com a equipa a Budapeste, no auto-
o problema era pagarem-lhe um «ordenado de miséria», queixou-se. carro — e não voltou mais ao clube.

Quando, depois, os nazis invadiram a Hungria, Béla Gutt- Sem muito tardar, Béla Guttmann aventurou-se a Itália. Saltou
mann viveu quase todo o ano de 1944 escondido no sótão do de Pádua para o Triestina — e por meados de 1953 o AC Mi-
salão de cabeleireiro de um irmão da namorada (que não era lan chamou-o a treinador. Pô-lo, num ápice, a caminho do título,
OZINFƉJHTRF,ZJWWFFHTWWJWUFWFTȁRFUFSMFSITTFNSIF achando que, assim, merecia mais dinheiro, exigiu-o - entrou em
o atiraram para campo de trabalhos forçados à beira de Buda- desentendimento com o seu presidente, acabou despedido. Na
peste — e de lá conseguiu fugir, rocambolesco. hora do adeus a Milão largou, magoado, o coração pela ponta
da língua:
Salvou-se de Auschwitz — e após a rendição dos alemães, o Vasas
de Budapeste chamou-o a seu treinador. Face à escassez de alimen- — Não sendo nem criminoso, nem maricas, fui demitido, fui de-
tos, naquele tempo do mercado negro em frenesim e desespero, Béla mitido sendo campeão, mas vão arrepender-se…
Guttmann pediu que lhe pagassem metade do salário em batatas, fa-
rinha, banha, açúcar, carne, peixe, frutas e vegetais (que era negócio E, não, talvez se não tenham arrependido porque indo Ettore Puri-
de um dos seus dirigentes). Pouco tempo lá esteve, foi para o clube celli para o seu lugar, o scudetto não escapou ao AC Milan.

123
O treinador que fez do AC Milan campeão
(em vez de Guttmann) foi para o FC Porto e
o seu guarda-redes irritou-se: «Como se po-
dem ganhar jogos sem se atirar à baliza?»

A Béla Guttmann a invasão soviética a Budapeste apanhou-o, sabático, em Viena. Ao


saber que quase toda a equipa do Honved se recusara a regressar à Hungria e vendo,
depois, castigados pela FIFA, os dissidentes, deu-lhes a ideia de se juntarem numa equipa
de exilados que corressem mundo em digressões, arranjando, assim, fundos para o que
precisassem. Ferenc Puskas escolheu-o, então, para treinador — e o primeiro dinheiro que
arranjaram foi para tirar famílias da Hungria a salto, através de grupos de contrabandistas.

De digressão que a «Equipa dos Refugiados Políticos da Hungria» fez pelo Brasil, Gut-
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5TWYTHFRUJ§TƉJNSITUFWFT'JSȁHFUFWFXJZXZGXYNYZYTSFX&SYFXJXHTQMJZXJ*YYTWJ
Puricelli.

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_[IF'WFYNXQF[FƉTZXJOF*XYWJQF;JWRJQMFIJ'WFYNXQF[FƉJKTNHTSYWFVZJRT+(5TWYT
OTLTZF7TSIF5W­[NFIF9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZXIJ IJVZJHTSYNSZFWFR
desligados noruegueses, islandeses, albaneses e soviéticos — e de Moscovo soltou-se no-
tícia de que foguetão russo fora lançado à lua…)

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TKKXNIJ JRFQJTVZJIJZF[NY·WNFFT7ZI¥-[J_[IFTIJ8HMJWJWT¥WGNYWTS§TTFSZQTZ
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'TMWNTYWJNSFITWFI[JWX¥WNT­VZJS§T GJRUJQTHTSYW¥WNT

— Há uma coisa que eu não posso fazer: rematar à baliza. Aos meus jogadores, ensi-
nei-lhes como deviam jogar e sempre que seguiram as minhas instruções as avançadas
HTWWJWFRGJRȁ_JRTXITNXLTQTXƉJHTRTXU­XFȁSFITXUTIJW±FRTXYJWKJNYTRFNXITNX
talvez. Tirando isso, esqueceram-se que remates frontais só podem dar em malogro. Es-
tão abatidos, o meu maior problema vai ser combater-lhes o derrotismo, no Porto…

3FX&SYFXTIJXHFQFGWTKTNITTZYWTQFITƉIJWWTYFUTWYNXYFUTWVZFXJYNWTZFUFQF[WF

124 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


a Ettore Puricelli, as únicas que se lhe escutaram foram:

— Assim não podemos fazer nada…

Apesar de contristado, Acúrsio, o guarda-redes do FCPorto, não dourou a pílula:

— Perdemos e muito bem. Eles remataram e nós não. Como é que se podem ganhar
jogos se não se atirar à baliza? No meu caso, olhe, fui infeliz: o primeiro golo só entrou
porque a bola batendo no Monteiro da Costa entrou, de outro modo eu nunca a deixaria
entrar — e no segundo golo ninguém podia fazer o que quer que fosse para o evitar.

A receita de bilheteira nas Antas foi de 400 contos, 400 contos equivaliam a 100
000 coroas dinamarquesas. Meses antes A BOLA noticiara-o: por uma só partida em
Copenhaga, o Real Madrid, uma vez mais campeão europeu, exigiu cachet de 100
000 coroas que foi quanto pagou por junto e atacado a Associação Dinamarquesa
de Futebol aos brasileiros do Vasco da Gama e do Botafogo para que, com vários
HFRUJ¹JXIT2ZSITSTXJZXJNTQ¥ȁ_JXXJR[¥WNTXOTLTXƉJHQFWTJWFNSJVZ±[THT
o sinal do que era, cada vez mais, a Taça dos Campeões Europeus, no fervor que espi-
caçava, no entusiasmo que despertava, sobretudo quando se ganhava (e o horizonte
não se enegrecia).

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Quatro semanas depois, Ettore Puricelli deixou o FC Porto pelo buraco do ponto após
derrota com o SC Braga, nas Antas (nas Antas também já tinha ganho o Sporting e o Be-
QJSJSXJX1Z±X+JWWJNWF&Q[JXTUWJXNIJSYJFUTXYTZJR+JWSFSIT)FZHNPƉVZJSF­UTHF
FSYJWNTWQJ[FWFT&YQ­YNHTIJ2FIWNI¤XRJNFXȁSFNXIF9F«FITX(FRUJ¹JX TGWNLFSITT
7JFQFYJWHJNWTOTLTUFWFXJFUZWFWHTRJQJYWTZ]JTȁQMTUFWFOTLFWYFRG­R

125
Como depois de fugir
escondido num camião com
a farda de soldado soviético,
Kubala se livrou do avião
da morte que vinha de Lisboa

Quando o Rudá Hvezvda Bratislava eliminou o FC Porto, por vá-


rios jornais portugueses se aventou que, a jogar como jogara nas
Antas, airoso poderia ser o seu futuro na Taça dos Campeões. Não
foi, caiu, logo de seguida, eliminado pelo Glasgow Rangers — e,
nessa fase, atração (e espanto) soltou do Barcelona — ao vencer
ambos os jogos com o AC Milan.

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faltavam-lhes Kubala e os dois exilados húngaros que lhes chega-
ram, como Puskas chegara ao Real Madrid: Kocsis e Czibor. Ainda
assim, a vitória foi por 2-0, com os dois golos de fogacho no pri-
meiro quarto de hora — e Helenio Herrera, o seu treinador, resu-
miu-a assim: «A nossa tática foi sensivelmente anular Liedholm, o
cérebro inteligente do jogo do AC Milan».
Por Kubala se erigiu Camp Nou, para acolher adeptos que o idolatravam

Em Camp Nou, ante um AC Milan com Luigi Bonizzoni a quei-


xar-se de «cinco titulares indisponíveis», o Barça já teve Kubala to da Hungria, na equipa em que também estava Sándor Kocsis .
livre de achaque (e Czibor também) — e, nos 5-1, do Kubala foram Vivia ainda a festa do título quando decidiu fugir da Hungria para
os três golos. a Checoslováquia — para não cumprir o serviço militar, queixan-
do-se:
Laszlo Kubala Stecz nasceu em Budapeste a 10 de junho de
1927. O pai era de origem polaca, a mãe era de origem eslovena. — Nunca seria capaz de pegar numa arma, são traumas do que
Ele pedreiro, ela operária numa fábrica — e foi na equipa da fábrica passei durante a II Guerra Mundial. Por lá, Kubala jogou no Slo-
dela: o Ganz TE que começou a jogar futebol. Para o inscreverem van Bratislava — e meses depois casou-se com Anna Viola Daucik,
nos torneios em que participavam os seus diretores apresentavam- ȁQMF IT XJQJHNTSFITW SFHNTSFQ HMJHT +JWINSFSI )FZHNP T +JWIN-
-no com BI falso, como se ele fosse quatro anos mais velho. Ainda SFSI )FZHNP VZJ QJ[FWF F (MJHTXQT[¥VZNF FT Y±YZQT IJ [NHJHFR-
andou pelo boxe, aos 18 anos o Ferencvaros foi lá buscá-lo — e peã mundial em 1938, derrotada apenas pela Itália de Mussolini (o
logo no seu primeiro ano no clube, em 1945, ganhou o campeona- )FZHNPVZJXZHJIJZF5ZWNHJQQNST+(5TWYTFU·XTȁFXHTSF9F«F

