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A Guerra do Paraguai (1865-1870) foi

CARTAS DA o maior conflito internacional vivido


na América do Sul. As dramáticas

GUERRA dimensões da destruição humana e


material por ela provocada marcaram

BENJAMIN CONSTANT NA definitivamente os povos dos países


envolvidos. Entre centenas de milhares
CAMPANHA 00 PARAGUAI
de combatentes que dela participaram,
estava o então capitão Benjamin
Constant.
Também professor de matemática
em escolas civis e militares, pioneiro e
um dos mais importantes divulgadores
da filosofia positivista no Brasil,
Benjamin Constant seria o principal
organizador do movimento militar
que depôs a monarquia em 1889.
No Governo Provisório republicano,
ocuparia as pastas da Guerra e da
Instrução Pública, Correios e
Telégrafos. Morto em janeiro de 1891,
os membros da Assembleia Nacional
Constituinte, então reunida, lhe
concederiam o título de "Fundador
da República".

No relativamente curto período de


um ano (1866-1867) em que participou
da Campanha do Paraguai, Benjamin
Constant viveu situações que indicam
o grau de profundidade da experiência
com a guerra. É esta experiência,
em seus vários matizes - emocional,
militar, político etc. -, que este livro
apresenta registrada em cartas
enviadas e recebidas por ele.
Renato Luís do Couto Neto e Lemos,
nascido em 1951, é professor
do Departamento de História da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Foi pesquisador do Centro
de Pesquisa e Documentação em
História do Brasil Contemporâneo
(CPDOC), do Museu da República
e do Museu Casa de Benjamin
Constant. Publicou artigos em
revistas especializadas e de
divulgação, verbetes no Dicionário
Histórico-Biográfíco Brasileiro,
1930-1983 (FINEP/Forense-Universi-
tária, 1984, 4 v.), com cuja atualização
colabora atualmente, e capítulos no
livro A República na velha província
(Rio Fundo, 1989). É autor de
Benjamin Constant - vida e história
(Topbooks, 1999).
CARTAS DA
GUERRA
B E N J A M I N C O N S T A N T NA
C A M P A N H A DO P A R A G U A I

TRANSCRIÇÃO, ORGANIZAÇÃO E INTRODUÇÃO

Renato Lemos

REALIZAÇÃO

I P H A N - 6" S u p e r i n t e n d ê n c i a Regional
989.205 Constant. Benjamin, 1836-1891.
c757c Cartas da G u e r r a : Benjamin
Constant na Campanha do
Parafluai/Transcriçào, organização
e i n t r o d u ç ã o Renato Lemos. -
Rio de Janeiro: ! P H A N / 6 , S R /
Museu Casa de Benjamin
Constant.1999.

220p.

1.Constant. Benjamin, 1836-1891-


C o r r e s p o n d è n c i a 2.Paraguai,
G u e r r a do,1864-1870
I.Lemos, Renato ILTitulo
Nada mais tentio a dizer senão
que tenho cada vez mais saudade
dc ti e que desejo que esta maldita
guerra se acabe quanto antes.
M i n i s t é r i o da Cultura
Francisco Weffort

S e c r e t a r i a do Patrimônio
Museus e Artes Plásticas
Octávio Elísio Alves de Brito

I n s l i l u t o do Patrimônio Hislórico
e Artístico Nacional - IPHAN
Carlos Henrique Heck

IPHAN
6^ S u p e i i n t o n d ê n c i a Regional
J o s é Simões de Belmont Pessoa

M u s e u C a s a de B e n j a m i n Ojnslant
F á t i m a Beviláqua Contursi

A s s o c i a ç ã o de A m i g o s do M u s e u
C a s a de B e n j a m i n (Constant

Presidente
Renato Lemos
Diretor Secretário
Anna Acker
Diretor Tesoureiro

Affonso Escobar B e v i l á q u a

Agradecimentos

B á r b a r a Rocha
Izolete Raisson
Mónica da Costa
In m e m o r i a n
Hercília Canosa Vianna

Capa e projeto gráfico


Marcos Martins Design
Ana Mannarino e Marcos Martins fotos da capa e 4''capa

Benjamin Constant, 2 de setembro de 1866.


Revisão Tiradas por ocasião de sua pai-tida para a
Nana Vaz de Castro guerra do Paraguai.
S e g u i n d o a sua filosofia de incentivo a projetos de alto v a l o r c u l t u r a l ,
a Petrobras tem deixado a sua m a r c a em suas mais d i v e r s a s á r e a s .

A r e c u p e r a ç ã o e a m a n u t e n ç ã o de acervos documentais tem sido uma


das l i n h a s p r i o r i t á r i a s de a t u a ç ã o da P e t r o b r a s , uma vez que, como
empresa b r a s i l e i r a , tem a responsabilidade de p r e s e r v a r e d i v u l g a r a
m e m ó r i a nacional.

A s s i m , investindo na f o r m a ç ã o cultural do povo brasileiro, pelo conhe-


cimento da h i s t ó r i a do seu p a í s , reitera seu compromisso com todos os
segmentos da sociedade, p r o m o v e n d o o desenvolvimento do B r a s i l .

Portanto, patrocinar a p r e s e r v a ç ã o do A c e r v o Documental da C o l e ç ã o


B e n j a m i n Constant, tendo como um dos produtos do projeto a publi-
c a ç ã o das Cartas da Guerra: Benjamin Constant na Campantia do
Paraguai, v e m a p e n a s r e f o r ç a r o c o m p r o m i s s o da P e t r o b r a s c o m o
p a t r i m ô n i o cultural.

PETROBRAS
Sumário

5 Apresentação

11 Introdução

18 Nota do autor

Cartas

21 Marciano para Benjamin Constant, 13 de julho de 1865.

22 Marciano para Benjamin Constant, sem data.

22 Fragmento de bilhete escrito por Benjamin Constant às v é s p e r a s


de embarcar para o Paraguai.

23 Benjamin Conslant para Maria Joaquina, 5 de setembro de 1866.

27 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 7 de setembro de lf!66.

31 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 13 de setembro de 1ÍÍ66.

35 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 25 de setembro de 1866.

45 Benjamin Constanl para Maria Joaquina, 3 de outubro de 1866.

48 Benjamin Constanl para ( J á u d i o Luís da Costa, 3 de outubro de 1866.

51 Benjamin Cimstant para Maria Joaquina, 6 de outubro de 1866.

52 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 3t) de outubro de 1866.

56 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 1" de novembro de 1866.

58 Benjamin Constant para ( J á u d i o Luís da (Josta, 1° de novembro de 1866.

60 Benjamin Constant para Maria .Joaquina, 3 de novembro de 1866.

61 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 17 de novembro de 1866.

7
63 Benjamin Constant para C l á u d i o Luís da Costa, 29 de novembro de 1866.

65 Benjamin Constant para C l á u d i o Luís da Costa, 12 de dezembro de 1866.

66 Benjamin Constant para Maria .Joaquina, 13 de dezembro de 1866.

70 Benjamin Constant para Maria .Joaquina, 19 de dezembro de 1866.

74 Benjamin O m s t a n t para C l á u d i o Luís da (!osta, 22 de dezembro de 1866.

79 Benjamin Constant para Maria .Joaquina, sem data.

81 Benjamin Conslant para Maria Joaquina, 25 dezembro de 1866.

85 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 31 de dezembro de 1866.

88 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 1" de janeiro de 1867.

90 Marciano para Benjamin Constant, 21 de janeiro de 1867.

90 Benjamin Constant para ( J á u d i o Luís da Costa, 23 de janeiro de 1867.

94 Benjamin Constant para Evaristo Xavier da Veiga, 26 de janeiro de 1867.

95 Benjamin (!onstant para Maria Joaquina, 3 de fevereiro de lí!67.

98 Benjamin (Constant para Maria Joac)uina, 8 de fevereiro de 1867.

100 Benjamin (Jonstant para Maria Joaquina, l e v c r c í r o de 1867.

103 Benjamin (Jonstant para Maria .Joaquina, 20 de fevereiro de 1867.

110 Benjamin C^onstant para Maria .Joaciuina, 26 de fevereiro de 1867.

113 Marciano para Benjamin (Constant, 2 de m a r ç o de 1867.

115 Benjamin (.'onstant para Maria .Joaquina, 9 de | . . . | de 1867.

117 Benjamin Constant para ( J á u d i o Luís da Costa, 5 de m a r ç o de 1867.

118 Benjamin Constant para ( J á u d i o Luís da (^osta, fragmento sem data.

123 Benjamin Conslant para Maria Joaquina, 6 de m a r ç o de 1867.

127 Benjamin Constant para ( J á u d i o Luís da Costa, 7 de m a r ç o de 1867.

130 Benjamin Constanl para Maria Joaquina, 20 de m a r ç o de 1867.

134 Benjamin Constant para ( J á u d i o Luís da (^osta, 23 de m a r ç o dc 1867.

136 Benjamin Constant para Maria .Joaquina, 29 de m a r ç o de 1867.

139 Benjamin ("onstant para Maria Joaquina, 31 de m a r ç o de 1867.

141 Benjamin (Constant para (Jiláudio Luís da Costa, 2 de abril de 1867.


143 Benjamin (.'onstant para Maria Joaquina, 3 de abril de 1867.

147 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 5 de abril de 1867.

150 Benjamin Constant para ( J á u d i o Luis da (Josta, 5 de abril de 1867.

152 Benjainin Constanl para ( J á u d i o Luis da Costa, 11 de abril de 1867.

156 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 12 de abril de 1867.

159 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 16 de abril de 1867.

162 Benjamin Constant para ( J á u d i o Luis da Costa, 20 de abril de 1867.

164 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 1° de junlio de 1867.

167 Benjamin Conslant para Maria Joaquina, 5 de junho de 1867.

171 Benjamin Conslant para Maria Joaquina, 7 de junho de 1867.

180 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 24 de junho de 1867.

184 Benjamin (Conslant para Maria Joaquina, 30 de junho de 1867.

187 Benjamin Conslant para Maria Joaquina, 5 de julho de 1867.

189 Benjamin ("onstant para Maria Joaquina, 6 de julho de 1867.

190 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 7 de julho de 1867.

196 Benjamin Conslant para Maria Joaquina, 11 de julho de 1867.

198 Benjamin Constant para Maria Joaquina, 29 de agosto de 1867.

200 Á l v a r o .loaquim de Oliveira para Benjamin Constant, 2 de setembro de 1867.

201 Á l v a r o Joaquim de Oliveira para Benjamin Constant, sem data.

203 A n t ô n i o Valeriano da Silva Fialho ((JoroJ para Benjamin Constant,


25 de novembro de 1867.

204 Marciano para Benjamin Constant, 29 de m a r ç o de 1868.

206 Marciano para Benjamin Constant, 28 de abril de 1868.

209 Á l v a r o Joaquim de Oliveira para Benjamin Constant, 28 de maio de 1968.

211 Marciano para Benjamin Constanl, 30 de m a r ç o de 1869.

214 Cronologia sumária da Guerra do Paraguai

215 índice Remissivo


Benjamin C o n s l a n t

2 de setembro de 1866.
Tirada por ocasião de sua partida paru a (lucrra dn raraguai.

10
Introdução

A G u e r r a do P a r a g u a i (1865-1870), que o p ô s a Tríplice A l i a n ç a - for-


mada por A r g e n t i n a , B r a s i l e U r u g u a i - ao P a r a g u a i de Solano Lopez,
foi o maior conflito internacional na A m é r i c a do S u l . E v e n t o de dimen-
s õ e s d r a m á t i c a s em termos de d e s t r u i ç ã o humana e material, m a r c o u
em definitivo, ainda que de maneira desigual, os povos dos quatro p a í -
ses.' E n t r e centenas de m i l h a r e s de combatentes que dela p a r t i c i p a -
ram, um c a p i t ã o viria a tornar-se importante personagem na h i s t ó r i a do
B r a s i l : Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s , nascido em 9 de feve-
reiro de 1937, em N i t e r ó i , e n t ã o capital da p r o v í n c i a do Rio de J a n e i r o .
C o m o oficial do E x é r c i t o , B e n j a m i n Constant chegou, na c a r r e i r a ,
à patente de tenente-coronel e, por f o r ç a de uma p r o m o ç ã o p o l í t i c a
logo a p ó s a i n s t a u r a ç ã o da r e p ú b l i c a no p a í s , à de general-de-brigada.
Professor de m a t e m á t i c a em escolas c i v i s e m i l i t a r e s , pioneiro e um
dos mais importantes divulgadores da filosofia positivista no B r a s i l ,
foi o p r i n c i p a l organizador do movimento militar que d e p ô s a monar-
quia em 1889. Instalado o G o v e r n o P r o v i s ó r i o republicano, ocupou o
l u g a r de s e g u n d o v i c e - p r e s i d e n t e e, s u c e s s i v a m e n t e , as p a s t a s da
G u e r r a e da I n s t r u ç ã o P ú b l i c a , C o r r e i o s e T e l é g r a f o s . M o r t o em 22 de
j a n e i r o de 1891, os m e m b r o s da A s s e m b l e i a N a c i o n a l C o n s t i t u i n t e ,
e n t ã o reunida, lhe concederam o título de " F u n d a d o r da R e p ú b l i c a " .
Sua passagem pela G u e r r a do P a r a g u a i foi relativamente c u r t a e
pouco e x p r e s s i v a do ponto de vista militar. C o n v o c a d o em 25 de agos-
to de 1866, p a r t i u u m a s e m a n a depois c o m seu i r m ã o . M a r c i a n o
A u g u s t o Botelho de M a g a l h ã e s , em d i r e ç ã o a Montevideu, onde che-
gou no dia 13 de setembro." Na capital uruguaia, recusou uma f u n ç ã o
a d m i n i s t r a t i v a , alegando desejar c u m p r i r a m i s s ã o para a qual fora
designado: lutar. D e i x o u o i r m ã o na cidade e seguiu para a A r g e n t i n a ,

Para uma fonte atualizada e diversificada sobre a G u e r r a do Paraguai, consultar Maria


Eduarda C . M. Marques (org.). A ílucira do l'íímguui, 130 anos depois. 2 "ed. Rio de Janeiro:
R e l u m e - D u m a r á , 1995.
I n f o r m a ç õ e s mais detalhadas s o b r e esta e as p a s s a g e n s seguintes podem s e r e n c o n -
t r a d a s e m R e n a t o L e m o s . Benjamin Constant - vida c história. R i o de J a n e i r o :
Topbooks, 1999.
chegando em C o r r i e n t e s a 2 de outubro. Dois dias depois j á estava no
C a p ã o do Pires, p r ó x i m o a Tuiuti, em t e r r i t ó r i o paraguaio.
Na p r i m e i r a m i s s ã o que recebeu, atuou na fiscalização dos forneci-
mentos. Integrou-se, em seguida, à C o m i s s ã o de E n g e n h e i r o s , sendo
i n c u m b i d o de a b r i r t r i n c h e i r a s nas linhas a v a n ç a d a s de Tuiuti. Nesta
o c a s i ã o s u r g i r a m - l h e os p r i m e i r o s s i n t o m a s de m a l á r i a . De volta a
C o r r i e n t e s p a r a o r g a n i z a r a r e m e s s a de g r a n d e quantidade de p e ç a s
militares para o campo de o p e r a ç õ e s , teve a d o e n ç a a g r a v a d a a ponto
de o terem considerado em r i s c o de vida. A s s i m mesmo, participou da
r e p r e s s ã o a um levante de c o r r e n t i n o s contra as tropas b r a s i l e i r a s .
Novamente em Tuiuti, c o n c l u i u a c o n s t r u ç ã o de t r i n c h e i r a s um m ê s
e meio depois. C o m o r e c o n h e c i m e n t o da qualidade de seu trabalho,
foi efetivado n a C o m i s s ã o de E n g e n h e i r o s . D e s i g n a d o p a r a fazer o
b a l a n ç o dos d e p ó s i t o s de m a t e r i a l b é l i c o do E x é r c i t o em Tuiuti, n ã o
chegou a executar totalmente a tarefa, pois recebeu ordem de m a r c h a r
p a r a T u i u c u ê com a m i s s ã o de efetuar o levantamento das plantas de
estradas, apontando o melhor roteiro para as tropas. A s difíceis cir-
c u n s t â n c i a s em que t r a b a l h o u p i o r a r a m suas c o n d i ç õ e s de s a ú d e .
P r e s s i o n a d o pela d o e n ç a e pela e s p o s a , M a r i a J o a q u i n a , que foi ao
P a r a g u a i com o p r o p ó s i t o de b u s c á - l o , obteve l i c e n ç a p a r a tratar-se
no R i o de J a n e i r o , deixando o campo de o p e r a ç õ e s nos p r i m e i r o s dias
de setembro de 1867.
Durante o tempo em que participou do e s f o r ç o de guerra, Benjamin
C o n s t a n t se c o r r e s p o n d e u com algumas pessoas, entre as quais sua
esposa, seu sogro (o m é d i c o C l á u d i o Luís da Costa), seu i r m ã o e ami-
gos muito p r ó x i m o s . A s cartas que c o m p õ e m este livro n ã o represen-
t a m a totalidade d e s s a c o r r e s p o n d ê n c i a . A n u m e r a ç ã o presente em
algumas delas, assim como a n o t a ç õ e s de M a r i a J o a q u i n a , indicam que
v á r i a s se t e r ã o perdido ao longo do tempo. É pouco p r o v á v e l que o
e x t r a v i o tenha o c o r r i d o a p ó s a morte de B e n j a m i n Constant, j á que
R a i m u n d o T e i x e i r a Mendes, que logo em seguida teve livre acesso a
elas p a r a e s c r e v e r sua p r i m e i r a b i o g r a f i a ^ n ã o t r a n s c r e v e u ou men-
cionou qualquer c a r t a hoje inexistente. T a m b é m a maior parte da sua
c o r r e s p o n d ê n c i a p a s s i v a desse p e r í o d o n ã o foi localizada.

Benjamin Constant, esboço de uma apreciação da vida e da obra do Fundador da


República Brasileira. R i o de J a n e i r o : A p o s t o l a d o Positivista do B r a s i l , 1892 (v. 1) e
1894 (v. 2, Peças justificativas).
A s perdas n ã o d i m i n u e m , p o r é m , a riqueza multifacetada do corpo
documental preservado. O fato de n ã o terem sido escritas para publica-
ç ã o faz dessas cartas, possivelmente, o p r i m e i r o conjunto deste tipo j á
publicado sobre a G u e r r a do P a r a g u a i . E s t a é uma importante caracte-
rística"* que as singulariza em face das fontes epistolares a t é agora aces-
s í v e i s ao p ú b l i c o - c o r r e s p o n d ê n c i a s oficiais ou c a r t a s isoladas.^
Distingue-se por isso t a m b é m de relatos c l á s s i c o s de natureza memo-
rialística, como os deixados por Taunay e D i o n í s i o Cerqueira'', escritos
p a r a a posteridade e c o m p r o m e t i d o s com outras conjunturas nacio-
nais.^ A p r o x i m a - s e , por outro lado, das fontes usadas pelo historiador
n o r t e - a m e r i c a n o Bell I . W i l e y na c o n s t r u ç ã o de n a r r a t i v a s da g u e r r a
civil nos E s t a d o s Unidos a partir da c o r r e s p o n d ê n c i a p r i v a d a de sol-
dados confederados e unionistas.**
C o m o registro da e x p e r i ê n c i a humana, essas cartas s ã o uma porta
de entrada nesta totalidade resultante de i n ú m e r o s vetores individuais
e c o l e t i v o s : um h o m e m e s u a s c i r c u n s t â n c i a s , da i n t i m i d a d e à v i d a
p ú b l i c a . Resultam do olhar de um i n d i v í d u o no olho do f u r a c ã o , aonde
chegou por tortuosos c a m i n h o s subjetivos.
À é p o c a da c o n v o c a ç ã o de Benjamin Constant, as f o r ç a s aliadas se
r e c u p e r a v a m da batalha de Tuiuti (24/5/1866), da qual, apesar de vito-
riosas sobre as paraguaias, s a í r a m extremamente desgastadas, o que
as d e i x a r i a sem i n i c i a t i v a a t é setembro. No B r a s i l , a g u e r r a desperta-
v a m a n i f e s t a ç õ e s a p a i x o n a d a s de a p r o v a ç ã o e de repulsa. H a v i a , tam-
b é m , os que h e s i t a v a m . M a r c i a n o , p o r e x e m p l o , depois de a l g u m
tempo de alheamento, acabou por a d e r i r e, em c a r t a ao i r m ã o , de cuja

Cf. R i c h a r d Tuck, " H i s t ó r i a do p e n s a m e n t o p o l í t i c o " . In: Peter B u r k e (orçj.). A escri-


ta da liistória. Novas perspectivas. Trad. M a g d a L o p e s . S ã o Paulo: E d i t o r a d a
U n i v e r s i d a d e E s t a d u a l Paulista, 1992, p. 275.
Por e x e m p l o , a biografia do g e n e r a l J o s é A n t ô n i o C o r r ê a da C â m a r a em R i n a l d o
Pereira da ("amara. O general Câmara. Porto A l e g r e : L i v r a r i a O G l o b o , 1970, 2 v.
A l f r e d o d ' E s c r a g n o l l e Taunay. A retirada da Laguna. S ã o Paulo: M e l h o r a i n e n t o s , s.
d.; D i o n í s i o C e r q u e i r a . Reminiscências da Campanha do Paraguai. R i o de J a n e i r o :
Biblioteca do E x é r c i t o E d i t o r a , 1980.
Cf. R i c a r d o S a l l e s , " M e m ó r i u s de g u e r r a : G u e r r a do P a r a g u a i e n a r r a t i v a n a c i o -
nal". História, S ã o Paulo, v. 16, 1997, p. 138. A g r a d e ç o a este autor as r e f e r ê n c i a s da
nota seguinte.
R e s p e c t i v a m e n t e : The Lite of.Iohnny Reb. The Common Soldier ofthe Confederacy.
Baton Rouge: L o u i s i a n a State U n i v e r s i t y Press, 1993 (primeira e d i ç ã o em 1943) e The
Life ofBilly Yank. The Common Soldier of thc Union. B a t o n Rouge: L o u i s i a n a State
U n i v e r s i t y P r e s s , 1992 ( p r i m e i r a e d i ç ã o ein 1952).
a u t o r i z a ç ã o dependia por ser menor de idade, a n u n c i o u sua d e c i s ã o
de "tornar-se um b r a s i l e i r o " e e m b a r c a r p a r a o S u l .
Benjamin Constant t a m b é m teve um p e r í o d o de h e s i t a ç ã o . C o n s t a
que M a r i a J o a q u i n a , quando soube da c o n v o c a ç ã o , n ã o titubeou em
tentar reverter a ordem. Sem o conhecimento do marido, conseguiu uma
a u d i ê n c i a com o Imperador, que, informado da gravidade da s i t u a ç ã o
que a a u s ê n c i a do a r r i m o da família - esposa g r á v i d a , uma filha, um
i r m ã o , uma tia idosa - i m p l i c a r i a , acedeu em p o u p á - l o . Logo que foi
informado da atitude da esposa, contudo, Benjamin Constant t a m b é m
procurou D. Pedro I I , conseguindo que a c o n v o c a ç ã o fosse mantida.
A t é e n t ã o , torcera para n ã o ser convocado. Alegava que a participa-
ç ã o no conflito levaria seus dependentes à m i s é r i a . E s t a p o s i ç ã o lhe
valeu a classificação irónica de "neutro". Perdoou a iniciativa da mulher,
justificando-a por sua pouca idade, mas temeu ser tomado por covar-
de. Isto ajuda a entender a f r e q u ê n c i a com que, em cartas e em atos,
preocupava-se em afirmar seus dotes de b r a v u r a e temeridade diante
do inimigo, ainda que pondo a vida em risco. C o m o combatente, mos-
trou-se essencialmente envolvido pelo clima de patriotismo e pela febre
a n t i - L ó p e z que se d i s s e m i n a v a entre os brasileiros como elemento de
m o b i l i z a ç ã o nacional. Nunca questionou o m é r i t o da guerra, apenas a
o r i e n t a ç ã o que a ela i m p r i m i a m as elites militares e civis b r a s i l e i r a s .
Subjacente à v i s ã o que manifestava da g u e r r a , i m p u n h a - s e a sua
dupla c o n d i ç ã o como soldado-professor. Tendo ingressado na c a r r e i -
ra militar para completar os estudos e obter uma p r o f i s s ã o que mere-
cesse algum reconhecimento social, definia-se, j á no Paraguai, como
um militar sem v o c a ç ã o , cujo ideal de vida era trabalhar no m a g i s t é r i o
e dedicar-se à família. E s t e projeto reproduzia o roteiro de vida de seu
pai, oficial de baixa patente da M a r i n h a portuguesa que se radicou no
B r a s i l a p ó s a I n d e p e n d ê n c i a e conjugou a p r o f i s s ã o militar com a de
professor de p r i m e i r a s letras. A ú n i c a a l t e r a ç ã o essencial de rota se
explica pela necessidade que sentia de proteger a família da possibili-
dade de ficar na m i s é r i a no caso de sua morte. Por isso, se l i g a r i a a
i n ú m e r a s entidades de p r e v i d ê n c i a p r i v a d a e p ú b l i c a , chegando, mes-
mo, a fundar uma. Aliás, antes de ser convocado, Benjamin Constant
projetou e s c r e v e r um livro de m a t e m á t i c a e destinar o rendimento de
sua v e n d a ao asilo dos i n v á l i d o s de g u e r r a , s i t u a ç ã o em que, por uma
i r o n i a a m a r g a , se v e r i a ao r e t o r n a r doente ao B r a s i l , sem c o n d i ç õ e s
p a r a t r a b a l h a r e r e c u r s o s para tratar-se.
A s p r e o c u p a ç õ e s pessoais manifestadas nas cartas s ã o , da mesma
m a n e i r a que os j u í z o s sobre a g u e r r a , a e x p r e s s ã o do processo de defi-
n i ç ã o de um papel i n d i v i d u a l em meio a uma turbulenta q u a d r a nacio-
nal. A e x p e r i ê n c i a c o m as elites militares e p o l í t i c a s é filtrada por esse
movimento subjetivo. É o que transparece, por exemplo, no j u l g a m e n -
to que B e n j a m i n C o n s t a n t , c o m o seus amigos, fazia do M a r q u ê s de
C a x i a s , que c o m a n d o u as f o r ç a s b r a s i l e i r a s d u r a n t e sua estada no
P a r a g u a i . O j á c o n s a g r a d o l í d e r m i l i t a r teve seus m é r i t o s p r o f i s s i o -
nais, p o l í t i c o s e pessoais negados de m a n e i r a absoluta. C o v a r d e , i n -
competente, c o r r u p t o e c o r r u p t o r s ã o alguns dos e p í t e t o s que lhe s ã o
l a n ç a d o s nas p á g i n a s das cartas. A r a z ã o p a r t i c u l a r de tanta r e s i s t ê n -
cia a C a x i a s n ã o fica c l a r a , mas h á i n d i c a ç õ e s de que ela se deve, em
parte pelo menos, à i m p o r t â n c i a que B e n j a m i n Constant e seus ami-
gos, quase todos p o s i t i v i s t a s e de o r i g e m s o c i a l modesta, d a v a m ao
m é r i t o como c r i t é r i o de r e c o n h e c i m e n t o n u m a sociedade d o m i n a d a
pelo clientelismo. N ã o ser nomeado para uma vaga de professor dispu-
tada em concurso em que se classificou em primeiro lugar - o que ocor-
reu v á r i a s vezes no i n í c i o de s u a v i d a de professor - t i n h a o m e s m o
significado que ver o chefe da C o m i s s ã o de E n g e n h a r i a receber elo-
gios oficiais pelo trabalho nas t r i n c h e i r a s que ele, B e n j a m i n Constant,
r e a l i z a r a . Desse â n g u l o , n ã o e n c o n t r a v a em C a x i a s merecimento que
j u s t i f i c a s s e as altas p o s i ç õ e s que lhe e r a m oferecidas e o a c u s a v a de
n ã o r e c o n h e c e r o m é r i t o de quem se destacava no campo de batalha.
A l é m disso, d i s c o r d a v a r a d i c a l m e n t e do rumo que C a x i a s i m p r i m i a à
g u e r r a , atribuindo-lhe a cota maior de responsabilidade pelas nume-
rosas perdas h u m a n a s do E x é r c i t o b r a s i l e i r o .
C a x i a s , provavelmente, nunca tomou conhecimento dessas c r í t i c a s ,
que t r a n s c e n d e r i a m simbolicamente sua pessoa, projetando no futuro
um conflito entre o "Fundador da R e p ú b l i c a " e o "Patrono do E x é r c i t o " ,
t í t u l o que lhe s e r i a conferido em 1926. B e n j a m i n Constant, j á durante
a guerra, mas principalmente na d é c a d a de 1880, internalizou uma con-
c e p ç ã o de m i l i t a r - a do " s o l d a d o - c i d a d ã o " - , pela qual negava-se a
n o ç ã o de " o b e d i ê n c i a p a s s i v a " , fundamento da d i s c i p l i n a e da h i e r a r -
quia nas o r g a n i z a ç õ e s militares. O seu soldado era um c i d a d ã o farda-
do a quem n ã o se poderia r e c u s a r o direito de d i s c u s s ã o das ordens
recebidas. C a x i a s , por seu turno, veio a s i m b o l i z a r o oficial d i s c i p l i n a -
do e disciplinador, imagem que se t o r n o u adjetivo lexicografado:
Verbete: c a x i a s [Do antr. Caxias, do m i l i t a r e esta-
dista brasileiro Duque de C a x i a s (Luís A l v e s de L i m a
e Silva (1803-1880), patrono do Exército).] Adj. 2 g. e
2 n. e s. 2 g. e 2 n. Bras. Pop. 1. Diz-se de, ou pessoa
extremamente escrupulosa no cumprimento de suas
o b r i g a ç õ e s (...). 2. Diz-se de, ou pessoa que, no exer-
cício de sua f u n ç ã o , exige dos subordinados o m á x i -
mo rendimento no trabalho e extremado respeito à s
leis e aos regulamentos.''

A s o p i n i õ e s mais violentas sobre C a x i a s foram omitidas das cartas


t r a n s c r i t a s no segundo volume do livro de T e i x e i r a Mendes, c o n s t i t u í -
do de documentos do a r q u i v o de Benjamin Constant. L í d e r positivis-
ta e c i v i l i s t a por c o n v i c ç ã o d o u t r i n á r i a , o autor por a l g u m m o t i v o
entendeu que n ã o e r a c o n v e n i e n t e , sob a quase d i t a d u r a m i l i t a r de
F l o r i a n o Peixoto, dar publicidade total à c o r r e s p o n d ê n c i a .
U m outro momento desse conflito surdo iniciou-se com a inaugura-
ç ã o do monumento a Deodoro da F o n s e c a no R i o de J a n e i r o , p r o g r a -
m a d a p a r a o dia 15 de n o v e m b r o de 1937. A c o m i s s ã o o r g a n i z a d o r a
do evento produziu um livro de elogio ao homenageado e a outros per-
s o n a g e n s d e c i s i v o s da p r o c l a m a ç ã o da R e p ú b l i c a ' " . Pelo s u m á r i o ,
d e v e r i a existir, a partir da p á g i n a 159, o c a p í t u l o "Benjamin Constant
versu.s C a x i a s " . A p á g i n a indicada, contudo, estampa apenas a c ó p i a de
um bilhete de Deodoro, sem qualquer l i g a ç ã o com o assunto. É pro-
v á v e l que a c e n s u r a se explique pelo fato de o livro ter sido efetiva-
mente i m p r e s s o em 1938, j á sob a ditadura do E s t a d o Novo, i m p l a n -
tada em 10 de n o v e m b r o do ano anterior e para a qual a imagem do
soldado à C a x i a s era m a i s adequada que a do " s o l d a d o - c i d a d ã o " . O
conflito entre os modelos de militar s e r i a resolvido, no â m b i t o da cor-
p o r a ç ã o , a i n d a no E s t a d o Novo, q u a n d o a e s t á t u a de Benjamin
C o n s t a n t , a t é e n t ã o s i t u a d a na p r a ç a em frente ao M i n i s t é r i o da
G u e r r a , no R i o de J a n e i r o , foi deslocada para p o s i ç ã o mais discreta,
dando lugar a outra... de C a x i a s . "

A u r é l i o B u a r q u e de H o l a n d a F e r r e i r a . Dicionário Aíirélio HIctrônico, V. 2.0. Rio d c


J a n e i r o : E d i t o r a N o v a F r o n t e i r a , 1996.
Deodoro e a verdade tjistórica. R i o de J a n e i r o : I m p r e n s a N a c i o n a l , 1937.
A respeito, v e r J o s é M u r i l o de C a r v a l h o . A formação das almas. O imaginário da
república no Brasil. São Paulo: C o m p a n h i a das Letras, 1990, cap. 2.
No e n t a n t o , e m b o r a d e r r o t a d o por um g e n e r a l m o n a r q u i s t a , o
espectro do s o l d a d o - c i d a d ã o " F u n d a d o r da R e p ú b l i c a " n ã o d e i x a r i a
de a s s o m b r a r a c u l t u r a c o r p o r a t i v a do E x é r c i t o . F o i o que p ô d e per-
ceber o c i e n t i s t a p o l í t i c o V í t o r I z e c k s o h n depois que, em 1997, tendo
c o n t r a t a d o c o m a B i b l i o t e c a do E x é r c i t o E d i t o r a a e d i ç ã o da sua d i s -
s e r t a ç ã o de m e s t r a d o ' ^ v i u - a t r a n s f o r m a r - s e em um l i v r o mutilado
pela a ç ã o c e n s ó r i a do editor, que se negou a p u b l i c a r uma das c a r t a s
em que C a x i a s é c r i t i c a d o , s ó lhe r e s t a n d o r e c o r r e r à J u s t i ç a p a r a
r e a v e r os d i r e i t o s a u t o r a i s sobre a o b r a .
A s cartas s ã o , portanto, um produto h i s t ó r i c o que se atualiza. Nelas,
Benjamin C o n s t a n t surge na plenitude de seu tempo social, flagrado
num momento total cuja i m p o r t â n c i a para os rumos da f o r m a ç ã o social
b r a s i l e i r a n ã o se r e d u z i r i a ao impacto na conjuntura. E l a s enfatizam
a d i m e n s ã o i n d i v i d u a l i n c o n s c i e n t e desse processo social e p o l í t i c o .
Seu autor, ainda um modesto professor c o m a m b i ç õ e s de ser reconhe-
cido como cientista, n ã o se e n c o n t r a v a engajado em qualquer ativida-
de coletiva, p r i v a d a ou p ú b l i c a , que o v i n c u l a s s e à s i g n i f i c a ç ã o que,
posteriormente, seria a t r i b u í d a à G u e r r a do Paraguai como fato funda-
dor do E x é r c i t o n a c i o n a l . E n t r e t a n t o , mesmo que em seu texto n ã o se
encontre uma n a r r a t i v a desse momento, h á nele indicadores da manei-
ra como o processo m a s s i v o se desenrola no plano individual: a expe-
r i ê n c i a c o m outros povos e formas de o r g a n i z a ç ã o social e p o l í t i c a , o
contraste de valores, as r e l a ç õ e s de s u b o r d i n a ç ã o e lealdade entre sol-
dados e líder nacional, a c o n s t r u ç ã o de uma imagem do inimigo, o des-
prendimento no s e r v i ç o da n a ç ã o etc.
E s s a c o r r e s p o n d ê n c i a pode ser tomada, por outro lado, como um
contraponto à s n a r r a t i v a s da g u e r r a " produzidas essencialmente para
c o n s a g r a r o ponto de vista oficial do g o v e r n o ou da h i e r a r q u i a m i l i -
tar, e m b o r a s ó muito pontualmente se possa e n c o n t r a r nela uma con-
t r a v e r s ã o d e l i b e r a d a , talvez nas l i n h a s em que B e n j a m i n C o n s t a n t e
seus amigos contestam i n f o r m a ç õ e s e a n á l i s e s oficiais. O que sem d ú v i -
da as c a r t a s p r o p o r c i o n a m é o e n r i q u e c i m e n t o da c o m p r e e n s ã o da
i m p o r t â n c i a que a g u e r r a teve p a r a a f o r m a ç ã o subjetiva da g e r a ç ã o
que dela p a r t i c i p o u e, nas d é c a d a s s e g u i n t e s , a s s u m i u i m p o r t a n t e s
p a p é i s no enredo social e p o l í t i c o do p a í s .

Guerra do Paraguai: o comando de Caxias e o núcleo profissional do Exército, defen-


dida em 1992 junto ao In.stituto U n i v e r s i t á r i o de Pesquisas do R i o de J a n e i r o (luperj).
Cf. R i c a r d o Salles, op. c/í.
Nota do autor

A s cartas que c o m p õ e m este livro foram transcritas entre 1993 e 1994,


quando eu trabalhava como pesquisador do Museu Casa de Benjamin
Constant. O resultado que alcancei foi cotejado com o apresentado em
1894 por Raimundo Teixeira Mendes em sua biografia de Benjamin
Constant, que inclui a metade desta c o r r e s p o n d ê n c i a e foi elaborada
quando os originais estavam em melhor estado. Os trechos que e s t ã o
atualmente ilegíveis, mas que foram decifrados por ele, aparecem entre
colchetes ([]). Aqueles que n ã o compreendi e fazem parte de cartas n ã o
publicadas foram s u b s t i t u í d o s por [...]. O c o n t e ú d o dos originais foi
respeitado integralmente, tendo sido feita apenas a a t u a l i z a ç ã o orto-
gráfica. Os itálicos, com e x c e ç ã o dos usados em nomes de p e r i ó d i c o s
e navios, correspondem a grifos constantes dos originais.
Cartas
20
Rio 13 d e j u i l i o de 1865
M e u querido i r m ã o

É cheio de v e r g o n h a e de a r r e p e n d i m e n t o que te e s c r e v o esta c a r t a ,


p o r q u e nela v e r á s a m e t a m o r f o s e completa de m i n h a s ideias; o que
portanto te f a r á v a c i l a r no novo j u í z o que tens de f o r m a r de m i m .
A c a b e i de c o n v e n c e r - m e da infrutuosidade (sic) de m i n h a s e x t r a -
v a g â n c i a s e de q u ã o salutares eram teus conselhos que a t é agora tinha
desprezado.
A s s e n t e i regenerar-me, acordando-me t ã o tarde! P o r é m p a r a isso
s ó a f o r ç a de vontade n ã o basta; é preciso que a l g u é m me coadjuve e
esse a l g u é m o linico que vejo capaz de fazé-lo, é s tu que a t é hoje me
tens s e r v i d o de pai e m ã e .
Para isso quero expor-te o p r o g r a m a a que vou submeter-me, espe-
r a n d o que q u e r e r á s c o n t r i b u i r p a r a o seu bom ê x i t o .
Pretendo d e i x a r de todo esta vida e s t é r i l , e apartar-me destes p r a -
zeres sem frutos p a r a o futuro.
E difícil! P o r é m um desejo tal de que se n ã o pode fazer a menor ideia,
veio apoderar-se de mim; que obriga-me a t é vencer o impossível! Quero
entregar-me exclusivamente ao estudo. E m vez de dinheiro que me d á s
irregularmente, p e ç o - t e que me d ê s vinte mil r é i s mensais. É sacrifício
para ti, eu sei; p o r é m se julgares pesado para ti a mensalidade de que te
falo, m i n h a m ã e pode ajudar-te, o que eu j u l g o mesmo mais prudente.
N ã o desejo que despendas dinheiro algum, mais, comigo, à e x c e ç ã o de
livros que é somente que ele n ã o pode chegar (sic). Podes indagar dos
lentes, ou dos meus p r ó p r i o s c o m p a n h e i r o s , se é v e r d a d e i r o o que
resolvi agora; se ao c o n t r á r i o podes dizer que n ã o sou teu i r m ã o , enfim,
f a ç a s o que m e l h o r entenderes. P r e c i s o a g o r a de um c o m p ê n d i o de
H i s t ó r i a do B r a s i l por Macedo p a r a estudar na aula do Dr. que (sic) vou
ser ouvinte, v i s t o n ã o poder ser m a t r i c u l a d o em r a z ã o de p e r t e n c e r
t a m b é m à Geografia.
Pode ser que esta r a z ã o que é a meu v e r i n a b a l á v e l se quebre mais
tarde, em c o n s e q u ê n c i a da fragilidade do meu e s p í r i t o ; p o r é m a t é este
momento asseguro-te que tudo o que tenho dito é a pura linguagem do
a r r e p e n d i m e n t o i n s p i r a n d o - m e o desejo de r e a b i l i t a ç ã o . M a n d a - m e
resposta sem falta alguma. D o m i n g o estou preso. A d o s (sic): aceita o
c o r a ç ã o e um a b r a ç o do teu i r m ã o e amigo obrigado

M a r c i a n o A u g u s t o Botelho de M a g a l h ã e s

* * *

Benjamin

Participo-te que tomei uma r e s o l u ç ã o e n é r g i c a : a de seguir p a r a o S u l .


J á é por demais longo o tempo que tenho passado indiferente aos
grandes acontecimentos atuais e resolvi portanto tornar-me Brasileiro.
C r e i o que desta vez n ã o t e n t a r á s fazer o p o s i ç ã o aos meus desejos
pois, é f o r ç o s o c o n f e s s á - l o , s ã o j u s t o s .
E n q u a n t o estranhos que n ã o t ê m o b r i g a ç õ e s n e n h u m a s a c u m p r i r
pois que e s t ã o longe de suas p á t r i a s , abandonam seus interesses p a r a
auxiliarem um p a í s alheio, eu, um Brasileiro e além disto um soldado, eu
enfim que devia ser o primeiro a oferecer-me, assisto de parte o interes-
se que todos, à e x c e ç ã o de m i m , tomam pela grande causa da n a ç ã o ! . . .
Sei que c o m facilidade me a l c a n ç a r á s (se quiseres) o posto d'alferes
em c o m i s s ã o p a r a qualquer dos corpos de V o l u n t á r i o s da P á t r i a , e por
isso p e ç o - l h e que se esforce quanto puderes, pois que de qualquer
m a n e i r a m a r c h a r e i a m e n o s que n ã o me q u e i r a s t o r n a r i n d i g n o do
nome de B r a s i l e i r o ! No mais, recebe r e c o m e n d a ç õ e s m i n h a s

M a r c i a n o A u g u s t o Botelho de M a g a l h ã e s

* * *

M i n h a pobre e infeliz M ã e e v e r d a d e i r a amiga. Quanto tem sofrido...


Que e s f o r ç o s , que s a c r i f í c i o s n ã o faria p a r a v e r - v o s feliz, mas talvez
n ã o seja mais p o s s í v e l . Q''" o t r o v ã o do i n f o r t ú n i o rebentou rijo sobre
nossa fam' levando meu Pai à c a m p a a luz de v o s s a r a z ã o empalideceu
ao c l a r ã o do raio que a feriu. C o m o M ã e e esposa que edificantes exem-
plos nos deste. A c e i t a i , m i n h a p o b r e m ã e , o c o r a ç ã o de v o s s o filho
amigo e deixai que [ . . . ] . '

* * *

Mariquinhas
Sta. C a t a r i n a , C i d a d e do D e s t e r r o
5 de setembro de 1866

Estou de perfeita s a ú d e . O mesmo desejo que a c o n t e ç a a ti e a todos de


nossa família. E n c o n t r e i cá o Dr. A z a m b u j a " , m é d i c o do H o s p í c i o que
vai servir nos hospitais de Montevideu. Deu-me n o t í c i a s de minha m ã e ;
disse-me que a tinha deixado sossegada e que o Dr. Barbosa, que tem de
t r a t á - l a , perguntara por m i m , dizendo-lhe que lhe tinham feito muitas
r e c o m e n d a ç õ e s a favor dela e que me assegurasse que havia de t r a t á -
la com todos os cuidados. O mesmo Dr. Azambuja encarregou-se de dar-
me sempre n o t í c i a s dela por i n t e r m é d i o do Dr. B a r b o s a , a quem i r i a
r e c o m e n d á - l a . Tenho tido muitas saudades de ti, da p e q u e r r u c h a , de
m i n h a s manas, finalmente de todas as pessoas da nossa família, mas é
preciso n ã o me d e i x a r d o m i n a r por elas, c u r v a r a c a b e ç a à sorte que
n u n c a me quis ser f a v o r á v e l e seguir o c a m i n h o que a h o n r a e o dever
me apontam. Tenho p o r é m e s p e r a n ç a s de que em breve estarei no seio
da m i n h a família p a r a n u n c a m a i s d e i x á - l a s e n ã o pela morte. Tem
p a c i ê n c i a , a vida precisa destes b o l é u s e amizade destas provas. Estou
descansado, o mais que é p o s s í v e l , a respeito da família, porque a l é m
do teu bom Pai e tuas manas, deixo amigos verdadeiros que n ã o a dei-
x a r ã o p a s s a r necessidades. A ideia de m i n h a família liga-se sempre à
ideia desses bons e v e r d a d e i r o s amigos. Veiga, C o i m b r a , G u i m a r ã e s ,
H o n ó r i o , Luiz, Malaquias, que s ã o p a r a m i m a P r o v i d ê n c i a que a cerca.

Rascunho de bilhete escrito por Benjamin Constant para sua m ã e às v é s p e r a s de partir


para o campo de o p e r a ç õ e s . A l g u é m - provavelmente Maria Joaquina - , escreveu embai-
xo: "Este papel achei arranjando os p a p é i s que Benjamin escreveu na o c a s i ã o da partida
para a guerra do Paraguai."
Vou te dar a g o r a uma ligeira ideia de m i n h a v i a g e m a t é esta P r o v í n c i a
e do que por cá tenho visto.
D e i x a m o s a Baía do Rio de J a n e i r o à s 5 1/2 da tarde depois da com-
petente visita I m p e r i a l e seguimos b a r r a fora. ( E s t i v e r a m comigo a t é
essa h o r a pouco mais ou menos, o G u i m a r ã e s , Luiz, H e n r i q u e e o Dr.
B a r r e t o a quem recomendei o P e ç a n h a , porque vai para Minas e quis à
f o r ç a quase que eu c o n s e n t i s s e em que ele fosse de p r o p ó s i t o a
Baependi saber n o t í c i a s dele e escrever à Leopoldina o que soubesse a
respeito. Despediu-se de mim muito triste e afirmou-me que em breve
m a n d a r i a essas n o t í c i a s . ) Viajamos todo o resto da tarde e de cima do
tombadilho fui vendo sumirem-se uma a uma todas essas montanhas e
formosas praias que c e r c a m a nossa cidade onde deixo a alma presa.
Os nevoeiros acompanhados de alguns chuviscos e a noite que se apro-
ximava ocultaram-me de todo o belo e s p e t á c u l o da entrada da nossa bar-
r a onde a natureza se ostenta com tantas g r a ç a s , como é proverbial. E u
p o r é m a c h a v a triste, é que minha alma sofria e o c o r a ç ã o era o pintor
que espalhava a saudade por todo aquele quadro amortecendo-lhe o
brilho. Continuei sempre sobre o tombadilho fumando e ouvindo estu-
pidamente a vozeria dos passageiros que, uns alegres e outros tristes,
c o n v e r s a v a m e c a n t a v a m em torno de m i m . C o m e ç o u dentro de pouco
a cena muito comum e muito prosaica à q u e l e s que navegam, ao menos
pela p r i m e i r a vez, o enjoo c o m e ç o u a atacar a quase todos os passagei-
ros. O M a r c i a n o foi um dos primeiros que l a n ç o u carga ao mar. E u lutei
a t é a meia-noite, p o r é m n ã o foi p o s s í v e l resistir-lhe por mais tempo, o
mar muito cavado e o vento S E fresco sacudiam o vapor dando-lhe hor-
ríveis solavancos. Paguei por minha vez o tributo, enjoei l a n ç a n d o tudo
quanto o e s t ô m a g o p o s s u í a para entreter suas prosaicas mas indispen-
s á v e i s f u n ç õ e s . Tivemos uma p é s s i m a v i a g e m , apanhamos um grande
temporal que nos p ô s por muitas vezes em risco, o vapor j o g a v a deses-
peradamente e o mar j o g a v a sobre ele montanhas de á g u a que o lava-
vam de popa a proa. Os pobres soldados foram os que mais sofreram.
O Com"' disse-me que se n ã o fosse a c o n f i a n ç a que tinha no vapor teria
a r r i b a d o imediatamente. T e r ç a - f e i r a de m a n h ã c o m e ç o u a s e r e n a r e
e n t ã o c o m e ç a r a m a aparecer a maior parte dos passageiros bons (entre
eles eu) que tinham ficado encafuados nos camarotes. N ã o comi coisa
alguma durante o resto do dia de domingo e durante toda a 2 ' feira. Na
t e r ç a - f e i r a a t é as 6 horas da tarde estava abatido. O M a r c i a n o , que me
a c o m p a n h o u nestes transes estando no mesmo estado, disse-me que
tinha perdido metade do entusiasmo. Principalmente o enjoo é o que
h á de mais aborrecido, fica-se aborrecido de tudo; cheiro de comida, o
cheiro que se desprende das m á q u i n a s , o p r ó p r i o cigarro; tudo se abor-
rece, fica-se e s t ú p i d o , m o l e i r ã o , etc. T e r ç a - f e i r a p o r é m tivemos bom
dia, cessou a c h u v a que a t é e n t ã o caía com bastante força, apareceu o
sol, o mar sossegou de todo ( t a m b é m devia estar bem cansado das proe-
zas que tinha feito), avistamos pelas t r ê s horas um v a p o r e n c o u r a ç a d o
- Mariz c Barros - que demandava o mesmo porto que n ó s e um navio de
vela que seguia rumo oposto. No alto-mar s ã o estes encontros um moti-
vo de prazer. Todos os passageiros s u b i r a m ao tombadilho a fazer suas
c o n s i d e r a ç õ e s p o é t i c a s , filosóficas e t a m b é m a s n á t i c a s (cada um a seu
modo) a respeito daquele encontro. Afinal perdemos de vista os tais na-
vios que t i n h a m motivado todo aquele a l v o r o ç o ; mas este n ã o cessou,
porque d a í a pouco o grito de - terra - t ã o a g r a d á v e l em alto-mar atraiu
todas as vistas na d i r e ç ã o da proa do navio, onde ao longe c o m e ç a r a m
a aparecer cumes de alguns montes que s e r v e m de atalaias (gostaste
do termo?) à entrada da formosa Baía de Sta. C a t a r i n a . E r a m as ilhas do
A r v o r e d o (e a t é nessa o c a s i ã o lembrei-me daquela modinha - A r v o r e d o
tu j á viste? e t c , etc. J á v ê s que ia com veia p o é t i c a , é verdade que um
pouco arrebentada), das g a l é s e deserta, que primeiro se apresentam.
À medida que nos í a m o s aproximando í a m o s descortinando todas aque-
las montanhas que bordam a vasta Baía de Sta. C a t a r i n a , cobertas des-
sas verdes e espessas florestas que s ã o t ã o frequentes em nosso p a í s e
tanto encantam ao estrangeiro, porque n ó s quase que n ã o lhes damos
a p r e ç o algum. C u s t a m o s p o r é m a chegar. A tal Sta. C a t a r i n a que com
tanta ansiedade b u s c á v a m o s assemelhava-se, na minha i m a g i n a ç ã o , a
essas fadas encantadas que atraem os incautos com suas g r a ç a s , com
seus momos e que se v ã o afastando ã medida que eles se a p r o x i m a m .
Pensei a t é que era alguma sereia que com seu canto mavioso costuma
atrair os navegantes p a r a p e r d ê - l o s . Mas n ã o te assustes, n ã o era nada
disso. E u que nunca tive jeito para poeta senti naquela o c a s i ã o umas
cutucadas que a bela musa me dera e fiquei fora de m i m j u l g a n d o num
outro mundo, tinha novas ideias que eu n ã o sabia exprimir e quis até fazer
versos!!! Disse e imaginei tanta sandice, etc. e p a r a encurtar r a z õ e s t ã o
mal me portei ao querer entrar no P a r n a s o que o P é g a s o escoiceou-me
atirando-me outra vez tonto e desapontado de meus arroubos p o é t i c o s
p a r a esta vida de realidades. Prometo-te n u n c a mais meter-me em tais
assados. A g o r a que j á c a í em m i m v o u c o n t i n u a r a m i n h a n a r r a ç ã o .
p o r é m em estilo prosaico. E n t r a m o s finalmente em Sta. C a t a r i n a à s 6
horas da tarde (quase noite). Meti-me logo em um bote e fui a terra. S a l -
tei em frente à P r a ç a do P a l á c i o e encontrei o guarda-mor com quem
estive conversando. Entreguei-lhe o c a r t ã o de visitas que teu Pai deu-
me para ele; ofereceu-me a casa, mas preferi ir para o Hotel B r a s i l onde
tenho estado. A cidade do Desterro é p a r a m i m muito bonita posto que
pequenina e muito mal c o n s t r u í d a , refiro-me portanto à natureza que é
toda a sua beleza. A p r a ç a principal que é o Largo do Palácio, que fica em
frente ao desembarque, é uma pequena p r a ç a quase quadrada e tem em
frente a Matriz que fica em uma pequena e l e v a ç ã o à direita do p a l á c i o
do presidente, e alguns outros edifícios p ú b l i c o s e particulares de sofrí-
vel a p a r ê n c i a , à esquerda a Cadeia, o Quartel da Polícia, um edifício que
serve de d e p ó s i t o de artigos bélicos, o Hotel Brasil, a Secretaria Provin-
cial, o C o r r e i o e alguns edifícios (sobrados) correspondentes aos fron-
teiros. À direita do ponto do desembarque fica a P r a ç a do Mercado, pe-
queno mas bem abastecido e proporcional à p o p u l a ç ã o ; à esquerda fica
a A l f â n d e g a (isto é, as r u í n a s da A l f â n d e g a porque esta foi d e s t r u í d a
por um i n c ê n d i o devido a uma e x p l o s ã o de p ó l v o r a no dia 24 de abril).
Desta p r a ç a partem as principais ruas da cidade, todas elas mal c a l ç a d a s ,
t o r t u o s a s e com muitos e d i f í c i o s entre os quais h á poucos bons. H á
p o r é m outras muitas ruas cruzando as primeiras conduzindo para os ar-
rabaldes da cidade entre as quais h á algumas direitas, largas e bonitas
como por exemplo a R u a F o r m o s a que conduz à Praia de F o r a , um dos
arrabaldes mais bonitos da cidade (parece-me um pouco com a Praia de
I c a r a í ) . Há cinco igrejas e algumas capelinhas, a saber: Matriz, S r a . do
Desterro, R o s á r i o , S. F r a n c i s c o , Capela do Menino Deus (que fica numa
e l e v a ç ã o onde e s t á a Sta. C a s a de M i s e r i c ó r d i a e donde se descortina
toda a Baía). H á muitos arrabaldes bonitos que depois eu descreverei.
A g o r a tenho pressa. O vapor sai a m a n h ã e tenho de ir para bordo.

Dá l e m b r a n ç a s a todos de n o s s a s fam"', ao V e i g a , G u i m a r ã e s ,
H o n ó r i o , Luiz, C o i m b r a , etc. e aceita o c o r a ç ã o saudoso do teu m a r i -
do teu amigo, que muito te ama.

B e n j a m i n C o n s t a n t B . de M a g a l .

" que saiu no mesmo dia que eu no v a p o r D. José


* * *
(Continuação)
C i d a d e do Desterro 7 de setembro de 1866

C o n f o r m e te disse fui para bordo e no dia seguinte 6" feira ao meio-dia


seguimos v i a g e m p a r a M o n t e v i d e u . O dia estava nublado, p o r é m so-
p r a v a o N E , v e n t o p r o p í c i o à n o s s a v i a g e m . T i v e e n t ã o o c a s i ã o de
conhecer melhor a e x t e n s ã o e beleza da vasta B a í a de Sta. C a t a r i n a . A
s a í d a da b a r r a é realmente bonita. E s t á v a m o s j á fora da b a r r a e com
duas h o r a s de v i a g e m , quando o vento mudou bruscamente de r u m o
pondo-se em completa o p o s i ç ã o com o intento que l e v á v a m o s . U m hor-
rível t e m p o r a l desabou sobre n ó s . O mar levantou montanhas d ' á g u a
que p a r e c i a m querer engolir-nos (mas n ã o engoliu n ã o , tanto que te
estou escrevendo, n ã o v á s pensar que isto é uma c a r t a de defunto). O
vento soprou com tanta f o r ç a que n ã o p o d í a m o s estar de p é sobre o
tombadilho. F o i uma v e r d a d e i r a c a ç o a d a que o tempo nos pregou. O
Com'" do vapor, de h a r m o n i a com o p r á t i c o , que veio a bordo, resolveu
a r r i b a r e voltamos outra vez p a r a S t a . C a t a r i n a . ' ' P a r e c e - m e ( n ã o te
a s s e v e r o ) que isto foi uma v i n g a n ç a z i n h a das S r a s . M u s a s , que fica-
r a m mal comigo pela d e s g r a ç a d a estreia que fiz como pretendente a
poeta. Consta-me que me intrigaram com Netuno e Eolo e d a í veio todo
o meu m a l , mas ficaram logradas, porque enquanto alguns passagei-
ros t r e m i a m eu ria-me e fumava o meu c i g a r r o . T i n h a certeza que n ã o
havia de morrer. A n c o r a m o s de novo na enseada da de Sta. C a t a r i n a ,
d o r m i a bordo e fui a t e r r a no dia seguinte, 7 de setembro. E s t e dia
p a s s o u - s e aqui muito friamente. A p e n a s v i u m a b a n d e i r i n h a no
P a l á c i o , à 1 hora um manhoso cortejo onde c o m p a r e c e r a m alguns ofi-
ciais da G u a r d a N a c i o n a l e ã noite m ú s i c a no L a r g o do P a l á c i o , espe-
t á c u l o e mais n ã o disse. Depois de ter a l m o ç a d o s a í p a r a acabar de ver
Sta. C a t a r i n a . P e r c o r r i todas as ruas, visitei todos os templos, c e m i t é -
rios, p r a ç a s , etc. C o m mais v a g a r te darei n o t í c i a s minuciosas de tudo.
Visitei t a m b é m alguns c o l é g i o s de i n s t r u ç ã o p r i m á r i a que s ã o bem fre-
quentados. H á na P r o v í n c i a dois liceus destinados à i n s t r u ç ã o s e c u n -
d á r i a . U m particular, d i r i g i d o por uns padres da C o m p a n h i a de J e s u s ,
bem montado, c o m um bom internato, boa d i s c i p l i n a e d i r i g i d o com
muito m é t o d o (o grande defeito que notei foi o ser um importante esta-
belecimento dirigido por j e s u í t a s ) . Outro do G o v e r n o , pouco freqijen-
tado, onde h á somente duas cadeiras, uma de F r a n c ê s , outra de L a t i m .
Há boas chacarinhas nos arrabaldes da cidade, mas sem go.sto. A ú n i c a
c a s a c o n s t r u í d a com alguma e l e g â n c i a é a de um a l e m ã o . . . A i n d o l ê n -
cia aqui como em todo o B r a s i l manifesta-se em toda a sua plenitude.
H á muita v a d i a ç ã o , as m o ç a s levam quase sempre à j a n e l a (ao menos
uma grande parte). A maior parte dos rapazes fumam bons charutos,
j o g a m bilhar e assoviam algumas á r i a s italianas, escrevem versos de p é
q u e b r a d o e alguns artigos p a r a o Catarinense, trazem bengalinha e
r e l ó g i o etc. e à noite enchem os h o t é i s j o g a n d o bilhar, v í s p o r a etc. e
v o l t a m tarde p a r a suas c a s a s p a r a r e c o m e ç a r e m no dia seguinte as
mesmas cenas. Incomodou-me realmente isto. Há p o r é m muita hones-
tidade nas famílias, havendo raros exemplos maus. N ã o h á m i s é r i a por-
que os meios de v i d a s ã o f á c e i s (o p e i x e é b a r a t í s s i m o , abundante e
muito bom. C o m p r a - s e por um v i n t é m e dois as maiores e n x o v a s . U m
peixe que aqui custa 2 t o s t õ e s v a l e r i a 6 a 8 mil r é i s na Corte. Os ovos
e galinhas s ã o b a r a t í s s i m o s , mesmo a carne fresca o é. O feijão, arroz,
farinha e produtos da P r o v í n c i a s ã o t a m b é m muito baratos). Há p o r é m
como disse p r e g u i ç a , ou melhor, falta a n i m a ç ã o p a r a o t r a b a l h o em
c o n s e q u ê n c i a da dificuldade de c o m u n i c a ç õ e s e portanto da falta de
garantia que esta lhe d á . O solo é muito fértil como o dizem os habitan-
tes, aclimatando-se bem algumas plantas da E u r o p a mas n ã o aprovei-
t a m esta v a n t a g e m . A f e r t i l i d a d e e x t r e m a do solo, a a m e n i d a d e do
clima, a í n d o l e pacífica e h o s p i t a l e i r a de seus habitantes, a r e g u l a r i -
dade das e s t a ç õ e s , a s a l u b r i d a d e fazem desta P r o v í n c i a , ao menos
desta i l h a , um v e r d a d e i r o p a r a í s o . S u p u n h a , pelas i n f o r m a ç õ e s que
me deram, e n c o n t r a r aqui muito m á á g u a , p o r é m tenho bebido exce-
lente, t ã o boa ou melhor do que a que se bebe na C o r t e . H á com efei-
to p o ç o s de m á á g u a , p o r é m em S. J o s é , na L a g u n a , e mesmo dentro da
cidade é boa, principalmente na Freg" de S. A n t ô n i o (antiga das Neces-
sidades). É esta a melhor á g u a que aqui h á . É um chafariz muito anti-
go nesta c a p i t a l . F o i m a n d a d o c o n s t r u i r em 1789 pelo R e g i m e n t o
C h i c h o r r o e m e l h o r a d o pela gente do 8" de I n f a n t a r i a que cá esteve
em 1 8 2 1 . D e s d e esta data a t é hoje tem a b a s t e c i d o de ó t i m a á g u a a
m o r a d o r e s daquela localidade e mesmo aos da cidade que a m a n d a m
buscar lá. H á por cá bastantes h o t é i s entre os quais uns bons. O menor,
m a i s o r d i n á r i o é o que tem o p o m p o s o t í t u l o de H o t e l do U n i v e r s o .
Tenho estado como te disse no Hotel B r a s i l . Tenho comido excelente
peixe, como peixe ao a l m o ç o , peixe ao j a n t a r e à ceia, deixei a c a r n e
p a r a i r c o m ê - l a no S u l . F r u t a s n ã o h á a g o r a . S ó se e n c o n t r a m no mer-
cado laranjas, bananas, a m e i x a s , mas estas boas e em a b u n d â n c i a . H á
apenas na ilha 12 m a n g u e i r a s que r a r a s vezes d ã o fruto. H á p ê s s e g o s
bons, alguns marmelos, macieiras nenhumas. Os p ê s s e g o s e marmelos
s ã o agora r a r í s s i m o s ( n ã o é tempo deles). J á que falei das p r o d u ç õ e s do
p a í s vou tratar agora especialmente de alguma cousa que v i e que se
refere à sua i n d ú s t r i a . Há aqui um f a r m a c ê u t i c o muito antigo e perito
na sua arte, filho da P r o v í n c i a , conhecido e amigo do teu Pai que tem
p r e p a r a d o muitos produtos i m p o r t a n t e s e n o v o s . M o s t r o u - m e uma
aguardente excelente, e x t r a í d a do café, muito forte, preparada por ele
muito c r i s t a l i n a , tendo todos os usos da aguardente de c a n a e a l é m
disso a p l i c a ç õ e s m e d i c i n a i s , conforme o v e r i f i c a r a m o f a r m a c ê u t i c o
S e n h o r E s t a n i s l a u A n t ô n i o da C o n c e i ç ã o e o S e n h o r Doutor H e n r i q u e
Schutel, que me d i s s e r a m terem aplicado com vantagem p a r a febres
intermitentes, sendo a l é m disso muito estomacal. Mando a teu Pai uma
garrafinha desta aguardente por i n t e r m é d i o do Com'" Coutinho, assim
como uma g a r r a f a de v i n h o de l a r a n j a (que se assemelha ao m a d e i r a
seco), p r e p a r a d o pelo f a r m a c ê u t i c o , duas g a r r a f a s de v i n h o de u v a ,
tinto e b r a n c o p r e p a r a d o na P r o v í n c i a . V a i t a m b é m uma g a r r a f a de
aguardente de café p a r a que teu Pai me faça o o b s é q u i o de m a n d a r ao
Dr. S a l d a n h a da G a m a , professor da E s c o l a C e n t r a l a quem e s c r e v o
nesta data r e c o m e n d a n d o - l h e o Sr. E s t a n i s l a u e pedindo-lhe que d ê
a t e n ç ã o aos p r o d u t o s que ele m a n d a p a r a a E x p o s i ç ã o N a c i o n a l . O
S a l d a n h a da G a m a e s t a r á e n c a r r e g a d o de uma s e ç ã o e por si ou pelo
V i l a - N o v a e outros que t ê m de ser j u í z e s nessa e x p o s i ç ã o pode fazer
a l g u m a c o i s a pelo meu r e c o m e n d a d o . (É b o m o b s e r v a r que o Sr.
E s t a n i s l a u mandou h á dias p a r a a e x p o s i ç ã o algumas garrafas desta
aguardente, mas a que fabrica agora, melhorando o processo, é muito
mais forte e por isso ele decidiu m a n d a r mais uma g a r r a f a dela.) Bebi
desta aguardente ainda quente, pois a c a b a r a de s a i r do alambique e
achei-a excelente, assim como algumas pessoas que t a m b é m beberam
p a r a p r o v á - l a . O mesmo f a r m a c ê u t i c o fabrica r a p é de 3 qualidades que
é muito a r o m á t i c o e dizem os entendedores que é muito bom e substi-
tui melhor o r a p é que v e m de fora do p a í s . P r e p a r a t a m b é m excelente
f a r i n h a que tem todas as p r o p r i e d a d e s do sagu e da t a p i o c a , é m a i s
barata, podendo se c o n s e r v a r por muitos anos g u a r d a d a em latas, é
muito s a b o r o s a e c o m ela se fazem biscoitos, p ã o m i s t u r a n d o - a com a
f a r i n h a de trigo, mingaus, serve t a m b é m para as sopas substituindo a
Maizena dos Estados Unidos, premiada na e x p o s i ç ã o . H á t a m b é m dois
i n d i v í d u o s , os Senhores J o s é Caetano da Silva Pinheiro, Brasileiro, e o
A l e m ã o J o ã o Tobias, que t ê m grandes colmeias de abelhas da E u r o p a
de onde extraem o mel e a c e r a . P r e p a r a m cera com muita p e r f e i ç ã o
clarificando-a e fabricando velas que d ã o muito boa luz conforme v i .
A l g u n s fazendeiros ao sul da ilha fazem p l a n t a ç ã o de linho e t ê m tea-
res em que preparam panos. N ã o se s e r v e m p o r é m do linho puro, mis-
t u r a m - n o com a l g o d ã o . Ia me esquecendo de dizer-te que p r e p a r a m
t a m b é m aqui cera e x t r a í d a de um bichinho que se encontra nas goia-
beiras e se c h a m a , por isso, bicho da goiabeira. E s t a cera é muito deli-
cada e assemelha-se ao espermacete. Vi aqui o b r a de meia libra dela,
sendo preciso para isso apanhar uma grande quantidade dos tais bichi-
nhos. Talvez se pudesse desenvolver a m u l t i p l i c a ç ã o desses úteis bichi-
nhos mas por ora nem se tem pensado nisso. Vi aqui alguns e s ã o muito
esquisitos. S ã o i n d ú s t r i a s muito ú t e i s que trazem grandes vantagens
mas que h ã o - d e m o r r e r à m í n g u a por falta de a n i m a ç ã o .
E s t a carta j á v a i longa m a s q u i s t e d a r i d é i a d e tudo que por cá v a i .
S ã o 3 h o r a s da m a d r u g a d a , v o u p a r a bordo porque o v a p o r sai à s 6
h o r a s . Pede d e s c u l p a s a teu P a i , tuas m a n a s , ao G u i m a r ã e s , Veiga,
H o n ó r i o , C o i m b r a [...] ter escrito. Os t r ê s dias incompletos que estive
em Sta. C a t a r i n a , gastei-os em visitar toda a ilha, tomar i n f o r m a ç õ e s
com os moradores mais antigos e de mais interesse do lugar e escrever-
te esta. A d e u s , m i n h a boa a m i g a , d á um beijo e a b e n ç o a por m i m a
p e q u e r r u c h a . Teu m a r i d o e v e r d a d e i r o amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N B . F u i ao e s p e t á c u l o à noite e n ã o achei vazio, houve gr''*" c o n c o r r ê n c i a .

" N ã o fiques assustada, s a í m o s a m a n h ã porque serenou o pampeiro e


todos os p r á t i c o s asseveram que vamos ter uma ó t i m a viagem. E m todo
o caso nunca c o r r e m o s r i s c o de vida porque o vapor é forte e seguro,
o C o m " é prudente e bom e temos um excelente p r á t i c o .
* * *

Mariquinha
M o n t e v i d e u 13 de setembro de 1866

M i n h a querida e boa amiga. Manda-me n o t í c i a s tuas, da m i n h a A l d i n a ,


de m i n h a s m a n a s , a G u i l h e r m i n a , L e o p o l d i n a , D . M a r i q u i n h a s , Dr.
O l í m p i o , teu e meu bom P a i , D . A l c i d a , finalmente de todas as pessoas
de nossa f a m ' e de nossa amizade. J á deves ter recebido uma carta es-
c r i t a de S t a . C a t a r i n a em que te m a n d a v a dizer que tive n o t í c i a s de
m i n h a m ã e . A Leopoldina que me escreva e me d ê n o t í c i a s do P e ç a n h a ,
pois estou aflito por saber dele. Tenho tido muitas saudades dele e de
toda a nossa gente, mas v o u seguindo o meu f a d á r i o . Felizmente eu e
o M a r c i a n o estamos de perfeita s a ú d e apesar da p é s s i m a viagem que
t i v e m o s . S a í m o s de S t a . C a t a r i n a 2" feira no dia 10 de s e t e m b r o em
d i r e ç ã o a M o n t e v i d e u onde c h e g a m o s hoje à s 10 h o r a s da m a n h ã .
A p a n h a m o s um h o r r í v e l temporal acompanhado de c h u v a de pedra e
fartei-me de enjoar. E s t i v e quase sempre deitado no camarote, porque
estou muito abatido com o enjoo e a l é m disso o vento frio e ú m i d o n ã o
consentia n i n g u é m no tombadilho. O M a r c i a n o é, como eu, um fraca-
I h ã o p a r a o mar. T a m b é m tive m"" c o m p a n h e i r o s . Hoje de m a n h ã co-
m e ç a m o s a avistar terras do Estado O r i e n t a l e fiquei mais forte s ó com
a e s p e r a n ç a de em breve pisar t e r r a firme. C o m efeito à s 9 horas avis-
tamos a linda cidade de Montevideu e à s 10 horas e s t á v a m o s a n c o r a -
dos no porto. F u i um dos p r i m e i r o s a saltar em t e r r a . F u i imediata-
mente apresentar-me ao G e n e r a l A n t ô n i o Nunes de A g u i a r , C o m a n -
dante-Geral das f o r ç a s b r a s i l e i r a s em Montevideu. Dou-me muito com
ele e fui recebido da melhor m a n e i r a p o s s í v e l . O G e n e r a l quis que eu
ficasse c o m ele em M o n t e v i d e u s e r v i n d o em u m a boa c o m i s s ã o de
e n g e n h a r i a , mas (perdoa se fiz mal) preferi seguir p a r a o E x é r c i t o em
o p e r a ç õ e s conforme me foi ordenado. T i v e medo que pensassem que
eu me tinha empenhado, posto que fossem todos os empregados tes-
temunhas da espontaneidade com que ele me fez este oferecim"'. N ã o
quero que nem as a p a r ê n c i a s me condenem, n ã o obstante, como sabes,
ser eu u m a v í t i m a delas. D i s s e - m e o G a l . que as c o m i s s õ e s de enge-
nheiros t i n h a m sido reduzidas a um pequeno pessoal e que j á estava
(sic) completa. E s t a notícia n ã o foi das melhores, mas, disse-me ele que
havia outras, tais como ajudante de brigada ou d i v i s õ e s , etc. c o m p a t í -
veis com o meu posto e com a a r m a a que p e r t e n ç o onde podia ter bons
vencimentos. Se p o r é m n ã o a c h a r c o m i s s ã o alguma p a r a n ã o ficar a
soldo s i m p l e s e sem que fazer, v o l t a r e i p a r a M o n t e v i d e u onde o
G e n e r a l tem sempre para mim (conforme me ofereceu) uma boa comis-
s ã o . Prometo-te que, se se d e r e m as h i p ó t e s e s a c i m a v o l t a r e i p a r a
Montevideu (estás contente?). Quero ver se arranjo com que o M a r c i a n o
fique por cá enquanto vou ao E x é r c i t o ver se obtenho p a r a ele o posto
de alferes em c o m i s s ã o . A m a n h ã é que v o u falar a esse respeito com o
G e n e r a l , porque hoje estou m u i t í s s i m o fatigado, tanto que vou j á para
o Hotel do L o u v r e tomar um banho e d o r m i r pois, com o temporal de
ontem, passei em c l a r o toda a noite. Todos os oficiais que encontrei
por cá s ã o conhecidos, amigos meus. Desejam muito que eu fique, mas
c o n f o r m e te d i s s e j u l g o i n d i s p e n s á v e l seguir, talvez n i s s o esteja a
m i n h a felicidade. É preciso acabar com o c a i p o r i s m o que me perse-
gue e diz-me o c o r a ç ã o que em breve estarei de volta feliz e satisfeito
no seio da m i n h a família. Nada te posso dizer por ora de Montevideu.
A l g u m a s ruas que atravessei rapidamente s ã o largas, bonitas e m u n i -
das de edifícios de elegante arquitetura. A m a n h ã pretendo empregar
todo o dia em p e r c o r r e r a cidade e ver ao menos o que ela tem de mais
n o t á v e l e e n t ã o te darei disso um ligeiro resumo.

14 de setembro

À s seis h o r a s da m a n h ã s a í com os meus c o m p a n h e i r o s de v i a g e m e


fui passear por Montevideu. É uma cidade lindíssima. A s ruas s ã o muito
largas (50 a 80 palmos), direitas cruzando-se perpendicularmente umas
às outras. Os edifícios majestosos e de elegante arquitetura, todos muni-
dos de suas lindas s o t é i a s . H á algumas p r a ç a s bonitas posto que sejam
todas pequenas. A mais bonita é a da Matriz. O templo que d á nome à
p r a ç a é realmente majestoso. A P r a ç a do Mercado é muito grande e o
mercado abundante. Há h o r t a l i ç a , peixe, carne, frutas em grande quan-
tidade. Comi umas p ê r a s d ' á g u a que estavam s a b o r o s í s s i m a s . Se hou-
ver v a p o r p a r a lá antes que eu parta, m a n d a r e i a v o c ê s p a r a v e r i f i c a -
rem o que digo. E u disse para (sic) pintar-te Montevideu tal qual é, mas
é i m p o s s í v e l , é preciso v e r este p a r a í s o p a r a se fazer uma v e r d a d e i r a
ideia e a l é m disso n ã o é em um dia que se pode e x a m i n a r bem tudo
q u a n t o tem de n o t á v e l esta f o r m o s a cidade. O nosso R i o de J a n e i r o
fica completamente no chinelo em c o m p a r a ç ã o a M o n t e v i d e u . Refiro-
me ao a r t i f í c i o p o r q u e a n a t u r e z a aqui é m o r t a . N ã o q u e r o por o r a
falar-te do c a r á t e r dos seus habitantes, mas as i m p r e s s õ e s que tenho
tido a esse respeito s ã o m á s . N ã o me parece haver aqui hospitalidade
alguma. P a r a te dar uma p r o v a disso basta citar este fato: naufragou
em uma p r a i a perto de M o n t e v i d e u o nosso v a p o r Oiapoque carrega-
do de tropa, a t r i p u l a ç ã o salvou-se toda depois de lutar muito com as
o n d a s . E m l u g a r de e n c o n t r a r e m estes infelizes p r o t e ç ã o e a b r i g o ,
foram assaltados por uma q u a d r i l h a de l a d r õ e s e de a s s a s s i n o s que
v i e r a m a r m a d o s exigir todo o dinheiro que o comandante e os p a s s a -
g e i r o s t r a z i a m . F e l i z m e n t e o G e n e r a l A g u i a r t i n h a m a n d a d o a toda
p r e s s a uma f o r ç a proteger os n á u f r a g o s e esta chegou a tempo de s a l -
v á - l o s das g a r r a s desses bandidos. Dizem por aqui que houve s e m p r e
um pequeno combate onde h o u v e r a m (sic) alguns mortos. N ã o sei se é
exato, mas é o que c o r r e c o m o certo. D i v e r s a foi p o r é m a sorte dos
n á u f r a g o s do vapor S. Romão que t a m b é m c a r r e g a d o de tropa deu à
costa na b a r r a da L a g u n a em Sta. C a t a r i n a . O povo apinhado na p r a i a
recebia nos b r a ç o s os infelizes que e s c a p a r a m das ondas e as fa mília s
disputavam entre si o prazer de a g a s a l h á - l o s em suas casas dando-lhes
a mais lisonjeira hospitalidade. Os pobres pescadores a r r i s c a r a m suas
vidas para, em pequenas canoas, s a l v a r e m passageiros que se a t i r a -
v a m ao mar. V ã o comigo alguns dos que n a u f r a g a r a m no S. Romão,
dois m é d i c o s e alguns oficiais, e e s t ã o encantados pela hospitalidade
e a t e n ç õ e s com que foram tratados. M o r r e r a m dois pescadores dos
que mais se e s f o r ç a r a m em s a l v a r os n á u f r a g o s do S". Romão. H á por
aqui muito movimento, muita a n i m a ç ã o , muito c o m é r c i o , mas eu gos-
tei mais de estar em Sta. C a t a r i n a . F u i à casa do G e n e r a l A g u i a r falar
a respeito do M a r c i a n o e consegui com muita facilidade tudo quanto
d e s e j a v a . O M a r c i a n o fica em M o n t e v i d e u e m p r e g a d o . O M a j o r de
Engenheiros muito meu amigo, A n t ô n i o Pedro Monteiro de D r u m m o n d ,
diretor do Hospital M i l i t a r de Montevideu, vai r e q u i s i t á - l o p a r a s e r v i r
d e b a i x o de s u a s o r d e n s c o m o a m a n u e n s e do H o s p i t a l M i l i t a r . O
M a r c i a n o fica morando com o Major D r u m m o n d que ofereceu-se p a r a
prestar-lhe tudo quanto lhe for n e c e s s á r i o . A l é m disso fica recomenda-
do ao Dr. A z a m b u j a , G a l . A g u i a r , D . B a r r o s Pimentel e outros amigos
meus. O M a r c i a n o fica pois bem recomendado e eu sigo sozinho p a r a
C o r r i e n t e s no v a p o r S. José a m a n h ã à s 4 h o r a s da tarde. A v i a g e m
d a q u i a t é C o r r i e n t e s é s e m p e r i g o a l g u m , p o r t a n t o fique t r a n q i i i l a .
A s s i m que c l i e g a r a C o r r i e n t e s e s c r e v e r e i n ã o s ó a ti como a todos
esses bons amigos que lá deixei. N ã o lhes tenho escrito de Sta. C a t a r i n a
e Montevideu porque n ã o tenho tido absolutamente tempo p a r a isso.
A o chegarmos a Montevideu tivemos n o t í c i a s oficiais do P a r a g u a i . A s
f o r ç a s de m a r e t e r r a a t a c a r a m C u r u p a i t i e o porto de C u r u z u . E s t e
ú l t i m o voou em c o n s e q u ê n c i a de uma m i n a a que os P a r a g u a i o s puse-
r a m fogo na o c a s i ã o fazendo desaparecer dois b a t a l h õ e s , um nosso e
outro Paraguaio. Perdemos t a m b é m o vapor e n c o u r a ç a d o Rin dc Janeiro
em c o n s e q u ê n c i a de uma e x p l o s ã o . N ã o se sabe ao certo se foram os
torpedos que p r o d u z i r a m este desastre ou se incendiou-se o paiol de
p ó l v o r a . No assalto de C u r u z u o inimigo (consta) que teve perdas con-
s i d e r á v e i s em r e l a ç ã o à nossa. A E s q u a d r a e o E x é r c i t o de t e r r a bom-
bardeiam a fortaleza de C u r u p a i t i e espera-se a todo instante a n o t í c i a
da vitória por nossa parte. Se assim acontecer, o que passa como certo,
pode-se dizer que a guerra e s t a r á terminada (mais um motivo para que
estejam descansados a meu respeito). [Irei portanto] atacar foguetes
no fim da festa. E s c r e v e - m e mandando-me dizer c i r c u n s t a n c i a d a m e n -
te tudo quanto tiver ocorrido desde minha partida a t é hoje. Incomoda-
me bastante n ã o e n c o n t r a r em Montevideu nenhuma carta p a r a m i m .
M a n d a - m e dizer o que houve a respeito da m u d a n ç a de casa. D á - m e
n o t í c i a s de [...] do P e ç a n h a . F i n a l m e n t e de todas as pessoas de família
e de amizade. Quando me escrever, fecha a carta e mete-a em envelo-
pe com d i r e ç ã o a Montevideu e d i r i g i d a ao diretor do Hospital Militar
de M o n t e v i d e u , cujo nome e s t á [...]. R e c o m e n d a t a m b é m isso ao teu
Pai, H o n ó r i o , Veiga, G u i m a r ã e s , C o i m b r a , [...] os amigos que me qui-
serem escrever. Podem t a m b é m dirigi-las ao M a r c i a n o . Por este meio,
em qualquer parte que eu esteja, as cartas me i r ã o ter à s m ã o s pois o
Major D r u m m o n d e o M a r c i a n o e s t ã o incumbidos de remeter-mas ime-
diatamente. Teu P a i g u i a r - t e - á no que deves fazer p a r a esse f i m . Se
houver qualquer m o d i f i c a ç ã o a fazer na d i r e ç ã o das cartas eu o parti-
c i p a r e i a tempo. D i z a D. M a r c e l i n a que entreguei a sua c a r t a em
Montevideu. M a n d a - m e dizer o que tem havido a respeito das nomea-
ç õ e s para os lugares que deixei. E n f i m n ã o deixes de escrever-me man-
dando-me n o t í c i a c i r c u n s t a n c i a d a de tudo o que quer que por lá tiver
o c o r r i d o a nosso respeito. Dá muitas l e m b r a n ç a s a todos de n o s s a
família e de nossa amizade. Dá por m i m um beijo e um apertado a b r a -
ç o na nossa filhinha e recebe o c o r a ç ã o de teu marido, teu verdadeiro
amigo que muito te ama
* * *

M i n h a q u e r i d a esposa
Passo Verde, a bordo do transporte S. José
3" feira, 25 de setembro de 1866