126 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


dos Campeões Europeus ante o Estrela Vermelha de Bratislava). siasmaram-se com ele. Correu rumor de que para o levarem a assi-
nar dirigentes do Barça o embebedaram — e outra lenda (ou talvez
Recebendo garantia do governo húngaro de que que não o pu- não…) se soltou: que, estando ambos em luta por Di Stéfano tam-
niriam por desertar da tropa, Lazlo Kubala regressou a Budapeste. G­RVZFSITTLT[JWSTIJ+WFSHTIJHNINZVZJ)N8Y­KFSTOTLFWNF
Andava-se por 1948 — e foi jogar no Vasas. Poucos meses por lá se um ano num clube e um ano no outro, o presidente do Barcelona
manteve, porém. Ao aperceber-se de que a Hungria entrara na ór- recusou-o por achar que Kubala lhe daria melhor futuro, apostan-
bita da URSS, voltou a escapar clandestinamente de lá, escondido, do, assim, tudo nele.
num camião de matrícula soviética que se deslocava para descar-
ga a zona de domínio americano na Áustria. Certo, certo é que foi o Barcelona quem primeiro disse sim à
condição que Lazlo Kubala colocara para assinar: que se contra-
Quando o largaram, à beira da fronteira, numa noite de invernia, YFXXJ +JWINSFSI )FZHNP T XJZ XTLWT UFWF YWJNSFITW +FQYF[F ZR
com Kubala vestido com farda de soldado da URSS, atirou-se a pé UTWRJSTWVZJF+.+&TQNGJWYFXXJITHFXYNLTVZJQMJNRUZXJWF1N-
a longa caminha até Innsbruck — e ao chegar a polícia apanhou-o, GJWYTZTUTWNSȂZ®SHNFXFY­ITLT[JWSTIJ+WFSHTƉVZJQFS«TZ
só não o deportou por um dos agentes o ter reconhecido, dizendo, SFXZFUWTUFLFSIFȁQRJJRVZJJQJKJ_TUFUJQIJXNUW·UWNT1TX
a lacrimejar, a um dos seus chefes: Ases Buscan la Paz — passando mensagem de que a Espanha fas-
cista era em contraponto com os comunistas países da Cortina de
— É um grande jogador de futebol, não o podemos condenar à +JWWT
morte…
Logo nas duas primeiras épocas: a de 1950/51 e a de 1951/52,
)F…ZXYWNFUFXXTZUFWFF.Y¥QNFƉJINXUZYTZ[¥WNTXIJXFȁTXUJQT 0ZGFQFQJ[TZT'FW«FFHFRUJ§TIJ*XUFSMF+FQMTZTYWNUTWYJW
Pro Pátria, equipa do exército. Combinara com contrabandistas a estado quase toda a época a lutar contra uma tuberculose – que
KZLFIFRZQMJWJITȁQMTƉUFWFXJQMJNWJROZSYFW+N_JWFRSTF se chegou a temer o pudesse matar. Recuperou da doença, voltou
partir da fronteira da Checoslováquia com a Áustria, ela a atraves- ao seu fulgor — e em torno de si cresceu fascínio como nunca se
XFWT)FS¾GNTFSFITHTRTȁQMTGJG­IJSYWTIJZRUSJZ6ZFSIT vira no clube. O Barcelona jogava no Les Corts – e para o ver jogar
YNSMFO¥THTSYWFYTFHJWYFITHTRT9TWNSTF:*+&UTWVZJN]FIF cada vez mais havia gente a pernoitar defronte dos portões para
KJIJWF«§TM¾SLFWFXZXUJSIJZTIJYTITXTXOTLTXTȁHNFNXIZWFS- comprar bilhete, razão por que o clube decidiu lançar-se à constru-
te dois anos. Apesar da notícia, o treinador do Torino decidiu levá- «§TIT(FRU3TZNSFZLZWFSITTUTW
QTF1NXGTF¤+JXYFIJ-TRJSFLJRIJ+WFSHNXHT+JWWJNWF3§TKJ_
F[NFLJRUTWVZJSFF[JSYZWFIFKZLFTȁQMTFITJHJWFLWF[JRJS- De Lazlo Kubala se sabia que era boémio inveterado, mas tam-
YJƉJSTWJLWJXXTITOTLTHTRT'JSȁHFTF[N§TIJXUJSMTZXJSF bém se dizia:
torre da Basílica de Superga, o «Dream Team de Turim» desfez-se
assim... — Nenhuma noite de bebedeira lhe atrapalha o génio.

5TWS§TUTIJWOTLFWUWTȁXXNTSFQRJSYJ1F_QT0ZGFQFTWLFSN_TZ (TSYZITUTWXJWFXXNRKTNXJFGWNSITHTSȂNYTJSYWJJQJJ-JQJ-
clube amador a que chamou Hungaria — nele juntando vários fu- nio Herrera (que para lá fora do Belenenses), o clube dividiu-se em
tebolistas que, tal como ele, eram «fugitivos do comunismo» (ou defesa de um ou de outro, ganhou a hoste de Kubala — e mesmo
viviam a esperança de «fugir do comunismo»). com o Barcelona a sagrar-se campeão de Espanha de 1959/60,
3ZRF INLWJXX§T UTW *XUFSMF 'FWHJQTSF J 7JFQ 2FIWNI JSYZ- Herrera teve de se ir embora, o pretexto foi, sobretudo, o ter sido

127
*IZFWIT,TZ[JNF¥WGNYWTUTWYZLZ®XUWTYFLTSN_TZSTXVZFWYTXIJȁSFQIF9F«FITX(FRUJ¹JXIJJUNX·INTHFWNHFYT
2FZITR±SNTIJWJQ·LNTVZJQMJKTWFTKJWYFITJRNSZYTXKTNVZFSYTIZWTZFXJLZSIFRJYFIJITOTLT SFFQYZWFS§TMF[NFFIN«§TIJYJRUTIJHTRUJSXF«§TƓ

eliminado nesta edição da Taça dos Campeões pelo Real Madrid, 3F[­XUJWFIT7JFQ3NHJ;NHJSYJ(FGFQQJWT(FRFHMTFSYNLT
SFXRJNFXȁSFNXHTRIZFXIJWWTYFXJ&SYJXINXXTKZQLZ- ¥WGNYWTIJXQTHTZXJFTMTYJQƉJUTWHTWYJXNFTKJWJHJZQMJZR
WFSYJYNSMFRXNITTXVZFWYTXIJȁSFQHTRRFNXIZFXF[FXXFQFIT- WJQ·LNT&HZXYTTFHJNYTZUTWVZJ(FGFQQJWWTQMJFȁFS«TZ
WFX[NY·WNFXIT'FW«FFSYJT<TQ[JWMFRUYTSƉUTWJ
— É o mais fácil que existe para controlo do tempo de jogo — e
(TS[ZQXF XJ YTWSTZ YFRG­R JSYWJYFSYT F [NIF ST 7JFQ infalível!
2FIWNI9JSIT+JWJSH5ZXPFXKTW«FITFXF±IFIJ1ZNX&SYT-
SNT(FWSNLQNF8FSYNFLT'JWSFG­Z VZJYNSMFHTRTUQFST' 3§TS§TJWFJXJRVZJ,TZ[JNFXJFUJWHJGJXXJ IJ[NITF
4YYT ,Q·WNF FUTXYTZ JR 2FSZJQ +QJNYFX 8TQNHM Ɖ VZJ FU·X YTVZJNRUJWHJY±[JQSFFQYZWFITUJS¥QYNƓFXJLZSIFUFWYJHMJ-
QJ[FWT5FWFLZFN¤[NY·WNFSF(TUF&R­WNHFIJYTWSF- LTZFTXRNSZYTXƉJZRITXYW®XLTQTXIJ)N8Y­KFSTKTNFTX
WFT+QFRJSLTYWNHFRUJ§THFWNTHF T+QFRJSLTVZJGFYJWF ƉVZFSITIFXGFSHFIFXO¥XJJXHZYF[FTHQFRTW
FYWF[­X IJ ZR KZYJGTQ JR NST[FITW ]] XJRUWJ [NWFIT
UFWF T FYFVZJ J F UFWF F GJQJ_F IJ KTWRF IJXQZRGWFSYJ J — Reloj, reloj, reloj…
XJSXFHNTSFQ F *VZNUF ITX 7JKZLNFITX 5TQ±YNHTX IJ ,ZYY-
RFSS HTR 5ZXPFX 0THXNX J (_NGTW SF XZF INLWJXX§T UJQT /TFVZNR (FRUTX J -JWR±SNT 8TFWJX XJZX ȁXHFNX IJ QNSMF
'WFXNQ X·THTSXJLZNWFRF[NXFWITJWWT VZJJWFITWJQ·LNTƓVZFSIT
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5WNRJNWFXTRGWFFFHFXYJQFWXJOZSYTIJ+QJNYFX8TQNHMYFQ[J_ JXYWJRJǤTIJXFYTZFHMTWFW&:*+&FHJNYFSITVZJYZITXJ
YJSMFXNITFTFGWNWITXVZFWYTXIJȁSFQƉSFIJWWTYFJR3NHJ IJ[JWFFȁSFQFKFQMF XJRNRUWJ[NI®SHNFSJRXJVZJWHFXYN-
UTW  HTR YW®X LTQTX IJ ;NHYTW 3ZWJRGJWL QZ]JRGZWLZ®X LTZ*IZFWIT,TZ[JNFƉVZJHTSYZITRFWHFITUJQTJUNX·INT
VZJ YFRG­R KJ_ [NIF HTRT JRUWJLFIT IJ ZR ITX RFNX LQF- VZFSITUTWH¥FUFWJHNFUFWFFWGNYWFWIJXFȁTS§TJWFWFWTTZ-
RTWTXTXHFXNSTXIFHNIFIJƉJTFGFQTYWF[TZXJSTXIT [NW JR YWTUJQ J MF[JSIT VZJR S§T XJ XFYNXȁ_JXXJ HTR F XZF
8FSYNFLT'JWSFG­ZƉHTRFMNXY·WNFIF9F«FITX(FRUJ¹JXF FWGNYWFLJRJSY§TJWFHJWYNSMT
HWZ_FWXJ IJXHTSHJWYFSYJ HTR ¥WGNYWT UTWYZLZ®X T *IZFWIT
,TZ[JNF VZJKTWFOTLFITWIT5FQRJQJSXJ — Olha o relógio, olha o relógio!

128 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


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Com a La Liga perdida para o Barcelona, a contestação a Fleitas Solich agudizou-se —


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no talento natural do que na preparação física», aos treinos de carga baixa — e, sobretudo,
ao seu 4x2x4 que, dizia-se, «desaproveitava o melhor Di Stéfano». Também se lhe notava
incapacidade de «gerir os egos do balneário» — e após ganhar a primeira mão das meias-
ȁSFNXFT'FW«F8TQNHMFUWJXJSYTZFIJRNXX§TF8FSYNFLT'JWSFG­ZVZJQMJJQTLNTZT
«cavalheirismo na hora do adeus», mas, Puskas, não:

Ɖ&THMJLFWF2FIWNIIN_NFRVZJJWF*Q'WZOTJTVZJXJ[NZKTNVZJFȁSFQJWFZRXJX-
XJSY§TZQYWFUFXXFIT

Mal Miguel Muñoz, o capitão das duas primeiras Taças dos Campeões, o adjunto de Luis
Antonio Carniglia nas duas seguintes, se tornou treinador principal retomou o 3x2x5 — e,
SFXJLZSIFR§TIFXRJNFXȁSFNXIF9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZXT7JFQ[TQYTZF[JSHJW
em Barcelona (novamente por 3-1), na partida que condenou Helenio Herrera por, cada
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JUNX·INT¤RJINIFVZJXJHTWWNFUFWFTȁSFQITOTLTFXGFSHFIFXIJ(FRU3TZHFIF[J_
mais se levantavam nos aplausos aos madrilenos.

4HFRNSMTUFWFFȁSFQK®QTT*NSYWFHMY+WFSPKZWYJQNRNSFSITTXXZ±«TXIT>TZSL'T^X
e os austríacos do Wiener SC — e impressionante foi o modo como agarrou o bilhete para
,QFXLT\HTR[NY·WNFXUTWJKWJSYJFT7FSLJWX8JSITTFI[JWX¥WNTIT7JFQVZJR
JWFQTLTXJFYJTZUTQ­RNHFSTWJXHFQITIFȁSFQIT2ZSINFQIJVZJF-ZSLWNFUJW-
IJWFHTRF7+&5ZXPFXFYNWFWFJRFQ[TWT«TNSXNSZF«§T FQN¥XUNTWƓIJVZJTXFQJR§JX
estavam dopados (e outros remoques considerados «desrespeitosos e abusivos») — e,
em réplica, a federação da Alemanha Ocidental proibiu os seus clubes de jogarem con-
tra qualquer equipa que tivesse Ferenc Puskas no seu seio — e para que não houvesse
«incidente diplomático» (ou caso que o pudesse afastar da relva do Hampden Park) ele
escreveu, sentimental, carta à DFB com «pedido de desculpas» — e assim se desfez o
veto para sempre.