M i n h a boa e v e r d a d e i r a a m i g a . C o n f o r m e te m a n d e i d i z e r na c a r t a
datada de 15 do corrente e escrita de Montevideu, deixei nesse dia essa
c i d a d e e segui p a r a C o r r i e n t e s no t r a n s p o r t e S. José, deixando o
M a r c i a n o empregado aí em bom emprego e bem recomendado. A v i a -
gem tem sido excelente, tenho passado muito bem de s a ú d e , n ã o tenho
enjoado, temos tido dias muito bonitos e l i n d í s s i m a s noites de luar.
Incomodam-me p o r é m e bastante as saudades de ti, de m i n h a filhinha,
de minha família e de meus amigos. N u n c a passei uma v i d a t ã o e s t ú p i -
da como a que estou tendo agora. E n c a l h a m o s em um grande banco de
areia e h á 4 dias que aqui estamos em lugar deserto sem e s p e r a n ç a s
de t ã o cedo desencalhar o vapor. A á g u a que aqui se bebe é do P a r a n á ,
muito o r d i n á r i a , carne j á nos vai faltando, p o r é m n ã o havemos de mor-
r e r à fome. O comandante do v a p o r mandou o p r á t i c o a t e r r a a v e r se
descobria alguma e s t â n c i a para c o m p r a r gado e alguns v í v e r e s . Se por
acaso n ã o encontrar, i r á a m a n h ã à c i d a d e de L a Paz que fica 6 ou 7
l é g u a s distante deste lugar e onde e n c o n t r a r á p r o v i s õ e s . A b a i x o te dou
n o t í c i a s mais m i n u c i o s a s de tudo o que tem o c o r r i d o nesta v i a g e m .
M a n d a - m e n o t í c i a s tuas, de m i n h a A l d i n a , de m i n h a M ã e , m i n h a s
manas, do P e ç a n h a , de D. O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s , teu Pai, D. A l c i d a
e seu E r n e s t o , enfim de todas as pessoas de fam" e de amizade. J á te
mandei p r e v e n i r que quando me q u i s e r e m e s c r e v e r devem fechar as
cartas com o sobrescrito p a r a m i m em um envelope d i r i g i n d o - a s p a r a
M o n t e v i d e u ao Major de E n g e n h e i r o s Dr. A n t ô n i o Pedro Monteiro de
Drummond, diretor do Hospital Militar em Montevideu, ou ao Marciano,
p o r q u e d a í me s e r ã o r e m e t i d a s p a r a o l u g a r em que eu estiver. E u
e s c r e v e r e i por todos os t r a n s p o r t e s ou paquetes que p a r a lá forem.
M a n d a - m e dizer minuciosamente tudo o que tiver o c o r r i d o em nossa
c a s a desde que d a í p a r t i . O Dr. B a r r e t o ficou de ir d i r e t a m e n t e a
B a e p e n d i , por especial favor, saber n o t í c i a s do P e ç a n h a . Deus queira
que se tenha dado bem. M a n d a - m e dizer como v a i a M a r i q u i n h a s da
d i a r r e i a e se a preta que ficou ainda e s t á em casa e se vai servindo bem.
Diz-me o que iiouve sobre os empregos que deixei. C o m o esta te che-
g a r á à s m ã o s depois do dia 4 ou 5 de outubro manda-me dizer se rece-
beste a c o n s i g n a ç ã o de 200$000 que te deixei na pagadoria das tropas.
Se por acaso t i v e r h a v i d o a l g u m a d ú v i d a a esse respeito, o que n ã o
j u l g o p o s s í v e l , pois deixei tudo prevenido, manda-me dizer com fran-
queza p a r a que eu tome p r o v i d ê n c i a s . N ã o deixe de escrever-me. N ã o
podes fazer ideia da aflição em que estou por n ã o ter ainda recebido
cartas tuas. B e m sei n ã o haver ainda tempo de r e c e b ê - l a s . D i s s e r a m -
nos na cidade de R o s á r i o que tinha havido uma longa c o n f e r ê n c i a entre
L o p e z , M i t r e e F l o r e s e que t r a t a r a - s e das c o n d i ç õ e s da paz. O G a l .
P o l i d o r o n ã o quis a s s i s t i r a ela e fez b e m . N ã o h á paz p o s s í v e l c o m
s e m e l h a n t e m o n s t r o , s ó aquela que s o b r e v i e r a j u s t a v i n g a n ç a que
estamos tomando. E s t a n o t í c i a c o r r e aqui como certa e falam dela as
folhas oficiais. Deus q u e i r a que n ã o tenhamos alguma paz v e r g o n h o -
sa depois de tantos s a c r i f í c i o s . No desterro em que estamos n ã o temos
tido n o t í c i a alguma mais a esse respeito.
Vou dar-te agora n o t í c i a s do que tem o c o r r i d o desde que parti de
M o n t e v i d e u a t é este ponto em que o vapor encalhou. {Mando-te ligei-
ros apontamentos que tomei depressa.) No s á b a d o dia 15 à s 5 1/2 da
tarde seguimos v i a g e m para C o r r i e n t e s . Navegamos pelo rio da P r a t a
a c i m a . É um i m e n s o e majestoso r i o . C o l o c a d o no meio dele n ã o se
avistam as margens, s ó se v ê (sic) c é u e á g u a s . O vapor fundeou à s 10
horas da noite e seguiu v i a g e m no outro dia à s 6 horas da m a n h ã . A o
meio-dia [...] em frente à cidade de B u e n o s A i r e s . O comandante foi
b u s c a r um p r á t i c o p a r a podermos continuar a viagem. A pouca demo-
r a que d e v í a m o s ter n ã o permitiu que f ô s s e m o s a t e r r a . Senti bastan-
te. Desejava ver esta cidade que faz h o n r a ã A m é r i c a do S u l . Na volta
espero vê-la. O comandante voltou à s 4 da tarde trazendo o p r á t i c o .
S u s p e n d e m o s e s e g u i m o s v i a g e m rio a c i m a , h a v i a muita c e r r a ç ã o e
s o p r a v a o vento N . Passamos pelo v a p o r e n c o u r a ç a d o Herval e demos
fundo à s 8 horas da noite. No dia seguinte seguimos viagem às 5 horas
da m a n h ã e à s 9 avistamos M a r t i n G a r c i a . É uma pequena ilha mal for-
tificada e g u a r n e c i d a por um destacamento de f o r ç a s A r g e n t i n a s . H á
um quartel e algumas casas pequenas. H a v i a um navio fundeado perto
tendo a bandeira A r g e n t i n a . À s lOh e 40m e s t á v a m o s em um ponto em
(sic) os dois r i o s U r u g u a i e P a r a n á j u n t a m suas á g u a s formando o rio
da P r a t a . É um l u g a r b e l í s s i m o . V ê e m - s e i m e n s a s ilhas c o b e r t a s de
m a c e g a e pequenos a r b u s t o s . O rio U r u g u a i divide-se aí em muitos
b r a ç o s formando as muitas e grandes ilinas de que falei. E s t á v a m o s em
frente à boca do G u a s s u , que é uma das bocas do U r u g u a i . Seguimos
pelo P a r a n á . A s margens aqui s ã o mais p r ó x i m a s , ou por outra o rio é
mais estreito. Às l l h demos reboque a uma escuna que estava encalha-
da e d e m a n d a v a a cidade do P a r a n á . D u r a n t e todo o dia í a m o s vendo
p l a n í c i e s imensas, ilhas, bonitas enseadas. À s 5 1/2 passamos por um
lugar muito pitoresco. E r a uma pequena mas bonita ilha b o r d a d a por
uma p r a i a de areia. H a v i a um lago no i n t e r i o r e à beira do lago g r a n -
des e copadas á r v o r e s . A o p é havia uma pequena casa de s a p é e alguns
í n d i o s sentados à porta. Isolados no meio do r i o , longe dos povoados
aquela pobre gente vive entregue aos r e c u r s o s da natureza. A c a ç a e a
pesca s ã o os ú n i c o s meios de s u b s i s t ê n c i a . F u n d e a m o s à s 10 horas da
noite. No dia s e g " 18 seguimos v i a g e m à s 6 h o r a s da m a n h ã . À s 9 pas-
samos por T o n e l e r o s - v i m o s a b a r r a n c a da qual as f o r ç a s de R o s a s
fizeram fogo sobre os vapores B r a s i l e i r o s que l e v a v a m f o r ç a s nossas
p a r a unirem-se ao G a l . U r q u i z a . A o meio-dia e s t á v a m o s em frente ao
pueblo de S. Nicolau. É uma pequena p o v o a ç ã o que fica à m a r g e m di-
reita do P a r a n á e situada 1/4 de l é g u a distante dela. V ê - s e (sic) com au-
xílio de ó c u l o s a l g u n s e d i f í c i o s d i s p o s t o s em q u a d r a s f o r m a n d o o
n ú c l e o deste p o v o a d o e a l g u n s outros d i s p e r s o s em t o r n o dele. H á
alguns sobrados de m á c o n s t r u ç ã o , uns caiados e outros n ã o , algumas
casas s ã o munidas de s ó t ã o e outras cobertas de palha. A m a r g e m do
rio neste povoado é uma extensa p r a i a de areia (o que acontece r a r a s
vezes nestas paragens). À uma hora e meia avistamos algumas casas e
as duas t o r r e s de uma igreja da Vila da C o n s t i t u i ç ã o ( P r o v í n c i a de S.
Fé). A m a r g e m e s q u e r d a é uma b a r r a n c a de 3 b r a ç a s de a l t u r a que
medem a e l e v a ç ã o do solo plano na horizontal. A b a i x o um pouco a v i s -
ta se estende por uma vasta p l a n í c i e coberta de g r a m a e de salseiros
dispersos. E x i s t e por aí alguma e s t â n c i a de c r i a ç ã o pois vimos imensos
rebanhos, muito gado, cavalos que p a s t a v a m . E m frente a este ponto
fica a ilha do P a v ã o - tendo em seu centro uma vasta lagoa. U m exten-
so banco de areia de 5 b r a ç a s de l a r g u r a c o m 200 mais ou menos de
comprimento fecha a entrada de uma enseada formando a lagoa acima
m e n c i o n a d a . À s 2 h o r a s passamos por um v a p o r que e s t á h á mais de
15 dias e n c a l h a d o . [...] nestas p a r a g e n s bonitas p r a i a s e um g r a n d e
banco que [...] 4 ou 6 palmos a c i m a das á g u a s . A s margens, como por
toda parte em M o n t e v i d e u , s ã o imensas p l a n í c i e s cobertas de mace-
gas e pequenos arbustos. Avista-se ainda daqui a Vila da C o n s t i t u i ç ã o .
Deste ponto a t é a cidade de R o s á r i o o rio alarga-se muito, forma g r a n -
des e bonitas ilhas tendo quase todas imensos lagos no seu i n t e r i o r e
as margens s ã o p l a n í c i e s e paludais (sic).
À s 5 1/2 c h e g a m o s à cidade de R o s á r i o . F u n d e a m o s muito perto
dela e saltamos. S u b i m o s uma pequena ladeira depois de termos pas-
sado um largo que fica perto do desembarque onde h á 5 ou 6 [...] pe-
quenas, e fomos ter à P r a ç a 25 de M a i o - onde existe a igreja que é
bonita; há um alpendre na frente sustentado por [...] intervalados de 15
palmos ( n ã o pudemos vê-la por dentro). A cidade é cortada por muitas
ruas de 40 a 50 palmos de l a r g u r a e muito c o m p r i d a s , que se c r u z a m
perpendicularmente dividindo-se em muitas quadras. Há alguns edifí-
cios bons, sobrados e casas t é r r e a s ; a m a i o r parte é p o r é m formada
por pequenas casas t é r r e a s e de muito m á c o n s t r u ç ã o e arquitetura.
Mesmo dentro da cidade encontram-se muitas casas cobertas de palha,
havendo muitas delas nas extremidades das ruas que do centro condu-
zem aos a r r a b a l d e s . A s p r a ç a s s ã o quadradas [...] q u a d r a s vazias no
interior da cidade. A p r i n c i p a l é a 25 de M a i o de que acima falei. F i c a
(sic) aí a igreja, o quartel de polícia e alguns edifícios piíblicos. A s casas
que g u a r n e c e m a p r a ç a s ã o das t é r r e a s à e x c e ç ã o de 2 s o b r a d o s e 2
pequenos s ó t ã o s , todos de m á a p a r ê n c i a . De cada v é r t i c e partem duas
ruas seguindo os prolongamentos dos lados do quadrado que forma a
p r a ç a . H á no meio dela uma coluna de 50 a 60 palmos de altura. Nas 4
faces do pedestal l ê e m - s e as seguintes i n s c r i ç õ e s , em frente da igreja
- 25 de Maio de 1810 - do lado esquerdo - h i s t a l a ç ã o da Municipalidade
em 18 de f e v e r e i r o de 1850 - à d i r e i t a - J u r a m e n t o da C o n s t i t u i ç ã o
P r o v i n c i a l em | . . . ] agosto de 1856 e na outra face - 9 de j u l h o de 1816.
U m a grade de ferro c e r c a a coluna. H á 4 e s t á t u a s colocadas nas pilas-
t r a s que f o r m a m os v é r t i c e s do q u a d r a d o cujos lados s ã o fechados
pelas grades de ferro.
Há nesta cidade muitas casas de n e g ó c i o s boas e bem sortidas, mui-
tas lojas de manufaturas tornando-se n o t á v e i s , uma loja de roupa feita
com grande e v a r i a d o sortimento, uma casa de m ó v e i s onde se encon-
t r a m r i c a s m o b í l i a s de j a c a r a n d á , mogno etc. (é um d e p ó s i t o de bons
e ricos trastes), muitos d e p ó s i t o s de l a m p i õ e s a querosene, que podem
r i v a l i z a r com o grande e m p ó r i o do R i o de J a n e i r o e com a sua filial de
Montevideu. H á muitas f a r m á c i a s sortidas e arranjadas com luxo, m u i -
tos cafés e bilhares r i q u í s s i m o s (como por exemplo o de Paris). Haviam
(sic) aí 4 bilhares, muitas mesas [...] p a r a tomar café; s o f á s estofados.
g r a n d e s e ricos [...] e quadros. H á bons liotéis, muitas lojas de f e r r a -
gens, lojas de [...], de alfaiates, etc. A s ruas s ã o , umas c a l ç a d a s e outras
sem c a l ç a m e n t o a l g u m . Os passeios das ruas de tijolos e estes maus
(alguns passeios s ã o sustentados por tirantes de madeira). A s ruas s ã o
todas [...] e as á g u a s da chuva bem canalizadas. N ã o h á , assim como em
M o n t e v i d e u , chafariz algum na cidade. Bebe-se á g u a do P a r a n á [...]
A l g i b e s (cisternas de que s ã o munidas todas as casas e onde se [...] a
á g u a da c h u v a . A s s o t é i a s s ã o para esse fim munidas de tubos [...] que
conduzem a á g u a para os algibes. E s t a á g u a n ã o é das melhores, nem
das mais asseadas, pois as s o t é i a s n ã o s ã o tratadas com cuidado. A
cidade é i l u m i n a d a por l a m p i õ e s de querosene. Os l a m p i õ e s s ã o colo-
cados a d i s t â n c i a s convenientes p a r a a boa i l u m i n a ç ã o (a i l u m i n a ç ã o é
sustentada pelos p a r t i c u l a r e s ) . E m todas as esquinas, os l a m p i õ e s s ã o
s u b s t i t u í d o s por g r a n d e s a r a n d e l a s e h á em c a d a uma das e s q u i n a s
frades de madeira que impedem que os c a r r o s estraguem [...]. H á pou-
cos sobrados, mas estes g r a n d e s e de elegante arquitetura. Todos os
edifícios s ã o c o n s t r u í d o s de tijolos. A m a d e i r a e a pedra s ã o aqui r a r í s -
simas. S ó as portas e j a n e l a s s ã o de m a d e i r a , tudo mais é tijolo. Nas
p r o x i m i d a d e s da cidade e em torno dela h á muitas c a s i n h a s pobres de
pau-a-pique, cobertas de s a p é . O desembarque é p é s s i m o . N ã o h á uma
ú n i c a o b r a de c o n s t r u ç ã o p a r a m e l h o r á - l o . O povo aqui é o que h á de
pior. O s homens da classe baixa andam todos vestidos de - c h i v i p á s -
no que fazem c o n s i s t i r todo o seu [...]. S ã o todos de m á a p a r ê n c i a e, ou
por ignorantes ou por [...] seus chefes, i n i m i g o s dos B r a s i l e i r o s . C o n -
c o r r e m t a m b é m muito p a r a isso os F r a n c e s e s e Italianos que por aqui
a b u n d a m . C h e g a o ó d i o [...] por estas, c o m o por q u a l q u e r destas
pequenas cidades do P r a t a , que p r o v o c a m aos B r a s i l e i r o s (principal-
mente os militares) com palavras e [...] p r ó p r i o s de um povo como este
t ã o p r ó x i m o ainda do estado selvagem. Muitos fatos de roubos e assas-
sinatos que se t ê m dado [...] ver que é sempre com risco que os estran-
geiros, p r i n c i p a l m e n t e os B r a s i l e i r o s , v i s i t a m estas cidades, porque
e s t ã o quase sempre expostos aos p u n h a i s dos a s s a s s i n o s ou dos l a -
d r õ e s . A hospitalidade que se encontra nestes m i s e r á v e i s é a do punhal
e a do r e v ó l v e r e aquela que se pode obter é c o m p r a d a a peso de ouro.
E s t e s infames, por i g n o r â n c i a ou por seus maus instintos, em lugar de
receber como amigos aos filhos do p a í s que tantos b e n e f í c i o s lhes tem
feito, se limitam a t r a t á - l o s com i n g r a t i d ã o , v ã o adiante, s ã o os nos-
sos mais e n c a r n i ç a d o s inimigos. Pode ser que assim n ã o a c o n t e ç a , mas
as a p a r ê n c i a s s ã o condenadoras e os fatos que se t ê m dado d e i x a m -
nos m u n i d o s c o n t r a esta gente. No dia seguinte (19) d e i x a m o s esta
c i d a d e . [...] A v i a g e m nada teve de n o t á v e l . P a s s a m o s por a l g u m a s
p o v o a ç õ e s muito pequenas e situadas a grandes d i s t â n c i a s umas das
outras. A mais n o t á v e l é a de Diamante. A margem do rio é aqui m o n -
t a n h o s a e a v e g e t a ç ã o mais v a r i a d a e abundante, c i r c u n s t â n c i a s que
n ã o se e n c o n t r a m em nenhum outro ponto do rio. Fundeamos à s 7 ho-
ras da noite e seguimos v i a g e m no outro dia à s 6 da m a n h ã . A o meio-
dia saltamos no norte da cidade do P a r a n á . O v e s t í b u l o c o r r e s p o n d e
perfeitamente ao edifício. À entrada do porto v ê e m - s e umas p a l h o ç a s ,
m i s e r á v e i s h a b i t a ç õ e s de pescadores e catraieiros [...] fornos mal cons-
t r u í d o s p a r a a c a l c i n a ç ã o do - g r é s - que aqui abunda e donde extraem
a cal. O rio em frente ao porto é bastante largo, n ã o permitindo mesmo
a ó c u l o distinguir-se os pontos da margem oposta. Há perto do desem-
barque uma ilha coberta de salsos - á r v o r e que por aqui abunda e en-
costado à outra m a r g e m um pouco abaixo um grande banco de areia.
U m a b a r r a n c a que se estende ao longo da margem esquerda forma os
m u r o s da cidade e oculta a vista dela, que e s t á situada a mais de uma
l é g u a do desembarque. Neste ponto n ã o h á um cais, uma ponte, abso-
lutamente nada que m e l h o r e o mau d e s e m b a r q u e que a n a t u r e z a aí
oferece. V ê - s e (sic) como te disse alguns [...] de palha muito pequenos
e mal c o n s t r u í d o s , lembrando as aldeias de nossos selvagens, montes
de pedras c a l c á r e a s dispostos em frente dos mal c o n s t r u í d o s fornos,
que os t ê m de reduzir a cal por meio da c a l c i n a ç ã o , homens de cor bron-
zeada e de m á catadura, ridiculamente vestidos com c a l ç a s largas e ca-
misolas, como a dos [...], com um pano passado por entre as pernas,
cujas pontas s ã o [...] à c i n t u r a , tomando o aspecto de saiotes curtos (a
que d ã o o nome de c h i v i p á s ) e d e s c a l ç o s , e uma grande quantidade de
mulheres lavando à beira do rio (as mulheres vestem-se como as nos-
sas). O que forma aqui a m a i o r i a da p o p u l a ç ã o é uma [...] cruzada de
E s p a n h ó i s e G u a r a n i s . S ã o p o r é m estes povos por seus costumes, sua
i g n o r â n c i a , sua i n d o l ê n c i a e t c , mais p r ó x i m o s dos G u a r a n i s do que E s -
p a n h ó i s . É um povo ainda inferior ao do R o s á r i o inimigo dos B r a s i -
leiros e de m á s t r a d i ç õ e s . A s i n f o r m a ç õ e s que tivemos previnem-nos
contra esta gente. E s t a p r e v e n ç ã o n ã o é p o r é m mal-entendido. Os mui-
tos fatos de roubos e assassinatos feitos em estrangeiros, principalmen-
te B r a s i l e i r o s , n ã o d ã o lugar a d ú v i d a s a esse respeito, f...] testemu-
nha da n e n h u m a hospitalidade, do modo indigno, insolente e brutal
por que somos aqui recebidos (e s ã o nossos aliados). Os homens covar-
des e p u s i l â n i m e s c o r r e s p o n d e m respeitosos aos c o m p r i m e n t o s (sic)
que lhes [...] quando passeamos por seus povoados e, pelas costas, c h a -
m a m - n o s de m a c a c o s , macaquitos, d ã o a s s o v i o s , etc. Respeitam-nos
quando a n d a m o s em n" suficiente p a r a r e p e l i r os seus insultos, mas
insultam-nos e p r o v o c a m - n o s quando andamos dispersos. E n f i m , nin-
g u é m sai d e s a r m a d o p a r a passear nestas cidades. O p r ó p r i o c ô n s u l é
o 1" a prevenir-nos para que n ã o passeemos à noite pela cidade porque
podemos sofrer alguma v i o l ê n c i a . Por aqui se pode avaliar de sua c i v i -
l i z a ç ã o . O governador é uma e s p é c i e de cacique a quem este povo obe-
dece como escravo. Longe de excitar-nos ó d i o e ideias de v i n g a n ç a essa
gente excita-nos a c o m p a i x ã o . S e m i n s t r u ç ã o , sem i n d ú s t r i a , sem [...],
c a r r e g a d o s de impostos e sem d i s t r a ç ã o s ã o apenas cegos i n s t r u m e n -
tos daqueles que os g o v e r n a m . I m b u í r a m - l h e s ideias falsas a respeito
do B r a s i l e j u l g a m - n o s seus inimigos, apesar das muitas p r o v a s que o
I m p é r i o tem dado de sua b o a - f é e suas boas i n t e n ç õ e s a estes maus vizi-
nhos. Os enormes s a c r i f í c i o s de sangue e de d i n h e i r o que temos feito
por eles s ã o sempre mal interpretados. A g o r a que a t r í p l i c e a l i a n ç a do
B r a s i l c o m estas r e p ú b l i c a s todas [...] f a v o r á v e l aos aliados e i m i n e n -
temente d e s f a v o r á v e l e a t é [...] deixa v e r a toda luz quanta generosida-
de v e r d a d e i r a e a t é [...] b o a - f é tem-se tido com eles, ainda muitos j o r -
nais nos insultam, atribuem-nos m á s i n t e n ç õ e s que n ã o temos e n u n c a
tivemos. E n t r e as pessoas mais ilustradas destas r e p ú b l i c a s h á felizmen-
te muitas que s ã o j u s t a s p a r a conosco e nossos amigos (sic), a m a i o r i a
p o r é m é formada de inimigos nossos. Desejo s i n c e r a m e n t e que estes
j u í z o s que [...] quase todas as pessoas, que c o n h e c e m esta [...] expli-
c a ç ã o que lhes seja f a v o r á v e l . S e m ser p o l í t i c o creio que devemos pro-
c u r a r uma política A m e r i c a n a , uma a l i a n ç a entre todos os E s t a d o s das
duas A m é r i c a s que oponha fortes b a r r e i r a s à s desenfreadas a m b i ç õ e s
da E u r o p a , p r i n c i p a l m e n t e da I n g l a t e r r a ; mas me parece i m p o s s í v e l
ou ao menos muito difícil. O s nossos sábios políticos - tratantes - , que
j á tantas vezes se t ê m p r o n u n c i a d o n e s s e sentido n e c e s s a r i a m e n t e
r e s o l v e r ã o esse grande e importante [...]. Vejo-lhes p o r é m pouco j e i t o
a c o n t i n u a r e m nesta [...] tantos anos tem sido seguida no r i o da Prata
e que t ã o funestos r e s u l t a d o s tem tido, l e v a n d o o B r a s i l a e n o r m e s
s a c r i f í c i o s de s a n g u e e de [...] e fazendo-o r e p r e s e n t a r o m a i s t r i s t e
papel. S i r v a de prova o tratado da Tríplice A l i a n ç a . Deixemos p o r é m de
parte estas tolices m i n h a s e voltemos à cidade do P a r a n á .
A cidade é pequena e de p é s s i m a c o n s t r u ç ã o . A s ruas s ã o c o m p r i -
das e b e m a l i n h a d a s ; n ã o h á p o r é m a t e r r o s n e m d e s a t e r r o s , o b r a
alguma praticada no terreno para t o r n á - l o s (sic) planos (sic), seguem to-
das as o n d u l a ç õ e s e i r r e g u l a r i d a d e s do t e r r e n o . A s casas s ã o quase
todas muito pequenas, muito baixas, sem arquitetura alguma e de p é s -
s i m a c o n s t r u ç ã o . C o m o em Montevideu e R o s á r i o t ê m quase todas [...]
e seguem as mesmas d i v i s õ e s i n t e r n a s . U m a saleta na frente, [...] ao
lado, dando para a rua, uma á r e a depois da sala da [...] munida do inse-
p a r á v e l algibe para receber á g u a da c h u v a , [...] e quartos ao longo da
casa. A s janelas das casas t é r r e a s s ã o todas munidas de grossas grades
de ferro do mesmo modo que nas outras cidades acima mencionadas.
Há dez ou doze sobrados em toda a [...] e estes mesmos maus e peque-
nos. Os melhores s ã o os 5 que ficam situados n a p r a ç a p r i n c i p a l . U m
deles é a casa do G e n e r a l Urquiza, com cinco janelas de grade de ferro,
tem p o r é m muito pouco fundo. Outros h á iguais a este, um dos quais
e s t á do mesmo lado onde se reunia a assembleia, [...] ficando por baixo
dele algumas r e p a r t i ç õ e s p ú b l i c a s , [...] defronte, r e s i d ê n c i a do gover-
nador, e o 5" n a esquina da r u a do G e n e r a l U r q u i z a . Os outros edifí-
cios que f o r m a m a p r a ç a s ã o a igreja e algumas casas t é r r e a s o r d i n á -
rias. E s t a p r a ç a é pouco m a i o r que a [...] no R i o de J a n e i r o . A Igreja
M a t r i z é grande, para a p o p u l a ç ã o , [...] b a i x a n ã o guardando h a r m o -
nia com a altura de suas duas torres [...] no sistema seguido pelos j e s u í -
tas. O corpo da igreja é alto [...] e sustentado por colunas. Há uma nave
onde e s t ã o [...] capelas; entre elas há uma onde e s t á uma grande e boni-
ta imagem do S e n h o r dos Passos. O orago da igreja é - J e s u s , M a r i a ,
J o s é . S ã o M i g u e l , por n ã o estar c o n c l u í d a a sua igreja, é hospede da
Igreja M a t r i z . O padroeiro do lugar é S ã o M i g u e l . O exterior da Igreja
M a t r i z é de m á a p a r ê n c i a . A cidade dividida em d i v e r s a s quadras. A s
ruas s ã o estreitas e muito compridas, n ã o h á c a l ç a m e n t o algum, os pas-
seios s ã o de tijolos e muito maus, isto nas p r i n c i p a i s , porque a maior
parte n ã o os tem. H á no i n t e r i o r da c i d a d e [...] c a s i n h a s o r d i n á r i a s
cobertas de palha, poucas casas de [...] boas. A s melhores s ã o todas
e s t r a n g e i r a s (de Italianos ou de F r a n c e s e s ) essas m e s m a s m a l s o r t i -
das; as outras s ã o vendas e [...] muito pobres. H á muitas boticas sofrí-
veis, a melhor é a da Matriz (é n o t á v e l a quantidade de boticas que se
e n c o n t r a m nestas c i d a d e z i n h a s . N ã o é b o m i n d í c i o de sua s a l u b r i d a -
de). H á na m e s m a p r a ç a u m a loja de fazenda e a r m a r i n h o bem [...]
algum luxo p a r a este lugar. A i l u m i n a ç ã o da cidade é feita por particu-
lares. É de querosene. Bebe-se a á g u a do P a r a n á ou a dos algibes. N ã o
vi nem um j a r d i m , nem uma c h á c a r a , n e n h u m a horta [...] que fosse. A
cidade fica situada sobre uma vasta p l a n í c i e , tem pouca e l e v a ç ã o . (Toda
esta extensa p l a n í c i e sobre a qual [...] os dois grandes rios - U r u g u a i e
P a r a n á é formada [...] e s t é r e i s e completamente abandonadas ã natu-
reza que apenas [...] produz alguns pastos maus. A o menos é o que se
o b s e r v a à s margens a t é onde a vista pode a l c a n ç a r . A natureza é aqui
sempre a mesma e n ã o h á variedade nem no aspecto do terreno nem na
v e g e t a ç ã o . U m a e s p é c i e de s a p é a que c h a m a m macega, arbustos e [...]
de m á a p a r ê n c i a e s p a l h a m a m o n o t o n i a por t o d a s estas [...] estas
pequenas cidades, alguns povoados m i s e r á v e i s e algumas p a l h o ç a s de
í n d i o s muito distantes entre s i , tudo o m a i s é um completo deserto.
N ã o h á por aqui o que se c o m p a r e à poesia e beleza que nos oferece a
natureza no nosso p a í s . H á p a n o r a m a s bonitos com efeito mas n u n c a
iguais aos que oferecem nossas verdes florestas, nossos campos, nos-
sos r i o s , etc.) E s t e p a r ê n t e s i s j á ia c o m p r i d o e atoleimado, por isso
fechei-o d e p r e s s a . [...] cidade. H á por aqui uma P r a ç a do M e r c a d o
pequena e m á , 4 ou 5 [...] dos estrangeiros (o melhor em q u e j a n t a m o s
é o H o t e l de F r a n ç a , situado na R u a G e n e r a l U r q u i z a perto da p r a ç a .
A l é m da Igreja Matriz h á outra que é a de S. Miguel. F i c a em um peque-
no l a r g o em frente à R u a do S e n h o r dos P a s s o s . H á somente duas
pequenas escolas de i n s t r u ç ã o p r i m á r i a , u m a p a r a o sexo [...] o u t r a
p a r a os c h i v i p a z i n h o s e estas m e s m a s m a l freqtientadas. N ã o h á
b i b l i o t e c a ou l i v r a r i a , h á a p e n a s u m a r m a r i n h o onde se v e n d e m
alguns [...] m a i o r parte folhetos e alguns r o m a n c e s maus. A s duas m a l
o r g a n i z a d a s escolas s ã o o ú n i c o foco de i n s t r u ç ã o p a r a este pobre
povo. N ã o h á um passeio p ú b l i c o , um s ó teatro, enfim n ã o [há] meio
algum de d i s t r a ç ã o p a r a esta gente. A l a v o u r a e a a g r i c u l t u r a s ã o aqui
completamente desprezadas. Na p r o x i m i d a d e s da cidade e em torno
dela h á uma grande quantidade de p a l h o ç a s muito pobres, [...] umas
l a r a n j e i r a s ( ú n i c a á r v o r e f r u t í f e r a que a q u i e n c o n t r e i ) . F r u t o s n ã o
havia. D i s s e r a m - m e que na P r o v í n c i a h á algumas e s t â n c i a s e peque-
nas c h á c a r a s , mas insuficientes mesmo p a r a abastecerem o mercado
desta cidade. A s mulheres da melhor classe s ã o em geral claras, coradas
e de f i s i o n o m i a s a g r a d á v e i s ( n ã o v á s ficar c o m c i ú m e s . [...] n e m ao
menos quis i r c o m meus c o m p a n h e i r o s a a l g u m a s casas c o n h e c i d a s
[ . . . ] . A s da p i o r c l a s s e ( v i r g e m n o s s a s e n h o r a ) s ã o u m a s c a s c a v é i s ,
bichos feios e a t é [...].
Os soldados e os policiais andam d e s c a l ç o s , vestidos de c h i v i p á s e
trazem c h a p é u s de palha ou de feltro, sem nenhuma uniformidade, es-
padas tortas e [...]. F a l a - s e muito o g u a r a n i por esta cidade (a gente
baixa). N ã o se ouve, quando p a s s a m pelos outros, s e n ã o - b a t e c ó p a ,
batecopora - , isto em língua de gente quer dizer: como e s t á s , estou bem,
obrigado. E u t a m b é m fui dando b a t e c ó p a s a toda aquela gente e quan-
do me d a v a m b a t e c ó p a a r r u m a v a - l h e s com o batecopora. F o i s ó o que
aprendi, mas fui [...] e x t r a ç ã o a estes meus conhecimentos. Dei b a t e c ó -
pa a um meninozinho, a um batecopazinho e falou mais de 10 minutos
sem dizer batecopora; n e c e s s a r i a m e n t e estava me passando alguma
grande descompostura. A l é m das grandes e s t â n c i a s de c r i a ç ã o , a i n -
d ú s t r i a limita-se aqui à f a b r i c a ç ã o de manteiga, que é sofrível, queijo,
que é mau, tijolos e isso mesmo em muito pequena escala. O leite é mau
em c o n s e q u ê n c i a dos pastos que s ã o ruins e escassos. A s s i s t i m o s aqui
à p r o c i s s ã o de S. M i g u e l . T í n h a m o s acabado de j a n t a r e í a m o s p a r a
bordo quando disseram que havia uma p r o c i s s ã o . Demoramo-nos para
vê-la. Percorremos toda a Rua de .S. Miguel que é uma daquelas por on-
de a p r o c i s s ã o tinha de passar. E m quase todas as casas havia mesas
pequenas [...] todas as j a n e l a s com vasos de flores e folhas. A rua esta-
va cheia de [...] d i s t â n c i a havia no meio da rua mesas cobertas com toa-
lhas de damasco p a r a d e s c a n s a r e m o andor. O santo é pequenino (do
tamanho da nossa pequerrucha) pelas portas, pelas s o t é i a s (pelas j a n e -
las n ã o porque esta gente n ã o chega à janela em c o n s e q u ê n c i a das gros-
sas g r a d e s [...] h a v i a m (sic) muitas m o ç a s (e velhas). À s cinco horas
saiu a p r o c i s s ã o ([...] me dizer que as r u a s e s t a v a m e m b a n d e i r a d a s .
H a v i a m (sic) bandeiras de todas as n a ç õ e s menos a bandeira Brasileira.
O mesmo se d á em qualquer festa em Montevideu. E s ã o nossos alia-
dos!) Quatro homens vestidos de opas pretas carregavam o andor e seis
padres armados de grandes tochas iam na frente, a t r á s do andor vinha
um a l u v i ã o de mulheres trazendo todas um xale ou pano pela c a b e ç a ,
muitos c h i v i p á s e opas, uma quantidade e x t r a o r d i n á r i a de meninos etc.
( h a v i a m (sic) t a m b é m m o ç a s vestidas como as nossas). A t r á s de tudo
isto v i n h a uma g u a r d a de soldados de p é s d e s c a l ç o s , com os seus c h i -
v i p á s , suas espadas desembainhadas e gingando como fazem os m e n i -
nos que representam os anjinhos em nossas p r o c i s s õ e s . T a m b é m estas
lorpas e r a m os ú n i c o s [...] da p r o c i s s ã o . A p r o c i s s ã o foi p a r a a igreja,
entrou por uma porta e saiu pela outra e mande E l Rei Nosso S e n h o r
contar outra. N ã o é assim que costumam acabar as nossas h i s t ó r i a s ?
o v a p o r desencalhou no dia 28 e seguimos v i a g e m depois de 6 dias
de encalhe em um lugar mau e completamente [...]. De Corrientes ou do
E x é r c i t o te mandarei dizer tudo o que v i r em m i n h a v i a g e m . E s t a é a 3"
carta que te escrevo [...] no correio cartas minhas caso n ã o tenhas rece-
bido as longas cartas que te e s c r e v i . U m a de S t a . C a t a r i n a , outra de
M o n t e v i d e u . E s c r e v a m - m e por M o n t e v i d e u d i r i g i n d o as c a r t a s ao
Major Dr. A n t ô n i o Pedro M o n t e i r o de D r u m m o n d conforme disse ou
ao M a r c i a n o . A c h o bom que escrevas as tuas cartas em duplicata divin-
do (sic) uma pelo c o r r e i o outra pelo Q'''-Gen''' ou outra qualquer v i a .
C o m o vai a m i n h a filhinha? D á - l h e muitos beijos por m i m , a b e n ç o a - a
de m i n h a parte. T e n h o tido muitas s a u d a d e s tuas ( n ã o podes fazer
ideia. Contento-me p o r é m em olhar p a r a o teu retrato que sempre me
h á - d e acompanhar). C a d a vez sinto mais com verdadeiro prazer quan-
to sou teu amigo e sei que t a m b é m sentes o mesmo. D á muitas lem-
b r a n ç a s a todos de nossa fam" e a todas as pessoas de nossa amizade.
O G u i m a r ã e s , Veiga, H o n ó r i o , C o i m b r a , Luiz que me e s c r e v a m [...] se
zanguem por lhes ter escrito. L e m b r e m - s e sempre em (sic) m i m o v e r -
dadeiro e sincero amigo agradecido. Dá l e m b r a n ç a s ao [...] e fala-lhe
sobre a I r m a n d a d e da C r u z e sobre a m i n h a patente. M a n d a - m e dizer
p a r a onde te mudaste. Pergunta pelos retratos ao G u i m a r ã e s .
A d e u s , m i n h a boa amiga, aceita um apertado a b r a ç o do teu marido
que muito ama e respeita.

B e n j a m i n C o n s t a n t Botelho de M a g a l h ã e s

* * *

M i n h a q u e r i d a esposa
C o r r i e n t e s 3 de outubro de 1866

Saltei nesta c i d a d e no d i a 2. N ã o tenho t e m p o p a r a dizer-te n a d a a


respeito dela. S ó que é a pior que se pode imaginar. N ã o fazes ideia
quanto me alegrou receber a tua c a r t i n h a , a de teu Pai e do G u i m a r ã e s
e do V e i g a . E s t a v a aflito p o r s a b e r de t i , da m i n h a A l d i n i n h a , de
m i n h a s m a n a s , do P e ç a n h a , D o n a O l í m p i a , deles todos. T i v e um p r a -
zer c o m o n u n c a senti em t o d a a m i n i i a v i d a . E s t a v a em c a s a do
O t a v i a n o q u a n d o a r e c e b i e a b r i - a imediatamente. A o ler tua c a r t i -
nha, as l á g r i m a s c o r r i a m - m e sem que eu sentisse. U m major meu com-
p a n h e i r o e amigo que estava a meu lado foi quem me despertou per-
guntando-me se t i n h a recebido m á s n o t í c i a s . O homem acostumado
ao i n f o r t ú n i o e ao sofrimento n ã o estava p r e p a r a d o p a r a esse lampe-
j o de felicidade. P o d e r i a s e n c o n t r a r um h o m e m que te fizesse m u i t í s -
simo feliz, mas n u n c a h a v i a s de a c h a r um que te amasse mais do que
eu. T a m b é m nada mais te posso oferecer e a meus filhos que uma pro-
funda e s i n c e r a amizade e uma vida sem mancha. Li e reli muitas vezes
a tua carta, beijei o teu retrato e apertei-o muitas vezes contra o peito,
e r a o ú n i c o lenitivo que e n c o n t r a v a , neste lugar ingrato, à saudade
que me r o í a . E s c r e v e sempre que puderes cartas longas, onde me fales
muitas vezes de ti, de minha inocente filhinha, de minhas i r m ã s , minha
M ã e , teu P a i , D . O l í m p i a , D . M a r i q u i n h a s , enfim de todos os nossos
parentes e amigos. C o n t a - m e todas as t r a v e s s u r a s de nossa filhinha.
Sei que é s m i n h a amiga e que deves ter sofrido muito com esta sepa-
r a ç ã o . J u l g o por m i m ; mas tem p a c i ê n c i a , ela n ã o h á - d e ser eterna,
tenho pressentimento disso. E m breve estarei j u n t o da m i n h a fam" e
de meus amigos e e n t ã o nunca mais nos separaremos. Lembra-te sem-
p r e de teu v e r d a d e i r o , mas infeliz a m i g o . A b e n ç o a todos os dias e
a b e n ç o a por m i m a m i n h a q u e r i d a filhinha. M i n h a amiga, sigo ama-
n h ã p a r a o acampamento. N ã o tenhas receio. E u atenderei à tua reco-
m e n d a ç ã o e demais as m i n h a s c o m i s s õ e s n ã o s ã o a r r i s c a d a s . Nada
me a c o n t e c e r á . T u a i m a g e m e a de m i n h a f i l h i n h a e s t a r ã o s e m p r e
d i a n t e de m i m e as balas me r e s p e i t a r ã o . É p o r t a d o r desta o meu
amigo o l i m o . Sr. Dr. B e r n a r d i n o M a r q u e s Roiz da C o s t a . É uma pes-
soa de excelentes qualidades a quem muito me afeiçoei. Tem sido meu
i n s e p a r á v e l c o m p a n h e i r o e tenho r e c o n h e c i d o nele um bom amigo,
um bom pai de fam" e um homem de v e r d a d e i r a honradez. Recebe-o
e trata-o o melhor que puderes e apresenta-o a teu P a i . F o i c o m p a -
nheiro de viagem de D. O l í m p i a e do Dr. G o n ç a l v e s Dias quando foram
p a r a a E u r o p a . N e s t a data e s c r e v o a G u i l h e r m i n a e L e o p o l d i n a .
M a n d o - l h e falar sobre a m u d a n ç a de c a s a e se o P e ç a n h a voltou. N ã o
faça s s a c r i f í c i o s a ponto de sofrer necessidades. B a s t a m aquelas a que
és o b r i g a d a . Se a G u i l h e r m i n a e m i n h a tia q u i s e r e m acompanhar-te,
bem, muda-te. Se n ã o , tem p a c i ê n c i a . P r o c u r a uma c a s i n h a onde pos-
sam morar juntos com mais a c o m o d a ç õ e s . E u mando dizer a
G u i l h e r m i n a que n ã o deve p ô r o b s t á c u l o s e mando-lhe falar t a m b é m
s o b r e a p e q u e n a m e n s a l i d a d e que lhe d e i x e i . M i n h a q u e r i d a e boa
a m i g a , p r o c u r a ver se visitas a m i n h a M ã e , d á - l h e por m i m um aper-
tado a b r a ç o e diz-lhe que eu e o M a r c i a n o estamos bons. Dá t a m b é m
por m i m um a b r a ç o a teu P a i e agradece-lhe a c a r t i n h a que me escre-
veu. O Otaviano recebeu-me muito bem e estivemos muito tempo con-
v e r s a n d o , por d i v e r s a s v e z e s . F e z - m e s i n c e r o s o f e r e c i m e n t o s , mas
n a d a me pode fazer do pouco que lhe pedi p o r q u e volta depois de
a m a n h ã p a r a essa C o r t e . E s t á muito desgostoso com os nossos n e g ó -
cios. O [...] B e r n a r d i n o te d i r á a d i s c u s s ã o que tive com ele a respeito
do infame F e r r a z . [...] quando lhe contei muitos atos de t r a i ç ã o e m á -
fé que p r a t i c o u com alguns oficiais e m é d i c o s que v i e r a m comigo. O
O t a v i a n o falou muito bem de D . O l í m p i a e de teu P a i . F a l e i - l h e com a
franqueza de h o m e m de b r i o que n ã o teme as c o n s e q i i ê n c i a s e pugna
pela j u s t i ç a . Prometo-te ser mais comedido em meu g é n i o quando esti-
v e r em campo; mas desta vez n ã o pude conter-me. N ã o pensei que o
O t a v i a n o j á me conhecesse, conforme ele me disse. Se n ã o fosse a c i r -
c u n s t â n c i a de ter de r e t i r a r - s e e as m á s r e l a ç õ e s em que e s t á [...] e tal-
vez as c a r t a s que [...] me fizessem ter uma boa c o m i s s ã o ; mas neste
[...] n ã o sei. M i n h a boa a m i g u i n h a , lembra-te do nosso f i l h i n h o que
e s t á a n a s c e r e a quem desde j á a b e n ç o o do fundo da a l m a e p e ç o a
D e u s que o proteja e a t i . N ã o te amofines e fazes (sic) todos os esfor-
ç o s p a r a que sejas bem-sucedida. A nossa amiga D e l m i r a n ã o te aban-
d o n a r á decerto. Deus p e r m i t a que sejas muito feliz. A b e n ç o a e beija
por m i m esse segundo fruto do a m o r o m a i s p u r o que te c o n s a g r o .
A d e u s , m i n h a q u e r i d a . Dá m u i t a s s a u d a d e s a teu b o m P a i , à D .
O l í m p i a , D . A l c i d a , D. M a r i q u i n h a s , D . D e l m i r a , D . J o a q u i n a e toda
n o s s a fam", D . R i t a e toda s u a fam", D . M a r i a R o c h a e s e u m a r i d o .
M a r g a r i d a , ao primo Palha e as p r i m a s e aos meus bons amigos Veiga,
G u i m a r ã e s , E r n e s t o S e i x a s , H o n ó r i o , C o i m b r a , Luís R o c h a L i m a , Dr.
B a r r e t o e a teu mano J o ã o . Diz-lhe da m i n h a parte que n ã o v e n h a p a r a
cá. Isto por aqui é h o r r í v e l ( n i n g u é m pode i m a g i n a r ) .

Diz ao H o n ó r i o que tenho tido n o t í c i a s do T i b ú r c i o , que e s t á bom e


que lhe m a n d a muitas l e m b r a n ç a s m i n h a s ao M a l a q u i a s , ao C r i s t i a n o
e a todos de s u a fam". E s c r e v e - m e p o r todos os paquetes [...] a
M o n t e v i d e u ao Dr. A n t ô n i o Pedro Monteiro de D r u m m o n d , diretor do
Hospital M i l i t a r porque d a í as cartas me s e r ã o remetidas. L e m b r a - t e
que me fazes c h o r a r de p r a z e r q u a n d o me d á s n o t í c i a s tuas. A d e u s ,
m i n h a esposa boa e v e r d a d e i r a amiga, aceita um apertado a b r a ç o , a
b ê n ç ã o p a r a a m i n h a filhinha e o c o r a ç ã o saudoso de teu m a r i d o e teu
v e r d a d e i r o amigo.

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

E s c r e v a m t a m b é m ao M a r c i a n o que c o m o d i s s e nas m i n h a s c a r t a s
a n t e r i o r e s ficou em M o n t e v i d e u empregado. E l e t a m b é m pode de lá
e n v i a r - m e as c a r t a s que v i e r e m . M a n d a - m e dizer o n" da c a s a de D .
A l c i d a que n ã o me lembro e para onde te mudaste.

(Quando terei a felicidade de a b r a ç a r - l e ? 1 Benjamin

E s t a é a 4" carta que te escrevo. A s outras t r ê s s ã o uns imensos r e l a t ó -


rios de tudo quanto tenho visto e tem o c o r r i d o em m i n h a v i a g e m .

À m a r g e m : N ã o te e s q u e ç a s de falar ao Palha sobre a [...].

* * *

C o r r i e n t e s 3 de outubro de 1866
Meu sogro e bom amigo

O portador desta é o limo. Sr. Dr. B e r n a r d i n o M a r q u e s Roiz da C o s t a ,


meu distinto amigo e c o m p a n h e i r o de v i a g e m . É uma excelente pes-
soa, muito e s t i m á v e l por suas brilhantes e r a r a s qualidades. B o m pai,
bom amigo, r e ú n e todas as qualidades que t o r n a m o homem digno da
estima e respeito de todos. Quis pessoalmente levar-lhe notícias minhas.
Tenho certeza que o h á - d e receber do melhor modo p o s s í v e l . Deseja
muito conhecer o Instituto. C o n h e c e a D. O l í m p i a pois foi seu c o m p a -
n h e i r o de v i a g e m para a E u r o p a com o Dr. G o n ç a l v e s Dias.
Meu bom Pai. C o m o maior prazer que é p o s s í v e l imaginar-se rece-
bi a sua p r e c i o s a c a r t a de 6 de setembro onde me d á muito a g r a d á -
veis n o t í c i a s em todo o sentido. E s t a v a a f l i t í s s i m o por saber n o t í c i a s
suas, de m i n h a mulher, m i n h a filhinha, enfim de m i n h a família e de
meus amigos. A l e g r o u - m e muito saber que os meus empregos j á e s t ã o
s u b s t i t u í d o s por esses dois bons e v e r d a d e i r o s amigos meus. C h e g u e i
a esta cidade no dia 1" à tarde, saltei e fui apresentar-me ao c o m a n -
dante das f o r ç a s que é o C o r o n e l C u n h a B a r b o s a , excelente pessoa.
B r e v e tem ele de v o l t a r p a r a a C o r t e em c o n s e q u ê n c i a de seu estado
de s a ú d e . E n t r e g u e i ao Otaviano as cartas que trouxe e fui recebido do
m e l h o r modo p o s s í v e l . Falei-lhe c o m toda a franqueza sobre a m i n h a
q u e s t ã o c a p i t a l que neste caso é [...] boa c o m i s s ã o . N a d a pode ele
fazer-me nesse sentido, pois a l é m de estar c o m m á s r e l a ç õ e s c o m o
i n f a t i g á v e l F e r r a z , e s t á t a m b é m do m e s m o modo c o m o P o l i d o r o
[(dizem)] e v a i depois de a m a n h ã p a r a B u e n o s A i r e s desgostoso do
r u m o que t ê m t o m a d o as n o s s a s c o i s a s por aqui e da b a l b ú r d i a em
que o F e r r a z tem posto tudo. C i t o - l h e por e x e m p l o este fato interes-
sante: no mesmo dia em que m a n d o u um ofício ao g e n e r a l ordenando
que fosse reduzido o pessoal das c o m i s s õ e s de engenheiros em c o n -
s e q u ê n c i a de h a v e r e x c e s s o de oficiais, m a n d a uma nova p o r ç ã o de
engenheiros para o campo. H á por aqui muita coisa interessante nesse
sentido que com v a g a r lhe m a n d a r e i dizer. Vou contudo a m a n h ã p a r a
o campo e me e s f o r ç a r e i por v e r se e n c o n t r o a l g u m a c o m i s s ã o v a n -
tajosa c o m p a t í v e l com o meu posto e a minha a r m a . Do que houver lhe
i n f o r m a r e i i m e d i a t a m e n t e . N e s s a C o r t e n ã o se faz ideia a l g u m a do
que h á por aqui. N ã o acredita por lá no que dizem as folhas; a v e r d a -
de é outra muito diferente. A s o n h a d a batalha d e c i s i v a é uma [ p é r o l a ]
d o u r a d a c o m que q u e r e m i n b a i r ( s i c ) a b o a - f é do povo. H o u v e aqui
um combate no dia 22 de setembro onde as nossas f o r ç a s sofreram
uma completa d e r r o t a e houve grande c a r n i f i c i n a ficando 4.000 alia-
dos fora de combate, entre eles dois m i l e tantos B r a s i l e i r o s . S ó ofici-
ais n o s s o s t i v e m o s duzentos e tantos f o r a de c o m b a t e . V i a r e l a ç ã o
dos oficiais mortos e feridos. H á entre eles muitos conhecidos meus e
c i n c o que e r a m meus a m i g o s (o T i b ú r c i o felizmente e s c a p o u ) . E s t a
d e r r o t a tem produzido em nossas tropas um d e s â n i m o assustador e
com r a z ã o , como melhor lhe i n f o r m a r e i . A e s t ú p i d a atividade do infa-
tigável tem tocado ao s u b l i m e . E n c o n t r e i em M o n t e v i d e u o G e n e r a l
A g u i a r , que é um amigo. Instou comigo para que ficasse nessa cidade
empregado, mas n ã o quis aceitar, pois o meu destino era o E x é r c i t o e
n ã o q u i s f o r n e c e r bases, posto que falsas, a m á s i n t e r p r e t a ç õ e s . O
lugar que me ofereceu foi o de - S e c r e t á r i o do C o m a n d o (sic) F o r ç a s
- , lugar de c o n f i a n ç a e de muita c o n s i d e r a ç ã o . A o despedir-me dele
d i s s e - m e que, se n ã o a c h a s s e no E x é r c i t o c o m i s s ã o como desejava,
voltasse imediatamente p a r a Montevideu onde me ficava r e s e r v a d a a
c o m i s s ã o que me ofereceu. A c e i t e i o oferecimento, nestas c o n d i ç õ e s ,
e a g r a d e c i - l h e o i n t e r e s s e que t o m a r a por m i m . O M a r c i a n o ficou
e m p r e g a d o em M o n t e v i d e u por e s p e c i a l f a v o r do G e n e r a l A g u i a r .
E n c o n t r e i aí, a s s i m como em C o r r i e n t e s , muitos conhecidos e amigos
meus. A s a t e n ç õ e s e delicadeza por que tenho sido recebido por eles
excedem a qualquer expectativa (sou muito feliz nesse ponto, por toda
parte encontro conhecidos e amigos sinceros). N ã o pode fazer ideia do
quanto tenho sofrido com saudade de m i n h a família, m i n h a m u l h e r e
m i n h a f i l h i n h a a q u e m adoro a c i m a de tudo. Nesta data e s c r e v o à
m i n h a m u l h e r em resposta a uma c a r t a que a p o b r e z i n h a me escre-
v e u onde me m a n d a p e d i r que me l e m b r a s s e dela no m o m e n t o de
entrar em fogo para n ã o cometer afoitezas e i m p r u d ê n c i a e que voltas-
se logo que se desse o 1" combate. E l a n ã o sabe, coitada, o que é a
vida m i l i t a r e s ó atende aos ditames do c o r a ç ã o , como m i n h a mulher
e v e r d a d e i r a e boa amiga. Meu bom P a i , n ã o posso ser mais extenso.
Por aqui tudo anda à s c a r r e i r a s posto que em resultado nada se faça.
R e c e b o neste momento o r d e m de i r p a r a bordo, pois que (dizem) o
v a p o r sai à s 4 da m a d r u g a d a . A s s i m que chegar ao E x é r c i t o lhe escre-
v e r e i uma c a r t a mais e x t e n s a . D ê muitas saudades a D . O l í m p i a , D .
M a r i q u i n h a s e a todos de sua c a s a e aceita um apertado a b r a ç o e o
c o r a ç ã o de seu filho e s i n c e r o amigo

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

À m a r g e m : Trouxe uma bagagem imensa. Tenho de deixar no Passo da


P á t r i a minhas canastras, cama, etc. No campo, a cama é um p e d a ç o de
couro atirado no c h ã o , o t r a v e s s e i r o o selim. Tem-se por teto o c é u es-
trelado e p a r a c o l c h ã o a macega do campo. Toma-se mate c h i m a r r ã o ,
bebe-se á g u a dos p â n t a n o s onde ainda h á c a d á v e r e s em p u t r e f a ç ã o e
come-se c h u r r a s c o . N ã o diga estas verdades à N h a n h ã .

N . B . Tenho escrito t r ê s cartas à m i n h a mulher, cartas n ã o digo bem,


i m e n s o s r e l a t ó r i o s de tudo quanto me tem o c o r r i d o na v i a g e m . S ã o
apontamentos mal escritos e tomados à s pressas: a r ' d e Sta. C a t a r i n a ,
a 2 ' d e M o n t e v i d e u e a 3" do Passo Verde (onde encalhamos).

À m a r g e m : P S . P e ç o - l h e que lembre à N h a n h ã falar ao P a l h a sobre a


I r m a n d a d e da C r u z e sobre a m i n h a patente de c a p i t ã o .

Benjamin

* * *

Tuiuti, C a p ã o do P i r e s
6 de outubro de 1866
M i n h a q u e r i d a esposa

C o m o e s t á s ? C o m o e s t ã o nossa filhinha e todas as pessoas de nossa


família?
M i n h a boa e verdadeira amiga. Estou aqui desde o dia 4. F u i imedia-
tamente p r o c u r a r o g r a n d e Tibúrcio. T i v e m o s um v e r d a d e i r o prazer
[em] nos encontrarmos. O T i b ú r c i o é sempre o mesmo homem, h o n r a -
do, inteligente, [bravo] amigo da sua família e dos seus amigos. E s t á
c a d a vez mais entusiasmado pela vida militar. C o n s t a que a m a n h ã v a i
ser nomeado A s s i s t e n t e do Q u a r t e l - M e s t r e - G e n e r a l da 1" D i v i s ã o que
forma a v a n g u a r d a do nosso 1" C o r p o [de E x é r c i t o ] . S o s s e g a teu e s p í -
rito a nosso respeito. Nada me a c o n t e c e r á , pois o lugar que ocupo nada
tem de a r r i s c a d o ; é muito trabalhoso mas sabes que j á estou habitua-
do a t r a b a l h a r ; é t a m b é m um lugar de c o n f i a n ç a e i m p o r t â n c i a . N ã o
fui e m p r e g a d o na c o m i s s ã o de e n g e n h e i r o s porque [foi reduzido] o
pessoal [e h á excesso de] oficiais. O lugar que ocupo é p o r é m melhor.
E n c o n t r e i aqui muitos amigos e conhecidos e fui recebido por todos do
modo o mais lisonjeiro. N ã o podes fazer ideia [de] quantas p r o v a s de
a f e i ç ã o e de amizade tenho recebido por aqui. E s t a a g r a d á v e l r e c e p ç ã o
tem s i d o um l e n i t i v o à s a u d a d e que me a c a b r u n h a e muito ( n ã o é s
c a p a z de i m a g i n a r ) . M a n d a - m e n o t í c i a s tuas e de m i n h a a d o r a d a
A l d i n i n h a , de toda a n o s s a f a m í l i a e n o s s o s v e r d a d e i r o s a m i g o s .
E s c r e v a - m e cartas longas. N ã o tenhas p r e g u i ç a de escrever. P r e p a r a i
as cartas com a n t e c e d ê n c i a p a r a n ã o seres obrigada a resumi-las pela
falta de tempo. Deves fazer ideia do quanto me é a g r a d á v e l cada uma
c a r t i n h a tua. M a n d a - m e n o t í c i a s de todos. Vou t e r m i n a r esta j á por-
que o portador, que é o Sr. Tenente J o s é S é r g i o P e r e i r a JiJnior, parte
a m a n h ã à s 4 da m a n h ã e s ã o 11 da noite, h o r a em que soube que ele
tinha de ir p a r a o B r a s i l . A b e n ç o a a [...]. Dá saudade a todos de nossa
família e a nossos amigos. L e m b r a - t e e aceita um apertado a b r a ç o e
c o r a ç ã o [...] de teu v e r d a d e i r o amigo.

À m a r g e m : E s t a é a 5" c a r t a que te e s c r e v o . D e v e s ter recebido as


outras 4. S e n ã o , mande p r o c u r á - l a s no correio, no Q'''-General ou no
Q"'-General de [...].

* * *

2^ v i a
Tuiuti j u n t o ao C a p ã o Pires
M i n h a querida esposa
30 de outubro de 1866

M i n h a boa a m i g u i n h a , n ã o podes fazer ideia do prazer que tive lendo


tuas cartas de 11 e 12 a 20 do passado. L o n g e de m i n h a filhinha e de
ti, a quem amo mais que tudo neste mundo e num p a í s ingrato como
este, onde tudo c o n c o r r e p a r a a u m e n t a r os s o f r i m e n t o s n a t u r a i s à
dolorosa s e p a r a ç ã o a que fui f o r ç a d o pelo dever, uma c a r t a de f a m í -
lia e especialmente de uma esposa amiga é o que pode h a v e r de mais
a g r a d á v e l ao c o r a ç ã o de um h o m e m que, c o m o eu, faz c o n s i s t i r no
a m o r de s u a f a m í l i a a ú n i c a f e l i c i d a d e de s u a v i d a . S a b e s que n ã o
ambiciono v i t ó r i a s , nem p o s i ç õ e s , nem fortuna, mas unicamente v i v e r
h o n r a d o e feliz no seio de m i n h a família. E s c r e v e - m e sempre cartas
bem longas e minuciosas que me fazes um grande b e n e f í c i o . J u l g a por
ti e v ê se tenho r a z ã o . A s cartas que recebo fazem aqui a m i n h a leitu-
ra c o t i d i a n a , leio-as todas as noites quando deitado sobre um c o u r o
e m b a i x o de m i n h a m i s e r á v e l b a r r a c a e n t r e g o ao d e s c a n s o o c o r p o
c a n s a d o do t r a b a l h o m a i s g r o s s e i r o e o m a i s e s t ú p i d o que se pode
i m a g i n a r ; e esta l e i t u r a s u a v i z a bastante a d u r e z a d a v i d a que levo,
parece que me a p r o x i m a mais de t i , de m i n h a filhinha, de m i n h a M ã e ,
m i n h a s m a n a s e de meus a m i g o s , e fico t ã o p o s s u í d o dela que me
parece que os estou vendo, que me falam, que me ouvem, que n ã o nos
s e p a r a enfim uma t ã o g r a n d e d i s t â n c i a . É que lá deixei o c o r a ç ã o e o
pensamento. Quantas vezes n ã o me apareces em sonho, quantas vezes
n ã o vejo a m i n h a e n g r a ç a d a e inocente filhinha com suas f a c e i r i c e s ,
com seus m o m o s b r i n c a n d o c o m i g o , c h a m a n d o - m e - o seu papai -
r e c o r d a n d o - m e daquelas h o r a s que em nossa casa p a s s a v a contigo e
com ela t ã o d i s t r a í d o e t ã o feliz (Deus q u e i r a que voltem em breve).
B e m triste p o r é m é a realidade da v i d a que por aqui passo. Q u a n d o
m i n h a alma mais engolfada e s t á nestas doces i l u s õ e s , nestes sonhos
a g r a d á v e i s acordo ao som de u m a m a ç a n t e corneta e ainda esfregan-
do os olhos vejo diante de m i m a figura austera de um soldado, meu
o r d e n a n ç a , que me diz: Sr. C a p i t ã o , tocou assistente e h á gado no c u r -
r a l e V. S. tem de ir a s s i s t i r à c a r n e a ç ã o . E n t ã o é que eu caio em m i m ,
fico desesperado, mas enfim n ã o h á r e m é d i o , v i s t o - m e à s p r e s s a s e
vou dali a quase meia l é g u a assistir à m a t a n ç a do gado p a r a continuar
depois n u m a s é r i e de outros t r a b a l h o s t ã o fastidiosos e t ã o m a t e r i a i s
como este (boa vida). N ã o chores p o r é m , n ã o te amofines ao saberes
destas coisas, os t r a b a l h o s fizeram-se p a r a os homens ( p r i n c i p a l m e n -
te soldados) e eu j á estou habituado a eles. N ã o tem sido sempre t ã o
trabalhosa a m i n h a vida? Muitos outros cá e s t ã o h á dois anos longe de
suas famílias que mais r a z ã o t ê m de se q u e i x a r do que eu que v i m j á no
fim da g u e r r a e que p o r t a n t o em b r e v e v o l t a r e i . P e ç o - t e c o m o um
g r a n d e favor feito a mim que p r o c u r e s distrair-te, que te lembres do
estado m e l i n d r o s o em que e s t á s e que q u a l q u e r a m o f i n a ç ã o pode ser
fatal n ã o s ó a ti como ao nosso filhinho que e s t á a nascer. N ã o te dei-
xes d o m i n a r pela dor em que esta s e p a r a ç ã o te d e i x o u . É preciso que
saibas ser r e s i g n a d a e que com a c a l m a que d ã o a dignidade e a v i r t u -
de que tanto te c a r a c t e r i z a m , s a i b a s afrontar todos estes c o n t r a t e m -
pos. E m breve estarei contigo p a r a n u n c a mais deixar-te. N ã o tenhas
receio a l g u m a meu respeito. A s m i n h a s c o m i s s õ e s s ã o todas sem o
m e n o r p e r i g o . E s t o u muito longe dos l u g a r e s em que p o d e r ã o ( s i c )
h a v e r combates; nem ao menos daqui o u ç o o t r o a r dos c a n h õ e s ; a l é m
disso, n ã o obstante a p é s s i m a á g u a que bebemos aqui e o mau c l i m a
deste p a í s , tenho passado bem de saiide. Tenho tido aqui uma recep-
ç ã o m u i t í s s i m o lisonjeira e v e r d a d e i r a s p r o v a s de amizade. N ã o digas
mais que sou infeliz, isso é uma b l a s f é m i a . Se tenho tido uma vida t r a -
b a l h o s a e fértil em contratempos de toda sorte, tenho M ã e e i r m ã o s a
quem adoro, amigos verdadeiros a quem c o r r e s p o n d o com a amizade
a m a i s p u r a e s i n c e r a , um anjinho em m i n h a filha e sobretudo uma
e s p o s a c o m o tu a q u e m c a d a vez amo m a i s e que faz a v e n t u r a de
m i n h a v i d a (deves estar c o n v e n c i d a do que acabo de dizer-te). O que
s ã o pois esses pequenos contratempos, essas pequenas dificuldades
que t e n h o v e n c i d o em p r e s e n ç a de tanta f e l i c i d a d e ? Repito-te: n ã o
digas m a i s que sou infeliz e que a m i n h a f i l h i n h a foi a m i n h a ú n i c a
felicidade. A ú n i c a infelicidade que agora sinto é estar longe da m i n h a
família mas isso mesmo é por pouco tempo. É p a r a m i m um grande
s a c r i f í c i o , mas é t a m b é m o s a c r i f í c i o que d á v a l o r ao c o m p r i m e n t o
(sic) de um dever. D e i x a agora que te d ê a c o n h e c e r um r e s s e n t i m e n -
to que tenho de ti. P e ç o - t e em todas as minhas cartas que me escrevas
o mais que puderes e esta é a 9 ' ou 10" c a r t a que te e s c r e v o e s ó tenho
tido t r ê s em resposta, isso tem me i n c o m o d a d o bastante. É verdade
que tem h a v i d o i r r e g u l a r i d a d e no c o r r e i o , mas a s s i m m e s m o tens
e s c r i t o pouco. E s p e r a - s e ( s i c ) depois de a m a n h ã m a l a s da C o r t e e
estou ansioso por cartas tuas e de toda a nossa família. E s c r e v i duas
c a r t a s a teu P a i e ele n ã o a c u s o u a r e c e p ç ã o delas. Talvez tenha h a v i -
do algum transtorno na viagem. Cheguei aqui no dia 4 de outubro e no
dia seguinte escrevi-te por um c o n h e c i d o meu, que ia p a r a a C o r t e ,
uma pequena c a r t a dando-te n o t í c i a s m i n h a s . N ã o sei s e j a a recebes-
te. Talvez que (sic) n ã o tenhas dado boa d i r e ç ã o à s tuas c a r t a s . Pede a
teu P a i que p o n h a o e n d e r e ç o nas c a r t a s que me e s c r e v e s e n ã o se
e s q u e ç a m de m a n d a r e m ver cartas m i n h a s n ã o s ó [...] c o r r e i o como
t a m b é m no Q u a r t e l - G e n e r a l com o C o r o n e l S. Pedro ou no Q u a r t e l -
G e n e r a l da M a r i n h a p a r a onde t a m b é m c o s t u m a m i r as c a r t a s do
E x é r c i t o . E s c r e v i à G u i l h e r m i n a e à L e o p o l d i n a e n ã o tive resposta. O
P e ç a n h a t a m b é m n ã o me e s c r e v e , enfim p a r e c e - m e que j á se v ã o
esquecendo de m i m , p a c i ê n c i a . Mandaste-me dizer que o Pecha tinha
chegado, mas n ã o sei em que estado. S ó sei que e s t ã o em boa h a r m o -
nia e satisfeitos, o que muito me a g r a d o u e p e ç o a Deus que continue
no m e s m o . E m r e s p o s t a a u m a c a r t a tua r e c e b i d a em M o n t e v i d e u ,
mandei-te dizer que procurasses ir para a T r a v e s s a das M a n g u e i r a s n"
14 e que q u a n d o o P e ç a n h a v i e s s e p r o c u r a s s e uma c a s a m a i o r ou
e n t ã o que ficasse o P e ç a n h a m o r a n d o na T r a v e s s a e tu, a G u i l h e r m i n a
e m i n h a tia fossem p a r a u m a c a s i n h a , a fim de m o r a r e m j u n t a s , por-
que n ã o é p o s s í v e l c a b e r t a n t a gente na c a s a da T r a v e s s a das
M a n g u e i r a s . Recebi outra carta tua dizendo-me que estavas morando
em casa de D. A l c i d a e que todos estavam muito satisfeitos e em boa
h a r m o n i a . Fiquei muito satisfeito com essa n o t í c i a principalmente por
s e r u m a c a s a t ã o r e s p e i t á v e l c o m o a do S r . E r n e s t o e D . A l c i d a . O
P e ç a n h a n ã o q u e r e r á m o r a r ali mesmo p a r a n ã o perder a sua c a s a da
T r a v e s s a das M a n g u e i r a s , fica pois aí com a G u i l h e r m i n a e m i n h a tia,
uma vez que estejas bem c e r t a que n ã o i n c o m o d a s e ficarei bastante
d e s c a n s a d o a esse respeito. É isso mais um g r a n d e favor que j u n t a r e i
aos muitos que j á devo ao Sr. E r n e s t o , à D . A l c i d a e D . D e l m i r a . E s p e r o
que n ã o d e i x e s de d a r a l g u m a c o i s a p a r a o a l u g u e l da c a s a e que
tenhas e c o n o m i a s e p a r a d a . Sabes que eles n ã o e s t ã o em c i r c u n s t â n -
cias de fazerem esse s a c r i f í c i o , bastam os muitos favores que j á lhes
d e v e m o s . N a c a r t a que e s c r e v i à G u i l h e r m i n a m a n d e i - l h e f a l a r na
m e s a d a que t i n h a deixado e pedi-lhe que quando o P e ç a n h a chegas-
se, n ã o sendo p o s s í v e l m o r a r e m todos na T r a v e s s a das M a n g u e i r a s
por ser a casa pequena, fossem ela e m i n h a tia m o r a r contigo em uma
c a s a a l u g a d a p a r a esse f i m . Q u e m e l h o r c a s a p o d e r i a m a c h a r que
aquela em que e s t ã o ? E s p e r o que a G u i l h e r m i n a e m i n h a tia n ã o se
o p o n h a m a satisfazer a um pedido que lhes faço e continuem na boa
paz em que estavam. N ã o cjuero que mores no Instituto, conforme te
disse e a teu P a i , e é feio que mores s o z i n h a , podendo m o r a r com m i -
n h a mana e m i n h a tia. M i n h a tia e G u i l h e r m i n a n ã o t ê m r a z ã o alguma
p a r a d e i x a r e m de satisfazer a esse pedido que lhes f a ç o . Deus q u e i r a
que n ã o . . .

À m a r g e m : (O M a r c i a n o e s t á bom, n ã o tem me escrito mas tenho sabi-


do n o t í c i a s dele por pessoas v i n d a s de Montevideu.)

N . B . E s t o u e m p r e g a d o como A s s i s t e n t e do Q u a r t e l - M e s t r e - G e n e r a l
j u n t o à 1" D i v i s ã o c o m a n d a d a pelo G e n e r a l A r g o l o . E m outra c a r t a te
m a n d a r e i dizer quais s ã o as m i n h a s d i v e r s a s o b r i g a ç õ e s e a luta em
que [...] estado comigo fornecedores e comerciantes l a d r õ e s .

* * *
P a r a g u a i A c a m p a m e n t o no Potreiro Pires
M i n h a q u e r i d a esposa
1" de novembro de 1866

C a d a vez mais a c a b r u n h a d o pela saudade que tenho de ti e de m i n h a


filhinha e de toda a nossa gente parece-me que o tempo por estes luga-
res é menos veloz do que nos outros; h á dois meses que estou fora de
ti e esses dois meses parecem-me dois s é c u l o s . De dia estou aqui mais
d i s t r a í d o porque h á muito trabalho, estou n u m a atividade desespera-
da, tendo mil coisas d i v e r s a s em que c u i d a r e o meu e s p í r i t o n ã o pode
entregar-se inteiro à i n f l u ê n c i a do linico pensamento, da linica ideia,
que constantemente atua sobre ele - a saudade da família - ; à noite
p o r é m o i n i m i g o , depois de ter entretido um b o m b a r d e i o durante o
dia, invade a p r a ç a e, encontrando o e s p í r i t o cansado, vence todos os
o b s t á c u l o s que lhe opunha o c u m p r i m e n t o do dever. Debalde procuro
como general encarregado da defesa opor-lhe h e r ó i c a r e s i s t ê n c i a ; salta
todos os fossos, abre brechas por todos os pontos e obriga a render-me
à d i s c r i ç ã o . Nem ao menos me consente s a i r com as honras da g u e r r a .
E n t ã o é que c o n h e ç o quanto s ã o longas estas noites, como s ã o t e r r í v e i s
as lutas entre o c o r a ç ã o e o e s p í r i t o (entre o amor e o dever). Desculpa
(sic) esta l i n g u a g e m toda m a r c i a l em que sem q u e r e r c o m e c e i esta
c a r t a . N ã o o u ç o por aqui falar s e n ã o em ataque e defesas de p r a ç a s ,
bombardeamentos, tiroteios e t c , de modo que j á n ã o tenho outra l i n -
guagem. N ã o te assustes, n ã o v á s pensar que estamos com efeito em
g u e r r a com [...]. A g o r a a g u e r r a [...] é s ó de linguagem. E s t a m o s numa
paz a r m a d a que promete prolongar-se a t é que o i n i m i g o se entregue
pela fome, pela falta de r e c u r s o s . E s t a liltima n o t í c i a que te dou e que
é v e r d a d e i r a , sei que te é bastante a g r a d á v e l . F i c a descansada que tal-
vez dentro de 2 a 3 meses o mais t a r d a r a g u e r r a e s t á c o n c l u í d a sem
mais s a c r i f í c i o s de vidas. O Lopez j á deu parte de quebrado como deve
c o n s t a r aí pela C o r t e . M a n d o u um p a r l a m e n t á r i o com propostas de
paz que n ã o foram aceitas e n ã o s e r ã o s e n ã o com algumas modifica-
ç õ e s que ele n ã o se o p õ e a conceder. J á v ê s que s ó tens de sentir a sau-
dade filha da amizade que me tens, sem acompanharem esse sentimen-
to os receios c r u é i s que terias se estivesse exposto aos acasos de uma
g u e r r a . Se por este lado deves estar tranqiiila, por outro tenho passa-
do muito bem de s a i í d e , estou em boa h a r m o n i a com os meus superio-
res (esta ú l t i m a p a l a v r a e s t á mal escrita, tanto a pronuncio sempre mal.
Sabes que s ó considero a s u p e r i o r i d a d e da virtude e da i n t e l i g ê n c i a ,
quanto à superioridade oficial, a b o r r e ç o - a ) . Depois destas ideias gerais
e deste p a r ê n t e s e que n ã o v e m ao caso, passo a outro [...].
E m p r i m e i r o lugar p e ç o - t e que n ã o te e s q u e ç a s das r e c o m e n d a ç õ e s
ciue constantemente te faço - escreva-me cartas bem longas m a n d a n -
do-me dizer com franqueza tudo que t i v e r o c o r r i d o . Deves ter r e c e b i -
do a c o n s i g n a ç ã o que te deixei; se o G u i m a r ã e s e o Veiga continuam a
lecionar nos institutos; se tens recebido metade dos vencimentos des-
ses l u g a r e s ( n ã o r e c e b a s s e n ã o a metade, c o n f o r m e aceitei). Se o
C o i m b r a tem te mandado algum [...] da e x p l i c a ç ã o e quanto, se ainda
e s t á s m o r a n d o em casa da A l c i d a e, se n ã o , onde e s t á s . S e j a t i r a r a m a
m i n h a patente de c a p i t ã o , s e j a p a g a r a m à I r m a n d a d e da C r u z , se tens
pago aquela [...] de B e n e f i c ê n c i a [...]. E s p e c i f i c o aqui estes pedidos
p o r q u e n ã o se me tem falado a esse respeito nas poucas c a r t a s que
tenho recebido. Quanto aos outros c o n t i n u a m os mesmos ( n o t í c i a s de
ti, de m i n h a A l d i n a , m i n h a M ã e , nossas m a n a s , o P e ç a n h a , m i n h a tia,
teu P a i (a q u e m e s c r e v o nesta data) [...], E r n e s t o , S e i x a s , C o i m b r a ,
Veiga, Luiz, D. J o a q u i n a R o c h a , D. M a r i a M a r c e l i n a , D. Rita e família.
Palha e sua família, J o s é de J e s u s , o R o c h a do Instituto e sua mulher D .
M a r g a r i d a ) . N ã o te e s q u e ç a s de falar-me nas travessuras da pxinicoque
e se vai papagueando melhor. Diz-me s e j a tens feito muitos cueirinhos
p a r a a nova personagem que e s t á a aparecer e como [...] vai a este res-
peito. P e ç o - t e que n ã o te amofines muito, que tenhas bastante p r u d ê n -
cia p a r a sofrer com r e s i g n a ç ã o estes contratempos e que te lembres
do nosso segundo filhinho que e s t á a nascer. Quando estiveres muito
zangada por qualquer coisa l e m b r a das r e c o m e n d a ç õ e s que te f a ç o e
que tens em m i m um amigo verdadeiro, que muito te c o n s i d e r a e que
faz consistir no teu amor e na tua d e d i c a ç ã o a sua maior felicidade. Diz
ao P e ç a n h a , a teu Pai e a D. O l í m p i a que me e s c r e v a m e recomendo-te
m a i s uma vez - e s c r e v e - m e s e m p r e c a r t a s bem longas dizendo c o m
m i n u c i o s i d a d e ( s i c ) e f r a n q u e z a tudo que t i v e r h a v i d o em r e l a ç ã o à
n o s s a família e pessoas de nossa amizade.

C o n f o r m e te m a n d e i dizer estou e m p r e g a d o c o m o A s s i s t e n t e do
Q u a r t e l - M e s t r e - G e n e r a l j u n t o à 1" D i v i s ã o c o m a n d a d a pelo G e n e r a l
A r g o l o , p a r a o qual trouxe a c a r t a do G e n e r a l C a l d w e l l a quem muito
recomendo a s s i m como à sua família. Diz ao J o ã o que n ã o v e n h a p a r a
cá que isto por aqui é muito diferente do que por lá imaginam. O F e r r a z
tem d i m i n u í d o muito nossos vencimentos, mas felizmente vamos viven-
do. O T i b ú r c i o com quem m o r o tem me feito m u i t í s s i m o s o b s é q u i o s .
Conforme sempre te disse tenho nele um verdadeiro amigo, como mili-
tar, [...] de todo elogio, é muito estimado e considerado n ã o s ó por seus
c o m p a n h e i r o s como por todos os seus chefes.
Vê se por i n t e r m é d i o de a l g u é m podes mandar-me alguma r o u p a
da que ficou, principalmente camisas. A s que trouxe e s t ã o muito velhas
e a dar a c a s c a . M a n d a - m e t a m b é m se for p o s s í v e l dois v i d r o s c o m
pimentas a v e r se levo melhor esta m o r r i n h e n t a carne que por aqui se
come. N ã o te amofines se n ã o puderes m a n d a r o que te p e ç o .
Indiferente à etiqueta n ã o te falei em p r i m e i r o lugar do portador
desta que é o meu amigo A n t ô n i o M a s c a r e n h a s Teles de F r e i t a s , de
quem muitas vezes te falei. É um muito distinto por suas bonitas qua-
l i d a d e s e meu colega de c l a s s e e de estudos. E s p e r o que o trates o
melhor p o s s í v e l .
A d e u s , m i n h a boa e querida amiguinha, aceita um apertado a b r a ç o
e o c o r a ç ã o saudoso do teu amigo

B e n j a m i n C o n s t a n t Botelho de M a g a l h ã e s

P.S. Estou vendo se obtenho para mandar-te passada para o piano uma
v a l s a que aqui se toca nos b a t a l h õ e s e que desejo que toques, tenho
gostado muito dela (talvez pelo título). Chama-se " A Saudade e o E n c o n -
tro". Saudade tenho eu e bem profunda, o encontro n ã o sei quando s e r á ,
mas espero que seja breve. Recebe o c o r a ç ã o do Benjamin Constant

* * *

P a r a g u a i Potreiro Pires
Meu sogro e bom amigo
1" de n o v e m b r o de 1866

E s c r e v o - l h e à s p r e s s a s esta pequena c a r t i n h a p a r a dar-lhe n o t í c i a s


m i n h a s e a p r o v e i t a r um portador seguro, que é o meu í n t i m o amigo
Dr. A n t ô n i o M a s c a r e n h a s Teles de Freitas, C a p i t ã o do E s t a d o - M a i o r de
1" C l a s s e . É um m o ç o distinto por suas brilhantes e r a r a s qualidades.
Lisonjeio-me por c o n t á - l o [...] n ú m e r o dos amigos. E s p e r o que o apre-
sente à n o s s a família.
M a n d e - m e n o t í c i a s suas e de toda a nossa família. A falta de cartas
de família tem-me incomodado bastante. Tenho escrito cartas e s ó tive
3 suas e 3 de minha mulher. Houve irregularidade na marcha do correio
e talvez seja essa a causa da falta de n o t í c i a s .
Cheguei ao E x é r c i t o no dia 4 de outubro depois de uma longa e p é s -
s i m a viagem; apresentei-me imediatamente ao G e n e r a l Polidoro que
r e c e b e u - m e bem. No dia 7 fui n o m e a d o A s s i s t e n t e de Deputado do
Q u a r t e l - M e s t r e - G e n e r a l j u n t o à 1 ' D i v i s ã o , c o m a n d a d a pelo G e n e r a l
A r g o l o . É um lugar de i m p o r t â n c i a , de muita c o n f i a n ç a , mas t a m b é m
m u i t í s s i m o trabalhoso e difícil pelas r e l a ç õ e s em que devo estar com
f o r n e c e d o r e s v e l h a c o s e c o m e r c i a n t e s do m e s m o c a r á t e r . M e u bom
Pai e amigo, s ó tenho por fim nesta ligeira carta saber n o t í c i a s da famí-
lia. O estado m e l i n d r o s o em que deixei m i n h a mulher e a falta de n o t í -
cias me i n c o m o d a m bastante. Rogo-lhe o favor de escrever-me dire-
tamente para o 1" C o r p o de E x é r c i t o . A d i r e ç ã o que indiquei nas outras
[...] que e s c r e v i n ã o é a melhor. N a d a lhe digo por o r a do estado de
nossas coisas por aqui. B r e v e no 1" c o r r e i o que daqui partir lhe m a n -
darei uma longa carta explicando-lhe tudo. S ó lhe digo em resumo que
isto v a i pessimamente. O infatigável tem feito asneiras de todo o tama-
nho. Todos e s t ã o desgostosos com a m a r c h a que levam as coisas rela-
tivas à g u e r r a .
Manda-me notícias de toda a nossa família e especialmente de minha
m u l h e r e v e r d a d e i r a amiga e da m i n h a A l d i n a . L e m b r a n ç a s a todos e
aceita um apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o do filho e verdadeiro amigo

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

* * *
P a r a g u a i Potreiro Pires
IVlinha q u e r i d a esposa
3 de n o v e m b r o de 1866

O p o r t a d o r desta é o S e n h o r A l f e r e s C a r l o s M a n o e l F e r r e i r a de
A r a ú j o , m o ç o de q u e m t e n h o muito boas i n f o r m a ç õ e s . R e c e b e - o o
m e l h o r que puderes; é amigo do T i b ú r c i o .
O n t e m e s c r e v i - t e uma l o n g a c a r t a por p o r t a d o r s e g u r o , hoje,
sabendo que o S e n h o r A l f e r e s C a r l o s ia p a r a essa C o r t e , quis a p r o -
v e i t a r esta o c a s i ã o o p o r t u n a p a r a mandar-te mais esta c a r t i n h a . J á
que n ã o t e n h o a felicidade de estar c o n t i g o ao menos e s c r e v o - t e o
mais que posso. F a z o mesmo, n ã o sejas t ã o p r e g u i ç o s a . Se soubes-
ses ao certo quantas vezes e c o m que p r a z e r leio as tuas c a r t i n h a s
estavas s e m p r e a e s c r e v e r - m e . A c r e d i t a que o ú n i c o p r a z e r real que
tenho aqui neste nojento p a í s é o de receber uma c a r t a tua, dando-me
n o t í c i a s de t i , de m i n h a f i l h i n h a , de n o s s a f a m í l i a , enfim de nossos
a m i g o s . F i c a c e r t a de que n ã o é a v i d a t r a b a l h o s a que aqui passo o
que me incomoda, mas as saudades que tenho de minha família, espe-
cialmente de ti. N ã o podes a v a l i a r quanto me tem custado esta sepa-
r a ç ã o . P e n s e i que fosse m a i s forte p a r a estes golpes ( a i n d a os n ã o
t i n h a e x p e r i m e n t a d o , por isso j u l g a v a - m e s o b r a n c e i r o a eles). A a m i -
zade de um filho, de um i r m ã o , de um a m i g o v e r d a d e i r o é n o b r e e eu
a sinto c o m muita intensidade, mas a de um m a r i d o , a de uma espo-
sa tem a l g u m a c o i s a de mais veemente, de mais m i s t e r i o s o , de mais
d i v i n o mesmo que n ã o se pode e x p l i c a r . Q u a n d o te digo que sou teu
v e r d a d e i r o amigo, que te amo, e t c , estas p a l a v r a s p a r e c e m - m e frias
e n ã o e x p r i m e m o que sinto por ti, s ó o que sei e o que te j u r o sobre
a alma de meu pai é que fazes a m i n h a ú n i c a v e n t u r a , a m i n h a m a i o r
felicidade neste mundo. A c r e d i t a na s i n c e r i d a d e destas p a l a v r a s que
te diz um h o m e m h o n r a d o e leal c o m o me ufano de ser (isto a i n d a
a c a b a em c a r t i n h a de n a m o r o , por isso n ã o digo mais nada). C o m o
v a i a pxinicoque? J á tens feito m u i t o s c u e i r o s e f r a l d i n h a s p a r a o
nosso s e g u n d o f i l h i n h o ? A A l d i n a a i n d a se l e m b r a de m i m ? do seu
pobre p a p a i ? D á - l h e todos os dias muitos a b r a ç o s , muitos beijinhos
e a b e n ç o a - a por m i m . Tem p a c i ê n c i a . Sofre com r e s i g n a ç ã o esta dolo-
r o s a a u s ê n c i a . A g u e r r a e s t á p a r a a c a b a r - s e . E m breve estarei c o n t i -
go p a r a n u n c a m a i s nos s e p a r a r m o s . M a n d a - m e n o t í c i a s tuas e de
t o d a s as p e s s o a s da f a m í l i a e de a m i z a d e e n ã o te e s q u e ç a s do teu
v e r d a d e i r o amigo

Benjamin Constant B o t e l í i o de M a g a l h ã e s .

P.S. N ã o repares no laconismo desta carta. E s t o u te escrevendo deita-


do em uma p o s i ç ã o muito i n c ó m o d a apoiado sobre os cotovelos e a l é m
disso é muito tarde e o portador sai a m a n h ã à s 5 horas da m a n h ã . Pelo
p r ó x i m o correio escrever-te-ei cartas mais longas e minuciosas.
Recebe ainda um a b r a ç o bem apertado e o c o r a ç ã o saudoso do teu -
Benjamin Constant

* * *

P a r a g u a i Tuiuti no Potreiro Pires ,


M i n h a querida esposa e boa amiga
17 de n o v e m b r o de 1866

C o m o e s t á s , m i n h a boa amiguinha? C o m o e s t á a nossa filhinha? C o m o


e s t ã o nossos parentes e amigos? C o m o e s t á nosso bom velho? E s t o u
felizmente bem mas tenho sofrido muito m a i s do que e s p e r a v a com
esta i n s u p o r t á v e l s e p a r a ç ã o . Saudade é uma palavra bonita, mas é bem
feio, bem cruel o sentimento que ela define. Tenho muitas saudades de
ti, de m i n h a p e c u r r u c h i n h a , de minha M ã e , de minhas manas, de meus
amigos. E s ó o que te posso dizer. E x p l i c a r - t e a natureza desse senti-
mento, filho da amizade, é i m p o s s í v e l , ao menos p a r a m i m . Tu p o r é m
n ã o p r e c i s a s dessas e x p l i c a ç õ e s p o r q u e é s m i n h a a m i g a e sentes o
mesmo que eu. A tua cartinha de 7 de outubro, recebida a 14 de novem-
bro, é mais uma p r o v a do que te acabo de dizer. ( N ã o te disse muitas
vezes quando zangada comigo me dizias que n ã o me tinhas amizade
que eu n ã o a c r e d i t a v a nas tuas p a l a v r a s , que tu e r a s m i n h a a m i g a ?
A c e r t e i ou n ã o ? ) A g r a d e ç o - t e do í n t i m o d'alma as p r o v a s de a f e i ç ã o
que me d á s . Mas infelizmente é i m p o s s í v e l o que me pedes. E s t a r c o m i -
go no acampamento? N e m é bom p e n s a r nisso. Nestas cidades mais
p r ó x i m a s , expostas a tudo? N ã o sabes o que me pediste, s e n ã o n ã o o
havias de fazer." Sabes que para mim acima de tudo está a minha honra
e a da m i n h a família. Pensas do mesmo modo mas a tua idade, a amiza-
de que me tens, a saudade que te aflige n ã o te d e i x a r a m refletir. A l é m
disso, n ã o conheces nada disto por aqui, fazes uma ideia muito diferen-
te do que é. Se fosse p o s s í v e l satisfazer o teu pedido eu e s p e r a r i a que
mo fizesses? H á hoje maior prazer para mim do que ver-te outra vez,
a b r a ç a r - t e , ver m i n h a filhinha? N ã o , decerto. Tem p a c i ê n c i a , r e s i g n a -
te um pouco e em breve estaremos unidos p a r a nunca mais nos sepa-
r a r m o s . A g u e r r a e s t á para acabar e eu n ã o estou em c o m i s s ã o onde a
vida c o r r e perigo. E s p e r a - s e hoje o M a r q u ê s de C a x i a s com todo o seu
estado-maior. Os aduladores andam assanhados, pulam de contentes,
p r e p a r a m frases lisonjeiras, etc. Os homens de bem andam a b o r r e c i -
dos e vexados.
E s t á s muito p r e g u i ç o s a , n ã o e s c r e v e s e n ã o podes j u l g a r quanto
sofro com isso. Recebi nos p r i m e i r o s dias que cheguei 3 cartas tuas.
A de 7 de outubro foi a 4", falta-me receber a 5", talvez v e n h a a g o r a
pelo correio. M a s o que s ã o cinco cartas (e muito pequeninas) que me
tens escrito? De oito em oito dias ou de 15 em 15 t ê m todos por aqui
n o t í c i a s de suas famílias. Só eu n ã o . O Tibúrcio te dirá como passo abor-
recido o dia em que chega o c o r r e i o e n ã o encontro cartas para m i m .
E m todas as minhas cartas recomendo-te que me escrevas por todos os
correios dando-me n o t í c i a s minuciosas de ti, de nossa família e de nos-
sos amigos, mas nada consigo. Toma este conselho. Todos os dias antes
de te deitares escreve-me algumas linhas contando-me tudo o que se
passou durante o dia e quando sair o c o r r e i o t e r á s escrito uma longa
c a r t a que muito me a g r a d a r á . P r o m e t e s [...] f a r á s isso? Tem h a v i d o
algum t r a n s t o r n o na [...] do correio mas todas as cartas aqui v ê m ter
mais tarde ou mais cedo, por isso e s c r e v e - m e sempre, contanto que
lhes d ê s boa d i r e ç ã o . Recebi uma carta do G u i m a r ã e s que me d á a n o t í -
cia da morte do R o c h a L i m a . E u j á contava com isso. Quando s a í de lá
deixei-o desenganado pelos m é d i c o s . E r a meu amigo, ajudava a famí-
lia e p o s s u í a muito boas qualidades. Senti bastante. Os homens de bem
e que fazem falta m o r r e m cedo. Os tratantes p o r é m parecem-me que
t ê m f ô l e g o de gato [...]. Pede ao G u i m a r ã e s que de minha parte d ê os
p ê s a m e s ao i r m ã o e à família.
O C a p i t ã o J o s é M a r i a da S i l v e i r a e s t á apressando comigo porque
tem de levar-te esta carta. Por isso parei bruscamente. O Senhor C a p i t ã o
S i l v e i r a foi baleado, v a i p a r a a sua P r o v í n c i a r e u n i r - s e à sua família.
N ã o tive a felicidade de entreter com ele r e l a ç õ e s de intimidade, mas é
muito e s t i m a d o por seus c o m p a n h e i r o s e goza de m u i t a r e p u t a ç ã o .
E s p e r o que o convides para ir um domingo visitar o Instituto e o apre-
sentes a teu P a i .
Mande-me n o t í c i a s tuas e de todos. Diz ao P e ç a n h a que me escreva.
A d e u s , m i n h a boa a m i g a , aceita o c o r a ç ã o saudoso do teu amigo

Benjamin C o n s t a n t

" A i n d a que pudesses ficar em C o r r i e n t e s , que é a mais p r ó x i m a do


E x é r c i t o , e s t a r í a m o s muito longe e s ó nos [...1.