129
Di Stéfano
47JFQ2FIWNIKTNIJXQZRGWFSYJSFȁSFQIJHTSYWFT*NSYWFHMYHTSYFSITHTRF
inquestionável liderança de Alfredo Di Stéfano

1960

130 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


&FGJWYZWFITUQFHFWIHTZGJF7NHMFWI0WJXXƉVZJUFWFFQ­R
Canário, o primeiro IJOTLFWKZYJGTQYWFGFQMF[FSFKFWR¥HNFIFRZQMJW*WFTYJRUT
campeão europeu em português JRVZJSF7+&FNSIF[NLTWF[FToXJRNUWTȁXXNTSFQNXRTJ[¥-
WNTXKZYJGTQNXYFXS§TTJWFRFUJSFX5TWJ]JRUQTST*NSYWFHMY
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de uma abelha e do seu ferrão…) IJGFQH§TƉJ*W\NS8YJNSTRFWHFITWITXTZYWTXITNXLTQTXIF
JVZNUF T  FTX  RNSZYTX J T  FTX  YNSMF YFGFHFWNF
3FXJLZSIFR§TIFXRJNFXȁSFNXHTSYWFT'FWHJQTSF2NLZJQ TSIJYFRG­R[JSINFFQTYFWNF
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HTRFXZFJ]NGN«§TVZJUFWFXZWUWJXFLJWFQTQFS«TZFYNYZQFW o(MZYTIJYW®XIJITXIJ(FS¥WNTQJ[TZ*LTS1T^FIJKJXF
SFUTSYFINWJNYFHTSYWFT*NSYWFHMY JR[J_IJ/JX¾X-JWWJWF NSHTRUQJYFƉJSFWJHFWLF)N8Y­KFSTKJ_TFTXRNSZYTX
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(FS¥WNT JWF FQHZSMF HMFRF[FXJ )FWH^ 8NQ[JNWF ITX 8FSYTX RJY¥KTWFo:RFJVZNUFIJXTSMTFOTLFWKZYJGTQHTRTJXU±WN-
+NQMTIJZRXFUFYJNWTIJGFNWWTUTGWJIT7NTQFS«FWFXJSTKZYJ- YT ITX -FWQJR ,QTGJYWTYYJWX T XMT\ JR IWNGQJX HZWYTX QTSLTX
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UFNKFGWNHF[F6ZFSITJXYF[FFHFRNSMTIFXJQJǤT,FWWNSHMF
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SMTƉJU¸XUWNRTWTXFFGTQFSTU­IJ)N8Y­KFSTUFWFWJRFYJ JSYWJYJWJXYF[FRFQNUFWFXJHTRT[JWJRJNRUWJXXNTSFWJRHTR
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SZYTXT7JFQ2FIWNITXYJSYTZJRRJQMTWYZITTVZJTYTWSTZ
4HWTS·RJYWTRFWHF[FRNSZYTXYW®XRNSZYTXFSYJXT*NS- NSHTRUFW¥[JQFQNIJWFS«FNSFGFQ¥[JQIJ)N8Y­KFSTFUJWKJN«§T
YWFHMYȁ_JWFTUWNRJNWTLTQTƉJF/TX­8FSYFRFW±FVZJF2FIWNI Y­HSNHF IJ 5ZXPFX F JSLJSMTXNIFIJ IJ )JQ 8TQ F [JQTHNIFIJ
HMJLFWFIT:WZLZFNTZ[NZXJQMJ RTWYFQIJ,JSYTFTGOJYN[NIFIJKZQRNSFSYJIJ(FS¥WNT*XHFQFW
T 7JFQ HTSYNSZFW F JXHFQFW T 7JFQ ­ XNRUQJXRJSYJ WJLNXYFW F
— O que se dizia antes do jogo era que os alemães iriam dei- LWFSIJ_F
]FWSTX04RFXKJQN_RJSYJJQJXȁ_JWFRIJUWJXXFT+JQN_-
RJSYJXNR*XXJLTQTKTNHTRTUNHFIFIJZRFJSTWRJFGJQMF 2JSTXUT­YNHTKTN2NLZJQ2ZµT_FHFRNSMTITGFQSJ¥WNT
Ɖ J HFIF ZR IJ S·X ȁHTZ IJ UWTSYT KWJS­YNHT VZJWJSIT X·
YNWFWTKJWW§TTRFNXIJUWJXXFUTXX±[JQƉJTVZJFHTSYJHJZKTN Ɖ5TZHTRFNXUTXXTIN_JWƓ47JFQJ]UQNHTZHTRHQFWJ_FXTGWJT
TVZJXJXFGJ HFRUTHTRTXJKF_TLWFSIJKZYJGTQ

131
Se Di Stéfano
«foi maior que Pelé»,
Puskas parecia «grávida safada»
(e só Didi andava, gelado, pelas
ruas da amargura)

Capitão do Eintracht foi Alfred Pfaff. Em 1954, o Atlético de


Madrid quisera contratá-lo por 180 000 marcos, a mulher proi-
biu-lhe a transferência, continuando, assim, a ser o que era:
dono de uma estalagem (e adiante de um hotel na cordilheira
de Odenwald) — e em Glasgow escutou-se-lhe:

— Ser batido por uma equipa como o Real, mesmo sofrendo


sete golos, não é uma desonra, marcar-lhe três é uma honra.

Do avião de regresso a Madrid, saiu Marquitos em traje fato


tradicional escocês e Taça dos Campeões na mão — do aero-
porto para a Puerta do Sol foram os jogadores em brancos car-
ros descapotáveis para a consagração popular e foi por lá que,
poético, Canário puxou o lustro aos homens que tinham saltado
como talvez nunca antes de Hampden Park para a eternidade:

— Di Stéfano foi muito melhor do que Pelé é. E Puskas mos-


trou que não tem no pé esquerdo um pé, tinha uma mão, fazen-
A inovação que foi o remate em folha seca é atribuída a Didi.
Ele revelou que assim fez, chutando com apoio do, prodigioso, com a bola o que quisesse — gordinho, como se
de três dedos apenas para evitar dor que sentia no peito do pé…
estivesse a brincar como uma grávida, safada. Sim, pode mo-
ver-se só num espaço de cinco metros, mas esses cinco metros
X§TYTITXJQJXITZWFITXIJTZWTȁST

Dos 7 golos do Real ao Eintracht, três foram de Alfredo Di


Stéfano, Ferenc Puskas marcara quatro — e este revelou-o,
sentimental:

— À medida que os minutos se aproximavam do fim, Al-


fredo e eu já só jogávamos para manter a bola — e daquela

132 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


vez não era para segurar um resultado, era joguinho para XZFXRJ_NSMFXƉJQTLTQFWLTZUJXFIFXRZQJYFXWJLWJXXTZFT
ver quem ficava com a bola do jogo. Olhei para o relógio do KZYJGTQ&XZFUWNRJNWFJVZNUFJWFIJZRFK¥GWNHFIJYJHNITXƉ
árbitro e pus-me a contar o último minuto na minha cabeça JGWNQMFSITUJQT2FIZWJNWFST(FRUJTSFYT(FWNTHFIJT
para ter certeza de que a bola estava no meu pé quando ele +QZRNSJSXJKTNGZXH¥QT
apitasse — o Alfredo se pudesse, apanhava-a. O apito soou
e a bola era minha. Agarrei-a, levava-a, acariciando-a, para o 3T2ZSINFQIJJSHFSYTZHTRTXJZKZYJGTQQJ[TZ3­QXTS
círculo central onde nos iam dar a Taça e em minha direção 7TIWNLZJXFIJȁSNQTFXXNR
correu o Stein, dizendo: «Como gostaria tanto de ter essa
bola». Disse-lhe: Pois, eu também. E depois pensei: ele fez Ɖ Joga com a elegância de um príncipe etíope!
dois golos e perdeu, dar-lhe a bola é o mínimo que posso
fazer — e dei-lha… /¥NS[JSYFWFFKTQMFXJHFUFWFRFWHFWQN[WJX

Michel Platini nunca o escondeu: — Contra o América, senti dor no peito do pé. Para cobrar a
falta sem me magoar mais decidi bater no meio da bola usando
— Di Stéfano era soberbo tecnicamente, veloz e um goleador apenas 3 dedos e foi o que foi…
temível e não foi só ele e com Puskas que aquele Real Madrid
inventou o futebol moderno. &HMFSITTIJRFXNFITINXUQNHJSYJT+QZRNSJSXJU¸QT¤[JS-
IFJRRJFITXIJ4'TYFKTLTIJZRNQM¹JXIJHWZ_JNWTX
3TINFFXJLZNW¤ȁSFQIJ,QFXLT\ZROTWSFQNXYFNSLQ®XJXHWJ- UTWJQJƉSZSHFSJSMZROTLFITWHZXYFWFYFSYT
[JZo:RKZYJGTQIJXTSMTIJFWYNXYFXTITXJXUFSM·NXVZJ
KF_HTRVZJTSTXXTTITXGWNY¦SNHTXUFWJ«FIJXJLZSIFHF- )JKTQMFXJHFHTSYWFT5JW¾FUZWTZT'WFXNQUFWFT2ZSINFQ
YJLTWNFZRFYWNXYJ_F)ZWFSYJFSTXF''(WJYWFSXRNYNZJXXJ IJƉT'WFXNQXFNZIJQ¥HFRUJ§TJQJXFNZIJQ¥HTRTT
OTLTITINFIJ3FYFQHTRTZRITXoRFNTWJXJXUJY¥HZQTXVZJF 2JQMTW/TLFITWIF(TUF
MZRFSNIFIJYNSMFUFWFRTXYWFW J]UQNHF[FXJƉJIJVZFSIT
JRVZFSITXZWLNF0JSSJYM<TQXYJSMTQRJTFKFRFITHTRJS- 47JFQHTSYWFYTZTX·Q¥)NINKFQMTZƉJWJ[JQTZXJ
YFITWIF''(FFȁFS«FQTJRHQFRTW
— Falhou por causa do boicote que Di Stéfano lhe fez por
— O Real em Hampden foi de longe o banquete mais delicioso medo…
que eu descrevi, jogando futebol como se estivessem tocados
por anjos… 5FWF (FS¥WNT S§T KTN HTSYZIT X· UTW NXXT VZJ )NIN KFQMTZ
JR2FIWNI
3JXXJ7JFQIFVZNSYF9F«FITX(FRUJ¹JXMF[NF JRJXUFS-
YTYFQ[J_ZRFJXYWJQFFUFLFIFT)NIN5JVZJSNSTHTRJ«FWFF — Problema maior foi o Didi não se acostumar muito aqui ao
OTLFWHTRLJSYJLWFSIJSFXUJQFIFXIJ(FRUTXƉJZRF[J_ clima. Teve um jogo no Santiago Bernabéu que me deu pena.
WJLWJXXTZFHFXFRZNYTRFHMZHFIT&F[·YWFYTZTHTRWJ_FX Nós começámos a jogar e começou a nevar. Quando terminou,
J·QJTXIJWNRIJHFWSJNWTRFXFKJWNIFLFSLWJSTZ-TZ[JR­- sabe o que Didi fez? Foi correndo para o vestiário, abriu a água
INHTVZJFHMTZVZJYJWNFRIJQMJFRUZYFWFUJWSFX·S§TFR- quente, meteu a mão debaixo, só então os dedos dele mexe-
UZYFWFRUTWVZJFFSHN§S§TIJN]TZ&HFGTZHZWFSITTHTRFX ram…