* * *

29 de n o v e m b r o de 1866

... a g u e r r a e s t á a terminar, etc. A v e r d a d e p o r é m é muito d i v e r s a . Se


eu t i v e s s e a g o r a tempo punha-o ao fato de tudo o que v a i por aqui;
tenho p o r é m de ir a m a n h ã p a r a o Segundo C o r p o de E x é r c i t o , e tam-
b é m à E s q u a d r a e por isso n ã o o faço, g u a r d a n d o p a r a fazê-lo daqui a
t r ê s dias quando estiver de volta. Dir-lhe-ei somente em r e s u m o que a
l " D i v i s ã o é a que forma os postos a v a n ç a d o s de nosso E x é r c i t o , estan-
do a c a m p a d a quase em cima das t r i n c h e i r a s inimigas. O nosso a c a m -
pamento é cruzado constantemente por balas Paraguaias que v ê m ferir
nossos soldados mesmo dentro das b a r r a c a s . A s nossas vedetas e s t ã o
à vista das vedetas inimigas entretendo um tiroteio constante. [Somen-
te] com a chegada do C a x i a s houve uma pequena i n t e r r u p ç ã o devida
n ã o sei a q u ê . D u r a n t e t r ê s dias o tiroteio cessou completamente e os
P a r a g u a i o s (soldados e oficiais) v i n h a m c o n v e r s a r conosco, t r a z i a m -
nos presentes de mate, [cuias], etc. e d i z i a m que n ã o [nos] q u e r i a m
mais g u e r r e a r (pelear). S a b i a m de tudo quanto se tem dado em nosso
E x é r c i t o , em nossa p o l í t i c a , etc. D i z i a m eles chamando-nos p a r a con-
v e r s a r : Vení h o m b r e s , nosotros somos amigos de ostedes (sic) e n ã o
lhe (sic) gustamos hacer fuego. E l S u p r e m o G o v i e r n o (sic) va a tratar
de los arreglos p a c í f i c o s . E s t e a r m i s t í c i o foi i n t e r r o m p i d o com a n o t í -
cia de um levantamento em I t a p u ã , onde um oficial Paraguaio com cer-
ca de 350 a 400 homens revoltou-se contra o S u p r e m o G o v e r n o . Lopez
m a n d o u r e t i r a r as f o r ç a s que opunha à s nossas a v a n ç a d a s substituin-
do-as por o u t r a s . O tiroteio c o n t i n u o u e n t ã o c o m mais f o r ç a a i n d a .
N ã o pode fazer ideia quantas famílias d e s g r a ç a d a s tem produzido esta
d e m o r a em nossas o p e r a ç õ e s decisivas. Conta-se como milagre o dia
que se n ã o tem a comentar alguma perda. Regulam termo m é d i o 200 a
250 h o m e n s por m ê s m o r t o s somente na e s q u e r d a de nossas l i n h a s
a v a n ç a d a s . Quantos m o ç o s de e s p e r a n ç a s tenho visto morrer. Quantos
oficiais e soldados temos perdido. Só no b a t a l h ã o do T i b ú r c i o (que tem
feito v i b r a n t e s a v a n ç o s a t é com engenheiros) tem havido dias em que
m o r r e m 16 a 20 homens entre oficiais e soldados. N ã o sei quando o
g o v e r n o o l h a r á com mais a t e n ç ã o p a r a estas nossas coisas. Por que
n ã o se trata de dar uma batalha decisiva? Q u e r e m matar-nos ingloria-
mente. N ã o sei se os j o r n a i s t ê m falado a esse respeito; mas, digo-lhe
a b a i x o (sic) de p a l a v r a de h o n r a que n ã o h á a menor e x a g e r a ç ã o no
que acabei de dizer. A n t e s houvesse.
A l é m do fogo de fuzilaria que é incessante e nos vai dizimando, h á
quase todos os dias alguns tiros de c a n h ã o . No dia 30 de outubro sofre-
mos aqui um bombardeio que atirou sobre nossas a v a n ç a d a s perto de
200 bombas e granadas. Felizmente matou somente a um oficial (aju-
dante de um corpo), 4 soldados e dizem que um comerciante A r g e n t i -
no. Digo-lhe com franqueza que percorri com o General todas as nossas
p o s i ç õ e s mais perigosas e que n ã o tive o menor abalo. Mais medo me
d ã o os tiros de fuzil quando vou à s linhas das vedetas. Porque o inimigo
e s t á escondido por t r á s dos paus dentro da mata e as pontarias s ã o mais
certas. De vez em quando dou t a m b é m meus [tiros] sobre eles e vamos
vivendo. Hoje e s t ã o os Paraguaios experimentando umas p e ç a s de gros-
so calibre que assestaram em frente ao acampamento da 2" Divisão que
é c o n t í g u o ao nosso. O M a r c i a n o meu i r m ã o trouxe-me um e s t i l h a ç o de
uma bomba que nos a t i r a r a m e que tem mais de 12 [...] de peso. Vamos
ver em que isto d á . C o m mais v a g a r hei-de p ô - l o em dia com tudo isto.
la-me esquecendo [de] dizer-lhe que meu mano M a r c i a n o chegou a
este E x é r c i t o no dia 20 de outubro e que e s t á morando comigo na bar-
r a c a do T i b ú r c i o . Tinha-lhe arranjado em Montevideu um emprego que
a l é m de c a s a e comida dava-lhe 80$000 e deixou-o sem me consultar e
cá veio ter. Disse-me que no dia em [...] tinlia de v i r ciiegou a essa cida-
de o seu filino J o ã o que aí ficou tratando de umas s a r n a s com que esta-
va. A m o l é s t i a n ã o é de cuidado e e l e j a estava quase bom. E s c r e v i - l h e
daqui imediatamente. A i n d a n ã o tive resposta mas sei por conhecidos
que t ê m vindo de lá que n ã o tem tido novidade. E s t r a n h e i que nem por
ele me v i e s s e m cartas da N h a n h ã . [...] a todos de nossa família e a nos-
sos amigos e aceita o c o r a ç ã o e um a b r a ç o de seu filho e amigo

B e n j a m i n Constant

* * *

Meu sogro e amigo

N ã o tenho tempo de e s c r e v e r - l h e v i s t o ( s i c ) a p r e s s a c o m que daqui


parte o v a p o r S. José em que v a i o p o r t a d o r deste bilhete e s c r i t o à s
p r e s s a s . E s t o u bom de s a ú d e . O E m e l i a n o t r o u x e - m e u m a c a r t a sua
que ainda n ã o recebi. M a n d e - m e n o t í c i a s de toda a família. C o m o v ã o
m i n h a m u l h e r e m i n h a filhinha? Tenho tido muitas saudades de todos
mas é n e c e s s á r i o fazer o sacrifício que o p a í s exige de m i m . O portador
deste, que é o Sr. Alferes Deocleciano P e r e i r a de O l i v e i r a , meu amigo,
lhe d a r á n o t í c i a s m i n u c i o s a s a meu r e s p e i t o . L e m b r a n ç a s a todos.
A c e i t e um apertado a b r a ç o do seu

filho e amigo sincero

Benjamin Constant

12 de dezembro de 1866

N . B . E s c r e v i - l h e no dia 28 de setembro e t a m b é m à m i n h a mulher nos


dias 24 de setembro e 7 de outubro. ( N ã o repare no papel, lembre-se
que estamos em campanha.)
* * *

P a r a g u a i Tuiuti
[13] de dezembro de 1866
IVlinha q u e r i d a esposa

C o m o tens passado, m i n h a a m i g u i n h a ? C o m o v a i a nossa p e c u r r u c h i -


n h a ? C o m o v ã o todos da nossa família?
Quando te r e s o l v e r á s a escrever-me cartas longas e bem m i n u c i o -
sas a respeito dos a c o n t e c i m e n t o s de c a s a ? N ã o s e r i a isso difícil se
todos os dias r e s e r v a s s e s 10 minutos p a r a escrever-me. E u ando num
trabalho incessante e n ã o tenho aqui a menor comodidade para escre-
ver-te e no entanto sou mais freqijente na c o r r e s p o n d ê n c i a .
Voltei no dia 9 do 2" C o r p o de E x é r c i t o acampado em C u r u z u , em
frente à s f o r t i f i c a ç õ e s de C u r u p a i t i [onde fui] p a s s a r alguns dias com
o G e n e r a l A r g o l o que é atualmente [general]-em-chefe daquele corpo
de E x é r c i t o . Lá encontrei muitos oficiais conhecidos e amigos meus,
entre eles o B a r b o s a . Visitei toda a E s q u a d r a , vi todos os e n c o u r a ç a -
dos, encontrando em todos os n a v i o s muitos oficiais e comandantes
amigos. Passei dois dias a bordo da E s q u a d r a , p e r c o r r e n d o os diver-
sos navios, sendo tratado em todos eles com a maior amizade e d i s t i n -
ç ã o . E m cada um dos dias a l m o ç a v a em um, j a n t a v a n'outro e d o r m i a
n'outro. Digo-te com franqueza, n u n c a pensei v i r encontrar na c a m -
p a n h a tantos amigos e a f e i ç o a d o s e receber tantas e t ã o v a r i a d a s pro-
vas da mais s i n c e r a amizade. Se a minha vinda à campanha tivesse por
fim satisfazer nesse sentido o a m o r - p r ó p r i o , ele estaria mais que satis-
feito. D o u - m e c o m os oficiais e c o m a n d a n t e s dos d i v e r s o s c o r p o s ,
b r i g a d a s e d i v i s õ e s dos dois e x é r c i t o s ; fora todos os convenientes e
i n d i s p e n s á v e i s r e s e r v a s . Tenho tido a escolher as mais importantes e
melhores c o m i s s õ e s que há em ambos os e x é r c i t o s . A s s i m que cheguei
o Polidoro nomeou-me assistente junto à 1" Divisão, emprego de muita
c o n f i a n ç a e que d á vencimentos da C o m i s s ã o A t i v a de E n g e n h e i r o s ;
um m ê s depois mandou-me oferecer o lugar de encarregado dos d e p ó -
sitos de materiais de g u e r r a e fiscal dos transportes dos mesmos mate-
r i a i s na cidade de C o r r i e n t e s . N ã o o quis aceitar por duas r a z õ e s . 1"
p o r q u e e s t á i n t e i r a m e n t e fora do teatro das o p e r a ç õ e s . 2" porque o
sustento em C o r r i e n t e s é c a r í s s i m o . D a í a 4 dias m a n d a r a m - m e ofere-
cer um lugar semelhante na cidade de R o s á r i o . Rejeitei-o t a m b é m pelas
mesmas r a z õ e s acima e t a m b é m porque h á por ali muitos [abusos] que
eu indispensavelmente havia [cortar] e v i n h a m - m e d a í muitas indispo-
s i ç õ e s , que eu [ a r r o s t a r i a ] se fosse n e c e s s á r i o tomar conta do empre-
go, mas que eu podia evitar rejeitando-o. Quando chegou o M a r q u ê s
de C a x i a s , o Chefe da R e p a r t i ç ã o do Q u a r t e l - M e s t r e - G e n e r a l mandou-
me oferecer dois lugares; um no E s t a d o - M a i o r do G e n e r a l - e m - C h e f e
e outro j u n t o ao Chefe do E s t a d o - M a i o r do E x é r c i t o . Rejeitei ambos
[por isso] que dava-me muito bem no lugar onde estava, o A r g o l o [tra-
tava]-me com muita d i s t i n ç ã o e amizade e desejava que eu [o n ã o dei-
x a s s e ] . Dei p a r a e s q u i v a r - m e essas m e s m a s r a z õ e s ao P o l i d o r o [que
as] aceitou. No dia 8 o A r g o l o r e q u i s i t o u - m e ao M a r q u ê s de C a x i a s
p a r a o 2" C o r p o a fim de continuar a s e r v i r c o m ele; quando a r e q u i s i -
ç ã o chegou j á eu estava nomeado C o m a n d a n t e do [Porto M i l i t a r ] de
I t a p i r u e diretor dos d e p ó s i t o s fixos e ambulantes dos materiais. É um
emprego que [compete] por s u a i m p o r t â n c i a [a patentes] s u p e r i o r e s
[à] que tenho. E s t e emprego é de muitas vantagens, mas é morto em
r e l a ç ã o ã g u e r r a e eu fiz o que d e v i a , disse ao M a r q u ê s que t o m a v a
conta deste emprego, mas que o fazia c o m r e p u g n â n c i a . Prometeu-me
que estaria muito pouco tempo nele. C o m efeito, hoje recebi um ofício
do General-em-Chefe dispensando-me, a pedido meu, do lugar em que
me a c h a v a e nomeando-me membro efetivo da C o m i s s ã o de E n g e n h e i -
ros do 1"Corpo de E x é r c i t o . N ã o me podiam dar maior p r o v a de con-
s i d e r a ç ã o . N ã o vou j á para Tuiuti tomar conta do emprego porque rece-
bi h á pouco um ofício em que [se me] m a n d a dizer que antes de seguir
tenho de desempenhar [uma] importante c o m i s s ã o : a de dar um balan-
ç o g e r a l dos d e p ó s i t o s fixos e ambulantes de I t a p i r u e apresentar um
regulamento para esta r e p a r t i ç ã o , assim como ao s e r v i ç o dos transpor-
tes. A m a n h ã vou dar c o m e ç o a esta c o m i s s ã o e espero que em 15 ou 20
dias esteja acabada. Tenho t a m b é m de apresentar um r e l a t ó r i o sobre
alguns outros trabalhos. O bom conceito que felizmente gozo nos dois
e x é r c i t o s tem me custado bastante t r a b a l h o e bastantes s a c r i f í c i o s ,
mas o que tem sido m i n h a v i d a a t é hoje s e n ã o de t r a b a l h o s e s a c r i f í -
cios? P r o c u r a r e i fazer, como tenho feito, do trabalho e do s a c r i f í c i o os
elementos de m i n h a felicidade e serei feliz. Tenho por t i m b r e p r o v a r
que com tanta vantagem desempenho as c o m i s s õ e s pacíficas que tinha
na [Corte] como as mais a r r i s c a d a s e t r a b a l h o s a s de c a m p a n h a e j á o
tenho provado. Os vencimentos p o r é m t ê m sido muito reduzidos e s ã o
mais que insuficientes. P e ç o - t e pela segunda vez que me mandes algu-
ma roupa da que tenho [...]. E s t o u somente com duas camisas velhas
que tinha e n ã o posso c o m p r a r aqui. Os vapores S. José, Brasil e outros
n a v e g a m constantemente do R i o de J a n e i r o para cá e v ê m sempre a t é
I t a p i r u (no P a r a g u a i [...] oferecem-me (pelo menos o do S. José que se
d á muito comigo) [...] algum obter a l g u m a s c a m i s a s , c a l ç a s de b r i m
( b r a n c a s e pardas [...]) um c h a p é u de [...] o r d i n á r i o e um pequeno far-
nel de f a r i n h a , a ç ú c a r , banha e manteiga. Os g é n e r o s a l i m e n t í c i o s s ã o
aqui caros e eu ainda n ã o recebi desde que cheguei nem um real ( n ã o
faça [...] sacrifícios para isso). Do m ê s de j a n e i r o em diante é que come-
ç o a receber porque o excesso sobre a c o n s i g n a ç ã o tem sido emprega-
do em amortizar a de setembro que passei no mar. No caso de poderes
satisfazer a 2° parte do pedido n ã o mandes absolutamente mais nada
do que te p e ç o . F a z e n d o destas e n c o m e n d a s um pequeno v o l u m e
podes sem receio m a n d á - l o por q u a l q u e r destes v a p o r e s que e s t ã o
sempre em viagem [...]. Deves p ô r - l h e o seguinte e n d e r e ç o - Vai p a r a
o P a r a g u a i p a r a ser entregue ao S e n h o r C o m a n d a n t e do Porto Militar
de I t a p i r u para ser de lá remetido ao C a p i t ã o Benjamin etc. em Tuiuti.
O comandante que ficou em meu lugar no Itapiru é o Major de E n g e -
nheiros F r a n c i s c o D u a r t e Nunes, a quem podes escrever uma c a r t i n h a
a c o m p a n h a n d o as encomendas. E m todo o caso o soldado meu baga-
geiro tem ido a Itapiru de oito em oito dias buscar milho para o meu [...]
e com isso h a v e r á sempre portador seguro. Na ú l t i m a carta que escre-
veste com data de 7 de outubro mandaste-me dizer que j á tinhas escri-
to cinco. C o m o guardo sempre e leio muito todas as tuas cartas, dei
com esta c o n t r a d i ç ã o ; m a n d a - m e e x p l i c a r o que quer dizer isto. Na
p e n ú l t i m a falas-me no dinheiro que o Veiga e o G u i m a r ã e s te entrega-
r a m . N ã o me falas p o r é m nada a respeito da c o n s i g n a ç ã o nem a respei-
to do C o i m b r a que t a m b é m ficou de entregar-te todos os meses a 3"
parte do que rendesse o curso, nem tampouco falas sobre o montepio
de m i n h a M ã e . Q u a n d o me e s c r e v e r e s n ã o te e s q u e ç a s de dizer-me
alguma coisa a esse respeito. M a n d a - m e dizer t a m b é m como vais no
item - estado interessante. J á tens p r e p a r a d o o e n x o v a l z i n h o p a r a o
novo pequerrucho? Estou muito triste com o procedimento que (pare-
ce) tiveste comigo. C o n h e ç o aqui oficiais que recebem de sua família
cartas t ã o [...] que d ã o - l h e , dia por dia, n o t í c i a s minuciosas de todas as
[...] sua casa. E s t ã o sempre em dia com os n e g ó c i o s de suas famílias.
S e r á i m p o s s í v e l fazer o mesmo? Neste lugar o ú n i c o prazer que tenho
e s t á [...] da família e p r i n c i p a l m e n t e tuas. N ã o mandes mais as cartas
[...] nem nos ofícios do G e n e r a l C a l d w e l l (a quem deves agradecer este
favor que desejou prestar-nos, mas as c a r t a s perdem-se no Q u a r t e l -
G e n e r a l do E x é r c i t o ) . M a n d e - a s pelo c o r r e i o , que v i r ã o p a r a cá sem
falta. Mando-te dentro [...] maneira porque, mais ou menos, deves opor
o s o b r e s c r i t o nas cartas que me d i r i g e s . E s c r e v e a p a l a v r a - P a r a g u a i
- c o m letras grandes. N ã o tenho tempo p a r a e s c r e v e r agora a teu Pai,
mas m a n d a - l h e esta c a r t a e n ã o p e r d e r e i , como n ã o tenho perdido,
toda o c a s i ã o que t i v e r p a r a escrever-lhe. M a n d a - m e dizer como v ã o a
D. A l c i d a e a sua filhinha. Dá muitas r e c o m e n d a ç õ e s ao E r n e s t o e D .
D e l m i r a . Diz-lhes que eu n ã o tenho me esquecido dela assim como n ã o
me e s q u e ç o de todas as pessoas de quem sou amigo e a quem devo [...].
Diz t a m b é m a teu Pai que eu desejo que ele ou um outro m é d i c o partei-
ro bom assista o teu parto. A b e n ç o a por m i m ao nosso segundo filhi-
nho; n ã o deixes p o r é m a m i n h a pxinicoque p a r a o canto. A b e n ç o a - a ,
a b r a ç a - a todos os dias muitas vezes por m i m . D i z a D . O l í m p i a que me
[...] breve farei o mesmo, pois ainda o n ã o pude fazer. N ã o [...] que tenho
e das dificuldades com que se luta no c a m p o . Q u a s e todas as c a r t a s
que mando s ã o escritas deitado no couro, de b r u ç o s na p o s i ç ã o a mais
i n c ó m o d a . Dá l e m b r a n ç a s a todas as pessoas de nossa família e a m i z a -
de. Nunca te e s q u e ç a s que sou teu verdadeiro amigo, que te ama a t é em
excesso e que na tua amizade s i n c e r a faço consistir a m i n h a maior feli-
cidade. A c e i t a um apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o saudoso do teu

A m i g o s i n c e r o , esposo fiel

À m a r g e m : ( N ã o tive n a o c a s i ã o outro papei p a r a escrever-te.)

N . B . E s c r e v o - t e esta c a r t a no porto do Itapiru, onde, como disse, terei


p o u c a d e m o r a . O p o r t a d o r dela é o meu a m i g o T e n e n t e - C o r o n e l
E s a l t i n o J o s é de M e n d o n ç a C a r v a [ . . . ]

* * *
P a r a g u a i Porto do I t a p i r u
IVlinlna adorada esposa
19 de dezembro de 1866

Vou escrever-te mais esta c a r t i n h a de n a m o r o . E s t o u no I t a p i r u t r a -


b a l h a n d o n a c o m i s s ã o de que fui e n c a r r e g a d o peio G e n e r a l - e m -
Chefe, isto é, dar um b a l a n ç o g e r a l nos d e p ó s i t o s militares do I t a p i r u
e P a s s o da P á t r i a e f o r m a r um r e g u l a m e n t o p a r a estas r e p a r t i ç õ e s e
t a m b é m o regulamento do porto (conforme te comuniquei em m i n h a s
duas c a r t a s de 13 e 14 do c o r r e n t e ) " . T e n h o c o n s c i ê n c i a de p r e s t a r
um i m p o r t a n t e s e r v i ç o à fazenda n a c i o n a l com as p r o v i d ê n c i a s que
p r o p u s e que felizmente t ê m sido muito bem aceitas por todos. P o r
estes 15 dias pretendo a c a b á - l a e v o l t a r ao a c a m p a m e n t o de T u i u t i .
N a d a m a i s tem o c o r r i d o de importante, a n ã o ser um g r a n d e m o v i -
mento de m a t e r i a i s de g u e r r a , que me tem t r a z i d o m a ç a d o c o m t r a -
balho. Depois de ter-te dado n o t í c i a s de m i m como soldado, vou dar-
te n o t í c i a s de m i m c o m o teu m a r i d o , teu a m i g o e x t r e m o s o . ( A q u i
c o m e ç a o n a m o r o . N ã o h á r e m é d i o , vou namorar-te outra vez.) Todas
as tardes, depois de terminados os trabalhos do dia, deito-me em uma
rede f o r m a d a de sacos, que aqui achei a r m a d a à b e i r a do rio P a r a n á
em frente ao d e p ó s i t o onde estou t r a b a l h a n d o , e ali sozinho, o l h a n -
do p a r a as imensas p l a n í c i e s que por toda parte se estendem a perder
de vista, passo horas e h o r a s entretido, a t é que o sono v e m por ter-
m i n a r as m i n h a s m e d i t a ç õ e s . Talvez suponhas que tenho a alma e x t a -
s i a d a n a c o n t e m p l a ç ã o do q u a d r o que a n a t u r e z a a p r e s e n t a nestas
paragens. N ã o . A o c o n t r á r i o . Nunca vi natureza mais estéril, mais
i n g r a t a que a n a t u r e z a deste p a í s . E s t a s i m e n s a s p l a n í c i e s [...] apre-
sentando aqui e ali uma v e g e t a ç ã o a c a n h a d a e sem v a r i e d a d e , este
rio c o m suas á g u a s b a r r e n t a s [...] f o r m a m o p a i n e l mais m o n ó t o n o e
mais triste que é p o s s í v e l imaginar-se. Penso em ti, em m i n h a filhinha,
em m i n h a M ã e , em m i n h a s i r m ã s e meus amigos. L e m b r o - m e daque-
las h o r a s felizes que p a s s a m o s j u n t o s e em que eu t a n t a s v e z e s te
a b r a ç a r a [...] n a e f u s ã o do a m o r o mais i n t e n s o , da a f e i ç ã o a m a i s
e x t r e m o s a , e tenho saudades desse tempo. Quando nos t o r n a r e m o s a
v e r ? . . . Deus h á - d e p e r m i t i r que a i n d a possa gozar esta felicidade, a
m a i o r p a r a m i m . Q u a n d o c a s e i - m e c o n t i g o e s t a v a m u i t o l o n g e de
p e n s a r que o a m o r que te t i n h a pudesse a i n d a crescer, t ã o g r a n d e
era ele. Hoje p o r é m c o n h e ç o que estava em e r r o e sinto o m a i o r p r a -
zer em c o n f e s s á - l o . Hei-de repetir s e m p r e esta v e r d a d e , que o futuro
te f a r á c o n h e c e r m e l h o r : tu é s a m i n h a ú n i c a e s p e r a n ç a , a m i n h a
ú n i c a felicidade neste m u n d o . N ã o fazes ideia como me tem a g r a d a -
do a i n g e n u i d a d e e singeleza com que me m a n d a s d i z e r em tuas c a r -
t i n h a s : eu a g o r a é que c o n h e ç o que te tenho amizade, que te tenho
muito amor, etc. E s t a s p a l a v r a s tuas me t ê m feito bastante feliz. O teu
g é n i o c o n c e n t r a d o i n c o m o d a v a - m e m u i t o . P e n s a v a que n ã o e r a s
m i n h a a m i g a , posto que muitas vezes p a r e c e s s e c o n v e n c i d o do c o n -
t r á r i o . Ultimamente p o r é m j á estava disso convencido. Desejava
e n c o n t r a r uma m u l h e r que fosse m i n h a v e r d a d e i r a amiga, mas quan-
do fosse infeliz, n ã o a e n c o n t r a n d o , o que p o d e r i a e x i g i r m a i s p a r a
v i v e r m o s j u n t o s s e n ã o o c u m p r i m e n t o r i g o r o s o dos preceitos s a g r a -
dos a que se i m p ô s c a s a n d o - s e c o m i g o ? Hoje p o r é m tenho a felici-
dade de v e r r e a l i z a d o esse meu t ã o n a t u r a l desejo. A tua e d u c a ç ã o , o
teu c a r á t e r me d ã o a c o n v i c ç ã o de que n u n c a s e r á s capaz de te afas-
tar da serena linha de conduta que a natureza, a sociedade, a r e l i g i ã o
t r a ç a m p a r a u m a s e n h o r a que se p r e z a e p r e z a a s u a f a m í l i a . [...] é
t a m b é m p a r a m i m a c o n d i ç ã o i n d i s p e n s á v e l . O conhecimento do teu
g é n i o e as c a r t i n h a s que me tens e s c r i t o a s s e g u r a m - m e a tua a m i z a -
de. Se a s s i m é, como creio, a c r e d i t a que e s t á i n t e i r a m e n t e c u m p r i d o
um dos meus m a i o r e s desejos. E u r e t r i b u i r e i s e m p r e com v a n t a g e m
a a m i z a d e que me t i v e r e s por m a i o r que ela s e j a . Tu me m a n d a s t e
dizer na ú l t i m a c a r t a que me e s c r e v e s t e que se eu te n ã o quis t r a z e r
p a r a te n ã o fazer sofrer i n c ó m o d o s , que me t i n h a e n g a n a d o comple-
tamente, porque tinhas sofrido muitos, e dizes, e n c e r r a n d o um p a r ê n -
teses, p a r a me c h a m a r a a t e n ç ã o (há m u i t a c o i s a que me i n c o m o d a ) .
A s minhas c i r c u n s t â n c i a s n ã o permitem deixar-te melhor amparada
de q u a l q u e r necessidade, mas tenho a c o n s c i ê n c i a de que fiz o mais
que e r a p o s s í v e l em tais c i r c u n s t â n c i a s . M a n d a pois dizer com f r a n -
queza quais s ã o esses i n c ó m o d o s e s p e c i a i s p a r a os quais c h a m a s a
m i n h a a t e n ç ã o . C r ê no que digo, para a tua felicidade, farei toda sorte
de s a c r i f í c i o s de que é capaz um h o m e m de bem com h o n r a , i n c l u s i -
ve o s a c r i f í c i o da p r ó p r i a v i d a . Se me a s s e g u r a s s e s que a tua felicida-
de d e p e n d e de eu m o r r e r aqui, longe de t i , eu n ã o v o l t a r i a m a i s ao
meu p a í s , p r o c u r a r i a a m o r t e nas m ã o s destes nossos infames i n i m i -
gos. N ã o penses que sou e x a g e r a d o , digo aquilo que realmente sinto.
[...] c o n s i d e r o h i p ó t e s e s e x a g e r a d a s que n ã o se podem [...], s ó tenho
em v i s t a p r o c u r a r c o n v e n c e r - t e do q u a n t o sou teu a m i g o . Se D e u s
p e r m i t i r que eu volte [...] c o m o tempo ficar c o n v e n c i d a , se o n ã o [...]
da verdade do que te acabo de dizer. N u n c a [...] a n i n g u é m tanta ami-
zade como sinto por t i . Diz-me a g o r a como v a i a n o s s a p e c u r r u c h i -
nha. Sei que j á fala tudo, que e s t á muito gaiata, muito b r e j e i r a , que
a i n d a n ã o se esqueceu do seu papai que diz estar lá longe. Q u a n d o
me e s c r e v e r e s fala-me bastante nela, conta-me todas as t r a v e s s u r a s
que faz. Tenho tido muitas saudades da m i n h a pxinicoque, das b r i n -
c a d e i r a s ( e s t o u v a d a s ) que t i n h a com ela, dos momos que me fazia e
das b r i g a z i n h a s que tinha comigo. E l a ainda n ã o pode avaliar a extre-
m o s a amizade que o seu papai lhe tem. ( N ã o lhe d á muitas palmadas.)
A b r a ç a e a b e n ç o a muitas vezes por mim a esse nosso anjinho.
T e n h o t r a b a l h a d o m u i t í s s i m o , m i n h a boa a m i g u i n h a , n ã o podes
i m a g i n a r a v i d a d e s g r a ç a d a que p a s s a um m i l i t a r em c a m p a n h a .
D o r m e - s e muitas vezes ao relento, c h o v a ou n ã o . O c a l o r é aqui t ã o
e x c e s s i v o que n ã o sei c o m o tenho r e s i s t i d o a ele. N i n g u é m se pode
meter debaixo de uma b a r r a c a , é p r e f e r í v e l a p a n h a r o sol no meio do
c a m p o . H á aqui m o s c a s n u m a q u a n t i d a d e e x t r a o r d i n á r i a , m o r d e m
que fazem desesperar. N ã o se pode comer sem ser a c o m i d a t e m p e r a -
da com centenas de moscas. A o p r i n c í p i o repugnava-me e tapava mui-
tas vezes a x í c a r a de c a f é com um papel e l e v a n t a v a um pouco p a r a
poder p ô r a boca e beber, mas j u n t a v a m - s e nos cantos em tal quanti-
dade que n ã o h a v i a r e m é d i o s e n ã o beber s e m p r e c o m m o s c a s .
Q u a n d o h á por aqui a l g u m a t r o v o a d a forte, ficam todos satisfeitos
porque nesse dia as m o s c a s d e s a p a r e c e m . À noite, quando se acende
uma vela nas b a r r a c a s , aos mosquitos, que s ã o desesperadores, j u n -
tam-se as moscas, que ficam a l v o r o t a d a s , e e n t ã o a b a r r a c a t r a n s f o r -
ma-se num v e r d a d e i r o inferno. A á g u a que aqui se bebe é a pior pos-
sível. F a z - s e um b u r a c o no c h ã o e bebe-se a á g u a cor de lama que se
o b t é m . No antigo acampamento estas p o ç a s se faziam à beira dos p â n -
tanos e c h a r c o s onde se v i a uma p o r ç ã o de cavalos, bois e P a r a g u a i o s
podres. C u s t e i muito a me h a b i t u a r com essas i m u n d í c i e s , mas n ã o
houve r e m é d i o e j á estou familiarizado com a p o r c a r i a e com este viver
todo especial pelas p r i v a ç õ e s que se sofre. No entanto, n ã o tenho pas-
sado m a l de s a ú d e . Diz o ditado - o que n ã o mata engorda - e assim é.
N ã o te aflijas com isto. E s t e s s a c r i f í c i o s nada s ã o . C r ê que o maior, ou,
verdadeiramente, o ú n i c o s a c r i f í c i o que f a ç o é o de estar longe de t i .
E s t e s a c r i f í c i o é o que mais me faz sofrer. T a m b é m , se, como espero.
t i v e r a felicidade de voltar, hei-de p a s s a r pelo menos t r ê s meses em
completo descanso (se as c i r c u n s t â n c i a s o p e r m i t i r e m ) . E n t ã o p r o c u -
r a r e m o s uma c a s i n h a por algum dos a r r e b a l d e s (sic) da cidade ( p a r a
m o r a r m o s s ó s ) . Tenho c o m p r e e n d i d o que é i m p o s s í v e l v i v e r m o s j u n -
tos t o d o s c o m o e s t á v a m o s dantes. E s s e é o meu desejo, mas é um
i m p o s s í v e l reconhecido. P a r a felicidade de todos n ó s , é i n d i s p e n s á v e l
essa medida. Repartirei os meus vencimentos, mas v i v e r e m o s mais em
h a r m o n i a e mais felizes. Q u a n d o vier dos meus t r a b a l h o s e n c o n t r a -
rei o d e s c a n s o e a m i z a d e em c a s a . N ã o h a v e r á constrangimento
algum. F i z tudo quanto me era humanamente p o s s í v e l para evitar isto,
mas hoje a b r a ç o esta ideia como a ú n i c a e a mais eficaz para felicida-
de (ao menos d e s c a n s o ) de toda a nossa f a m í l i a . E n t ã o a c a b a r ã o as
q u e s t õ e s (e s ã o quase todas) que se o r i g i n a m dessa c o n v i v ê n c i a . E u j á
prevejo o quanto seremos felizes. Porque hoje acredito que tu c o r r e s -
pondes à amizade que te tenho e por isso penso que v i v e r á s feliz comi-
go, e m b o r a as m i n h a s c i r c u n s t â n c i a s sejam m á s . S a i r e m o s a p a s s e a r
quando e p a r a onde nos c o n v i e r sem que tenhamos de o u v i r [...] etc.
N ã o adiantes nada a este respeito, c o m p r e e n d e s a necessidade disso.
Q u a n d o se a c a b a r á [...] g u e r r a ? P a r e c e - m e que acabado este s e r v i ç o
v a i c o m e ç a r uma v i d a n o v a p a r a m i m . P a r e c e - m e que [...] de t i , v ã o
os dias de m i n h a m e l a n c ó l i c a e x i s t ê n c i a m u d a r inteiramente de face.
Nos b r a ç o s da esposa amiga e n c o n t r a r e i a v e n t u r a e a felicidade que
s e m p r e me a b a n d o n a r a m . Q u a n d o c o m e ç a r e i a g o z a r desta n o v a e
v e n t u r o s a face de m i n h a e x i s t ê n c i a ? Se n ã o fossem o d e v e r e o brio,
que aqui me r e t ê m , eu [...] imediatamente à felicidade que me acena de
longe. D i z e m que a g u e r r a e s t á t e r m i n a n d o . Deus q u e i r a que a s s i m
seja. O h o m e m que a r r a s t a v a a v i d a como um peso i n s u p o r t á v e l v a i
a m a n d o a [...]. E s t e amor n u n c a me l e v a r á , p o r é m , a cometer ato de
covardia. Se tiver de entrar em algum combate [...] para onde me man-
darem e p r o c u r a r e i a c o m p a n h a r aqueles que mais a v a n ç a r e m p a r a os
lugares [...] perigo, mas a tua imagem i r á sempre diante de m i m [...] o
passo. Tenho p o r é m fé na [...] todos os atos da m i n h a v i d a , na t r a n -
quilidade da m i n h a c o n s c i ê n c i a que hei-de ter a v e n t u r a de t o r n a r a
ver-te. É i m p o s s í v e l que Deus [...] h o m e m que tem sido s e m p r e t ã o
infeliz e ao mesmo tempo t ã o c u m p r i d o r dos seu mais santos deveres
[...] ao menos um dia de descanso e felicidade. A d e u s , m i n h a q u e r i d a
a m i g u i n h a . E s c r e v e - m e s e m p r e . D á l e m b r a n ç a s a D . A l c i d a , seu
E r n e s t o , D . O l í m p i a , D . M a r i q u i n h a s [...] e m a n d a - m e n o t í c i a s de
m i n h a m ã e . A c e i t a , m i n h a adorada a m i g u i n h a , o c o r a ç ã o saudoso e
a p a i x o n a d o e um bem apertado a b r a ç o do amigo s i n c e r o e e x t r e m o -
so e esposo fiel,

B e n j a m i n C o n s t a n t Botelho de M a g a l h ã e s

" E s t a carta assim como uma para o G u i m a r ã e s e outra para o P e ç a n h a


foram [...].

* * *

Paraguai I t a p i r u
M e u sogro e bom amigo
22 de dezembro de 1866

É portador desta o Sr. Major J o ã o P i n h e i r o Guedes, que foi meu c o m -


p a n h e i r o de v i a g e m da C o r t e p a r a este e x é r c i t o e ficou doente em
v i a g e m . V a i na C o r t e , no seio de sua família, e s p e r a r a r e f o r m a que
p e d i u . E m b o r a n ã o e s t i v e s s e c o m i g o no E x é r c i t o é u m a c a r t a v i v a
que lhe p o d e r á dar muitas i n f o r m a ç õ e s a meu respeito e a respeito
de nosso E x é r c i t o . Ofereceu-se-me p a r a ser o p o r t a d o r de c a r t a s à
m i n h a f a m í l i a e d a r - l h e m i n u c i o s a s n o t í c i a s m i n h a s . É um g r a n d e
favor que lhe fico devendo. Pelo Tenente-Coronel E s a l t i n o M e n d o n ç a
de C a r v a l h o e s c r e v i à m i n h a mulher, ao G u i m a r ã e s e ao P e ç a n h a e
pretendia escrever-lhe t a m b é m , mas o v a p o r saiu daqui mais depres-
sa do que se e s p e r a v a e por isso o n ã o fiz. E s t e foi t a m b é m meu com-
p a n h e i r o de v i a g e m e j á é r a m o s conhecidos de h á muito. P r o m e t e u -
me que i r i a ao I n s t i t u t o no 1" d o m i n g o depois que c h e g a s s e e dar-
Ihe-ia e à minha mulher minuciosas notícias minhas substituindo
a s s i m a c a r t a que deixei de e s c r e v e r - l h e . C o m data de 28 de n o v e m -
bro e s c r e v i - l h e uma c a r t i n h a estando a p a r t i r p a r a o C u r u z u onde ia
v i s i t a r o G e n e r a l A r g o l o , que foi t o m a r o C o m a n d o - e m - C h e f e do 2"
C o r p o de E x é r c i t o e pelos p r i n c í p i o s de d e z e m b r o , 12 se n ã o me
engano, e s c r e v i - l h e à s p r e s s a s a bordo do S. José um pequeno bilhe-
te dando-lhe n o t í c i a s m i n h a s . Tenho recebido todas suas cartas e devo
uma resposta ao Dr. S i l v e i r a da M o t a que b r e v e p a g a r e i . E m p r i n c í -
pios deste m ê s recebi uma c a r t i n h a de m i n h a m u l h e r e ontem recebi
m a i s t r ê s , duas a t r a s a d a s . G r a ç a s a D e u s que j á v o u tendo n o t í c i a s
de m i n h a f a m í l i a . N ã o faz ideia do p r a z e r c o m que recebi e li estas
c a r t a s . S o u b e c o m o se t i n h a dado a m u d a n ç a do P e ç a n h a p a r a a
T r a v e s s a das M a n g u e i r a s . F e l i z m e n t e ( c o n f o r m e me m a n d a d i z e r a
N h a n h ã ) foi em melhores bases do que eu p e n s a v a e t i n h a r a z ã o bas-
t a n t e p a r a a s s i m f a z ê - l o . A p r o v e i i n t e i r a m e n t e o p a s s o que m i n h a
m u l h e r deu. E l a m o s t r a - s e , s e m r a z ã o , r e c e o s a p e n s a n d o que eu o
r e p r o v a r i a . Sabe em que conceito tenho o E r n e s t o e sua família e por-
tanto n ã o t i n h a s e n ã o r a z õ e s p a r a ficar bastante satisfeito. E m que
c a s a p o d e r i a ela ficar m e l h o r do que lá? P e ç o - l h e p o r é m que p r o c u -
re s a b e r se ela n ã o se t o r n a i n c ó m o d a ao E r n e s t o e sua família e que
me m a n d e dizer. Talvez seja isso p a r a eles de a l g u m s a c r i f í c i o pela
falta de c o m o d i d a d e da c a s a . A boa vontade que t ê m é g r a n d e mas
n ã o desejo a b u s a r d e l a . T i v e ontem, por um cadete que c h e g o u de
M o n t e v i d e u , n o t í c i a s de seu filho J o ã o . E l e e s t á bom e e m p r e g a d o
n e s s a c i d a d e c o m o a m a n u e n s e de u m a s e c r e t a r i a m i l i t a r . E s c r e v i
m a n d a n d o s a b e r c o m o se a c h a v a mas a i n d a me n ã o r e s p o n d e u . H e i -
de e s c r e v e r ao G e n e r a l C o m a n d a n t e das f o r ç a s que é meu a m i g o e a
o u t r o s a m i g o s que t e n h o lá p a r a que o t r a t e m b e m . N ã o e r a i s s o
n e c e s s á r i o , b a s t a v a ser ele seu filho p a r a ser muito bem t r a t a d o pois
tem lá a m i g o s e c o n h e c i d o s ; mas j u l g o de meu d e v e r fazer por ele,
que c o n s i d e r o meu i r m ã o , o pouco ou nada que puder. Sei que tem
estado bem de s a ú d e p o r é m muito m a ç a d o com os t r a b a l h o s de e x a -
mes, r e l a t ó r i o s , d i s t r i b u i ç ã o de p r é m i o s e seus muitos outros afazeres,
que a D . O l í m p i a , D . M a r i q u i n h a s gozam t a m b é m de s a ú d e e desejo
que a s s i m continuem. Os t r a b a l h o s de D. O l í m p i a ainda n ã o se acaba-
r a m . Sei que a i n d a e s t á com os n e g ó c i o s do Dr. G o n ç a l v e s Dias bas-
tante atrapalhados. Deus queira que ela alcance obter todos os impor-
t a n t e s t r a b a l h o s de seu m a r i d o , que os p u b l i q u e e que ao m e n o s
p o s s a p a g a r as despesas que tem feito; pois que o t r a b a l h o que tem
tido é mais uma p r o v a valente que tem dado do quanto a m a v a e r e s -
p e i t a v a a seu m a r i d o . Tem sido bem infeliz e eu a estimo a i n d a mais
p o r v e r c o m quanta nobreza e a m o r t r a t o u o seu m a r i d o e a i n d a o faz
p a r a h o n r a r as c i n z a s daquele a quem c o m tanta d e d i c a ç ã o e elevado
a m o r t ã o i n t i m a m e n t e ligou o seu c o r a ç ã o e o seu destino. E r a d i g n a
de u m a sorte mais feliz. O mundo p o r é m e s t á a s s i m c o n s t i t u í d o . A s
pessoas v i r t u o s a s s e r v e m muitas vezes de l u d i b r i o a esse bando de
m i s e r á v e i s , i n d i g n o s , sem hionra, sem b r i o que infelizmente c o n s t i -
tuem a m a i o r (e quase s e m p r e a m a i s c o n s i d e r a d a e estimada) parte
da s o c i e d a d e . Que o d i g a C a p a n e m a e seu r a n c h o ( s i c ) se é ou n ã o
v e r d a d e o que d i g o . M a s h á u m a b a r r e i r a ingente, i n a c e s s í v e l aos
ataques e insultos dos infames e que por mais que f a ç a m n u n c a pode-
r ã o d e s t r u i r e m b o r a f a ç a m os m a i o r e s e s f o r ç o s p a r a isso - é a t r a n -
q u i l i d a d e da c o n s c i ê n c i a das pessoas honestas e que c u m p r e m c o m
e s c r i j p u l o os seus mais santos d e v e r e s . A q u e l e que se c o l o c a n e s s a
p o s i ç ã o o l h a de fronte e r g u i d a e s o b r a n c e i r a p a r a e s s e b a n d o de
m i s e r á v e i s que c h a f u r d a m no l o d a ç a l dos v í c i o s e nem de leve é s a l -
picado pela lama em que se r e v o l v e m . S ó deve haver, neste caso, com-
p a i x ã o pelos m i s e r á v e i s . N ã o d e i x a m p o r é m de i n c o m o d a r e b a s t a n -
te. A i n j u s t i ç a é s e m p r e d o l o r o s a de sofrer-se. É o a m o r - p r ó p r i o o
lado fraco da n a t u r e z a h u m a n a e a pessoa honesta sente-o profun-
damente quando v ê , pelas a p a r ê n c i a s ou pela m á - f é , a sua r e p u t a ç ã o
a t a s s a l h a d a e se v ê e s c a r n e c i d o pelo motejo dos insensatos e v i s . É
preciso muita coragem, muito e s f o r ç o para elevar-se acima dessa luta
de p a i x õ e s h u m a n a s e o u v i r - s e somente a voz c a l m a da c o n s c i ê n c i a .
M a s e n t ã o se é verdadeiramente feliz. Dou-me por feliz de ter na famí-
l i a de m i n h a m u l h e r u m e x e m p l o t ã o nobre de tanta d e d i c a ç ã o , de
tanto a m o r conjugal ( e m b o r a mal c o m p e n s a d o ) . M a s d e i x e m o s esta
m a t é r i a . O m u n d o é como é e n ã o como d e v i a ser.
M e u b o m P a i e a m i g o , t e n h o sido t ã o bem t r a t a d o , tanto neste
c o m o no 2" C o r p o de E x é r c i t o que s e r i a i n g r a t o se n ã o o d i s s e s s e .
D o u - m e bem c o m todos os oficiais, comandantes de corpos de b r i g a -
da, de d i v i s õ e s , etc. e sou por todos muito c o n s i d e r a d o . P a r e c e - m e
que aqui se a j u n t a r a m todos os meus amigos ( n ã o c o n s i d e r o aqueles
que d e i x e i n a C o r t e ) e que se e s f o r ç a m por t r a t a r - m e c a d a q u a l
m e l h o r e c o m m a i s d i s t i n ç ã o . N ã o faz ideia quanta p r o v a de amizade
tenho tido nesta c a m p a n h a . D i s s e numa c a r t a à m i n h a mulher e disse
a v e r d a d e : se a m i n h a v i n d a a este E x é r c i t o tivesse por fim satisfazer
ao meu a m o r - p r ó p r i o ele e s t a r i a mais que satisfeito. E n t r e todos eles
h á p o r é m alguns que mais se d e s t a c a m : s ã o o T i b ú r c i o , o F i a l h o ( n ã o
é parente do F i a l h o que t a m b é m e s t á aqui) e o Pego. O T i b ú r c i o p r i n -
c i p a l m e n t e tem-se m o s t r a d o m a i s que a m i g o devotado. T e n h o tido
aqui a e s c o l h e r as m e l h o r e s c o m i s s õ e s . L o g o que cheguei, conforme
lhe c o m u n i q u e i , o P o l i d o r o n o m e o u - m e A s s i s t e n t e do Q u a r t e l -
M e s t r e - G e n e r a l j u n t o à 1" D i v i s ã o , e m p r e g o da m a i o r c o n f i a n ç a e a
que tenho o r g u l h o de ter c o r r e s p o n d i d o perfeitamente. L o g o depois
foi-me o f e r e c i d o o l u g a r de e n c a r r e g a d o de todos os d e p ó s i t o s de
m a t e r i a l na c i d a d e de C o r r i e n t e s . É l u g a r que compete a oficial de
patente s u p e r i o r à que tenho. O chefe de m i n h a r e p a r t i ç ã o m o s t r o u -
se desejoso de que eu aceitasse esta c o m i s s ã o ; p o n d e r e i - l h e p o r é m
que ela me a r r e d a v a do teatro de o p e r a ç õ e s e que eu n ã o podia a c e i -
t a r uma c o m i s s ã o e m b o r a h o n r a d a mas que podia d a r l u g a r a m á s
i n t e r p r e t a ç õ e s . P o d i a m pensar, os h o m e n s de m á - f é , que eu me t i n h a
e m p e n h a d o . Ofereceu-se-me depois um l u g a r s e m e l h a n t e n a cidade
de R o s á r i o c mostrei t a m b é m pela mesma r a z ã o r e p u g n â n c i a em acei-
t á - l o e a t e n d e r a m a ela. Q u a n d o chegou o C a x i a s fui c o n v i d a d o p a r a
o l u g a r de A s s i s t e n t e do C h e f e do E s t a d o - M a i o r - G e n e r a l , um dos
l u g a r e s mais d i s t i n t o s do E x é r c i t o , mas o fato de estar muito perto
do C a x i a s e por c o n s e q u ê n c i a da C o r t e c o m todas as suas m a z e l a s
(porque o Q u a r t e l - G e n e r a l é aqui a C o r t e no E x é r c i t o ) fez-me r e p u g -
n a r e c o m o estava em l u g a r semelhante c o m o A r g o l o , c o m quem me
d a v a e n ã o t i n h a motivo p a r a n ã o q u e r e r s e r v i r com ele, a p r o v e i t e i
este p é p a r a ter u m a s a í d a h o n r o s a . S e n d o o A r g o l o n o m e a d o
C o m a n d a n t e - e m - C h e f e do 2" C o r p o de E x é r c i t o fui v i s i t á - l o t r ê s dias
depois que p a r t i u p a r a o C u r u z u e passei lá a l g u n s dias. Q u a n d o v o l -
tei encontrei um ofício em que era eu nomeado C o m a n d a n t e do Posto
M i l i t a r do I t a p i r u e fiscal dos d e p ó s i t o s fixos e ambulantes dos mate-
r i a i s de g u e r r a . A p r e s e n t e i - m e ao C a x i a s e ao P o l i d o r o . E s t e disse-
me: sei que n ã o h á - d e gostar deste e m p r e g o que o p õ e fora do E x é r -
cito, mas é um lugar de c o n f i a n ç a ; aceite-o que por estes dias nomeio-
o p a r a o u t r a c o m i s s ã o . C o m efeito t r ê s dias depois de t o m a r c o n t a
deste emprego recebi um ofício do G e n e r a l - e m - C h e f e nomeando-me
m e m b r o da C o m i s s ã o de E n g e n h e i r o s do 1" C o r p o de E x é r c i t o .
A c e i t e i e a g r a d e c i mais esta p r o v a de c o n f i a n ç a que me d e r a m . H e i -
de e s f o r ç a r - m e p a r a c o r r e s p o n d e r à a m i z a d e e d i s t i n ç ã o c o m que
tenho sido tratado. Os v e n c i m e n t o s s ã o p o r é m os mesmos que tenho
tido n a s o u t r a s , pois em t o d a s t e n h o os v e n c i m e n t o s de C o m i s s ã o
A t i v a de E n g e n h e i r o s . E s t e s v e n c i m e n t o s , que s ã o os m e l h o r e s do
E x é r c i t o , e s t ã o p o r é m muito r e d u z i d o s . O S r . F e r r a z (o i n f a t i g á v e l )
r e d u z i u e x t r a o r d i n a r i a m e n t e n ã o s ó o pessoal c o m o os v e n c i m e n t o s
da C o m i s s ã o de E n g e n h e i r o s . P a r a d a r p r i n c í p i o a meus t r a b a l h o s
neste n o v o e m p r e g o , fui n o m e a d o p a r a d a r um b a l a n ç o g e r a l nos
d e p ó s i t o s fixos e ambulantes dos materiais de g u e r r a dos postos m i l i -
tares do I t a p i r u e do P a s s o da P á t r i a e fazer t a m b é m um r e g u l a m e n -
to do porto. N ã o faz ideia q u a n t a m a z e l a , q u a n t o e x t r a v i o , q u a n t o
roubo anda por aqui. B r e v e lhe darei uma n o t í c i a c i r c u n s t a n c i a d a de
tudo o que t e n h o feito. E s p e r o g a s t a r 15 dias mais ou m e n o s neste
t r a b a l h o . Desejo e espero, mas n ã o p e ç o , ser n o m e a d o p a r a fazer as
f o r t i f i c a ç õ e s dos postos a v a n ç a d o s de nossas l i n h a s . É u m a c o m i s -
s ã o a r r i s c a d a mas onde se pode p r e s t a r relevantes s e r v i ç o s . Tenho
a i n d a m u i t a s c a r t a s p a r a e s c r e v e r e por i s s o n ã o p o s s o s e r m a i s
extenso nesta c a r t a . Dê de m i n h a parte muitas l e m b r a n ç a s à s m a n a s
O l í m p i a , M a r i q u i n h a s , à D. M a r i a M a r c e l i n a e a todas as pessoas de
n o s s a a m i z a d e . D i s s e - m e que a D . M a r i q u i n h a s e s t a v a m e l h o r por
seus a r r a n j o s (presentes e futuros); n ã o sei se c o m p r e e n d i o que me
q u e r i a dizer; mas desconfio que s i m . Desejo s i n c e r a m e n t e a ela que
seja muito feliz, como merece por suas boas qualidades, pois lhe sou
muito a f e i ç o a d o e amigo.
A m i n h a m u l h e r e boa a m i g u i n h a t e m - m e e s c r i t o mas as c a r t a s
t ê m sido mal d i r i g i d a s por isso as recebo muito tarde. E l a sempre me
pede em suas c a r t i n h a s que n ã o me e s q u e ç a dela, que n ã o me e x p o -
n h a m u i t o . Pode a s s e v e r a r - l h e , c o m o t a m b é m o t e n h o feito, que é
i m p o s s í v e l que me e s q u e ç a dela. S u a filha, m i n h a mulher, é a pessoa
a quem m a i s amo neste m u n d o , a ú n i c a f e l i c i d a d e de m i n h a v i d a e
ú n i c a v e n t u r a . E u por ela e por m i n h a filhinha farei todos os s a c r i f í -
cios c o m p a t í v e i s com um homem de h o n r a ( n ã o excluo as outras pes-
soas de nossa família). M a s é ela quem mais me ocupa o c o r a ç ã o e o
pensamento. A D e u s , ( s i c ) meu bom P a i , aceita um apertado a b r a ç o e
o c o r a ç ã o [...] seu filho e amigo

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s
1" v i a
Paraguai Itapiru
M i n l i a adorada esposa
[sem data]

C o m o e s t á s , minlna querida a m i g u i n h a ? C o m o vai a nossa pxinicoque?


E n t ã o ela d á biscoitos ao retrato do seu papai? E s t á muito gaiata, muito
t r a v e s s a , muito m i n h a a m i g u i n h a ? P o r cada vez que ela falar no seu
papai d á - l h e um beijinho por mim e diminui uma palmada das que tive-
res de dar quando ela fizer alguma t r a v e s s u r a muito grande. M a s n ã o .
N ã o lhe d ê s palmadas que é o melhor; procura ver se a educas sem isso
e n ã o m a r t i r i z e s a pobrezinha. A i n d a e s t á s com o g é n i o f r e n é t i c o que
tinhas? P r o c u r a ver se o modificas s e n ã o a nossa pequerrucha h á - d e se
ver tonta contigo. Como v ã o a rapaziada miiida da D. Alcida e a sua nova
f i l h i n h a ? F a ç o ideia a M a l v i n a e os filhinhos de D. A l c i d a como n ã o
h ã o - d e t i r a r o seu ventre da m i s é r i a nos seus pagodes, c a r r e i r a s , g r i -
t a r i a s , e t c , etc. H á - d e ser um Deus nos acuda, como se costuma dizer.
E eu que tenho saudades a t é desses brinquedos. O r a , realmente o amor
de pai faz um homem ficar tolo. L e m b r a s - t e daquelas m i n h a s b r i n c a -
deiras com a A l d i n a ?
M i n h a boa a m i g a , tive ontem um g r a n d e p r a z e r em receber t r ê s
cartas tuas: uma com data de 4 de outubro, outra escrita nos dias 24, 25
e 26 e a terceira com data de 19 de novembro que dizes ser a 11" que me
escreves. Li e reli as tuas c a r t i n h a s . Tem me a g r a d a d o muito a singele-
za e i n g e n u i d a d e c o m que e n u n c i a s os teus p e n s a m e n t o s , os teus
receios, a saudade que tens de m i m , os teus desejos de acompanhar-
me, etc. Desejas e n t ã o estar comigo ao menos p a r a quando fosse feri-
do em lugar de cair nos b r a ç o s de outro, cair nos b r a ç o s de uma espo-
sa amiga?!... Q u e r i a s estar ã m i n h a cabeceira para c u i d a r de m i n h a s
feridas, consolar-me no meu leito de dor?!... Deus a b e n ç o a r á estes teus
t ã o [...] desejos. E l e s s ã o naturais numa mulher que ama v e r d a d e i r a -
mente a seu m a r i d o . N ã o podes i m a g i n a r quanto me a b a l a r a m a alma
estas tuas p a l a v r a s , t ã o g r a t a s ao meu c o r a ç ã o . P a r e c e que as estou
ouvindo de teus l á b i o s , que e s t á s manifestando estes teus desejos sem
p r e t e n s õ e s , sem aparato, com a m a i o r c a l m a , em frases as mais singe-
las, s ó p r ó p r i a s de uma alma bem formada como a tua. E que hei-de
r e s p o n d e r a isto? Dizendo-te que te amo m a i s que tudo no m u n d o ?
Que te a d o r o ? Todas essas p a l a v r a s s ã o frias [...] d ã o uma pequena
ideia do quanto sinto por t i . S ó te digo que se a tua felicidade depen-
desse do amor e extremosa amizade do teu marido, tu serias mais que
feliz. ( E s t a m o s de namoro, n ã o h á d ú v i d a . ) O r a , se o amor e amizade
que te tenho forem crescendo cada vez mais, como com o maior p r a -
zer sinto que acontece, hei-de ser um velho muito r i d í c u l o . M a s como
quero ser contigo sempre muito franco, vou te contando com a maior
franqueza tudo quanto penso a teu respeito. S e r á fraqueza? Pois quero
que c o n h e ç a s todas as fraquezas do meu c o r a ç ã o . N u n c a teu m a r i d o
t e r á um s ó segredo p a r a t i .
E n ã o tenhas cuidado. E u n ã o estou em c o m i s s ã o perigosa. Hei-de
ter a felicidade de voltar p a r a n u n c a mais me s e p a r a r de ti s e n ã o pela
morte. Sei que amas e respeitas a teu marido e basta isso para construir
a m i n h a maior v e n t u r a . A m u l h e r que c u m p r e com os sagrados deve-
res de uma s e n h o r a casada, isto é, que a m a e respeita a seu m a r i d o ,
que por ele deixa tudo, que o quer a c o m p a n h a r por toda parte, mesmo
no meio dos trabalhos e perigos, que por ele e por sua honra é capaz de
todos os s a c r i f í c i o s , que liga, intimamente, a sua sorte à sorte do seu
m a r i d o e que s ó a ele dedica o c o r a ç ã o e o pensamento e s t á acima de
todos os elogios e merece a a d o r a ç ã o do seu marido. Quando te torna-
rei a v e r ? É este hoje o meu mais ardente desejo. F i c a certa que no dia
em que c o m e ç a r a paz, obtida pelas a r m a s ou n ã o , mando um requeri-
mento pedindo p a r a retirar-me para o B r a s i l e se n ã o me derem licen-
ç a , r e q u e i r o incontinente a m i n h a d e m i s s ã o do s e r v i ç o do E x é r c i t o .
E s c r e v o n e s t a data ao E r n e s t o , ao nosso bom v e l h o , ao P e ç a n h a e
mando-te a 2" v i a de uma c a r t a (de namoro) que mandei pelo Tenente-
C o r o n e l E s a l t i n o J o s é de M e n d o n ç a C a r v a l h o . B r e v e te e s c r e v e r e i
tocando em alguns pontos de tuas c a r t i n h a s . F i c a p o r é m t r a n q u i l a , eu
aprovei tudo quanto fizeste em r e l a ç ã o à m u d a n ç a de casa. Queres a t é
que eu ralhe contigo se n ã o t i v e r aprovado. N ã o ralho, n ã o . E m lugar
disso desejara dar-te muitos a b r a ç o s e muitos beijos. A d e u s , m i n h a
a d o r a d a a m i g u i n h a . A b e n ç o a a nossa a n j i n h a e aceita um apertado
a b r a ç o e o c o r a ç ã o leal de teu m a r i d o fiel e amigo a f e i ç o a d o

B e n j a m i n Constant B . de M a g a l h ã e s
À m a r g e m : F a r e i sempre em duplicata todas as cartas que te escrever
p a r a v e r se a s s i m recebes ao menos u m a . A 2" v i a da c a r t a n ã o s e r á
sempre [...].

* * *

P a r a g u a i Itapiru
M i n h a adorada esposa e a m i g a
[25] dezembro de 1866

Como e s t á s , minha amiguinha? Como v ã o as nossas inocentes filhinhas?


Recebi h á pouco a tua muito a g r a d á v e l c a r t i n h a de 9 e 10 do cor-
rente, a que estou respondendo. E s c r e v o - t e esta carta muito à s pressas
porque o Major P i n h e i r o Guedes e s t á a p a r t i r e escrevo-te [...] de uma
i m p r e s s ã o m o r a l i n e x p l i c á v e l . N ã o sei se é prazer ou tristeza, saudade,
e s p e r a n ç a ou desespero, fé ou d e s c r e n ç a , se algum sentimento novo
ou que ao menos n ã o tenha sido ainda revelado, talvez porque a lin-
guagem e a i n t e l i g ê n c i a h u m a n a (sic) sejam pobres e impotentes para
e x p r i m i r os i n s o n d á v e i s m i s t é r i o s do c o r a ç ã o . S ó sei que é uma e s p é -
cie de m i s t u r a de todos estes s e n t i m e n t o s e que tem s u a o r i g e m no
a m o r o mais puro, na a f e i ç ã o a m a i s " extremosa. Talvez seja ele uma
r e s u l t a n t e de todos estes s e n t i m e n t o s , mas quem pode e x p l i c a r as
r e c ô n d i t a s leis que regem a m e c â n i c a d'alma? Quem pode e x p l i c a r as
h a r m o n i a s secretas que desprendem as cordas do c o r a ç ã o , quando o
mais puro amor de pai e de esposo as faz v i b r a r ? E u , posto que sofra
com ela, sinto-me enobrecido e feliz. S i n t o c o m p r a z e r que os t r a b a -
lhos, os sofrimentos e desgostos de toda e s p é c i e que me t ê m perse-
guido, a luta aberta e desesperada em que tenho estado com a s e v e r a
a d v e r s i d a d e n ã o me tem aniquilado. A o c o n t r á r i o , me tem dado mais
e mais sensibilidade, mais pureza. (Já deves ter previsto a causa disto,
mas v o u contar-te.)
Hoje (dia de Natal) foi p a r a m i m um dia de descanso e t a m b é m o
ú n i c o desde que aqui cheguei. Os soldados que t r a b a l h a v a m no balan-
ç o que estou [...] f o r a m por hoje d i s p e n s a d o s do s e r v i ç o e os oficiais
que aqui e s t a v a m t i v e r a m l i c e n ç a p a r a i r e m d i v e r t i r - s e [...] B u e n o s
A i r e s e em outras cidades, fiquei [...] M a j o r D u a r t e N u n e s . A c a b e i de
a l m o ç a r um prato de c a r n e - s e c a muito salgada e mal assada com um
p i r ã o cor de t e r r a que o soldado [...] com f a r i n h a e uma x í c a r a de café
(com as [...] m a l d i t a s m o s c a s ) e a s s e n t e i - m e em u m a rede. E s t a v a
d o m i n a d o pela saudade a mais intensa [...] mais que triste, pensando
em m i n h a família e especialmente na m i n h a adorada filhinha, quando
entrou um oficial a m i g o meu muito m o l h a d o pela c h u v a que c a í a a
c â n t a r o s e entregou-me uma c a r t a tua que t i n h a encontrado no cor-
reio em Tuiuti. D i s s e - m e ele que, sabendo que estava muito [...] por
falta de n o t í c i a s de m i n h a família, [...] ele mesmo t r a z e r - m a (e veio de
T u i u t i , a 3 l é g u a s de d i s t â n c i a , a t r a v e s s a n d o b a n h a d o s i m e n s o s e
debaixo de c h u v a ) . Destas p r o v a s de amizade, m i n h a q u e r i d a , tenho
tido muitas aqui. S o u por esse lado [...] feliz. V i que a c a r t a era tua,
[...] imediatamente. A o ter n o t í c i a do n a s c i m e n t o de nossa segunda
filhinha, que j á estimo quase tanto quanto a p r i m e i r a , senti um choque
e x t r a o r d i n á r i o . Sentei-me maquinalmente e do c o r a ç ã o , do í n t i m o da
alma p a r t i r a m estas p a l a v r a s como a s í n t e s e de um vasto pensamen-
to, como o r e s u m o antecipado da h i s t ó r i a de toda uma vida, que ape-
nas c o m e ç a a desabrochar.
Deus a a b e n ç o e e a faça bastante feliz. E u j á a tinha a b e n ç o a d o .
É i m p o s s í v e l que este g r i t o d ' a l m a , s a í d o do c o r a ç ã o de um Pai
e x t r e m o s o e h o n r a d o , r e s u m i n d o [...] p e n s a m e n t o santo n ã o fosse
ouvido por [...] se ele existe, bom e c o m p a s s i v o , como o i m a g i n a m o s .
Nossos filhos h ã o - d e ser felizes e portanto n ó s t a m b é m o seremos.
E i m p o s s í v e l que o homem que a morte de seu bom e honrado Pai
deixou ao desamparo, pobre, sem p r o t e ç ã o , sem a r r i m o de n i n g u é m
neste vasto teatro [...] onde as cenas de c o r r u p ç ã o s ã o as mais [...] e
frequentes e que soube livrar-se desses escolhos e seguir sempre firme
e desassombrado o caminho do dever, que n ã o tem tido nem um s ó [...]
que sempre [...] a mocidade, que s ó tem encontrado o prazer no traba-
lho e nos sacrifícios que faz por sua família, que tem por orgulho seguir
e respeitar os sagrados p r i n c í p i o s [...] da h o n r a e que finalmente n ã o
tem tido (em toda a sua vida) um s ó instante de v e r d a d e i r a felicidade,
n ã o tenha ao menos essa felicidade. É i m p o s s í v e l que lhe venha inda
por s u p l í c i o , para c i í m u l o de infelicidade, a infelicidade de [...]. E s t e s
nossos anjinhos h ã o - d e ser felizes. Deus h á - d e p e r m i t i r . A b e n ç o a e
beija todos os dias por m i m a essas inocentinhas. Depois do nome de
sua [...] que seja o nome de seu pai o primeiro que [...] filhinha que nas-
ceu longe de m i m . Quanta vontade de ter-lhe ouvido os primeiros vagi-
dos, e ainda mais de terem sido os meus os p r i m e i r o s c a r i n l i o s e afa-
gos que recebeu ao entrar no mundo... A d e u s , m i n h a adorada esposa,
o Major esta a partir e eu n ã o tenho tempo de escreve-te mais extensa-
mente, o que farei muito brevemente. [...] que a D. D e l m i r a foi ainda
quem te partejou, quem tratou c o m o maior c a r i n h o , com os cuidados
de v e r d a d e i r a M ã e a nossa segunda filhinha; assim como [...] p r i m e i -
r a . D á - l h e por m i m um apertado a b r a ç o e a g r a d e c e m a i s este favor
que lhe ficamos devendo. A g r a d e c e de m i n h a parte ao E r n e s t o e D .
A l c i d a [...] amigo que te t ê m dado e a e x t r e m a delicadeza com que te
t ê m tratado e à s m i n h a s i r m ã s . S ã o o b s é q u i o s que n u n c a se p a g a m .
N ã o me c h e g a r a m a i n d a as cartas que me escreveste no dia 5 de de-
zembro assim como muitas outras em que me falas [...] a mala que me
mandaste. Talvez t e n h a m de v i r pelo v a p o r Brasil. Tenho sempre lhe
mandado dizer quantos e quais s ã o as cartas tuas que tenho recebido.
F a z o mesmo. N ã o fazes ideia como estou desafrontado dos receios
ciue me o p r i m i a m . T i n h a medo que n ã o [...] acontecesse alguma coisa
por o c a s i ã o do parto. A p a v o r a v a - m e a ideia de que podias m o r r e r dele
se tivesses na o c a s i ã o alguma n o t í c i a [...] qualquer outro incidente. E u
n ã o [...]. A n o t í c i a da tua morte [...] o ú l t i m o instante de m i n h a v i d a .
P e ç o s e m p r e a D e u s que n ã o me f a ç a sofrer esse golpe que eu n ã o
poderei suportar. N ã o fazes ideia de quanto sou teu amigo, quanto te
amo. M a n d a - m e o teu retrato e os das duas p e q u e r r u c h a s . Quero que
tires de novo o teu retrato j u n t o com o delas. Os dois que t r o u x e e s t ã o
s e m p r e c o m i g o , s ã o os meus i n s e p a r á v e i s c o m p a n h e i r o s . Vê se os
mandas o mais breve p o s s í v e l . A g r a d e ç o de todo o c o r a ç ã o tudo quan-
to tens feito por m i n h a pobre e infeliz M ã e , manda-me sempre n o t í -
c i a s dela e de toda a nossa gente. L e m b r a - m e a todas as pessoas de
família e de amizade.

A d e u s , m i n h a muito a m a d a e s p o s a e boa a m i g u i n h a . A c e i t a um
beijo e um apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o saudoso e apaixonado de teu
esposo fiel e amigo leal

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . M a n d a - m e dizer se o Palha j á te [...] a m i n h a patente de c a p i t ã o .


G u a r d a bem guardado (sic) todos os meus p a p é i s [...] quero a c h á - l o s [...]
penses que estou prevenindo algumas d e s g r a ç a s . F i c a certa de que eu
hei-de voltar p a r a n u n c a mais me afastar de t i . (Se depois desta g u e r -
ra houver g u e r r a no norte do I m p é r i o com os [...] queres que eu vá por
lá colher louros [...] d e p ô - l o s a teus p é s ? E s p e r o resposta para d e s d e j á
ir-me dispondo ao sacrifício.) E u queria estar ao p é de ti para ver o que
respondias. A i n d a e s t á s muito paulista, isto é, muito casaquista? E s t á
bom, n ã o d ê s o casaco.
Sei que n ã o posso e nem devo continuar como militar, posso pres-
tar e tenho prestado a minha c a r r e i r a . Pedirei a minha d e m i s s ã o (quan-
do a g u e r r a se a c a b a r ) . A d e u s , m i n h a a m i g u i n h a .

Benjamin

Quanto ao nome e p a d r i n h o s de nossa segunda filhinha eu desejava


assistir ao batizado quando retornasse, mas vamos resignar-nos a esse
r e s p e i t o . Se por m o l é s t i a se t o r n a r n e c e s s á r i o c u m p r i r esse d e v e r
c r i s t ã o , nesse caso a p r o v a r e i o nome e os p a d r i n h o s que escolheres
p a r a ela. A b e n ç o a - a sempre por m i m . E a A l d i n a n ã o tem c i ú m e s da
n e n é m ? Fala-lhe sempre no seu papai e amigo

Benjamin

N ã o t e n d o p a r t i d o a i n d a o M a j o r P i n h e i r o G u e d e s [...] c a r t a p a r a
dizer-te que v i n d o de bordo do v a p o r [...) onde fui v i s i t a r o D o u t o r
R o i z da C o s t a e saber [...] encontrei no I t a p i r u t r ê s cartas p a r a m i m
v i n d a s do B r a s i l pelo c o r r e i o . U m a era tua datada de 5 de dezembro.
A s outras e r a m a 1" e T vias de uma c a r t a de teu Pai datada de 4 de
dezembro. G r a ç a s a Deus [...] chegando cartas de família. M a n d a sem-
pre cartas pela mala do c o r r e i o porque é o meio seguro, como tenho
r e c o n h e c i d o . Todas as tuas [...] pelo c o r r e i o me t ê m v i n d o à s m ã o s .
F a l t a m - m e a i n d a as o u t r a s duas de 5 de o u t u b r o que v i e r a m pelo
v a p o r Brasil. A s tuas cartas [...] t ê m sido bem d i r i g i d a s . A c a r t a de 10
de outubro recebida a 25 chegou aqui a 23. T r o u x e portanto 12 - n ã o
p o d i a v i r m a i s d e p r e s s a . E u t a m b é m m a n d a r e i s e m p r e pelo c o r r e i o
salvo o caso de algum p o r t a d o r em quem muito confie, e sempre que
t i v e r tempo e s c r e v e r e i em 2 vias uma com o s o b r e s c r i t o d i r i g i d o a ti e
outra d i r i g i d a a teu P a i .
M a n d a - m e dizer que o d i n h e i r o que te deixei [...]! Deus q u e i r a que
ele te chegue p a r a as p r i m e i r a s n e c e s s i d a d e s . Tu pelo que me dizes
e s t á s fazendo ainda mais s a c r i f í c i o s do que aqueles a que eras o b r i g a -
da pelas c i r c u n s t â n c i a s em que te deixei. L e m b r a - t e que tens de a m a -
mentar uma filha que é franzina e que afinal h á s - d e te ver obrigada a
t o m a r uma a m a . A l i m e n t a - t e o melhor que puderes. E u o que sinto é
n ã o poder m a n d a r [...] algum d i n h e i r o . N ã o tenhas cuidado comigo,
m i n h a querida, eu n ã o hei-de m o r r e r ã fome. N ã o preciso de dinheiro.
A l g u m a s coisas que preciso mandei-te pedir bem c o n s t r a n g i d o por-
que sei que é pouco o dinheiro que deixei p a r a as tuas despesas.
B r e v e respondo as outras cartas tuas. E s c r e v e , minha querida, abre
sempre comigo o teu c o r a ç ã o , n ã o tenhas v e x a m e de dizer tudo que
sentires. T u sempre [...] que te d i r i g i a s ao teu maior amigo, a quem te
ama [...].
Adeus. Lembra-te sempre daquelas horas felizes [...] em que [...] j u n -
tos. Que saudades tenho de ti. A c e i t a mais um apertado a b r a ç o do teu

Benjamin

' ' Neste ponto da c a r t a fui i n t e r r o m p i d o pelo C a d e t e F r a n ç a Veloso


que me t r o u x e 3 cartas [...]

* * *

Paraguai Itapiru
M i n h a a d o r a d a esposa
[31] de dezembro de 1866

C o m o tens passado? C o m o v ã o as nossas filhinhas? J á mandaste t i r a r


o teu r e t r a t o e das n o s s a s p e q u e r r u c h a s ? N ã o te e s q u e ç a s de m ' a s
m a n d a r o mais breve p o s s í v e l . N ã o penses que perdi os teus retratos
e por isso te p e ç o outros. N ã o , eles s ã o os meus i n s e p a r á v e i s c o m p a -
n h e i r o s . A n d a m [...] bolso de m i n h a s fardas e consola-me olhar p a r a
eles muitas vezes por dia. E n t ã o dizes que a nossa p e q u e r r u c h a n ã o é
bonita porque parece-se contigo? Que m o d é s t i a ! O r a g r a ç a s cheguei
ao ú l t i m o dia do ano 1866 e a ú l t i m a c a r t a que escrevo este ano é esta
que te estou fazendo, a s s i m c o m o h á - d e ser p a r a ti a 1" c a r t a que
e s c r e v e r em 1867, se eu for v i v o a t é lá, como espero. S ã o dez h o r a s
da noite e portanto p r ó x i m o e s t á o instante em que estes dois gigan-
tes t ê m de d a r o aperto de m ã o da d e s p e d i d a (pois c o m o sabes é à
meia-noite em ponto que estes fazem as suas despedidas), um, conhe-
cido nosso e de m á c a t a d u r a (ao menos p a r a n ó s ) , e s t á prestes a mer-
gulhar-se (sic) inteiro no profundo abismo do passado; outro, aí v e m ,
u n g i d o do profundo mas i n s o n d á v e l a b i s m o do futuro. Que i n s t r u -
ç õ e s traz do g e n e r a l eterno o ano que desponta? S e r á da mesma p o l í -
tica que o seu antecessor? Consta que [...) disposto (entre outras medi-
das de i m p o r t â n c i a ) a acabar com a g u e r r a entre o B r a s i l e o P a r a g u a i .
Deus o tenha assim ordenado e t a m b é m que me restitua s ã o e salvo
ao seio de m i n h a f a m í l i a . D e i x e m o s p o r é m de q u e r e r p e r s c r u t a r os
m i s t é r i o s que e s t ã o a i n d a lá nos u m b r a i s da eternidade e v a m o s , j á
que estamos no fim do ano, ajustar nossas contas a respeito de cartas.
Tenho recebido nestes ú l t i m o s dias muitas cartinhas tuas, quase todas
atrasadas; ainda hoje recebi uma datada de 30 de outubro. Tenho onze
(11) cartas tuas: 2 de setembro, uma de 12 e outra de [...]; seis (6) do
m ê s de d e z e m b r o que s ã o : u m a do dia 1", u m a [...] duas de 7; u m a
escrita nos dias 24, 25 e 26, outra de 30. Do m ê s de novembro s ó tenho
uma, do dia 19. De dezembro tenho duas: uma de 5 e outra e s c r i t a nos
dias 9 e 10. Tenho-as todas [...] e antes de c o m e ç a r esta carta acabei de
l ê - l a s , o que f a ç o quase sempre. Hei-de mostrar-te todas elas quando
voltar. P e ç o - t e que e s c r e v a s nas tuas cartas as datas dos dias em que
as e s c r e v e r e s . N ã o fazes ideia que c o n f u s ã o de datas [...] c a r t a . Por
exemplo: na c a r t a de 4 de [...) dizes: esta é a 8' que te e s c r e v o e falas-
me numa que daqui te escrevi em 6 do mesmo m ê s , etc. Donde se con-
clui que ela foi talvez e s c r i t a em 4 de d e z e m b r o . E s c r e v e s - m e duas
c a r t a s ambas com data de 7 de outubro; em u m a dizes-me: esta é a 5"
que te escrevo; na outra: esta é a 9", etc. P e ç o - t e pois que [...] nas tuas
cartas as datas dos p r ó p r i o s dias em que as escreves e n ã o te enganes,
porque isso traz c o n f u s ã o . Toma nota de todas as cartas que me escre-
v e r e s p a r a podermos a s s i m c o n h e c e r qualquer falta que possa haver.
E u tenho te escrito muitas cartas nestes 3 meses e 28 dias que estou
[...] e s ã o : 2 de S a n t a C a t a r i n a , uma de M o n t e v i d e u , 3 de C o r r i e n t e s
(de uma delas foi p o r t a d o r o Dr. Roiz da C o s t a , estive com ele e sei
que te foi [...]), uma de 6 de outubro (portador o Tenente S é r g i o que sei
que j á te foi e n t r e g u e ) , u m a pelo [...] de V o l u n t á r i o s ( m o r a d o r em
A n d a r a í ) [...] M a n o e l L a u r i n d o F e r n a n d e s d a R o c h a ; uma pelo [...]
A r a ú j o (que j á recebeste como me mandaste dizer); uma pelo C a p i t ã o
S i l v e i r a (que acusas ter recebido); uma pelo Tenente [...] que ficou [...]
à c a s a da D . J o a q u i n a R o c h a ; uma em [...] de setembro, u m a em 28 do
mesmo m ê s ; uma em 7 de [...]; 3 pelo Tenente-Coronel Esaltino J o s é de
F r a n ç a C a r v a l h o (em outubro, que m o r a na R u a da L a p a [...] tenho o
n ú m e r o da casa); 3 (três) pelo Major J o ã o P i n h e i r o G u e d e s ( t a m b é m
em o u t u b r o , uma e s c r i t a no d i a de Natal); uma pelo D o u t o r [...]
M a r q u e s Roiz da C o s t a , c o m data de [...] dezembro (é a 2" de que ele
é o portador. Prometeu-me que te e n t r e g a r i a em m ã o p r ó p r i a . N ã o sei
[...] da data de u m a outra c a r t a que te escrevi [...] de setembro. Tomei
nota dela, mas estas notas e s t ã o na m i n h a caderneta no Potreiro Pires.
A [...] que te e s c r e v o n e s t a data [...]. [...] as m i n h a s c a r t a s t ê m sido
d i r i g i d a s c o m todas as [...] p r e c a u ç õ e s p a r a que se n ã o e x t r a v i e m e
[...] espero que [...] todas à s suas m ã o s .
[...] v ê s , m i n h a a m i g u i n h a , que eu tenho sido i n c a n s á v e l em escre-
ver-te. Note ainda mais que r a r a é a vez que te escrevo que n ã o escre-
vo t a m b é m ao [...] bom velho, e que ultimamente tenho escrito [...] ao
P e ç a n h a . E s c r e v i t a m b é m uma c a r t a ao G u i m a r ã e s e duas ao E r n e s t o .
N ã o te e s q u e ç a s das m i n h a s r e c o m e n d a ç õ e s , toma nota de todas as
cartas que me escreveres e todas as cartas m i n h a s que tiveres recebi-
do. B r e v e chamo-te a um novo acerto de contas.
[...] m i n h a adorada a m i g u i n h a , vou deitar-me [...) muito cansado e
com muito sono. A b r a ç a as m i n h a s filhinhas e aceita um a b r a ç o e o
c o r a ç ã o saudoso do teu amigo leal e esposo fiel

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

* * *
P a r a g u a i Potreiro Pires
M i n h a adorada esposa
1" de j a n e i r o de 1867

M i n h a boa a m i g u i n h a , o prometido é d í v i d a . Na c a r t a que ontem te


e s c r e v i prometi [...] que s e r i a p a r a ti a p r i m e i r a c a r t a que escrevesse
em 1867. E s t o u pois c u m p r i n d o essa p r o m e s s a . C o n f o r m e disse, ten-
c i o n a v a p a s s a r o dia com o T i b ú r c i o . C o m efeito aqui estou em c o m -
p a n h i a dele no P o t r e i r o P i r e s . L o n g e de t i , de m i n h a s f i l h i n h a s , de
m i n h a família enfim, estava mais que aborrecido no Itapiru, n ã o tinha
ali um amigo í n t i m o com quem pudesse t r o c a r sentimentos í n t i m o s ,
com quem os entendesse bem, com quem enfim m i n h a alma se iden-
tificasse pelos l a ç o s s a g r a d o s da mais leal e da mais v e r d a d e i r a a m i -
zade. J á v ê s pelo que acabo de dizer que s ó o T i b ú r c i o podia aqui satis-
fazer essas c o n d i ç õ e s . Passei aqui com ele todo o dia e nossas famílias
f o r m a r a m a parte mais extensa do assunto de nossas c o n v e r s a ç õ e s .
Por mais que pretendam querer s e p a r a r o soldado dos l a ç o s que mais
o p r e n d e m e [...] à sociedade e à vida n ã o o podem conseguir. O amor
da família tem sempre um lugar s a g r a d o ao lado do amor da p á t r i a . E
esse amor é sempre veemente no peito do v e r d a d e i r o soldado. Passei
pois aqui muito satisfeito, o mais que era p o s s í v e l nas c o n d i ç õ e s em
que v i v o . Na m i n h a c a r t a de ontem mandei-te uma r e l a ç ã o das onze
c a r t a s que t e n h o em meu poder das datas que t r a z i a m , a s s i m como
uma r e l a ç ã o c i r c u n s t a n c i a d a de todas as cartas que tenho escrito, que
s ã o vinte e quatro ou vinte e cinco. Nessa r e l a ç ã o v ê m designadas as
datas em que as e s c r e v i , as que foram pelo c o r r e i o e as que f o r a m em
m ã o p r ó p r i a c o m a d e c l a r a ç ã o do nome por extenso dos portadores.
Vê se tomas t a m b é m notas das cartas que me escreves, do n ú m e r o e
das datas para conhecer-se se tem havido ou n ã o extravio. Tem cuida-
do nas datas porque tens feito muita c o n f u s ã o a esse respeito. P õ e nas
tuas c a r t a s as datas dos p r ó p r i o s dias em que as e s c r e v e r e s . M a n d a -
me o teu retrato e o das p e q u e r r u c h a s , conforme te pedi nas m i n h a s
cartas a n t e r i o r e s . C o m o v ã o as nossas f i l h i n h a s ? A nova p e q u e r r u -
c h a é forte, esperta como a A l d i n a ? E como v a i a nossa A l d i n a , ainda
se l e m b r a de m i m ? M a n d a s - m e dizer que o dinheiro que deixei chega
demais p a r a as despesas, n ã o o posso nem devo acreditar. D e i x e i o
m a i s que pude e que posso, p o r é m [...] que era p o s s í v e l p a r a atender
à s p r i m e i r a s necessidades de uma família g r a n d e como a nossa. Vou
a g o r a dar-te uma o r d e m . Dizes, eu o acredito, que f a r á s tudo quanto
eu d i s s e r que f a ç a s ; pois e n t ã o desejo (e j á que queres que te ordene),
ordeno-te que [...] 25$000 na mensalidade que tires para pagar d í v i d a s
e que com esse d i n h e i r o alugues uma c r i a d a p a r a ajudar a t r a t a r das
n o s s a s filhas. E s p e r o que n ã o me mandes o b j e ç ã o alguma a esse res-
peito. M a n d e dizer, q u a n d o me e s c r e v e r e s , em resposta a esta, que j á
c u m p r i s t e este desejo (julgo-te incapaz de me m a n d a r e s dizer que o
fizeste sem o teres feito). É s muito f r a n z i n a e n ã o é p o s s í v e l que pos-
sas t r a t a r das duas p e q u e r r u c h a s tendo outras coisas em que cuidar.
T e n h o t a m b é m muito medo das e c o n o m i a s que e s t á s fazendo. P a r a
v i v e r com os meios cfue deixei j á é preciso economia, tendo de fazer a
mensalidade ao B a n q u e i r o , quanto mais t i r a r ainda [...]. Por isso é que
te digo que d i m i n u a s no B a n q u e i r o . E u n ã o p r e c i s o de d i n h e i r o aqui
no campo, alguma miudeza que precise te m a n d a r e i pedir. A i n d a cá
n ã o chegou o v a p o r Brasil. Talvez v e n h a breve. E s t á e n t ã o hoje com
um [...] nossa nova filhinha? C o m quantos meses irei e n c o n t r á - l a , isto
é, daqui a quantos meses estarei de v o l t a ? O C a x i a s diz a todos que
em maio pretende estar de volta com isso acabado; mas n ã o h á - d e ser
o que d i s s e r e m dois [...] um ainda nada disse, que é o Lopez. Dá lem-
b r a n ç a s a todas as pessoas de nossa família e de n o s s a amizade. Diz
ao H o n ó r i o que lhe e s c r e v o por este [...] e que de todo o c o r a ç ã o lhe
a g r a d e ç o as provas de v e r d a d e i r o amigo que [...] tem dado e pede-lhe
que da m i n h a parte a g r a d e ç a ao M a l a q u i a s o que tem feito por m i m .
J á escrevi ao G u i m a r ã e s . Diz-lhe que ele tem deixado de e s c r e v e r nes-
tes liltimos correios. B r e v e escreverei t a m b é m ao Veiga e ao C o i m b r a .
[...] D . D e l m i r a que a g r a d e ç o o a b r a ç o que me m a n d o u e d á - l h e t a m -
b é m um a b r a ç o apertado. M a n d a - m e n o t í c i a s de todos de nossa [...].
Adeus, m i n h a querida amiguinha, aceita um apertado a b r a ç o e o cora-
ç ã o saudoso do teu