133
RONDA PRÉVIA
La Jeunesse d’Esch /X[HPEXUJR ²â.6âRGŧ 3ROyQLD
5 – 0 // 1 – 2
Fenerbahçe 7XUTXLD ²&VHSHO6& +XQJULD
1 – 1 // 3 – 2
Nice )UDQoD ²6KDPURFN5RYHUV)& ,UODQGD
3 – 2 // 1 – 1
9RUZlUWV%HUOLQ 5'$ ²Wolverhampton ,QJODWHUUD QUARTOS DE FINAL
2 – 1 // 0 – 2
2O\PSLDNRV *UpFLD ²AC Milan ,WiOLD 1LFH )UDQoD ²Real Madrid (Espanha)
2 – 2 // 1 – 3 3 – 2 // 0 – 4
&'1$6RI\LD %XOJiULD ²Barcelona (Espanha) Barcelona (VSDQKD ²:ROYHUKDPSWRQ ,QJODWHUUD
2 – 2 // 2 – 6 4 – 0 // 5 – 2
Glasgow Rangers (VFyFLD ²$QGHUOHFKW %pOJLFD 6SDUWD5RWWHUGDP +RODQGD ²Glasgow Rangers (VFyFLD
5 – 2 // 2 – 0 2 – 3 // 1 – 0 // 2 – 3
Rudá Hvezda Bratislava &KHFRVORYiTXLD ²)&3RUWR Eintracht Frankfurt 5)$ ²:LHQHU6SRUW&OXE ÉXVWULD
3RUWXJDO
2 – 1 // 1 – 1
2- – 1 // 2 – 0
/LQÀHOG ,UODQGDGR1RUWH ²IFK Göteborg 6XpFLD
2 – 1 // 1 – 6
Wiener Sport-Club ÉXVWULD ²3HWUROXO3ORLHüWL 5RPpQLD
0 – 0 // 2 – 1

OITAVOS DE FINAL MEIAS-FINAIS


Real Madrid (VSDQKD ²-HXQHVVHG·(VFK /X[HPEXUJR Real Madrid (VSDQKD ²%DUFHORQD (VSDQKD
7 – 0 // 5 – 2 3 – 1 // 3 – 1
%ROGNOXEEHQ 'LQDPDUFD ²Wiener Sport-Club ÉXVWULD Eintracht Frankfurt 5)$ ²*ODVJRZ5DQJHUV)& (VFyFLD
0 – 3 // 2 – 2 6 – 1 // 6 – 3
Sparta Rotterdam +RODQGD ²,).*|WHERUJ 6XpFLD
3 – 1 // 1 – 3 // 3 – 1 MELHORES MARCADORES
$&0LODQ ,WiOLD ²Barcelona (Espanha)
0 – 2 // 1 – 5 )HUHQF3XVNDV 5HDO0DGULG
12 golos (7 jogos)
<RXQJ%R\V 6XtoD ²Eintracht Frankfurt 5)$
$OIUHGR'L6WpIDQR 5HDO0DGULG
1 – 4 // 1 – 1 8 golos (7 jogos)
Glasgow Rangers (VFyFLD ²5XGi+YH]GD%UDWLVODYD /DV]OR.XEDOD %DUFHORQD
&KHFRVORYiTXLD 7 golos (6 jogos)
4 – 3 // 1 – 1 2YH2OVVRQ ,).*|WHERUJ
6 golos (4 jogos)
(VWUHOD9HUPHOKD -XJRVOiYLD ²Wolverhampton ,QJ
-DFTXHV 1LFH
1 – 1 // 0 – 3 5 golos (6 jogos)
)HQHUEDKoH 7XUTXLD ²Nice )UDQoD 6iQGRU.RFVLV %DUFHORQD
2 – 1 // 1 – 2 // 1 – 5 5 golos (6 jogos)
(UZLQ6WHLQ (LQWUDFKW)UDQNIXUW
5 golos (7 jogos)
FINAL
Taça dos Campeões Europeus 1959/60

7 Real Madrid

3 Eintracht Frankfurt
Final
18 de maio de 1960

Hampden Park, Glasgow


Árbitro: John Mowat (Escócia)

REAL MADRID: Rogelio Domínguez; Marquitos


Alonso, José Emilio Santamaría e Pachín; José
María Zárraga (cap.) e José María Vidal; Canário,
Luis Del Sol, Alfredo Di Stéfano, Ferenc Puskas e
Francisco Gento.

Treinador: Miguel Muñoz.

EINTRACHT FRANKFURT: Egon Loy; Friedl


Lutz, Hermann Höfer; Hans Weilbächer (cap.),
Hans-Walter Eigenbrodt e Dieter Stinka; Richard
Kress, Diter Lindner, Erwin Stein, Alfred Pfaff e
Erich Meier-

Treinador: Paul Osswald.

Marcadores: 0-1, Kress (18). 1-1, Di Stéfano (17). 2-1,


Di Stéfano (30). 3-1, Puskas (46). 4-1, Puskas (56).
5-1, Puskas (60). 6-1, Puskas (71). 6-2, Stein. 7-2, Di
Stéfano (73). 7-3, Stein (75).
Capítulo VII
1960/61

CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)
/TX­ &ZLZXYT KTWF IJKJXF IT 'FWWJNWJSXJ )J ZR INF UFWF
Guttmann queria TTZYWTHTRJ«TZFXJSYNWXJHFSXFITIJRFNXUFWFTK¸QJLT
200 contos de prémio VZJYNSMFJQTLTXJUJWHJGJZVZJJWFTIJXYNSTFFYWFN«T¥QT
&UFSMFWFYZGJWHZQTXJƉJHTRTJWFHTRUFIWJIJ+WFSHNXHT
pela Taça dos Campeões, +JWWJNWFTHFUNY§TIT'JSKNHFT(MNHTFWWFSOTZKTWRFIJT
o dirigente de pouca fé 'JSKNHFNWIZFX[J_JXFT'FWWJNWTƉUFWFFXXNRXJFWWFSOFW
INSMJNWTUFWFTFOZIFWFYWFYFWIFITJS«FTZSTZYWFXHTNXFX
disse-lhe: «Oh, homem RFNXVZJUWJHNXFXXJ
ponha lá mais 100!»
&YZGJWHZQTXJRFYTZTFTXFSTXFQLZWJXUTWFSIF[F
(e 300 contos /TX­&ZLZXYTUJQTXFSTX
foi o que ele ganhou,
sem que o tivessem — Não tinha irmãos para ajudar a minha mãe a pagar as contas,
logo tive de arranjar trabalho.
deixado entrar na Hungria…)
+TN UFWF FUWJSIN_ IJ RJYFQTRJH¦SNHT SF (5 F[JSYZWTZXJ F
LZFWIFWJIJXIT'FWWJNWJSXJ
Na edição de 1960/61 da Taça dos Campeões Europeus deu-se,
JSȁRNSXHWN«§TITHFRUJ§TIF3TWZJLFT+WJIWNPXYFI+TTY'FQ- — À custa de boas notas, adquiri certo estatuto na CP, pedi para
QPQZGG ƉVZJXZWUWJXFKTN YJW JQNRNSFIT T &OF] SF 7TSIF 5W­[NF ser estofador — e assim passei a tratar dos bancos dos comboios e
&SYJXITXJZNS±HNTT,QJSF[TS+( IF.WQFSIFIT3TWYJJT((& até dos barcos, era, claro, trabalho menos duro e mais limpo.
'ZHZWJXYN IF7TR­SNFRFSIFWFRIN_JWVZJFȁSFQS§TVZJWNFR
OTLFWHTRT0FWQ2FW]8YFIY IF7)&JT8UFWYFP-WFIJH0W¥QT[­ 3ZRYWJNSTJXYF[F¤GFQN_FƉJZRHTRUFSMJNWTQJXNTSTZXJ4
IF(MJHTXQT[¥VZNFƉJIJXXF7TSIF5W­[NFIJVZJT'JSȁHFXJ YWJNSFITWRFSITZTUFWFF[FS«FIT
S§TQN[WTZ JNXXTYFRG­RQMJIJZMNXY·WNFSZSHFFSYJXHQZGJVZJ
HTRJ«FWFUTWFQNFHFGTZFLFSM¥QFƓ — Marquei nove golos, não voltei mais a guarda-redes. Gostava
daquilo, gostava muito.
3JXXF UWNRJNWF KFXJ FTX GJSȁVZNXYFX HTZGJQMJX IJKWTSYFW T
-JFWYXTK2NIQTYMNFS*R*INRGZWLT[JSHJWFRUTWHTRLTQTX 3T'FWWJNWJSXJYFRG­ROTLF[FGFXVZJYJGTQ&TXFSTXINWJ-
IJ/TX­…LZFXJ/TX­&ZLZXYT3F1Z_LFSMFWFRUTW/TX­ YTWQFS«TZQMJZQYNRFYTTZZRFHTNXFTZFTZYWFƉJ/TX­&ZLZXYT
…LZFXKJ_RFNXITNXLTQTX/TX­&ZLZXYTRFNXZRƉJS§TYFWIFWNF JXHTQMJZTKZYJGTQ1TLTKTNUFWFTUWNRJNWTYNRJHTRTF[FS«FIT-
VZJUTWJSYWJ[¥WNTXTZYWTXLTQTXFTQTSLTIFHFRUFSMFJKTLF- HJSYWTFTXJLZSITOTLTU¸X[¥WNFXGTHFXFGJWYFXIJJXUFSYTT
HMTX FNSIF RFNX NRUWJXXNTSFSYJX ,FGWNJQ -FSTY T OTWSFQNXYF IT 8UTWYNSLLFSMTZST'FWWJNWTUTWJQJRFWHTZYW®XLTQTX
1xVZNUJVZJFYJFWFTWFXYNQMT¤HTRUJYN«§TTYN[JXXJFȁWRFIT
Ɖ/TX­&ZLZXYT­T,FWWNSHMFIF*ZWTUF — Não, não é engano, marquei três golos ao Carlos Gomes —
e só me validaram dois. O árbitro era um sportinguista chamado
*XYF[FST'JSKNHFJRKZWTWYFQ[J_S§TJXYN[JXXJQ¥XJS§T Borges Leal e o golo que me anulou, o que teria dado 3-3, deu num
YN[JXXJ T HTWF«§T VZJ YNSMF &QJ]FSIWJ &QRJNIF T UFN IJ falatório que nem se imagina…

138 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


José Augusto, saindo do Barreirense, pretendia representar um único clube:
T'JSȁHF3§TYNSMFJXVZJHNITFFOZIFITXJSHFWSFITXUTWFQYZWFIFITJS«FVZJ[NYNRFWNFTXJZUFN