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

* * *

89
Benjamin
C u r u z u Zí d e j a n e i r o de 1867

N ã o sei se morreste ou e s t á s vivo, porque te escrevi t r ê s cartas sem ter


resposta alguma.
Pedi-te que fizesses o s a c r i f í c i o de falares ao F o n s e c a Costa sobre
a m i n h a p r o m o ç ã o e p e ç o - t e por segunda vez que isto me f a ç a s , pois
deves saber o quanto me tem custado passar aqui, estando t ã o distan-
te de ti e em c i r c u n s t â n c i a s de p r a ç a de p r é , que n ã o recebe soldo e
sim u m a t i r a de couro de boi p a r a sua v e g e t a ç ã o (sic). A o teu amigo
B a r b o s a n ã o tenho querido ocupar porque j á o tenho incomodado bas-
tantes vezes e isto por n ã o h a v e r outro r e c u r s o . No mais, n o t í c i a s tuas
e de nossa família é o que mais posso desejar e recebas um apertado
a b r a ç o do teu i r m ã o

Marciano

N . B . .Soube que o J o ã o j á se acha no C a m p o ; d á - l h e l e m b r a n ç a s e


n ã o te e s q u e ç a s do pedido n e c e s s á r i o do teu i r m ã o

Marciano

* * *

Paraguai Itapiru
Meu Pai e bom amigo
23 d e j a n e i r o de 1867

O p o r t a d o r desta é o C a p i t ã o do 6" B a t a l h ã o de V o l u n t á r i o s , que vi


aqui hoje pela 1'' vez, posto que j á o c o n h e c e s s e de n o m e por seus
atos de v a l o r e p a t r i o t i s m o . Tem entrado em todos os combates e tem
sido m e n c i o n a d o c o m d i s t i n ç ã o . F o i ele quem no dia 16 de j u l h o to-
m o u u m a b o c a de fogo e u m a t r i n c h e i r a i n i m i g a . D i z ele que me
c o n h e c e muito da C o r t e .
M e u bom P a i , h á pouco tempo e s c r e v i - l h e pelo T e n e n t e - C o r o n e l
E s a l t i n o e pelo Major P i n h e i r o G u e d e s e a g o r a mando-lhe u m a longa
c a r t a pelo c o r r e i o ; quis p o r é m a p r o v e i t a r o p o r t a d o r p a r a e s c r e v e r -
lhe m a i s esta c a r t i n h a p a r a s a b e r de s u a s a ú d e , de D. O l í m p i a e D .
M a r i q u i n h a s . J á deve ter atravessado a pior q u a d r a de seus trabalhos
do Instituto que é a de fins de dezembro a t é meados d e j a n e i r o . M u i t o
estimarei que tenha sido bem-sucedido como sempre em todos os seus
t r a b a l h o s e que em seu l o u v á v e l amor pelos seus ceguinhos n ã o se es-
q u e ç a de que j á n ã o se deve fatigar com tanto excesso, que deve aten-
der à sua s a ú d e , n ã o s ó por seus filhos que o estimam muito como tam-
b é m pelos p r ó p r i o s ceguinhos que c o m tanta d e d i c a ç ã o e amor d i r i g e
s e r v i n d o - l h e s de bom P a i . A g u e r r a aqui continua nas mesmas bases,
com pouca d i f e r e n ç a . É verdade que j á n ã o se pode, c o m rigor, repe-
tir a mofina velha e enjoativa: - o E x é r c i t o ocupa as m e s m a s p o s i ç õ e s
- , porque anteontem duas c o m p a n h i a s do 6" B a t a l h ã o e n t r a r a m pela
mata no Potreiro Pires e t o m a r a m duas pequenas t r i n c h e i r a s inimigas.
A v a n ç a m o s pois mais um b o c a d i n h o . A g o r a v a m o s d e s c a n s a r e d a r
tempo ao inimigo que se fortifique p a r a a v a n ç a r depois mais um boca-
d i n h o ( c a v a l h e i r i s m o B r a s i l e i r o ) . O que me p a r e c e m a u é que neste
passo de tartaruga os nossos soldados e oficiais v ã o d e s a p a r e c e n d o
d e b a i x o do fogo das g u e r r i l h a s e t i r o t e i o s das a v a n ç a d a s , pois os
P a r a g u a i o s ocultos na mata a t r á s dos paus v ã o zombando da b r a v u r a
com que os atacamos a peito descoberto. M a s quem sabe se nisto n ã o
e n t r a algum plano importante e t r a n s c e n d e n t e ? O C o n d e de (sic) E u
e s t á t r a t a n d o da o r g a n i z a ç ã o do E x é r c i t o e v a i a c a b a r c o m a f o r m a
(realmente m á ) de nosso sistema de r e c r u t a m e n t o e s u b s t i t u í - l a pela
c o n s c r i ç ã o - realmente a c o n s c r i ç ã o é atualmente i n c o m p a t í v e l com a
o r g a n i z a ç ã o deste nosso E x é r c i t o , talvez que por isso procurem acabar
com ele atirando-o gloriosamente ao combate. Na verdade tenho visto
e sabido por aqui de tanta coisa que nada me pode c a u s a r a d m i r a ç ã o .
M a n d a - s e tocar r e t i r a r quando o E x é r c i t o tem transposto as t r i n c h e i -
ras i n i m i g a s (16 e 18 de maio). Veja que é a coluna c e r r a d a a d i s p o s i ç ã o
mais predileta para atacar os pontos fortificados, a v a n ç a n d o - s e sobre
bocas de fogo que v o m i t a m bombas, g r a n a d a s , cachos de uvas, l a n -
ternetas, etc. (brilhante feito de C u r u z u e C u r u p a i t i ) , que a infantaria
foge e s p a v o r i d a ao grito de - aí v e m c a v a l a r i a - que substitui o grito
a t e r r a d o r que o C o n d e de L i p e i m a g i n o u ( v ê - s e disto todos os dias)
(tática em a ç ã o ) , o acampamento de um corpo de uma d i v i s ã o com o
flanco ou a r e t a g u a r d a voltada p a r a o i n i m i g o ( c a s t r a m e t a ç ã o ! ) , um
e x é r c i t o i n v a s o r que n ã o quer que se provoque o inimigo recebendo
s e m p r e em 1" l u g a r o fogo do i n i m i g o i n v a d i d o e r e s p o n d e n d o c o m
acanhamento por ordem s u p e r i o r " (energia!), um m a r a s m o completo
nas o p e r a ç õ e s de uma g u e r r a ofensiva; p o r é m um imenso r e b u l i ç o de
paradas, formaturas quando passa o general, cortejo no dia de gala a
S. E x a . o - I m p e r a d o r de C o m i s s ã o - ( a d u l a ç ã o ? n ã o ! tributo ao m é r i -
to!), dois e x é r c i t o s que s a í r a m dos povos que mais se odeiam, que se
h o s t i l i z a m no mesmo c a m p o de batalha n e g a n d o p ã o e á g u a um ao
outro em p r e s e n ç a do inimigo comum ( e x é r c i t o s aliados!), ordem para
que os oficiais n ã o usem de suas divisas em dias de combate (bravura!),
um fornecedor vendendo os g é n e r o s ao E x é r c i t o por um p r e ç o exces-
sivamente m a i o r do que se poderia obter de qualquer outro e a t é dos
pequenos c o m e r c i a n t e s que a c o m p a n h a m o mesmo E x é r c i t o . . . (eco-
nomia!), navios que navegam muitos dias de um ponto para outro sem
saber ao certo onde devem d e i x a r o c a r r e g a m e n t o que afinal se estra-
ga, ou n ã o chega a tempo ( p r e v i d ê n c i a ! ) , e n c a r r e g a d o s de d e p ó s i t o s
de fardamento e material que vivem descansados e à l a r g a deixando
que tudo a p o d r e ç a ou leve d e s c a m i n h o (atividade e zelo!), oficiais que
se escondem a t r á s dos paus e a t é fazem buracos no c h ã o p a r a escon-
der-se nos dias de combates e bombardeios (temos muitos aqui entre
n ó s . D r a g o por exemplo) outros que nem v ê m cá (condenados por ser-
v i ç o s prestados à g u e r r a ) e outros que p r a t i c a m atos de v e r d a d e i r o
h e r o í s m o completamente esquecidos (atos de j u s t i ç a ! ) , comandantes
os mais b r a v o s , os mais pichosos censurados e desmoralizados (ofi-
cialmente) em frente a seus c o m a n d a d o s s ó porque um soldado n ã o
e s t a v a c o m as c a l ç a s bem e n g o m a d i n h a s (como acontece aqui c o m
alguns comandantes da 1" D i v i s ã o , os mais distintos do E x é r c i t o ) (ani-
m a ç ã o ! ) , e t c , e t c , etc.

Doutor. P a r e c e - n o s que por aqui as c o i s a s andam com os nomes


trocados?!... Ou e n t ã o estou no mundo da lua (como se costuma dizer).
Dizem que S. E x a . (o I m p e r a d o r de C o m i s s ã o ) vai dar agora um ataque
estrondoso! B o m vento lhe sopre. A s m á s l í n g u a s p o r é m dizem que o
que ele quer é - embromar - como dizem os castelhanos, que o que se
projeta é um novo e f o r m i d á v e l ataque à b o a - f é do p a í s que e s t á
embasbacado c o m os olhos voltados p a r a o P a r a g u a i , mas que nada
capisca do que v a i por aqui nesta c a s a de m a r i m b o n d o s . E n f i m o que
for s o a r á ! C o n f o r m e lhe p a r t i c i p e i j á , d e i x e i a 1" D i v i s ã o q u a n d o o
G e n e r a l A r g o l o foi c o m a n d a r o 2" C o r p o de E x é r c i t o , fui n o m e a d o
engenheiro do 1" C o r p o de E x é r c i t o e fui logo e n c a r r e g a d o de dar um
b a l a n ç o g e r a l nos d e p ó s i t o s de I t a p i r u e P a s s o da P á t r i a e f o r m a r um
r e g u l a m e n t o p a r a estas r e p a r t i ç õ e s . P o r estes dois d i a s dou-a por
finda e v o u p a r a Tuiuti. A sua 2'' netinha m i n h a filha s e r á t ã o b o n i t i -
nha e b r e j e i r a como a V? J á mandei pedir o retrato dela à N h a n h ã , de
quem tenho ultimamente recebido muitas cartas e muito longas (das
que eu gosto que me e s c r e v a ) . O T i b ú r c i o lhe m a n d a r e c o m e n d a ç õ e s .
E s t e distinto m i l i t a r torna-se c a d a vez mais distinto e c a m i n h a a pas-
sos agigantados p a r a os mais brilhantes p a p é i s que o futuro s o r r i n d o
lhe oferece. S o m o s c a d a vez mais amigos. P e ç o - l h e que d ê de m i n h a
parte muitas l e m b r a n ç a s a D. O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s , D. Maria
M a r c e l i n a , D . M a r i a T e i x e i r a , Sr. R o c h a e sua m u l h e r e aos meus bons
amigos G u i m a r ã e s , Veiga, H o n ó r i o , C o i m b r a (quando falar com eles).
O p o r t a d o r parte j á e por isso v o u t e r m i n a r aqui. A D e u s , meu bom
Pai e verdadeiro amigo, aceita um apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o saudo-
so de seu filho

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . P e ç o - l h e o favor de ir com m i n h a mulher quando puder à casa do


M a l a q u i a s e T i b ú r c i o para que ela por m i m lhes a g r a d e ç a os imensos
favores que me t ê m feito.

" Talvez que ainda os nossos b a t a l h õ e s f a ç a m fogo uns contra os outros


p a r a ver se a s s i m acabam com os P a r a g u a i o s !

* * *
P a r a g u a i Tuiuti
26 d e j a n e i r o de 1867
Veiga

O E x é r c i t o ocupa as mesmas p o s i ç õ e s . - É isto uma e s p é c i e de mofina


ou m a t é r i a velha com que os nossos j o r n a i s e n c a b e ç a m as suas c o r r e s -
p o n d ê n c i a s em r e l a ç ã o ao teatro da guerra, e que talvez seja ainda repe-
tida por longo tempo a despeito dos m i l h a r e s de inconvenientes que
d a í resultam. C o m efeito, desde o c é l e b r e ataque de 22 de setembro,
onde ficou mais uma vez provada e de um modo e s p l ê n d i d o a inteligên-
cia e o tino de nossos generais, n ã o tem havido absolutamente nenhum
movimento em nosso E x é r c i t o a n ã o ser a c o n t r a d a n ç a das d i v i s õ e s que
se rendem no s e r v i ç o das a v a n ç a d a s . No entanto as c o n t í n u a s g u e r r i -
lhas que se d ã o em nossas a v a n ç a d a s v ã o dizimando horrivelmente os
nossos oficiais e soldados. Pode-se regular em 200 a 250 homens por
m ê s que ficam fora de combate, o que equivale no fim de alguns meses
a uma renhida batalha campal. Os bombardeios que os Paraguaios nos
fazem de vez em quando v ã o t a m b é m por sua vez produzindo igual efei-
to, p r i n c i p a l m e n t e no 2" C o r p o a c a m p a d o no C u r u z u em frente a
C u r u p a i t i . C u m p r e notar que nestes ú l t i m o s dias (depois que chegou o
J . J . Inácio) os bombardeios t ê m sido iniciados por n ó s , o que a t é aqui
n ã o acontecia. L i m i t á v a m o s a responder (e com acanhamento) aos bom-
bardeios que nos faziam os Paraguaios, havendo a t é ordens expressas
p a r a que assim se procedesse! P a r a c ú m u l o de infelicidades, o estado
s a n i t á r i o do E x é r c i t o é mau, e vai se tornando cada vez p i o r Os hospi-
tais regurgitam de doentes e s ã o j á insuficientes para c o n t ê - l o s . Quando
b a i x a r e m as á g u a s que com as enchentes dos rios inundam todos estes
c a m p o s , c o m e ç a r ã o as febres intermitentes, t i f ó i d e s e outras, a s u a
d e v a s t a ç ã o . A s febres i n t e r m i t e n t e s j á c o m e ç a m a aparecer; mas
enquanto n ã o a l c a n ç a m seu m á x i m o de intensidade, outras epidemias
v ã o se entretendo com o nosso E x é r c i t o . E n t r e elas h á uma que veio
s u r p r e e n d e r a medicina, que em sua p r e v i s ã o n ã o podia nem sonhar, e
que n ã o tem encontrado entre os seus recursos meio de c o m b a t ê - l a . O
i n d i v í d u o que é atacado por esta enfermidade trata logo de p ô r - s e bem
com Deus, porque sua morte é certa. C o m e ç a ela por uma i n c h a ç ã o nos
p é s que d u r a alguns dias; depois esta i n c h a ç ã o apossa-se subitamente
de todo o corpo, sufoca o i n d i v í d u o , dando-lhe uma morte desespera-
da. O B a t a l h ã o de E n g e n h e i r o s tem sido o mais dizimado por este ter-
rível mal, cuja causa n i n g u é m ainda conhece. N ã o é p o r é m este b a t a l h ã o
o ú n i c o que tem sofrido com ele. N ã o podes fazer ideia dos imensos e
v a r i a d o s r e c u r s o s de que o Paraguai d i s p õ e contra n ó s . N ã o falo dos
recursos b é l i c o s , que n ã o s ã o muitos, posto que muito bem aproveita-
dos: falo dos r e c u r s o s n a t u r a i s . A l é m de ser o t e r r i t ó r i o coberto de
matos, de banhados, e de p â n t a n o s imensos, temos as epidemias, as
á g u a s p é s s i m a s , o calor excessivo que queima, que asfixia no v e r ã o e o
frio que gela no i n v e r n o . N ã o h á aqui meio termo. A l é m disso, reuni-
ram-se aqui numa í n t i m a a l i a n ç a contra n ó s todas as pragas do mundo.
F a l a - s e aqui n u m ataque g e r a l que se deve d a r nos p r i n c í p i o s de
fevereiro; mas as a p a r ê n c i a s levam-nos a c r e r que é mais um ataque à
b o a - f é do p a í s que espera ansioso pelo termo desta calamidade, do que
um ataque aos Paraguaios. O futuro d a r - n o s - á a prova disto. O C a x i a s
por h o r a tem-se ocupado com detalhes, m a n e i r a de fazer os requeri-
mentos que lhe s ã o dirigidos, n u m e r a ç ã o dos b a t a l h õ e s , nova organi-
z a ç ã o da m á q u i n a administrativa do E x é r c i t o , o r g a n i z a ç ã o do seu imen-
so estado-maior, revistas, cortejos e paradas nos dias de gala, ordem
para que os oficiais n ã o tragam divisas no s e r v i ç o das linhas a v a n ç a d a s
e nos dias de combate (dizendo que assim fazem os e x é r c i t o s dos p a í s e s
mais civilizados). E n f i m , se h á algum plano, alguma o p e r a ç ã o impor-
tante que lhe ocupe o vasto pensamento, isso ainda é por aqui segredo
de abelha. N ã o tenho tempo agora para escrever-te com mais detalhes
sobre esta malfadada guerra, o que procurarei fazer n'outra o c a s i ã o ^

* * *

C i d a d e de C o r r i e n t e s
M i n h a adorada esposa
[3] de fevereiro de 1867

C o m o e s t á s , m i n h a muito prezada amiga, como e s t ã o as nossas ino-


centes filhinhas? C o m o v ã o m i n h a M ã e , minhas i r m ã s , meu cunhado e
nosso bom Pai?

Transcrita integralmente do vol. 2 da obra de Teixeira Mendes, p. 148-150.


C o n f o r m e j á te p a r t i c i p e i em miniia c a r t a de 20 e 30 do passado,
acabei a c o m i s s ã o de que estava e n c a r r e g a d o em Itapiru. Mandei dois
ofícios ao Chefe da C o m i s s ã o de Engenheiros e outro ao C a x i a s pintan-
do a [ r e l a x a ç ã o ] e os desmandos que ali encontrei com a franqueza e
i n d e p e n d ê n c i a que foram e s e r ã o s e m p r e a n o r m a de meu p r o c e d i -
mento. Disse algumas verdades que nada t ê m de boas e ainda hoje tive
com o chefe do corpo de s a ú d e , alguns m é d i c o s e o diretor do hospi-
tal uma forte q u e s t ã o sobre o modo desumano e mais que b á r b a r o por
que aqui s ã o tratados os infelizes doentes e feridos que ia se tornando
s é r i a . Teve ela [origem] numa r e p r e s e n t a ç ã o formal e e n é r g i c a que fiz
c o n t r a a m a n e i r a por que aqui se t r a n s p o r t a m os doentes de um para
outro hospital em padiolas descobertas ao calor a b r a s a d o r nas horas
mais quentes do dia e a grandes d i s t â n c i a s . C o r t a o c o r a ç ã o ver-se os
pobres soldados e oficiais ardendo em febre ou feridos por balas, cor-
t a d o s pelas m e t r a l h a s , c o r t a n d o os ares com d o l o r o s o s g e m i d o s ,
pedindo á g u a , c o m i d a , e t c , e v ê - l o s a s s i m atirados sobre o c o n v é s de
n a v i o onde p a s s a m um e dois dias sem ter um p ã o p a r a comer. É o
e s p e t á c u l o m a i s d e s u m a n o que se pode i m a g i n a r . F e l i z m e n t e s u r t i u
efeito a q u e s t ã o que tive embora tivesse que meter-me em seara alheia.
P o r é m pouco me importa isso quando presto um s e r v i ç o à h u m a n i d a -
de. E os j o r n a i s h ã o - d e dizer que aqui os doentes e feridos s ã o muito
bem tratados, etc. D e s g r a ç a d a m e n t e temos aqui uma c a t e r v a de infa-
mes aduladores que em sua c o r r e s p o n d ê n c i a para nossas folhas d i á r i a s
p r o c u r a m de modo o mais m i s e r á v e l iludir a b o a - f é do povo s ó p a r a
s e r v i r e m a seus interesses p a r t i c u l a r e s . N ã o sei quando se a c a b a r á a
infame r a ç a dos aduladores que é t ã o prejudicial e funesta à h u m a n i -
dade. N ã o fazes ideia como e s t á este E x é r c i t o . O Q u a r t e l - G e n e r a l - e m -
Chefe é a C o r t e com todas as suas mazelas. Estou com vontade de ir
s e r v i r no Segundo C o r p o de E x é r c i t o porque ao menos n ã o assisto ao
e s p e t á c u l o hediondo que aqui d á todos os dias o servilismo mais i m u n -
do. N ã o quero, n ã o posso, n ã o devo assistir calmo, a sangue frio a este
quadro m i s e r á v e l que aqui se d á todos os dias. Ver uma nulidade estu-
pidamente empoleirada no ponto mais elevado de nossas p o s i ç õ e s ofi-
ciais e s c o i c e a n d o a todos os h o m e n s de v e r d a d e i r o m e r e c i m e n t o , e
e n v e r g o n h a n d o o s é c u l o em que v i v e m o s com as c o n t í n u a s e hedion-
das cenas do despotismo o mais brutal. D e s g r a ç a d o país onde se levan-
ta p a r a a estupidez e falta de m é r i t o um exemplo t ã o animador e para
o h o m e m de m e r e c i m e n t o real, p a r a aqueles que pautam os atos de
sua v i d a pelos severos p r i n c í p i o s do dever e da h o n r a , tantas c o n t r a -
riedades, tantos t r o p e ç o s , tantos exemplos de d e s â n i m o . J á deves s a -
ber pelo que te acabei de dizer que queria falar de C a x i a s , desse homem
que é neste s é c u l o uma v e r d a d e i r a a b e r r a ç ã o de todas as leis sociais.
N ã o penses que tenho sofrido o menor desgosto por qualquer falta de
a t e n ç ã o c o m i g o . N ã o . T e n h o sido bem t r a t a d o [...] por ele em uma
ú n i c a vez que tive de falar-lhe. Sinto [...] m a n e i r a d e s p ó t i c a e m i s e r á -
vel por que ele tem t r a t a d o a a m i g o s meus d i g n o s e h o n r a d o s e do
m e r e c i m e n t o o m a i s real, c o n f o r m e [...] e x p l i c a r e i com m a i s v a g a r .
D e i x a p a s s a r este desabafo do [...] que me e x c i t a m estas m i s é r i a s que
por aqui se d ã o e vamos tratar de assunto mais grato ao nosso c o r a ç ã o .
Falemos de nossa amizade, do amor puro que te tenho, de nossas filhi-
nhas. [...] (por ti e por m i n h a s filhas) que me domina, que encontra um
b á l s a m o santo, um linimento, um abrigo à s contrariedades, aos des-
gostos, à s chagas v i v a s que a m ã o do i n f o r t ú n i o a b r i u t ã o fundas em
meu c o r a ç ã o .
25 d e j a n e i r o (sic). No ponto em que estava fui i n t e r r o m p i d o . T i v e
o r d e m de i r à c i d a d e de C o r r i e n t e s c o m um v a p o r à m i n h a d i s p o s i -
ç ã o para c a r r e g á - l o de fardamento, m u n i ç õ e s de a r t i l h a r i a , a r m a m e n -
to, etc. F a r d e i - m e imediatamente, montei a c a v a l o e fui ao [Passo da
P á t r i a e m b a r c a r ] . C h e g u e i a esta m i s e r á v e l cidade e fui p a r a a casa de
um major e um doutor amigos meus. G a s t e i dois dias nesta m a ç a n t e
c o m i s s ã o . A l g u m a s cenas de família que aí o b s e r v e i passando pelas
p o e i r e n t a s r u a s desta cidade l e m b r a r a m - m e a n o s s a c a s a , as h o r a s
felizes que p a s s á r a m o s j u n t o s . V i à p o r t a de u m a c a s a uma m e n i n a
C o r r e n t i n a t ã o p a r e c i d a com a m i n h a A l d i n i n h a que n ã o pude d e i x a r
de fazer-lhe festa, a b r a ç á - l a , beijá-la e confesso-te que - n ã o sei por
q u ê - passei muito triste todo o resto da tarde e toda a noite, n ã o pude
c o n c i l i a r o sono. Pela m a d r u g a d a passei pelo sono e tu, m i n h a s filhi-
nhas, toda a nossa família foram objeto constante dos mais esquisitos
s o n h o s . F e l i z m e n t e r e c e b i no outro dia 2 c a r t a s tuas v i n d a s pelo
C o m a n d o da [...] de C o r r i e n t e s , uma delas c o m d i r e ç ã o a C o r r i e n t e s
onde s u p u n h a s que eu estava empregado, o que n ã o é exato, como j á
te m a n d e i d i z e r em d i v e r s a s c a r t a s . R e c e b i depois m a i s u m a longa
c a r t a c o m data de 21 e 23 de d e z e m b r o que me t r o u x e de T u i u t i o
C a p i t ã o M a n o e l F e l i c i a n o e ao c h e g a r hoje ao a c a m p a m e n t o o
T i b ú r c i o entregou-me 4 c o m datas de 1, 1 1 , 13 d e j a n e i r o e 2 de teu
P a i . D e n t r o de uma das tuas v i n h a m duas c a r t a s p a r a entregar aqui a
um cabo do 14 de I n f a n t a r i a , J o s é de O l i v e i r a G o n z a g a , [...] p a r a pro-
c u r á - l o p a r a entregar-lhe as c a r t a s . E l a s p a r e c e m ser de família, de
sua M ã e , sua mulher ou i r m ã , em todo o caso h á - d e estimar r e c e b ê - l a s .
Tens me e s c r i t o muitas c a r t i n h a s nestes ú l t i m o s meses, m i n h a q u e r i -
da a m i g u i n h a , mas n ã o penses que j u l g o demais, n ã o , por mais que
e s c r e v a s eu hei-de a c h a r sempre pouco pelo prazer que sinto ao ler
as tuas c a r t i n h a s . O l h a que eu t a m b é m te tenho escrito bastante, a t é
j á e s c r e v i à A l d i n a em r e s p o s t a a u m a e n g r a ç a d a c a r t a que ela me
e s c r e v e u e mandei-a dentro de uma p a r a t i , foram t a m b é m duas c a r -
tas do J o ã o , uma e s c r i t a ao nosso bom velho e outra a t i . [...] n ã o se
tem esquecido de seu Pai, nem de suas i r m ã s , tem lhes e s c r i t o 4 c a r -
tas que v o c ê s h ã o - d e receber. Nesta data escreve ele ao Doutor, à Dona
[...], à Dona M a r i q u i n h a s e a t i . E s t á bom e muito gordo. Q u e r i a escre-
ver-te uma longa carta mas chegou tarde e vai fechar-se. A d e u s , minha
q u e r i d a [...]. Dá a b r a ç o s a todos, a b r a ç a e beija as nossas filhinhas e
l e m b r a sempre do teu amigo v e r d a d e i r o

* * *

P a r a g u a i Tuiuti
M i n h a adorada esposa e v e r d a d e i r a amiga
[8] de fevereiro de 1867

[...] de m a d r u g a d a a n o t í c i a de que o Arinos t i n h a chegado, c h a m e i


imediatamente o meu bagageiro, mandei selar o meu c a v a l o , montei
e [...] a todo o galope p r o c u r a r o Dr. B e r n a r d i n o [...] ter n o t í c i a s tuas.
A c h u v a forte e o vento [...] n ã o me s e r v i r a m de o b s t á c u l o . [...] encon-
trei o Dr. B e r n a r d i n o que v i n h a [...] a c a v a l o p a r a v i r ao E x é r c i t o . -
Viu m i n h a mulher, como e s t á ela? foi a 1" pergunta que lhe fiz. Disse-
me que s i m e estivemos e n t ã o c o n v e r s a n d o com mais vagar. Deu-me
boas n o t í c i a s a teu respeito e de m i n h a s filhinhas. T i v e g r a n d e p r a z e r
em o u v i r falar bem de ti e de c o m o estavas de s a ú d e . E n t r e g o u - m e
uma [...] c a r t a tua que estou ansioso por ler [...] posso. O Arinos sai
hoje ou a m a n h ã [...] e o Dr. que veio comigo a t é o E x é r c i t o [...] pouca
demora [...] e n ã o quero perder esta o c a s i ã o de escrever-te. M a s assim
que fechar esta vou lê-la e relê-la muitas [...]. Tenho recebido muitas
c a r t i n h a s tuas, n ã o sabes quanto tenho estado contente por isso. A s
tuas c a r t a s s ã o t ã o boas, t ã o a g r a d á v e i s de ler-se, p r i n c i p a l m e n t e as
ú l t i m a s , que leio-as muitas vezes e n ã o [...] ontem estarei sem sono
[...] do Pego onde e s t a v a t a m b é m teu mano e li t o d a s as tuas c a r t i -
n h a s , i n c l u i n d o as 1'"* que s e m p r e a n d a m no meu bolso c o m o teu
retrato, pois [...] a m i n h a n a m o r a d i n h a , a m i n h a boa a m i g a , a m i n h a
ú n i c a e s p e r a n ç a de felicidade [...] n ã o hei-de fazer estas c o i s a s que
podem c h a m a r fraqueza ou lá o que q u i s e r e m , mas sinto com o m a i o r
p r a z e r que s ã o [...] da e x t r e m o s a amizade e do amor [...] puro que te
tenho. E e n t ã o hoje que [...] a v e n t u r a de poder c h a m a r - t e a m i n h a
[...] a v e r d a d e i r a a m i g a ! S o u t ã o forte p a r a t r a b a l h o s e p r i v a ç õ e s
quanto sou fraco de c o r a ç ã o . Os sentimentos de amizade e a m o r s ã o
em m i m t ã o veementes que me d o m i n a m completamente e à s vezes
tenho í m p e t o s de pedir d e m i s s ã o e ir a b r a ç a r - t e , ir v e r m i n h a s filhi-
n h a s . [...] o medo de que p e n s e m que é por [...] posto que j á t e n h a
dado p r o v a s de que n ã o sou c o v a r d e , me fazem ir c o n t i n u a n d o com
esta v i d a triste e d e s g r a ç a d a que aqui [...]. Disseste-me n u m a de tuas
c a r t i n h a s [...] que abaixo de Deus m i n h a família estava [...] p á t r i a e de
mim, enganaste-te porque [...] família e (muito) especialmente a m i n h a
muito prezada esposa e a m i g a e s t á a c i m a de Deus, a c i m a da p á t r i a ,
acima de m i m , a c i m a de tudo. S ó a m i n h a h o n r a e o meu dever e s t ã o
acima de m i n h a família. B e m que p a r e ç o a t é i r r e l i g i o s o , mas que que-
res se é com toda a verdade o que realmente sinto, pois a m i n h a reli-
g i ã o é a r e l i g i ã o da família.
Dizem por aqui que a guerra e s t á a terminar e eu desejo poder acre-
ditar nisso. N ã o respondo [...] muitas c a r t i n h a s tuas que tenho rece-
bido [...] dias, porque estou com medo de perder o p o r t a d o r seguro
que eu a g o r a t e n h o (o D r . B e r n a r d i n o ) [...] que e s t á a p a r t i r p a r a o
P a s s o da P á t r i a e [...] p a r a v o l t a r ao B r a s i l , mas no dia 6 e s c r e v i [...]
pequenas cartas dizendo-te alguma c o i s a [...] delas no dia 3 t a m b é m
te e s c r e v i , 1...] que te mandei em j a n e i r o a ú l t i m a [...] tem as datas 20 e
30 onde mando [...] à m i n h a M ã e , uma p a r a a m i n h a A l d i n a , indo den-
tro delas duas cartas do teu J o ã o . C o m data de 6 de fevereiro escrevi ao
P e ç a n h a e o J o ã o escreveu a teu [...], a D. O l í m p i a e D . M a r i q u i n h a s , a
quem p e ç o que me recomendes. Se o Dr. me der [...] e s c r e v e r e i t a m -
b é m ao nosso bom Pai e amigo.
E s t o u bom, m i n h a boa amiga, tenho gozado s a ú d e . O trabalho ma-
t e r i a l é mais s a u d á v e l do que o t r a b a l h o de e s p í r i t o que eu t i n h a aí na
[ C o r t e ] c o m e x p l i c a ç õ e s , c o l é g i o s e meus estudos. [ E s t o u n u m a ]
i m p o r t a n t e c o m i s s ã o a que hoje v o u d a r p r i n c í p i o - estou i n c u m b i -
do de l e v a n t a r f o r t i f i c a ç õ e s por todo o c e n t r o e d i r e i t a de n o s s a s
l i n h a s a v a n ç a d a s e de fazer de d i s t â n c i a em d i s t â n c i a em frente à s
t r i n c h e i r a s [ i n i m i g a s ] redutos c o m frentes a b a l u a r t a d a s que nos
p o n h a m em c i r c u n s t â n c i a s de v e r c o m v a n t a g e m ao i n i m i g o em qual-
quer [ataque] que nos t r a g a e em que p r e t e n d a t o m a r n o s s a s p o s i -
ç õ e s . É n e c e s s á r i o t r a b a l h a r de dia e de noite p r i n c i p a l m e n t e . V o u
passar a d o r m i r de dia das 11 à s 4 da tarde p a r a t r a b a l h a r e velar toda
a noite. Os sapadores s ã o rendidos de 6 em 6 h o r a s . O Dr. tem pressa.
A d e u s , m i n h a q u e r i d a a m i g a , m i n h a muito a d o r a d a esposa, a b r a ç a
por m i m aos nossos dois anjinhos e [...] muito apertado, um beijo e o
c o r a ç ã o saudoso do teu m a i o r e v e r d a d e i r o amigo e esposo fiel que
te a m a a p a i x o n a d a m e n t e

B e n j a m i n Constant

L e m b r a n ç a s a todas as pessoas da família e de amizade. L e m b r a n ç a s


a D. Alcida, D. Delmira.

* * *

N " 31
[...] fevereiro de 1867
Minha amiguinha
P a r a g u a i no Tuiuti

A p r o v e i t o p a r a e s c r e v e r - t e o pouco tempo que resta p a r a f e c h a r a


mala. Na carta que com esta data te escrevi esqueci de dizer-te que j á
recebi a mala com [...] fumo e as pimentas que me mandaste pelo S e -
n h o r C â m a r a . E s t i v e com ele [...] e por ele soube que [...]. N ã o fazes
ideia quanto estimei o [...] que me mandaste. J á tinha acabado h á um
m ê s e meio o que tinha trazido de casa. E s t a v a desesperado por fumo
que [...] por aqui. O G u i m a r ã e s Peixoto n ã o chegou e por isso n ã o rece-
bi a i n d a [...] em que me falou. A g r a d e ç o - t e o c u i d a d o que tens tido
comigo, m i n h a amiga. A g r a d e c e por m i m à D . A l c i d a e ao G u i m a r ã e s
[...] que me m a n d a m . C o m o e quando [...].
Esqueceste o que te mandei pedir em minhas cartas passadas? M a n -
da-o o mais depressa que puderes. Se falares com a G u i l h e r m i n a e a
Leopoldina diz-lhes que lhes hei-de escrever. E u pretendia por este [...J
e s c r e v e r longas c a r t a s a todos, j u s t a m e n t e q u a n d o o n ã o pude [...]
andado como um j u d e u e r r a n t e de [...] p a r a outro em dever, as c o m i s -
s õ e s que foi absolutamente i m p o s s í v e l esse desejo [...]; mas n ã o se z a n -
gue comigo que n ã o perco nenhuma o c a s i ã o de escrever a [...]. N'outra
carta falarei sobre o que me mandes a respeito de g é n e r o s e sobre o d i -
n h e i r o que mandaste. M a n d a - m e n o t í c i a s de m i n h a M ã e . J á foste à
casa do M a l a q u i a s , do T i b ú r c i o e do Veiga? Vê no teu [...]. J á te m a n -
dei d i z e r que t i n h a [...] p a r a p a d r i n h o s de n o s s a p e q u e r r u c h a [...]
E r n e s t o e que o nome que [...] entre os que me mandaste foi [...]. Tu
achas o de A d o z i n d a mais [...]. É com efeito um nome de r e c o r d a ç õ e s
h i s t ó r i c a s (da fábula [...] tragadas pelo M i n o t a u r o que residia nos labi-
rintos de Creta. [...] do papel que desempenhou essa A d o z i n d a ? [...] eu
desejo que m i n h a [...] tenha o nome de que tu [...] que eu t a m b é m ache
mais bonito [...] de Z u l m i r a . Se [...] estiver ainda batizada desejo con-
tigo que [...] A d o z i n d a . Quanto ao batizado disse-te que eu desejava
assistir mas que se por m o l é s t i a ou qualquer outra c i r c u n s t â n c i a fosse
urgente b a t i z á - l a , devias [...]. C o m o creio que ainda n ã o o e s t á [...] que
se c h a m a r á A d o z i n d a . N'outra carta responderei a alguns t ó p i c o s das
tuas cartas, agora n ã o o posso porque estou no [...] escrevendo à s pres-
sas p a r a n ã o perder a mala. A b r a ç a por m i m as nossas filhinhas. E n ã o
te e s q u e ç a s do amigo [...] que sente o maior prazer em poder [...] o teu
amigo, teu esposo apaixonado e fiel

B e n j a m i n C o n s t a n t Botelho de M a g a l h ã e s

Na c a r t a que te e s c r e v o mandei (...) tens recebido. L i o artigo [...] que


se referiu [...] Tuiuti e que me mandaste dentro da tua c a r t a . Tem m u i -
tas [...] e t a m b é m muitas i n e x a t i d õ e s . Quanto [...] projetou-se no batal-
h ã o de [...] feito pelo oficial [...] foi avante. ( E r a feito de palha como
s ã o as c a s i n h a s que [...] o Q u a r t e l - G e n e r a l , etc. Quanto à s m u l h e r e s
perdidas, é real. T ê m v i n d o p a r a aqui nos ú l t i m o s tempos muitas A r -
g e n t i n a s . H á por aqui muitos oficiais amasiados com algumas delas
( c a s a d o s ) . É r a r o o b a t a l h ã o que n ã o tem uma - A l d e i a - C h a m a - s e
aqui aldeia ao lugar onde e s t ã o [...] as mulheres perdidas e c h a m a - s e
C h i n a a qualquer dessas bandalhas, brancas, pretas, mulatas ou cabo-
clas [...) tem a c a m p a m e n t o s e p a r a d o das [...]. N ã o fazes ideia como
estas [...] se identificam com a sorte dos m a r i d o s , lavam-lhes e engo-
mam-lhes a farda do melhor modo que podem, c o z i n h a m a pobre co-
mida e quando e s t ã o em s e r v i ç o , v ã o levá-la à s linhas, [...] por entre as
balas e metralhas [...] satisfeitas, como se [...] melhor vida. Depois que
cá estou [...] 4 baleadas. A ú l t i m a foi morta com dois filhinhos que t r a -
zia nos b r a ç o s [...] em que ia levar c o m i d a ao m a r i d o [...] a v a n ç a d a s .
O p o b r e m a r i d o ficou quase doido [...] m a n d e i [...] o fato de uma a
quem [...] a p r i s i o n a r a m t r a i ç o e i r a m e n t e o m a r i d o e o m a t a r a m , a [...]
meteu-se na b a r r a c a c h o r a n d o como uma louca, n ã o q u e r e n d o [...]
que acabou por ficar h i s t é r i c a [...] com passagem para a sua P r o v í n c i a .
P r e n d i uma vez um soldado por uma falta que cometeu estando de
g u a r d a [...] da d i v i s ã o , o general, e x a g e r a n d o [...], mandou que fosse
castigado com c i n c o ou seis p r a n c h a d a s . E u , d i s t r a í d o com os meus
[...] n ã o soube disto, d a í a pouco veio [...] ter comigo e pedir-me que
interviesse por seu m a r i d o , que sabia que o general gostava de mim e
que se eu pedisse h a v i a de [...] t i r á - l o do c a s t i g o . D i s s e - l h e que [...]
podia fazer, mas acredite que custei a f...]. A p o b r e z i n h a calou-se [...]
e retirou-se c o m a m a i o r dignidade. C o m o t e n c i o n a v a , fui i m e d i a t a -
mente falar ao g e n e r a l e ficou a pena reduzida a 10 dias de p r i s ã o . E l a
soube e veio depois a g r a d e c e r - m e muito contente e disse-me com a
m a i o r singeleza [...] é à - t o a seu C a p i t ã o é bom e n ã o pode fazer m a l -
dades - mandei c h a m a r o m a r i d o [...] e prometi-lhe que por outra falta
o faria castigar, a c o n s e l h e i - o s o m e l h o r que pude [...] l i v r e daquele
pobre mas feliz c a s a l . E n f i m tenho feito por estas pessoas o mais que
posso. Quanto aos bailes ( o r g i a s ) com mulheres infames, n ã o d e s ç o a
dizer a seu respeito. A d e u s , meu anjo, aceita o c o r a ç ã o leal e saudoso
do teu m a i o r amigo

Benjamin
M u i t a s l e m b r a n ç a s a todos [...] e a b r a ç o s por mim na A d o z i n d a e n a
m i n h a gaiata A l d i n i n h a . Dá muitas [...] à m i n h a pobre M ã e e aceita [...]
do teu B e n j a m i n Constant.

N . B . N ã o r e p a r e s na l e t r a , mas estou no c a m p o onde n ã o h á [ . . . ] .


Q u a n d o nos t o r n a r e m o s a ver, m i n h a a m i g u i n h a ?