O Sporting fez menção de o contratar, com esse campeonato Ɖ 3§T RJ JXVZJHJSIT IT VZJ T 'JSȁHF ȁ_JWF UJQT RJZ UFN
IJFNSIFJRHZWXT+(5TWYTJ'JSȁHFRFSNKJXYFWFRNLZFQ VZFSITȁHTZITJSYJITXUZQR¹JXX·FIRNYNFNWUFWFTZYWTQFITXJ
NSYJWJXXJUTWJQJTUWJXNIJSYJIT'FWWJNWJSXJWJ[JQTZT T'JSȁHFS§TRJVZNXJXXJ

— Pedimos 1000 contos pela sua carta, exatamente para nin- 6ZJT'JSȁHFTVZJWNFXTZGJT/TX­&ZLZXYTFYWF[­XIJ2F
guém lhe pegar. SZJQIF1Z_&KTSXTVZFSITJXYF[FSFJXYF«§TIJ8FSYF&UTQ·SNF
¤ JXUJWF IT HTRGTNT UFWF T 5TWYT F HFRNSMT IT +( 5TWYT Ɖ J
Não foram, porém, precisos 1000 contos para três anos depois o [TQYTZUFWFYW¥X„1Z_HMJLTZHTRTF[FS«FITHJSYWTRFXYJSIT
'JSȁHFTQJ[FWIT'FWWJNWT+TNJRRJFITXIJ/TX­&ZLZXYT /TX­…LZFXSFUTXN«§T'­QF,ZYYRFSSU¸QTFJ]YWJRTINWJNYTƉJ
J]UQNHTZFWF_§TTHTWF«§T KTNX¾GNYFFXZFJ]UQTX§TƓ

139
ses após a conquista do título — e por lá ficou, a jogar num
Como Guttmann outro Hakoah, o New York Hakoah. Enriqueceu — e no crash

se livrou de Auschwitz, da Bolsa de Nova Iorque tudo perdeu…


Por 1933, «envelhecido como jogador e sem dinheiro»,
escondido no sótão Guttmann implorou ao Hakoah Viena que o acolhesse de

de um cabeleireiro novo. Deram-lhe cargo de treinador. Por lá andava, quando


alguém pediu a Hugo Meisl que lhe sugerisse nome para téc-
(mas não se livrou nico no Sportclub SC Enshede (que hoje é FC Twente) e ele

de trabalhos forçados) nem pestanejou a atirá-lo à berlinda: Béla Guttmann. De-


sentendendo-se com o presidente do Enshede por lhe negar
aumento, tendo ficado a uma unha negra de ser campeão
Nos oitavos de final da Taça dos Campeões Europeus de da Holanda, regressou à Áustria com missão sentimental:
1960/61 saltou capricho no sorteio: adversário do Benfica, tirar o Hakoah Viena da segunda divisão. A época não che-
o Ujpest, o Ujpest que tinha a sua história colada à história gou ao fim porque, entretanto, Hitler invadiu a Áustria, as
de Béla Guttmann — e por causa disso, ao jogar em Buda- SS determinaram a extinção do clube. A Guttmann já não o
peste, jogou sem que o treinador lá estivesse (adiante se encontraram porque, antevendo o desenlace, obtivera visto
verá porquê…) para os Estados Unidos — e para Nova Iorque saltara, sorra-
teiro. Cinco meses após, não resistiu a convite para treinar
Sobre os destroços da I Guerra Mundial, Béla Kun lançara o Ujpest — voltou a Budapeste, conquistou a Taça Mitropa
na Hungria governo comunista — e o que de pronto se per- de 1939.
cebeu foi que a coberto de si se soltou o Terror Vermelho
(em que gangues de arruaceiros à revelia das polícias inti- Por entre nova glória, conheceu Mariann Moldován, filha
midavam e assassinavam opositores ao regime). Não durou de um cabeleireiro de Ujpest — que não era judia, tornaram-
muito o governo de Kun — e com Moklós Horthy no poder -se namorados. Com o Ujpest obrigado pelo governo húnga-
criou-se nova milícia, abriu-se o Terror Branco (com os na- ro (já dominado pelo espírito nazi) a «expurgar do seu seio
cionalistas agitados em atrocidades contra comunistas — e judeus que lá trabalhassem», arranjou-se truque para não
contra judeus também…) o despedirem, pura e simplesmente: deram-lhe o secreto
cargo de «conselheiro técnico». A 19 de março de 1944,
Fundado por endinheirados judeus de Budapeste, Béla o dia em que os nazis esventraram Budapeste, Guttmann
Guttmann levou o MTK a campeão da Hungria e, atormen- estava em Nagyvárad e, ao intervalo do jogo do Ujpest, Ga-
tado pelos efeitos do Terror Branco, saltou, sorrateiro, de bor Kléber, jornalista que era seu amigo, murmurou-lhe, num
Budapeste para Viena para jogar pelo Hakoah, clube que tremelique:
através do desporto procurava espalhar o orgulho e os
ideais sionistas. Ganhou o campeonato da Áustria de 1925, — Béla, temos um problema… Os alemães estão a marchar sobre
o primeiro inteiramente profissional na história da Europa. Budapeste!
Guttmann saiu dele como sendo das suas mais entusias-
mantes figuras. Ainda mais entusiasmante foi a sua ação na O que aconteceu depois, contou-o David Bolchover, na
digressão que o Hakoah Viena fez pelos Estados Unidos me- biografia que lhe escreveu: Béla Guttmann apanhou o com-

140 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


boio para o regresso e para evitar a revista dos SS que sabia to, só nos fazia carregar pedras para o bunker dele, e tínhamos
que o iria apanhar à chegada, antes da paragem em Peste, que ir sempre a gritar «somos merda, somos merda»! Seria eu
saltou pela janela da carruagem e correu, pela calada da um futebolista da seleção nacional, seria eu um treinador de
noite, a esconder-se no sótão da casa de Pal Moldován, o sucesso? Seria eu um homem? Pouco importava, tínhamos que
pai de Mariann. Ainda assim, não se livrou das agruras de um esquecer isso tudo. E quantas humilhações mais.
campo de trabalhos forçados e essa história também está
em Béla Guttmann — de Sobrevivente do Holocausto a Gló- No mesmo suplício andava Erno Egri Erbstein (que depois de
ria do Benfica (em discurso direto, arrepiante, claro): ter sido jogador dos New Yor Giants, fora dos Estados Unidos
para Itália e deixara de ser treinador do Torino devido às exi-
— Davam-nos ordens de uma forma rude: «Ponham a braça- gências antissemitas do governo de Mussolini) — e com 1944
deira (com a estrela amarela), peguem na pá, calem a boca!». FHTWWJWUFWFTȁRFUJWHJGJWFRXJIJXYNSFITXFHTRGTNTIJ
O nosso sargento tinha servido na Legião Estrangeira, e foi lá trágico destino: Auschwitz:
que aprendeu a torturar pessoas. Quando estava bem-dispos-
— Antes da nossa companhia ter sido escorraçada para as car-
ruagens como animais, cinco de nós, eu e mais quatro, já tínhamos
saltado de uma janela do primeiro andar e fugido do acampamen-
to. Nos dias anteriores, estudávamos a área para vermos quando
os guardas eram rendidos — e até tínhamos remexido o solo para
não partirmos os tornozelos.

Fugiu cada um para seu lado, Guttmann voltou ao esconde-


rijo dos Moldován, lá continuou até à rendição dos últimos ale-
mães de Budapeste, a 13 de fevereiro de 1945. E, com a sua
reputação ainda em alta pela vitória na Taça Mitropa através do
Ujpest, logo surgiu o Vasas a seduzi-lo para treinador — pouco
tempo lá esteve por não se querer sujeitar a uma Hungria comu-
nista e procurou por Itália novo futuro. O FC Porto descobriu-o
ST'WFXNQT'JSȁHFKTNGZXH¥QT¤X&SYFX

Ao acertar com o Benfica as condições do contrato, Béla


Guttmann pedira para lá porem alínea com 200 contos de
prémio pela Taça dos Campeões Europeus. Um dos direto-
res, divertido com o que julgou bizarra hipótese, desafiou-o:

— Oh, homem, ponha mais 100!

Guttmann não se fez rogado — e que sim, que então eram


'­QF,ZYYRFSSYWJNSFITWGNHFRUJ§TJZWTUJZUJQT'JSȁHFUJWXTSFLJR±RUFW 300.

141
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O Ujpest, que calhara ao Benfica para os oitavos de final da Taça dos Campeões
Europeus, levara oito dos seus jogadores às seleções da Hungria que procura-
vam refazer-se do esfarelamento que a Invasão Soviética causara no seu Dream
Team (forçando Puskas, Czibor, Kocsis & mais ilustre companhia ao exílio) — e
na primeira mão, na Luz, no domingo de chuva em que se inaugurou o Terceiro
Anel — saltou o Benfica a sétima dimensão: aos 28 minutos já vencia por 5-0 com
golos de Cavém (1), Águas (6 e 28), José Augusto (12) e Santana (16). Gorocs
(69) e Pataki (77) reduziram — e, aos 87 minutos, José Augusto fechou o placard
em 6-2.

Para a segunda mão, no Nepstadion, a cautela do Benfica foi outra: não que-
rendo que a sua presença na cidade de onde se exilara pudesse causar «mal-en-
tendidos» ou «dar sinal de provocação», a direção de Maurício Vieira de Brito
decidiu que Béla Guttmann ficaria retido no hotel de Viena onde a comitiva fizera
escala. Foi assim, tentando, por vezes, apanhar em aparelho de rádio sinal de
relato — ou esperando, como combinado, que o irmão que continuara a viver em
Budapeste, lhe passasse pelo telefone, informações fugazes — que o treinador
do Benfica soube que logo aos seis minutos Santana fizera 0-1 e que através de
golos de Halapi e Szusza o Ujpest acabou por dar a volta ao jogo.

Nesses oitavos de final, faiscante foi, sem dúvida, o duelo entre Real Madrid e
Barcelona — que de lés a lés se achou a «final antecipada» da Taça dos Cam-
peões Europeus. A primeira mão, no Santiago Bernabeu, deu em 2-2. O empate
do Barça saiu de um penálti assinalado pelo inglês Arthur Ellis, a três minutos do
fim. Luís Suarez fez golo, Miguel Munõz, treinador do Real, denunciou-o:

— Antes da grande penalidade houve off-side descarado de Kocsis.

Ljubisa Brocic, treinador do Barcelona logo lhe deu em réplica:

— Queixas temos nós, o golo anulado a Villaverde foi legítimo, não estava nada
fora de jogo.

142 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


A segunda mão, em Camp Nou, voltou a ter árbitro inglês: Reginald Leafe —
e ainda mais polémica espicaçada, mais falatório espalhado, com os jornais de
Madrid a acusarem-no de anular mal três golos ao Real e, claro, os jornais de
Catalunha a formigarem ideia contrária. Acabou com 2-1 para o Barça e a Muñoz,
apanhou-se-lhe a dúvida irritada:

— Ainda estou para saber porque o árbitro nos anulou pelo menos dois dos três golos
que marcámos.

E Leafe defendeu-se num traço quase lapalissiano:

— Anulei-os sem vacilar porque em todos vi ilegalidade.

Brocic tentou, claro, fugir do fogaréu:

— Este Real é uma equipa enorme e só o Barcelona seria capaz de eliminá-lo.

O brilharete não bastou para que Ljubisa Brocic salvasse a sua pele. Para além
de treinador do Estrela Vermelha de Belgrado, também era selecionador da Ju-
goslávia quando, algures por 1953, numa digressão pelo Brasil, agente secreto
da polícia política o apanhou à conversa com anticomunistas sérvios e croatas
que viviam, exilados, por lá, deixando-os fotografarem-se com vários dos seus
jogadores. Temendo sofrer «graves represálias», Brocic não voltou à Jugoslávia.
Apareceu, aventureiro, pelo Egito e pelo Líbano, andou pela Juventus — e foi ao
PSV Eindhoven que Francesc Miró-Sans, magnata da indústria têxtil catalã, o foi
buscar para treinador do Barcelona, quatro meses o foi, após eliminar o Real pe-
diu demissão «para não perturbar a vida ao clube», que a federação continuava
a impedir-lhe acesso ao banco — e, por isso, já não foi Ljubisa que defrontou o
Benfica na final…

Ainda sem conhecer o desfecho do duelo entre o Real e o Barcelona, Béla Gutt-
mann confidenciou-o:

— Entre Real e Barcelona, preferia os dinamarqueses do Aarhus.

Foi mesmo o Aarhus que lhe calhou — e mais duas foram as vitórias do Benfica:
3-1 na Luz, 4-1 no Municipal de Aarhus. Por essa altura vivia Portugal em frenesim
por causa de Eusébio — e Eusébio em desencanto por não o deixarem jogar.

143
RJYJQJKTSTZFIN_JWFRJXRFHTNXFVZJ[NJXXJ¤J]UJWN®SHNF
Sem que Eusébio VZJ NXXT JWF X· ZR UTWRJSTW VZJ JZ ȁHF[F YFRG­R QMJ WJ-

pudesse jogar, peti a história. Como costumava ver, no intervalo do cinema,


os resumos dos jogos do Sporting, disse-lhe: estás a ver o Se-
falou-se de rapto RNS¥WNT T [TXXT HWFVZJ$ *Z ITZQMJ F[FS«T F RFWHFW LTQTX
5TW NXXT VZJWJR J]UJWNRJSYFW T VZ®$ Ɖ J T -NQ¥WNT YFRG­R
(mas só o levaram escondido se riu...
para uma praia por causa de
uma mala com 500 contos…) O Benfica não se ficou pelos 150 contos da primeira ofer-
ta, subiu ainda mais a parada para 250 — e incumbiu Mário
Tavares de Melo, talhante do Bazar de Lourenço Marques,
A Ferroviária de Araraquara passara numa digressão por de tratar de o pôr depressa em Lisboa. Marcou-lhe viagem
Moçambique e, deslumbrado com o «menino tímido» que em nome de F. da Silva. O embarque deu-se apenas cinco
lhe marcara golo pela seleção de Lourenço Marques, José minutos antes da descolagem, com todos os restantes pas-
Carlos Bauer mandou telegrama para o São Paulo a pergun- sageiros lá dentro:
tar se podia levá-lo para o Brasil. Não lhe responderam. No
regresso ao Brasil, na escala em Lisboa, Bauer foi visitar — Fui o último a entrar no Super Constelation da TAP, fui levado
Béla Guttmann, que o treinara no São Paulo — e falou-lhe FY­¤XJXHFIFXSZRHFWWTHTRRFYW±HZQFIT*]­WHNYT
de Eusébio (o tal «menino tímido») num fervor tão entusias-
mado que Guttmann suplicou a Maurício Vieira de Brito que Avisando-se o Benfica de que tudo decorrera «dentro da
não o deixasse escapulir-se. normalidade», enviou-se telegrama que dizia:

Estoirando notícia do ataque do Benfica, o Sporting Clube Ruth segue Vera Cruz.
de Portugal jogou a sua cartada pelo lado de fora do cora-
ção: Brás Medeiros, o presidente, determinou que Eusébio Nem o Vera Cruz era o paquete, nem a Ruth era a Ruth.
a vir, teria de vir para Alvalade à experiência — e Eusébio Em mais uma «manobra de segurança», todos os contac-
cortou-lhe de pronto a ideia: tos de Lourenço Marques para Lisboa tinham-se feito com
nomes de código. Eusébio era Ruth, Tavares de Melo era
— Os meus irmãos mais velhos disseram: ou vai com contrato Conceição Malosso. E quer Ruth, quer Conceição Malosso
assinado, ou não vai. E não foi só: a malta do Sporting não foi existiam mesmo em Lourenço Marques, eram filha e mulher
muito correta quando telefonou a dizer que me queria. Pensa- de Albertino Malosso, igualmente talhante, igualmente ben-
vam que estavam a falar com um gajo qualquer e não estavam, fiquista fanático...
o meu irmão era engenheiro e perguntou-lhes: O FC Porto já
TKJWJHJZHTSYTXT'JSȁHFO¥TKJWJHJZHTSYTX[TH®X A 16 de dezembro de 1960, Eusébio aterrou na Portela
TKJWJHJRTVZ®$.SXNXYNWFRSFMNXY·WNFIFJ]UJWN®SHNFTRJZNW- — e sem que do Sporting de Lourenço Marques chegasse
mão Jaime lembrou que o Seminário estava a ganhar 80 contos a «carta de desobrigação» com o Benfica cada vez mais
UTWR®XST8UTWYNSLJVZJJZJWFRJQMTWITVZJT8JRNS¥WNT perto do paraíso na Taça dos Campeões era no inferno que
até porque só tinha 18 anos. Riram-se. Depois, quando o Hilário Eusébio se sentia:

144 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


— Nas primeiras semanas choviam os telefonemas, as cartas, OTLFWNF ST 'JSȁHF TZ S§T OTLFWNF JR HQZGJ SJSMZR VZJ JWF
os pedidos. Ofereciam-me o pagamento das passagens e pro- JXXJYFRG­RTIJXJOTIFRNSMFR§J
metiam-me somas consideráveis de dinheiro. Depois passaram
às ameaças, dizendo que eu nunca seria autorizado a jogar pelo (Esse tal amigo era Hilário. Fora buscá-lo ao Lar, a pretexto
'JSȁHFJVZJXJS§TVZNXJXXJ[TQYFWFTRJZFSYNLTHQZGJFHF- de o levar ao cinema:
GFWNFFY­UTWXJWNWWFINFITITKZYJGTQ4(TQZSFHMJLTZFFHTS-
XJQMFWRJ HZNIFIT FY­ F FYWF[JXXFW F WZF VZJ UTINFR FYWT- Ɖ&HFRNSMTIJX[NTZXJJ]UQNHTZRJYJSMTIJNWFHFXFKFQYF-
UJQFWRJ :RF [J_ INWNLJSYJ IJ HJWYT HQZGJ KTN JSHTSYWFWXJ -me dinheiro...
HTRNLTJRHFXFIJZRFRNLTRJZ(TRJ«TZUTWRTXYWFWRJ
ZSXUFU­NXVZJJZYJWNFFXXNSFITFNSIFJR1TZWJS«T2FWVZJX O «dirigente de certo clube» era Jaime Duarte, chefe do
JWJUJYNZFFRJF«FIJVZJGFXYFWNFRJXXJXITHZRJSYTXUFWF futebol do Sporting. Os nomes, revelou-os Eusébio, anos
FHFGFWHTRFRNSMFHFWWJNWF/ZQLFSITRJFYJRTWN_FITFUWJ- volvidos, outros véus levantando:
XJSYTZRJTZYWTXUFU­NXXJQFITXJJXHWNYTXSTXVZFNXVZJWNF
VZJJZUZXJXXJFRNSMFFXXNSFYZWF3§TXJNTVZJIN_NFRS§T — A tal mala tinha 500 contos. Jaime Duarte meteu o di-
HMJLZJNFQ®QTX4VZJXJN­VZJJXXJXJSMTWRJIN_NFVZJXJJZ nheiro em cima da mesa, pediu-me que assinasse. Respon-
os assinasse, me daria uns maços de notas que chegou a mos- di-lhe que era menor e não era maluco. Tentaram falar com a
trar-me. Depois, acrescentou, ainda me dariam mais dinheiro. E minha mãe pelo telefone, não conseguiram...)
NSXNXYNFHTRNLTUFWFVZJO¥S§T[TQYFXXJFT1FWIT'JSȁHF+NHF-
WNFFQNRJXRTSFHFXFITRJZFRNLTFY­VZJXJFWWFSOFXXJTZ- Gastão Silva ordenou, então, a Domingos Claudino, pro-
YWTX±YNT3JRUWJHNXF[FIJNWGZXHFWFXRNSMFXWTZUFXUTWVZJ prietário de uma frota de táxis, que levasse Eusébio para
eles me comprariam e dariam outras. E eu sempre disse que o Algarve — e que lhe escondesse calças e sapatos, só por
S§T UJINSIT VZJ RJ IJN]FXXJR NW JRGTWF 2FQ XF± KZN HTSYFW questão de precaução. Para os sportinguistas foi... rapto,
YZITFTXINWNLJSYJXIT'JSȁHFRFNXZRF[J_QMJXIJNFRNSMF para Eusébio não:
palavra de honra de que, acontecesse o que acontecesse, ou
Ɖ+TRTXUFWF2JNF5WFNFIZWFSYJINFX3FUWFNFJXYF[FRFUJ-
SFXJXYWFSLJNWTX5JLF[FSFGTQFIJRFSM§JUFXXF[FTINFFHTW-
rer e a dar toques sozinho, de calções...

José Fialho Gouveia, cruzando-se com José Augusto num


cabeleireiro da baixa, perguntou-lhe:

Ɖ4M?­RFXJXXJWFUF_TYFQWFUF_VZJQJ[FWFRUFWFT&QLFW[J
­RJXRTFXXNRY§TGTR$

A resposta que colheu foi:

ƉRJQMTWITVZJYTITXS·XOZSYTX&LTWF­X·XFGJWVZJR[FN
9JQJLWFRFIJ,FXY§T8NQ[FIFSITHTSYFIJVZJ*ZX­GNT 7ZYMSTRJȁHY±HNTJXYFWNF
FZYTWN_FITUJQFR§JFOZSYFWXJFT'JSȁHF sair para ele entrar...

145
Em Viena, Águas
pediu ao árbitro que marcasse
¯  “+K“
(e do estádio tiveram
de sair os portugueses
em carrinhas da polícia)

Saber quem sairia para Eusébio entrar continuou sem ser ques-
Y§TSTXOTLTXIFXRJNFXȁSFNXHTSYWFT7FUNI3FUWNRJNWFR§TSF
1Z_[NY·WNFUTWHTRLTQTXIJ(TQZSF…LZFXJ(F[­R„XF±IF
ITJXY¥INTOTLFITWJXFZXYW±FHTXUWTRJYJWFRo[NSLFWF[JWLTSMF
ƉJSNSLZ­RUJWHJGJZIJVZJ[JWLTSMFKFQF[FR Cavém beija a taça, José Águas (ao centro) e Mário Coluna (dir. )

;JWLTSMF KTN T VZJ FHTSYJHJZ  INFX IJUTNX ST <NJSJW 8YF- Chamaram-se reforços, vieram guardas e carros do exército arma-
INTS&TXRNSZYTX…LZFXKJ_&TX8PTHNPJRUFYTZ3T ITXHTRRJYWFQMFITWFX(TRTTFZYTHFWWTVZJQJ[FWFT'JSȁHF
¾QYNRTRNSZYT8PTHNPHFNZSF¥WJF7JLNSFQI1JFKJRFSITZXJLZNW fora quase destruído pela chuva de pedras, a comitiva teve de ir ao
'­QF,ZYYRFSSU¸XFXR§TX¤HFGJ«FUWJXXJSYNSITFJ]UQTX§TIF monte nas carrinhas da polícia.
NWF/TX­…LZFXYFRG­RƉHTWWJZUFWFT¥WGNYWTJXZUQNHTZQMJVZJ
FXXNSFQFXXJLWFSIJUJSFQNIFIJHTSYWFT'JSȁHFVZJRFNXZRLTQT &UJXFW IJ YZIT ¤ RJNFSTNYJ TX GJSȁVZNXYFX WJXTQ[JWFR NW
S§TYJWNFVZFQVZJWJKJNYTSFJQNRNSFY·WNFRFX1JFKJWJXUTSIJZVZJ FT GFSVZJYJ VZJ JWF YWFINHNTSFQ IJUTNX IJ YTIFX FX UFWYNIFX
S§TVZJS§TKTWFSFIF8PTHNPIJUTNXIJZRXTHTFZRGJSȁVZNX- IF9F«FITX(FRUJ¹JX*ZWTUJZX3§TJSHTSYWFWFR¤RJXFIF
YFUFWFFGWNWHFRNSMTFLWJINZT¥WGNYWTFUTSYFU­ƉJQJIJZTOTLT HTSKWFYJWSN_F«§T TX FI[JWX¥WNTX IJN]FWFR WJHFIT IJ VZJ ST
UTWYJWRNSFITKZLNZUFWFFXHFGNSFXFHTSXJQMTZTXGJSȁVZNXYFX INFXJLZNSYJYJWNFRIJNWYWFGFQMFWƉJS§TJWF[JWIFIJJWFRO¥
FKF_JWJRTRJXRT YTITXGJRUWTȁXXNTSFNXYFQ[J_YTITXLFSMFXXJRO¥STKZYJGTQ
RFNXITVZJTXUTWYZLZJXJX
*XUJHYFITWJXXFQYFWFRIFXGFSHFIFXWFXLFWFRFXWJIJXIJX-
RTSYFWFRTRTXYWFITWITWJQ·LNTFWWFSHFWFRHFIJNWFXJUWJHNUN- *ZX­GNTKJ_TJ]FRJIFVZFWYFHQFXXJVZJXJJ]NLNFFTXOTLFIT-
YFWFRXJUFWFTXGFQSJ¥WNTXTSIJTXUTWYZLZJXJXXJGFWWNHFWFR WJXIJKZYJGTQ JHTRNXXTȁHTZXJRQFVZJNTFVZJXY§TGZWTHW¥YNHF
4Z[NWFRXJLWNYTX[NIWTXFJXYNQMF«FWJRXJUTSYFU­XSFUTWYFƉJ IFXZFYWFSXKJW®SHNFƉRFXFHFIFINFVZJUFXXF[FRFNXJQJXJ
/TX­&ZLZXYTHTSYTZT FGWNFJRI¾[NIFXJIJXHTSHJWYTX

— Lá dentro tínhamos martelos, ferros de bater nos pitons, as — As notícias nos jornais desorientavam-me, desesperavam-me.
navalhas de raspar as pernas. Estávamos preparados para rece- 2FXKZWNTXTȁVZJNFTXFGJWVZJFY­YJQJKTSFWFR¤RNSMFR§JKF_JS-
bê-los. Os primeiros a entrar caíam. Depois era uma avalancha. ITXJUFXXFWUTWRNRUWTHZWFSITHTS[JSH®QFFYNWFWRJIF1Z_

146 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


YWFIFUFWFTWJQ[FITIT<FSPITWKXYFINTSFYNWTZSZRRZWR¾WNTFT
Cavém deixou crescer a barba XJZRFXXFLNXYF
por causa de um sonho
Ɖ*XYJOTLTS§TTLFSMFWJRTXS·XTXM¾SLFWTXYJRTXRFQIN«§T
e Kocsis entrou no Wankdorf FVZN
com a maldição do Mundial
+NQMTIZRHFWUNSYJNWTVZJKTWFTUWNRJNWTIJKJXFM¾SLFWTFFYWJ
de 1954 na cabeça [JWXJFNW¤¥WJFHTSYW¥WNFXJRUWJVZJMF[NFZRHFSYTRFWHFSIT
FXXNR [¥WNTX LTQTX JR HFGJ«FIFX KZQRNSFSYJX Ɖ 8FSITW 0THXNX
(TR T 'JSȁHF J T 8UTWYNSL JR LZJWWF FHJXF T +( 5TWYT MJWITZITUFNTOJNYT JWJȁSTZT1FS«TZXJFTKZYJGTQST0TGFS
IJHQFWTZXJ XTWWFYJNWT oNLZFQRJSYJ NSYJWJXXFIT SF HTSYWFYF ^FNƉJFTXFSTXO¥OTLF[FST+JWJSH[¥WTX(FRUJ§TIF-ZS
«§TƉRFX*QNXFRFSYJ[JXJNSYWFSXNLJSYJ*ZX­GNTYFRG­R LWNFHTR(_NGTWFXJZQFITƉFTHMJLFWQMJXFNIFIJIJNW¤YWTUF
TGWNLFWFRSTXFFRGTXFRZIFWJRXJUFWFT-TS[JI,FSMTZF
Ɖ4ZT'JSȁHFTZSFIF RJIFQMFIJTZWTSTX/TLTX4Q±RUNHTXIJ-JQX±SVZNFƉJST2ZS
INFQIJJRHNSHTOTLTXKJ_LTQTX RJQMTWR­INFSNSLZ­RYJR
*FIJRFNTIJWJHJGJSITHMJVZJIJHTSYTX FNSIFMTOJ
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KJ_YTITTNRGW·LQNTHTSYTXIF[FRUFWFFHTRUWFIJIZFX KZYJGTQNXYFITRZSITFOTLFWIJHFGJ«FƉZRFIJUYTIT-TS[JI
RTWFINFXSF1NSMFIJ(FXHFNXƉJXJYJINFXFU·XFWJHJ«§TIF VZNXTKJWJHJWQMJZRHFWWTST[TVZJTLT[JWSTQMJJSYWJLFWFS§TT
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IFJ-TRJSFLJR¤*VZNUFVZJUFWYNFUFWFFȁSFQIF9F«FITX JWFRFOTWJQJJWFHFUNY§TIJNSKFSYFWNF FQN¥XS§TS§TJWFRSFIFINX
(FRUJ¹JX HTSYWF T 'FWHJQTSF VZJ JQNRNSFWF T -FRGZWLT IJ XTƉJWFRFUJSFXKZYJGTQNXYFXFXJXYWJQFXIFJVZNUFITXRNQNYFWJXƓ
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4NYTINFXFSYJXIFȁSFQT'JSȁHFRTSYTZVZFWYJQLJSJWFQJR ITTHFXYNLTVZJF+.+&QMJXNRU¸X5ZXPFXKTNUFWFT7JFQ0THXNX
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HFRUJ§RZSINFQJR GFYJSITXZWUWJJSIJSYJRJSYJF-ZS ITW0THXNXUFXXTZKZLF_UTWYWJNSFITWST-­WHZQJXQFWLTZTUFWF
LWNFSTXJZ)WJFR9JFR*WF[NQF_NSMFVZJKF_NFQJRGWFW8NSYWFƉJ YWFYFWIZRWJXYFZWFSYJVZJFGWNZJR'FWHJQTSFIFSITQMJTSTRJ
SF UFHFYJ_ IT XJZ VZFWYT T UWJXNIJSYJ 2FZW±HNT ;NJNWF IJ 'WNYT IJ9®YJIx4W5WTGQJRFIJHNWHZQF«§TQJ[TZT¤FRUZYF«§TIJZRF
JXHWJ[JZITNXINXHZWXTXUFWFTGFSVZJYJIJJSHJWWFRJSYTZRIJ UJWSFƉYFQHTRTXZHJIJWFF5J^WTYJT)JUTNXINFLSTXYNHFWFRQMJ
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ƉƓUTWVZJJRXTSMTXRJFUFWJHJZZRFȁLZWFXNRU¥YNHFRJNF ITMTXUNYFQTSIJTYNSMFRNSYJWSFIT*XUWJNYFWFRUFWFGFN]T[NWFR
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&NSIFRFNXXZUJWXYNHNTXTYFQ[J_YJSMFXNIT8FSITW0THXNX¤JS HTSMJHJWTXU¥XXFWTXJSVZFSYTOTLF[FKZYJGTQ

147
— Azar assim, bem distribuído, dava para perder 10 jogos segui-
Coluna fez golo dos. Se houvesse um penálti para o Kubala marcar, mesmo que

de nariz partido (sem o saber..) não estivesse lá o Costa Pereira, haveria de aparecer um passari-
nho que levava a bola no bico...
e John Kennedy tirou
Lembrando as quatro bolas nos postes (ainda quadrados),
 +K“ Zóltan Czibor praguejou contra o destino:
na televisão
— Não volto a pisar este estádio maldito…

E o júbilo vermelho estragou o protocolo. A banda que se


No Wankdorf, o primeiro golo coube a Sandor Kocsis, aos perfilara para tocar o hino foi engolida pela turba que rom-
20 minutos. José Águas empatou aos 31, aos 32 Enrique pera com o seu entusiasmo os cordões de polícia. Em vez
Gensana colocou a bola na sua própria baliza — e aos 55, do hino tocado, na aparelhagem do estádio ouviu-se disco
um míssil de Mário Coluna fez o 3-1. Esse golo foi marcado português e o presidente da UEFA atirou, em desalinho, a
com a alma mais do que com o pé: com a procissão ainda Taça para as mãos de José Águas, o capitão que também foi
a sair do adro, a sua cabeça chocou com a de Foncho, de- o melhor marcador da prova com oito golos, mais três que
samparado caiu na relva. Não havia maca, teve de ser José José Augusto e Uwe Seeler
Águas a levá-lo, em braços, para fora do campo, onde Ha-
milton Marques o tratou durante cinco minutos. Voltou à liça Raul, o pai de José Águas, fora para Angola em busca de
em dor, mas sem saber que fraturara osso no nariz — e de horizontes mais largos e sonhos mais quentes — e nas vistas
nariz fraturado jogou Coluna mais de 70 minutos. começou a dar no boxe:

Esse seu golo — e o de Zoltán Czibor aos 75 (o que fechou — Era amador, mas dos bons, batia-se bem, até com estrangeiros.
o placard em 3-2) já se não viu em direto na televisão. Ken-
nedy acabara de aterrar em Paris, a TV francesa que estava Morreu cedo, porém — por um cruel capricho do destino:
responsável pela transmissão de Berna ao intervalo puxou numa festa de aniversário da fábrica de açúcar da Catum-
as imagens de JFK em direto para o sinal da Eurovisão e só bela, fez-se competição de jogo da corda — e tendo-se ex-
depois, em diferido, se passou a segunda parte — a parte cedido mais do que podia acabou levado de urgência para
da heróica resistência benfiquista que levou Costa Pereira à o hospital, fatal foi a hemorragia interna que sofrera. Zeca,
revelação em clamor: o filho que nascera em Luanda, ainda não tinha quatro anos
— para o criar (a ele e aos três irmãos) a mãe passou a la-
— Tive um trabalho horrível, acho que só não defendi com os den- var a roupa dos navios que ancoravam no Lobito. Disso fez
tes. negócio que cresceu, pelo caminho também abriu casa que
recebia hóspedes, servia refeições:
A manchete da Marca era: «Houve bruxas em Wankdorf» —
Enrique Orizaola, que saltara de adjunto de Ljubisa Brocic para — A minha mãe achava-me menino fraco de mais para aquelas
treinador principal do Barça, pôs poesia no desencanto: andanças — e não queria que a má sorte voltasse a atacar-nos

148 CHAMPIONS A HISTÓRIA COMO NUNCA SE CONTOU


2¥WNT(TQZSFOTLTZLWFSIJUFWYJIFȁSFQIJ'JWSFHTRTSFWN_KWFYZWFITHTNXFUTZHFUFWFJQJVZJS§TTNRUJINWNFIJFTXRNSZYTX
JRGWZYFQUTSYFU­KF_JWTYJWHJNWTLTQTIT'JSȁHF

cruel, era o que mais temia — e, por isso, só aos 15 anos me deixou equipa e ele correu a colá-lo na parede do seu quarto. Achou
calçar pela primeira vez umas botas de futebol. que não bastava, comprou outro — e pendurou-o no escritório
onde trabalhava. Dias depois, a digressão de mês e meio que
Por essa altura teve de ir trabalhar para dar ajuda à família. JXXJ 'JSȁHF JXYF[F F KF_JW UTW &SLTQF 2T«FRGNVZJ 9WFSX-
Empregou-se como dactilógrafo na Casa Robson Hudson, em- [FFQJ(TSLT'JQLFUFXXTZUJQT1TGNYTUFWFOTLTVZJQMJRFW-
UWJXF IJ [JSIF IJ FZYTR·[JNX J KTN SF JVZNUF IF ȁWRF VZJ HTZTIJXYNST&XJQJ«§TIF-Z±QFLFSMTZFT'JSȁHFUTWJ
começou a jogar. O jeito não lhe estava apenas no futebol, tam- José Águas marcou dois golos, um deles levou a que se ouvisse
bém estava nas corridas e nos saltos (e no voleibol e no pingue- de Ted Smith:
-pongue). O destino, porém, voltou a pregar terrível partida à
família Águas: uma meningite matou-lhe Aníbal, o irmão: Ɖ:RLTQTFXXNR­YWFYFITIJKZYJGTQIJȁSJFGNYTQFIJZROT-
gador!
— Jogava muito melhor do que eu.
E, no fim do jogo, pediu-lhe que passasse pelo hotel do
E, aos 17 anos, morreu-lhe a mãe: Benfica, para uma conversa. O FC Porto tinha-o convidado
a testes na Constituição — e da conversa do hotel saiu José
— … de coração cansado. Águas com o casaco de benfiquista que Ted Smith lhe deu.
5TW XJW FT HTSYW¥WNT IT YWJNSFITW KWFS_NST KNHTZ HQFWT F
Tinha dois ídolos, o Rogério e o Julinho — e após a vitória do nadar dentro dele — mas com ele seguiu a caminho do seu
'JSȁHFSF9F«F1FYNSFOTWSFQFSLTQFSTUZGQNHTZUTXYJWHTRF futuro…

149
CHAMPIONS
A HISTÓRIA
COMO NUNCA
SE CONTOU
(mesmo quando não se chamava assim)

VOLUME I
De antes da origem a 1961
Treinador do Barcelona falou da derrota
através de um passarinho com a bola no
 b +K“ “ 
e Neto acabou a vender peixe na praça

„9F«FITX(FRUJ¹JXSTGFQSJ¥WNTJSHMJWFRSFTXGJSȁVZNXYFXIJHMFRUFSMJ
2FZW±HNT ;NJNWF IJ 'WNYT T UWJXNIJSYJ JWF VZJR UWNRJNWT IJ[JWNF GJGJW SJQF 9WJ-
RJWFRQMJFXR§TXGFLFXIJXZTWRFSFWFRQMJIFKWTSYJIJXKFQJHJZIJJRT«§T

)JSYWTITHFRUTZRITXoMJW·NXIFWJXNXY®SHNFKTWF3JYTƉJS§TMF[NFVZJR
S§T T WJHTSMJHJXXJ FUFLFWF UTW HTRUQJYT F HMFRF IT KZYJGTQ HJWJGWFQ IJ 1Z±X
8ZFWJ_ J FNSIF YN[JWF F«§T ST  T LTQT SF UW·UWNF GFQN_F VZJ XJ HTSXNIJWTZ IJ
*SWNVZJ ,JSXFSF RFX VZJ UFWF RZNYF LJSYJ KTN IJ &SYTSN 7FRFQQJYX 2JSTX IJ
FSTXIJUTNXIJ'JWSF&'41&JSHTSYWTZTSTRJWHFITIT2TSYNOTUTWJSYWJ
JXHFRFX J LZJQWFX GFWGFYFSFX J ȁTX IJ XFSLZJ F [JSIJW UJN]J Ɖ J F 3JYT FUF-
SMTZXJQMJJRIJXFGFKTXNSFQITVZJJWFRFVZJQJXYJRUTXRJXRTUFWFVZJRJWF
TVZJJQJKTWF

— Ganhava-se pouco, três contos por mês. Só depois, quando o Sporting passou a pagar
VZFYWT­VZJT'JSȁHFKTNFYW¥X5TNX­RJXRT[JWIFIJ[JWIFINSMFKTRTXHFRUJ¹JXIF
Europa, vivendo a três ou quatro contos por mês e umas luvas quando se assinavam os
HTSYWFYTXVZJFLTWFFY­KF_JRWNW3TRJZUWNRJNWTKTWFRHTSYTXFXQZ[FXƉJRJXRT
FXXNRHTSXJLZNZXJIN[NINWTXHTSYTXJRUWJXYF«¹JXVZJKZNWJHJGJSITIJYW®XJRYW®X
meses.

3§TO¥S§TJWFFXXNRUFWFYTITXƉJR[J_ITXHTSYTXVZJUJSXFWF'­QF,ZYY-
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151
RONDA PRÉVIA
(Hearts Of Midlothian FC (Escócia) –'JSȁHF (Portugal)
1 – 2 // 0 – 3
Estrela Vermelha de Belgrado (Jug.) – :OUJXYN)T_XF (Hungria)
1 – 2 // 0 – 3
+WJIWNPXYFI+0 (Noruega) – Ajax (Holanda)
4 – 3 // 0 – 0
Aarhus (Dinamarca) – Legia Warszawa (Polónia) QUARTOS DE FINAL
3 – 0 // 0 – 1
Juventus (Itália) – CDNA Sofyia (Bulgária) 'JSȁHF(Portugal) – Aarhus (Dinamarca)
2 – 0 // 1 – 4 3 – 1 // 4 – 1
HIFK Helsinki (Finlândia) – 2FQRº (Suécia) 7FUNI<NJS (Áustria) – Malmö (Suécia)
1 – 3 // 1 – 2 2 – 0 // 2 – 0
7FUNI<NJS ÉXVWULD ²%HüLNWDV 7XUTXLD Burnley FC (Inglaterra) – -FRGZWLT (RFA)
4 – 0 // 0 – 1 3 – 1 // 1 – 4
Limerick (Irlanda) – >TZSL'T^X (Suíça) 'FWHJQTSF(España) – Spartak Hradec Králové (Che.)
0 – 5 // 2 – 4 4 – 0 // 1 – 1
8YFIJIJ7JNRX )U ²/D-HXQHVVH'·(VFK /X[
6 – 1 // 5 – 0
'FWHJQTSF (Espanha) – Lierse SK (Bélgica)
2 – 0 // 3 – 0

OITAVOS DE FINAL MEIAS-FINAIS


'JSȁHF (Portugal) – Ujpesti Dozsa (Hungría) 'JSȁHF (Portugal) – Rapid Wien (Áustria)
6 – 2 // 1 – 2 3 – 0 // 1 – 1
&FWMZX (Dinamarca) – Fredrikstad FK (Noruega) 'FWHJQTSF (Espanha) – Hamburgo (RFA)
3 – 0 // 1 – 0 1 – 0 // 1 – 2 // 1 – 0
2FQRº (Suécia) – CDNA Sofyia (Bulgária)
1 – 0 // 1 – 1 MELHORES MARCADORES
7FUNI<NJS (Áustria) –Wismut Karl-Marx-Stadt (RDA)
3 – 1 // 0 – 2 // 1 – 0 -RVpÉJXDV %HQÀFD
LTQTX OTLTX
Young Boys (Suíça) – -FRGZWLT (RFA)
Uwe Seeler (Hamburgo)
0 – 5 // 3 – 3 LTQTX OTLTX
'ZWSQJ^+( (Inglaterra) – Stade de Reims (França) -RVp$XJXVWR %HQÀFD
2 – 0 // 2 – 3 LTQTX OTLTX
Evaristo Macedo (Barcelona)
8UFWYFP-WFIJH0W¥QT[­ (Chec.) – Panathinaikos (Grécia)
LTQTX OTLTX
1 – 0 // 0 – 0 Klaus Sturmer (Hamburgo)
Real Madrid CF (Espanha) – 'FWHJQTSF(Espanha) LTQTX OTLTX
2 – 2 // 1 – 2
FINAL
Taça dos Campeões Europeus 1960/61

3 )LUÄJH

2 )HYJLSVUH
Final
31 de maio de 1961

Estádio de Wankdorf, Berna.


Árbitro: Gottfried Dienst (Suíça).

BENFICA: Costa Pereira; Mário João, Germano


Figueiredo e Ângelo Martins; Neto e Fernando
Cruz; José Augusto, Joaquim Santana, José
Águas (cap.), Mário Coluna e Domiciano Cavém.

Treinador: Béla Guttmann.

BARCELONA: Antonio Ramallets (cap.); Foncho


Rodríguez, Enrique Gensana e Sigfrido Gracia;
Martín Vergés e Jesús Garay; Laszlo Kubala,
Sándor Kocsis, Evaristo de Macedo, Luis Suárez
e Zoltán Czibor

Treinador: Enrique Orizaola.

Marcadores: 0-1, Kocsis (20). 1-1, Águas (30). 2-1,


Gensana (32, pb); 3-1, Coluna (55). 3-2, Czibor (75).

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