* * *

P a r a g u a i Tuiuti
M i n h a adorada esposa e boa amiga
20 de fevereiro de 1867
(33" carta)

C o m o e s t á s ? C o m o e s t ã o nossas filhinhas? A A l d i n a continua a lem-


b r a r - s e do seu papai? J á recebeste a m i n h a c a r t a de 20 e 30 d e j a n e i r o
onde mando uma c a r t i n h a p a r a ela e outra p a r a m i n h a M ã e ? P r o m e t i
a A l d i n a uma longa c a r t a que ainda n ã o tive tempo p a r a c o m e ç a r a es-
c r e v e r mas que farei assim que puder.
Recebi as tuas c a r t i n h a s v i n d a s pelo Dr. Roiz da C o s t a com quem
conversei muito no dia em que chegou. Quis ir a bordo passar o dia com
ele mas n ã o me foi p o s s í v e l , pois que nesse dia devia c o m e ç a r os t r a -
balhos de t r i n c h e i r a e f o r t i f i c a ç õ e s de que fui e n c a r r e g a d o e dos [...]
falei em 2 ou 3 cartas passadas. Recebi t a m b é m as cartas que me vie-
r a m pelo Major [...] e pelo Tenente-Coronel G u i m a r ã e s Peixoto e outras
que v i e r a m pelo c o r r e i o e pelo Q u a r t e l - G e n e r a l e uma que [...] p a r a
C o r r i e n t e s e que me foi entregue pelo C o m a n d o das F o r ç a s no dia em
que fui a s e r v i ç o a essa cidade. B r e v e te mandarei uma r e l a ç ã o de todas
as cartas tuas que tenho recebido. Recebi t a m b é m a roupa, pimenta e
fumo que me mandaste pelo Sr. C â m a r a - c o m quem estive a bordo do
Cuevas - assim como os g é n e r o s que me mandaste [...] da C o s t a , o cai-
x ã o c o m tudo o que mencionaste em tua c a r t a de que foi portador o
[...] Peixoto. Tudo chegou em perfeito estado [...] a roupa que veio pelo
Sr. C â m a r a que a p a n h o u á g u a s a l g a d a e a l g u m a ficou e n s o p a d a . O
c h a p é u que me m a n d a s t e s ó tem um defeito, que é ser b o m demais
p a r a estes c a m p o s . O sabonete, e s c o v a de dentes, ó l e o p a r a cabelo.
papel e lápis, pente, e t c , tudo está muito bom. Sempre que puderes man-
da-me papel p a r a c a r t a s e envelopes. A g r a d e ç o - t e muito o c u i d a d o
que tens tido comigo. A g r a d e c e de m i n h a parte a D. A l c i d a os [...] e as
s a r d i n h a s que me mandou, e ao G u i m a r ã e s o fumo e ao C o i m b r a os l i -
v r o s . Recebi t a m b é m os sessenta mil r é i s que me mandaste e que t a l -
vez te fizessem falta. J á tinhas mandado os g é n e r o s . E m r e l a ç ã o aos
g é n e r o s e d i n h e i r o far-te-ei uma o b s e r v a ç ã o mais adiante.
Tens me e s c r i t o muito, m i n h a muito prezada a m i g u i n h a . C o m p r e -
endes t a m b é m e l e m b r a - t e que por t o d a s essas q u a l i d a d e s é s p a r a
m i m o resumo de todas as felicidades [...] ambicionar, que é t ã o g r a n -
de essa felicidade que diante dela d e s a p a r e c e m , como i n s i g n i f i c a n -
tes, todos os maus e tristes e p i s ó d i o s de m i n h a [...] todo o meu passa-
do infeliz e alegra-te com [...] de que te estou falando a verdade mais
p u r a . I m a g i n e a g o r a o que s e r i a se [...] fosse a realidade. Pedes-me
em tuas cartas que n ã o me e s q u e ç a de ti e de m i n h a s filhinhas. J u l g a s
isso p o s s í v e l ? D i z e s - m e t a m b é m que alegras-te quando ouves falar
bem de m i m e aborreces-te quando d u v i d a m do que eu digo. É isso
natural, mas quem duvida do que eu digo? Que bases tenho dado p a r a
se p ô r em d ú v i d a as m i n h a s p a l a v r a s e os meus atos? N ã o o disseste,
nem eu quero saber. Ocorre-me p o r é m agora fazer-te uma o b s e r v a ç ã o
que n ã o tenho feito por me parecer d e s n e c e s s á r i a : estas cartas í n t i m a s
que te e s c r e v o devem ser lidas [...] t i . Nelas te digo tudo quanto real-
mente sinto por ti e por minhas filhinhas, o extremoso amor e a exces-
s i v a amizade que tenho e que com o m a i o r p r a z e r sinto que c r e s c e m
c a d a vez mais, c u m p r o , sem e x c e ç ã o de n e n h u m , c o m todos os deve-
res de esposo, de pai que a m a e preza sua família; dou à m i n h a f a m í -
lia o exemplo da honestidade e do trabalho, n ã o me furto nem me fur-
tarei a qualquer s a c r i f í c i o n e c e s s á r i o à sua felicidade. Se a n ã o tenho
feito feliz, n ã o é porque n ã o o deseje e muito e n ã o tenha feito esfor-
ç o s p a r a isso, é porque n ã o o quer a m i n h a m á sorte. E s t o u perfeita-
mente bem c o m a m i n h a c o n s c i ê n c i a e p o r t a n t o pouco ou nada me
importo com os j u í z o s que formem de m i m . N ã o f a ç a s tu mau j u í z o de
teu m a r i d o que é t a m b é m teu amigo dedicado e e x t r e m o s o e é quan-
to me basta.
T r a t e m o s a g o r a de o u t r a s c o i s a s . C o n f o r m e te m a n d e i d i z e r em
m i n h a s cartas passadas, fui e n c a r r e g a d o de c o n s t r u i r uma t r i n c h e i r a
geral p a r a c o b r i r o centro e toda a direita n ã o s ó do nosso 1" C o r p o de
E x é r c i t o como t a m b é m dos e x é r c i t o s Oriental e A r g e n t i n o , tendo além
disso de c o n s t r u i r t r ê s baterias p a r a doze c a n h õ e s . O Major E m e r i c k ,
Major Bonfim, o Major Rufino E n é a s G a l v ã o e C a p i t ã o [Soído] deviam
c o n s t r u i r c a d a um m a i s uma b a t e r i a n a e x t r e m a d i r e i t a de n o s s a s
linhas a v a n ç a d a s . E s t a s seis baterias t ê m por fim o b r i g a r o i n i m i g o a
a b a n d o n a r as p o s i ç õ e s fortificadas que tem em frente e c i r c u n d a n d o
o nosso acampamento. No dia em que aqui chegou o Dr. Roiz da C o s t a
d e v i a eu c o m e ç a r este t r a b a l h o [e] c o m e c e i c o m efeito. À s quatro
h o r a s da tarde do dia 7 fui s ó , como e r a n e c e s s á r i o , a fim de determi-
n a r a p o s i ç ã o das baterias e d i r e ç ã o da t r i n c h e i r a geral. Passei a l é m de
n o s s a s ú l t i m a s [vedetas] e e x a m i n e i as p o s i ç õ e s das b a t e r i a s P a r a -
guaias; sofri muito fogo de suas linhas a v a n ç a d a s mas, g r a ç a s a Deus,
n a d a s o f r i , e s t i v e aí o u t r a s v e z e s p a r a me o r i e n t a r m e l h o r e afinal
escolhi as p o s i ç õ e s . O G e n e r a l n ã o quis que t r a b a l h á s s e m o s de dia,
por isso que assim e x p u n h a os t r a b a l h a d o r e s a tiros de [pontaria] que
nos s e r i a m fatais, vista a pouca d i s t â n c i a a que [ f i c á v a m o s ] do i n i m i -
go, o que n ã o a c o n t e c i a c o m o t r a b a l h o à noite, p o r q u e e m b o r a as
linhas a v a n ç a d a s do i n i m i g o se a p r o x i m e m muito mais à noite contu-
do [fariam d e s c a r g a s ] ao acaso, que s ó t a m b é m por acaso [nos pode-
r i a m ] pegar. C o m e c e i no dia 9 o t r a b a l h o c o m um contingente de 80
p r a ç a s do B a t a l h ã o de E n g e n h e i r o s . No 1" dia pouco fogo fizeram [e
este] d i r i g i d o . No 2" a s s i m que c o m e ç a r a m a o u v i r [vozes] e o b a r u -
lho das e n x a d a s e p á s no terreno [fizeram] duas d e s c a r g a s por toda a
l i n h a e depois entretiveram um tiroteio a t é de m a n h ã . Nos outros dias
s ó h o u v e r a m (sic) tiroteios e c o m estas [ a l t e r n a t i v a s ] temos ido com
uma felicidade que tem causado a d m i r a ç ã o ; a i n d a n ã o tivemos um s ó
soldado morto, e muito poucos t ê m [sido] baleados pelas l i n h a s . H á
dias (à noite) que despejam sobre n ó s um c h u v e i r o de balas e é a d m i -
r á v e l o n e n h u m efeito que produzem. N ã o fazes ideia da m ú s i c a infer-
nal que [fazem] as balas passando por perto. J á tenho p r o n t a s mais
de duzentas b r a ç a s de t r i n c h e i r a s e pretendo nestes 15 ou 20 dias com-
pletar os t r a b a l h o s . Tenho t r a b a l h a d o muito, m i n h a q u e r i d a a m i g u i -
n h a . C o m e ç o todas os dias à s 6 h o r a s da tarde e fico toda a noite no
campo a t é amanhecer o dia [que é quando nos retiramos]. Isto tem-me
feito a l g u m [mal;] ando com um fastio desesperado, tenho e m a g r e c i -
do m u i t o pelas m u i t a s noites que sou o b r i g a d o a p a s s a r em c l a r o .
T r a b a l h o t a m b é m p a r a a p e r f e i ç o a r os t r a b a l h o s j á feitos à noite por-
que e n t ã o j á e s t a m o s i s e n t o s dos t i r o s da i n f a n t a r i a pela p r o t e ç ã o
que nos oferecem os parapeitos l e v a n t a d o s nas noites antecedentes.

105
o tempo que tenho p a r a d o r m i r de dia é sempre nas horas mais quen-
tes e no fim [de duas ou t r ê s h o r a s ] de um sono ligeiro acordo deses-
perado com as moscas e todo banhado em suor. N ã o h á vida mais rude
que esta que passo. A m a n h ã ou depois c o m e ç a m as f o r t i f i c a ç õ e s da
e x t r e m a direita os engenheiros que j á te m e n c i o n e i . E u , a l é m dos t r a -
balhos das t r i n c h e i r a s (que e s t á muito adiantado (sic)) v o u dar come-
ç o a m a n h ã à s t r ê s [ b a t e r i a s em] que j á te falei. N ã o t e n h a s receio,
m i n h a querida, nada me h á - d e acontecer, a P r o v i d ê n c i a parece prote-
ger-me. B r e v e [pretendo] escrever-te participando-te que j á e s t á con-
c l u í d o o trabalho. Felizmente estou [que em] menos [de] oito dias esta-
rá pronto; por isso [que o] niimero de trabalhadores foi elevado a [320]
a pedido meu e tenho a l é m disso 100 homens entre O r i e n t a i s e P a r a -
guaios (mansos) oferecidos pelo G e n e r a l C a s t r o para ajudar-me. C o m
420 h o m e n s t r a b a l h a d o r e s o t r a b a l h o tem sido feito com muita pres-
teza. N ã o [...] nestes quinze dias que te e s c r e v a cartas longas. Hei-de
escrever-te por todos os c o r r e i o s [...] cartas pequenas somente p a r a
dar-te n o t í c i a s minhas. O pouco tempo que me resta n ã o me d á tempo
a ( s i c ) e s c r e v e r muito p r o v a v e l m e n t e por c a u s a do calor e das mos-
cas que s ã o infernais. No p r ó x i m o c o r r e i o mando a p r o c u r a ç ã o p a r a
o b a t i z a d o da f i l h i n h a da A l c i d a [...] m u i t o da m i n h a p a r t e a D .
M a r i q u i n h a s e ao seu E r n e s t o a h o n r a e o p r a z e r que me deram esco-
I h e n d o - m e p a r a p a d r i n h o de [...]. E m b r e v e lhes e s c r e v e r e i c o m o
mesmo [...]. Vou a g o r a fazer sobre os g é n e r o s e o d i n h e i r o as obser-
v a ç õ e s que prometi: em m i n h a s cartas passadas disse-te que me m a n -
dasses alguns g é n e r o s e n ã o m a n d a s s e s d i n h e i r o , agora digo-te que
em lugar dos g é n e r o s me mandes algum d i n h e i r o (somente a quantia
que t e r i a s de g a s t a r p a r a a c o m p r a dos g é n e r o s que me m a n d a s ) . É
uma perfeita c o n t r a d i ç ã o , n ã o é a s s i m ? M a s eu te explico a r a z ã o [...]
a g o r a em a p a r e n t e c o n t r a d i ç ã o . E n q u a n t o m o r a v a c o m o T i b ú r c i o
tinha [...] c a m a r a d a e c o n ó m i c o que lhe fazia as compras e as despesas,
hoje p o r é m que o T i b ú r c i o [...] doente a C o r r i e n t e s ( n ã o é coisa de cui-
dado) [...] quando voltar n ã o t o m a r mais conta do [...] (por isso que
e s t á c o m toda r a z ã o m a ç a d o com o C a x i a s que cometeu a g r a v e injus-
t i ç a ) tive de m o r a r [...] meu c a m a r a d a é muito fiel, p o r é m [...] é mais
sem m é t o d o do que eu para economia d o m é s t i c a , basta te dizer que h á
seis dias j á n ã o [...] café, nem a ç ú c a r , nem manteiga. Felizmente, um
c a p i t ã o de e s t a d o - m a i o r a m i g o meu e um tenente f a l a r a m - m e p a r a
a r r a n c h a r m o s j u n t o s . E l e s e s t ã o a r e s p e i t o de v e n c i m e n t o s p o u c o
m e l h o r do que [...]. A c e i t e i [...] a s s e g u r a m - m e que n ã o h á - d e exceder
[...] v e n c i m e n t o s a parte de c a d a um no [...] do m ê s . U m deles, o te-
nente, é o e n c a r r e g a d o de fazer as c o m p r a s dos mantimentos, etc. J á
v ê s que n ã o h á c o n t r a d i ç ã o entre o que a g o r a te digo e o que te m a n -
dei dizer nas cartas passadas. N ã o era como [...] uma a s n e i r a m a n d a r
v i r os g é n e r o s da C o r t e , tanto assim que é j u s t a m e n t e [...] o tenente
m a n d a v i r do B r a s i l / R i o de J a n e i r o os g é n e r o s de que necessitamos
que podemos aqui [...] alguma economia p a s s a r c o m os nossos v e n c i -
mentos. Se te mando pedir a l g u m d i n h e i r o (contanto que n ã o f a ç a s
mais [...] do que tens feito) é somente para que atenda a alguma neces-
sidade eventual. C a s o possas, manda-me somente o que g a s t a r i a s se
t i v e s s e s que c o m p r a r os g é n e r o s p a r a m a n d a r - m e e [...] quantia p a r a
baixo. O fato de te pedir que me m a n d a s s e s de lá os g é n e r o s pareceu
talvez e s q u i s i t o ? Talvez que [...] t r o u x e s s e à m e m ó r i a o fato do [...]
que ia da C o r t e fazer a b a r b a [...] G r a n d e somente porque lá lhe [...]
quatro v i n t é n s menos, n ã o se lembrando que gastava doze v i n t é n s em
passagens. [...] realmente uma insensatez. Felizmente [...] n ã o h á entre
esses fatos e o pedido que [...] a menor paridade. Se n ã o h o u v e s s e m
(sic) outras r a z õ e s , b a s t a r i a l e m b r a r que (conforme o meu pedido) os
g é n e r o s n ã o p a g a r ã o [...] porte do R i o de J a n e i r o a t é a m i n h a b a r r a -
ca, o que com efeito se d á com os g é n e r o s [...] p a r a m i m e t ê m v i n d o
p a r a o Tenente [...] Pinto com quem estou a r r a n c h a d o . N ã o estou zan-
gado, quis muito e x p l i c a r o [...] que dei, o que e r a n e c e s s á r i o porque
[...] entre as m i n h a s p a l a v r a s [...] meus atos a m a i o r h a r m o n i a , [...]
d ú v i d a do que digo ou de m i n h a s i n t e n ç õ e s q u a n t o m a i s h a v e n d o
entre eles [...] c o n t r a d i ç ã o ( e m b o r a aparente) d e i x e m o s esse assunto.
M a n d a - m e n o t í c i a s de m i n h a M ã e e t o d a s as p e s s o a s de n o s s a s
f a m í l i a s e de nossa amizade. N ã o te e s q u e ç a s dos retratos que te pedi
e d á muitos beijinhos e muitos a b r a ç o s nas nossas pequerruchas. M a n -
da-me dizer m i n u c i o s a m e n t e quanto recebes por m ê s do Veiga, G u i -
m a r ã e s e C o i m b r a , a s s i m c o m o do montepio de m i n h a c o n s i g n a ç ã o ,
a s s i m como quanto d á s p a r a D . A l c i d a pelo s ó t ã o e pela c a s a e q u a n -
to te fica de saldo em c a d a [...] e t c , o que n ã o tens feito s e n ã o de um
modo muito vago. Diz a teu Pai e ao P e ç a n h a que n ã o lhes escrevo por
n ã o ter tido tempo, atendendo [...] que j á a c i m a te dei, mas que h e i -
de escrever-lhes por todos os correios ainda que sejam algumas linhas
p a r a dar n o t í c i a s minhas e saber das suas. E u que respondi a uma por-
ç ã o de c a r t a s que tenho recebido n ã o o posso fazer j á . O P e ç a n h a [...]
tem deixado de e s c r e v e r - m e . O teu mano J o ã o e s t á bom, e s t á quase
s e m p r e c o m i g o , e s c r e v e por este c o r r e i o a D . O l í m p i a , a D . M a r i -
quinhas, a ti e ao nosso bom P a i . O M a r c i a n o e s t á bom. E s t á ainda em
C u r u z u , 2" C o r p o de E x é r c i t o . E s t e v e por um tempo doente, mas j á
e s t á bom.
Adeus, minha muito amada esposa e verdadeira amiga. Dá lembran-
ç a s a D. D e l m i r a - diz-lhe que cada vez lhe sou mais grato pelas aten-
ç õ e s e trabalhos que tem tido com [...] mesmo que faças a D. A l c i d a e
seu E r n e s t o . A b e n ç o a por mim as nossas queridas filhinhas e aceita o
c o r a ç ã o saudoso do teu amigo v e r d a d e i r o e esposo [...]

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

23. N ã o tendo seguido a m a l a pedi a c a r t a p a r a dar-te mais algumas


n o t í c i a s . Hoje das 2 p a r a as 3 h o r a s da m a d r u g a d a , estando eu no
s e r v i ç o das t r i n c h e i r a s [fizeram-nos] os P a r a g u a i o s uma das que [cos-
t u m a m ] . E s t a v a muito s u r p r e e n d i d o com o s i l ê n c i o que g u a r d a v a m
e [ t i n h a m g u a r d a d o ] toda a noite em suas l i n h a s [ a v a n ç a d a s ] ; os sol-
dados em [ n i í m e r o de 300 pediram-me] para r e t i r a r mais cedo porque
o b a t a l h ã o t i n h a estado todo o dia de s e r v i ç o . E r a m do 2" de V o l u n -
t á r i o s , hoje 24, c o m a n d a d o s pelo Major D e o d o r o da F o n s e c a , i r m ã o
do E d u a r d o da F o n s e c a , por quem teu Pai m a n d o u - m e a l g u m a s c a r -
tas. J á t i n h a m a n d a d o r e u n i r toda a [ f e r r a m e n t a ] e i a a r e t i r a r - s e
q u a n d o vi em [todo o h o r i z o n t e ] do lado i n i m i g o um c í r c u l o seme-
lhante a um imenso r e l â m p a g o , seguindo-se imediatamente um estam-
pido produzido pela d e s c a r g a de a r t i l h a r i a [ P a r a g u a i a ] . A s bombas e
g r a n a d a s com as espoletas [acesas] se assemelhando a globos de fogo
e c o m r u í d o m e d o n h o que as a c o m p a n h a m ( s i c ) c o n v e r g i n d o todas
p a r a as b a t e r i a s que estou c o n s t r u i n d o ; ao m e s m o tempo o u v i m o s
b a r u l h o n a m a c e g a do c a m p o p r o d u z i d o pelas vedetas P a r a g u a i a s
que se [ a p r o x i m a v a m ] e uma d e s c a r g a de fuzilaria seguiu-se i m e d i a -
tamente ao b o m b a r d e i o . [Daí] a t é as 5 h o r a s da m a n h ã c o n t i n u a r a m
as d e s c a r g a s de fuzilaria e a r t i l h a r i a sustentando um fogo v i v í s s i m o .
F e l i z m e n t e a lua oculta entre n u v e n s t o r n a r a [a noite] bastante e s c u -
r a p a r a que n ã o [pudessem retificar] as p o n t a r i a s mal feitas na c a r g a
e n q u a n t o a lua n ã o se t i n h a e s c o n d i d o . ( D i z e m que a lua é s e n h o r a
muito s e n s í v e l e e n t ã o tapa o rosto p a r a e v i t a r ou ao menos p a r a n ã o
v e r a c e n a s a n g u i n á r i a que p r o m e t i a ter lugar.) O que sei é que o c u l -
tou-se muito a tempo, por isso que [ v i m ] c o n d u z i n d o a f o r ç a p a r a a
b a t e r i a de m a t e i r o s que fica a 350 b r a ç a s do l u g a r em que e s t á v a m o s
t r a b a l h a n d o e onde t i n h a m de d e i x a r as f e r r a m e n t a s p a r a pegar nas
a r m a s que lá e s t a v a m e n s a r i l h a d a s . A t r a v e s s a m o s a s s i m toda esta
d i s t â n c i a d e b a i x o de um fogo r e n h i d o de f u z i l a r i a e a r t i l h a r i a sem
que h o u v e s s e um s ó ferido. Os t i r o s v i n h a m muito altos e e n t ã o pas-
s a v a m por c i m a de n ó s , ou e r a m muito b a i x o s e e n t ã o as balas enter-
r a v a m - s e nos p a r a p e i t o s das t r i n c h e i r a s que t i n h a feito; alguns que
v i n h a m m e l h o r e s p a s s a v a m por entre n ó s [ p o r é m c o m todo] o r e s -
peito. M u i t a s bombas c a í r a m n u m g r a n d e b a n h a d o que fica j u n t o da
f o r t i f i c a ç ã o que estou fazendo e a p a g a r a m - s e dentro d ' á g u a perden-
do a s s i m o seu p r i n c i p a l efeito. A o [ e n t r a r ] n a b a t e r i a dos m o r t e i r o s
os oficiais [ v i e r a m ] ao e n c o n t r o da f o r ç a p e r g u n t a r o que t i n h a h a v i -
do, q u a n t o s m o r t o s t í n h a m o s t i d o e f i c a r a m p a s m o s q u a n d o lhes
d i s s e que nem ao menos h o u v e um ferido. H o u v e i m e d i a t a m e n t e o
toque de a l a r m a em todo [o E x é r c i t o ] e v i e r a m a todo o galope os [aju-
dantes de] o r d e n s do P o l i d o r o e do C a x i a s saber o que t i n h a h a v i d o .
M a n d e i que os s o l d a d o s l a r g a s s e m as p á s e se a p r o x i m a s s e m aos
parapeitos da bateria a fim de g u a r n e c ê - l a melhor porque é uma posi-
ç ã o c r i m i n o s a m e n t e abandonada aos fracos r e c u r s o s de um pequeno
[pessoal] muito afastada de q u a l q u e r p r o t e ç ã o . O tiroteio c o n t i n u o u
a t é o dia c l a r e a r . R e f o r ç a r a m - s e as n o s s a s v e d e t a s e r e s p o n d e r a m
com v a l o r aos P a r a g u a i o s . A a r t i l h a r i a n o s s a [ p o r é m n e n h u m ] fogo
fez, por isso que era n e c e s s á r i a o r d e m do G e n e r a l C h e f e que e s t a v a
a l é g u a e m e i a de d i s t â n c i a ! D e s t a vez, m a i s que n u n c a , v i o p e r i g o
muito presente; p o r é m e r a n e c e s s á r i o e eu ia de c a r a feliz e d i r i g i n -
do p i l h é r i a s aos soldados e dizendo que aquilo nada era, que fossem
t o m a r a r m a s p a r a v i n g a r e m - s e , etc. O m e s m o faziam os que v i n h a m
comigo. Os soldados por sua vez v i n h a m dando vaias nos Paraguaios.
A c a d a d e s c a r g a g r i t a v a m que a t i r a s s e m m e l h o r se q u i s e s s e m m a t a r
a l g u é m e d i z i a m que e s p e r a s s e m um pouco que eles os i a m e n s i n a r
como se dava tiros, etc. [Tem causado] v e r d a d e i r a a d m i r a ç ã o o fato de
n ã o h a v e r nem ao menos ferimentos; mas [enfim] a P r o v i d ê n c i a ou o
acaso que se e n c a r r e g u e m de e x p l i c a r i s s o . N e c e s s a r i a m e n t e h á s - d e
ler esta n o t í c i a publicada pelos j o r n a i s nas c o r r e s p o n d ê n c i a s p a r t i c u -
lares dos oficiais. N a d a mais tenho a dizer s e n ã o que tenho c a d a vez
m a i s s a u d a d e de ti e que desejo que esta m a l d i t a g u e r r a se a c a b e
q u a n t o antes.

A d e u s , m i n h a amiga. A c e i t a o c o r a ç ã o amigo e leal do teu

Benjamin Constant

M a n d a - m e dizer se recebeste a c a r t a da A l d i n a .

B r e v e te escreverei dizendo-te que a f o r t i f i c a ç ã o e s t á toda pronta e eu


sem novidade. A c e i t a um apertado a b r a ç o do teu
B.

M o s t r a se quiseres a teu Pai esta ttltima parte da c a r t a pois agora n ã o


tenho tempo [...].

* * *

P a r a g u a i Tuiuti
Minha querida
26 de fevereiro do 1867

O portador é o Senhor G u i l h e r m e , Comandante do Brasil. Soube agora


que ele estava aqui e fui imediatamente p r o c u r á - l o no Quartel-General.
J á lá n ã o t i n h a ido visitar o C o r o n e l Belo no Potreiro Pires, fui logo ao
Potreiro donde te escrevo. Recebi tuas cartas de 6 de fevereiro e outra
c o m e ç a d a a 20 dejaneiro. Manda-me dizer que a Aldina tem estado [...]
e j á e s t á quase boa. Disseste que ela esteve muito mal com ataque e que
agora que ela e s t á boa é que mandas participar. Fizeste bem. E u faria a
mesma coisa, para que te n ã o amofines, ocultarei tudo quanto te possa
incomodar dizendo-te s ó aquilo que for bom de ouvir-se. Sendo ferido
ou doente s ó te mandarei dizer depois que estiver completamente bom.
Quanto ao que me dizes em tua carta sobre a tua vinda ao E x é r c i t o repi-
to-te o que j á te disse, é um mau passo. B e m sei que é s livre em fazer o
que quiseres (disseste que v i r i a s caso eu estivesse doente e que n ã o
atendias a c o n s i d e r a ç ã o alguma), mas se o fizeres s e r á c o m a m i n h a
completa r e p r o v a ç ã o . Se me tens amizade n ã o me tens mais do que te
tenho. Desejas estar ao p é de m i m e eu o desejo ainda mais, p o r é m h á
c o n s i d e r a ç õ e s a que eu atendo e que j á te disse quais eram. Parece que
entre as pessoas que duvidam do meu c a r á t e r como me mandaste dizer
ou de minhas palavras, que é o mesmo, tu queres ser uma. B e m sei que
o n ã o é s , mas esta i n s i s t ê n c i a em v i r para o E x é r c i t o quando te asseve-
ro que aqui n ã o h á absolutamente família alguma, parece uma d ú v i d a
do que te mandei dizer. C r é s tu que se isso fosse possível eu te n ã o man-
d a r i a buscar. N ã o tens r a z ã o alguma p a r a que assim penses. Sou sem-
pre para ti o mesmo homem, teu amigo extremoso, amo-te mais que
tudo e mais que a todos, e por isso mesmo sinto muito quando me dizes
alguma coisa que possa p r e s u m i r qualquer d ú v i d a a meu respeito. A o
r e c e b e r a n o t í c i a da c h e g a d a do G u i l h e r m e , p o r t a d o r desta, e s t a v a
relendo as tuas c a r t a s e notando em a l g u m a s que m a n d a s d i z e r por
exemplo: o lugar em que estás agora é de muita responsabilidade - vê lá
o que fazes. E m outra: disse-nos o Deocleciano que não estavas conten-
te com o lugar de Itapiru por ser muito trabalhoso! N ã o quero acreditar
que tivesses a i n t e n ç ã o de ofender-me, mas dizes como quem d á algum
c r é d i t o . Quanto à 1" respondo-te que n ã o tenhas susto: teu marido foi,
é e s e r á sempre incapaz de cometer algum ato de que tenha de enver-
gonhar-se [...] e n v e r g o n h a r a sua família. Tu o sabes perfeitamente e
por isso me admiro como te escapou aquela frase. N ã o te incomodes
p o r é m comigo, prometi falar-te sempre com toda a franqueza e hei-de
f a z ê - l o e a g o r a mesmo dou-te disso uma p r o v a [...] o que sinto.
C o n f o r m e te mandei dizer em m i n h a carta de 23 sofri um bombardeio
e um fogo de fuzilaria h o r r í v e i s na madrugada desse dia; os Paraguaios
t i v e r a m por fim impedir a c o n t i n u a ç ã o dos trabalhos das f o r t i f i c a ç õ e s
que estou fazendo à direita da bateria dos morteiros a t é o laranjal do
F l o r e s na v a n g u a r d a [...], anteontem e hoje pela m a d r u g a d a [...] a
mesma g r a ç a , acrescentando uma metralha m a ç a n t e . O trabalho p o r é m
vai continuando e h á - d e continuar, temos sido felizes, a l é m de um cabo
ferido, um [...] soldado morto nossas linhas nada mais [...]; breve e s t ã o
prontas as f o r t i f i c a ç õ e s e darei a a g r a d á v e l n o t í c i a de que nada me [...]
( E m b o r a te dissesse que te ocultaria caso estivesse ferido, n ã o o farei,
é isso i n c o m p a t í v e l com o que j á te prometi em cartas passadas [...] tam-
b é m incomodar-te como me incomodaste com a falta de franqueza. F o i
uma vingancinha, [...] passar.) Estou felizmente bom mas com saudades
de ti cada vez maiores; mas n ã o h á [...] hei-de l e v a r [...] ao C a l v á r i o .
N ã o [...] voltar s e n ã o quando a g u e r r a [...]. Quando acabar o trabalho
de que estou encarregado pretendo ir passar alguns dias com o Tibúrcio
em C o r r i e n t e s . Dá de m i n h a parte p ê s a m e s ao P e ç a n h a pela morte de
seu cunhado. Entristeceu-me bastante esta n o t í c i a t a m b é m por saber
que a v i ú v a fica reduzida a e x t r e m a pobreza. Soube da nobreza com
que o P e ç a n h a portou-se para com a cunhada [...] irmã. E u j á tenho uma
carta para ele que a m a n h ã pretendo p ô r no correio, n ã o a mando agora
porque deixei-a na m i n h a b a r r a c a . Tenho t a m b é m cartas c o m e ç a d a s
p a r a teu Pai, para a G u i l h e r m i n a , a Aldina, C o i m b r a , que breve manda-
rei. J á mandei uma carta ao H o n ó r i o , outra ao G u i m a r ã e s e tenho uma
pronta para o Veiga. Dá muitas l e m b r a n ç a s a todos esses meus bons e
v e r d a d e i r o s a m i g o s . M a n d a - m e d i z e r (com franqueza) como v a i a
A l d i n a e como vai t a m b é m a nossa 2" pequerrucha. Tens me dito tantas
vezes que é muito feia que estou com muito desejo que me mandes
quanto antes o retrato dela, a ver se tens r a z ã o . D á - m e sempre n o t í c i a s
de m i n h a M ã e . N ã o esperes [...] quinze dias que te escreva cartas lon-
gas. A n d o realmente muito ocupado. Tenho tido muito fastio em todos
os dias e ando a cair de sono, passo as noites todas em claro e durante
o dia poucas s ã o as h o r a s que tenho desocupadas e nessas o calor e
moscas n ã o me deixam dormir, passo por um pequeno sono que n ã o
substitui o sono da noite. Estou [...] por todas as r a z õ e s de ver este t r a -
balho acabado. Dizem que em meados de m a r ç o p r i n c i p i a m as opera-
ç õ e s decisivas, mas duvido. [...] uma carta v i n d a pelo Major F e r r e i r a
[...] ainda as n ã o recebi; talvez breve a (sic) receba. Dá muitas lembran-
ç a s a D. O l í m p i a , [...] D. A l c i d a , D. Delmira, D. J o a q u i n a e toda a sua
família, D . Rita e sua família. Diz a D . J o a q u i n a R o c h a que estive com o
C a r l o s na o c a s i ã o em que te escrevi e que e s t á bem e lhe manda muitas
l e m b r a n ç a s e a todos de sua família. Diz-lhe t a m b é m que tenho estado
com o J o s é e o J u s t i n i a n o , que e s t ã o bem. A p r i m e i r a b a r r a c a em que
estive e o p r i m e i r o mate c h i m a r r ã o que tomei ao chegar no E x é r c i t o
foram do J u s t i n i a n o R o c h a . C u m p r e notar a c i r c u n s t â n c i a de que eu
n ã o o conhecia, nem ele a m i m , e eu n ã o sabia que ele estava aí m o r a n -
do. [...] dirigi-me a uma b a r r a c a a fim de saber o caminho para o E x é r -
cito, encontrei um oficial que me ofereceu um banco para sentar e uma
cuia de mate c h i m a r r ã o , c o m e ç a m o s a c o n v e r s a r e eu comecei a notar
que ele parecia-se na fisionomia e na fala com o C a r l o s e o J o s é e e n t ã o
perguntei-lhe se ele n ã o era o J u s t i n i a n o R o c h a , disse-me que s i m e
demos a conhecer. Disse-me o C â m a r a [...] que o E r n e s t o talvez v e n h a
a g o r a c o m a n d a n d o o Brasil, o que c o m b i n a com o que me mandaste
dizer. Se assim for, hei-de [...] no Passo da P á t r i a assim que souber da
sua chegada, o que n ã o s e r á decerto [...] a um m ê s pelo menos, pois [...]
ordem do M a r q u ê s de C a x i a s para os comandantes de vapores que che-
gam virem imediatamente ao E x é r c i t o e por isso espero ter o prazer de
o ver por c á . Estou certo de que se ele v i e r ao Passo da P á t r i a h á - d e
p r o c u r a r v i s i t a r - m e a i n d a que n ã o fosse o b r i g a d o a v i r ao E x é r c i t o .
E s c r e v e - m e por ele. M i n h a adorada esposa aceita o c o r a ç ã o saudoso
do teu sempre o mesmo

B e n j a m i n Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . A c a b o de r e c e b e r duas d ú z i a s de p ê s s e g o s que me m a n d o u de
p r e s e n t e o S e n h o r C â m a r a - C o m a n d a n t e do C u e v a s - que e s t á no
Passo da P á t r i a , sinto n ã o poder ir v i s i t á - l o . A d e u s , aceita um aperta-
do a b r a ç o do feu amigo v e r d a d e i r o e a b e n ç o a os nossos anjinhos.

B e n j a m i n Constant

* * *

Curuzu
2 de m a r ç o de 67
Benjamin

E s t i m o que esta te encontre ainda gozando de s a ú d e ; eu n ã o estou de


s a ú d e perfeita porque persegue-me a mesma disenteria, p o r é m t a m -
b é m j u l g o - m e bom.
R e s p o n d i à tua c a r t a na qual me m a n d a v a s duas libras de ouro, uns
g é n e r o s e uma outra c a r t a de um amigo meu do R i o de J a n e i r o . P e ç o -
te que respondas se s ã o somente estas as cartas que disseste que v i -
n h a m p a r a m i m . N ã o te e s q u e ç a s de fazer o meu pedido ou me digas
quanto antes se isso fazes ou n ã o ; d e s c u l p a eu te ser t ã o i n c ó m o d o ,
mas s ó tenho por m i m v o c ê e mais pessoa n e n h u m a - é essa a r a z ã o .
De nossa família n ã o tenho recebido cartas desde que v i m para esse
C o r p o de E x é r c i t o se bem que eu, i n c a n s á v e l , tenha escrito sempre,
mas agora n ã o e s c r e v e r e i mais sem que se dignem a isso.
Participo-te que agora passei a s e r v i r de instrutor no 16 (sic) C o r p o
de G u a r d a s Nacionais e n ã o no 12 (sic) onde estava antes. M a n d a n o t í -
cias de nossa m ã e etc. etc. e d á l e m b r a n ç a s ao J o ã o que desde que veio
nem l e m b r a n ç a s ao menos me mandou. Benjamin, n ã o te incomodes
m a i s comigo em mandar-me dinheiro etc. porque agora estou a r r a n -
chado com o Alferes Porto que foi 2" Tenente, o qual me tem tratado
como um amigo v e r d a d e i r o e tem p a r a isso me s e r v i d o muito e muito.
A n t e s de ontem te escrevi uma carta e esta e s t á no Q u a r t e l - G e n e r a l do
1" C o r p o c o m o Veiga que é cadete da E s c o l a aí e m p r e g a d o com o
Polidoro; d á - l h e t a m b é m l e m b r a n ç a s m i n h a s .
B e n j a m i n , n ã o te e s q u e ç a s de responder-me à s cartas que te tenho
escrito porque ansioso espero respostas a fim de que haja tempo de
ver se dou alguns passos curtos a meu respeito, visto que os largos s ã o
curtos para m i m .
A G u i l h e r m i n a disse à L e o p o l d i n a que me escrevesse dizendo que
eu falasse ao [...] filho da D. E n g r á c i a a fim de que ele me apresentas-
se ao C a x i a s como ele mesmo disse quando despediu-se da nossa fa mí-
lia, p o r é m ele n ã o me p r o c u r o u quando chegou por isso t a m b é m n ã o
me importei. E s s e m o ç o é doutor e tem a c o m i s s ã o de tenente sendo
afilhado do C a x i a s ; se puderes falar a ele é favor, visto lá eu n ã o poder
ir por ter j á ido ao 1" C o r p o .
Vou escrever-lhe uma c a r t a e v o c ê me mande perguntar a ele a res-
posta p a r a me m a n d a r dizer t a m b é m .
A d e u s , l e m b r a n ç a s ao J o ã o e r e c e b a s o c o r a ç ã o e um a b r a ç o do
teu i r m ã o

M a r c i a n o A u g u s t o Botelho de M a g a l h ã e s

* * *
P a r a g u a i Tuiuti
9 de [...] de 1867
M i n h a adorada esposa e amiga

C o m o e s t á s , m i n h a a m i g u i n h a ? C o m o e s t ã o as nossas [...] e adoradas


filhinhas? H á mais de um m ê s que n ã o recebia uma carta tua e estava
bem desgostoso porque é o meu ú n i c o prazer aqui. Infelizmente ao p r a -
zer que senti ao receber c a r t i n h a s tuas, no dia 2 de [...], j u n t o u - s e o
choque d e s a g r a d á v e l que tive ao [...] por elas e pelas de meu c u n h a -
do, de ter estado m i n h a pobre e infeliz M ã e em p e r i g o de v i d a , em
d e c o r r ê n c i a de ter sido atacada pelo tifo e o c ó l e r a . N ã o sei como p ô d e
ela, t ã o fraca e numa idade t ã o a v a n ç a d a , r e s i s t i r a essas duas t e r r í -
veis enfermidades! Felizmente, em duas outras cartas do P e ç a n h a rece-
bidas no dia seguinte, soube que ela tinha sido tratada com toda a dedi-
c a ç ã o e h u m a n i d a d e por um m é d i c o da c a s a e que, g r a ç a s a [...], e s t á
salva e boa. Deus lhe conceda ainda muitos anos e que possa ao p é de
seus filhos e s u a s filhas ter a l g u m t e m p o de d e s c a n s o e felicidade.
Infeliz tem sido ela sem o merecer. Parece que um mau fado acompa-
nha-me e à minha família [...] cansa de perseguir-nos. Deixemos p o r é m
esse assunto e voltemos a outro mais a g r a d á v e l .
Faz ideia como fiquei satisfeito ao encontrar em uma de tuas cartas
o teu retrato e os dos nossos anjinhos, especialmente o da m i n h a se-
gunda filhinha que n ã o conhecia. H á s - d e de c r e r que n ã o posso olhar
p a r a o retrato da A d o z i n d a e me n ã o ponha a r i r ! E l a tem uma c a r i n h a
gaiata, uns olhos t ã o vivos e tem tal brejeirice na fisionomia que pare-
ce estar-se rindo p a r a quem olha para ela. Tu disseste que ela era muito
feia e n ã o tens r a z ã o : acho-a muito bonitinha e sobretudo muito g a i a -
ta. Diz-me uma coisa - ela tem p e s c o ç o ? N ã o te rias, a pergunta é s é r i a .
O r a , certamente esta nossa perereca h á - d e ser muito v i v a e interes-
sante, por isso é que o A v ô e s t á t ã o b a b ã o por ela. E eu que ainda n ã o
a beijei, n ã o a a b e n ç o e i de perto como desejo e n ã o sei quando o pode-
rei fazer!! E s t a m a ç a n t e g u e r r a p a r e c e - m e que [...] se a c a b a m a i s :
nunca vi, nem ouvi falar que um e x é r c i t o invasor estivesse em tamanha
e t ã o c r i m i n o s a i n a ç ã o . N ã o se adianta um passo e no entanto q u a n -
tas vidas [...] n e c e s s á r i a s , quantos chefes de família v ã o desaparecen-
do esterilmente. Se ao menos [...] movimento, se o p a í s lucrasse e tives-
se n i s s o a l g u m a g l ó r i a , m a s n ã o , s ó tem v e r g o n h a s e d e s g r a ç a s a
lamentar. S e i , m i n h a q u e r i d a a m i g u i n h a , quanto é a m a r g u r a d a a v i -
da que [...], quanto sofres por amor de m i m ; sinto-o no í n t i m o d'alma.
A i n d a na flor da idade sofres tanto e isso é apenas o reflexo da m á [...]
do teu infeliz marido! Quanto n ã o sofro por ti, por m i n h a s adoradas
filhinhas, por m i n h a M ã e , por m i n h a s i r m ã s , por todos v o c ê s de quem
sou o ú n i c o e fraco arrimo. Mas tem p a c i ê n c i a . Deus h á - d e permitir que
eu volte para v e r t e e a b r a ç a r - t e e à s minhas filhinhas, é o meu maior
desejo, a m i n h a maior v e n t u r a e ele o h á - d e conceder à q u e l e a quem
nunca concedeu um s ó momento de v e r d a d e i r a felicidade. M a s deixe-
mos isto, voltemos aos retratos. Tu e s t á s mais m a g r a , sem cor alguma
e s é r i a [...] n ã o te amofines tanto, tem p a c i ê n c i a . A A l d i n a e s t á muito
mudada; parece [...], triste e muito morena. S e r á sol que tem apanha-
do, ou efeito da luz na o c a s i ã o de retratar-se? A c h o - a muito mudada.
A pobrezinha ainda anda muito doente [...) t ã o m a g r i n h a ! Parece-me
estar com os beicinhos feridos (o mesmo te acontece) é talvez devido
ao mau costume que ambas t ê m de estarem sempre a t i r a r as pelinhas
dos b e i ç o s . D e i x a de uma vez esse mau h á b i t o e o b r i g a a A l d i n a a
p e r d ê - l o t a m b é m . A A b a d e s s a , como lhe c h a m a o Avô, é quem d á vida
ao grupo [...]: tu pareces a e s t á t u a do sofrimento, a A l d i n a parece ater-
r a d a por v e r o teu ar [...] e severo, a A d o z i n d a p o r é m parece, c o m o
seu ar r i s o n h o , com a sua fisionomia e x p a n s i v a , franca e alegre, em
sua e n g r a ç a d a [...| querer a r r a n c a r a v o c ê s duas do [...] em que e s t ã o .
P a r e c e estar dizendo a v o c ê e à i r m ã z i n h a ; - N ã o estejam tristes, por-
que ele h á - d e voltar e haveremos de ser muito felizes. E assim h á - d e
acontecer. Tem p a c i ê n c i a , m i n h a querida amiga, se esta malvada guer-
ra d u r a r ainda muito tempo pedirei alguns meses de l i c e n ç a para ver-
te e a b r a ç a r - t e e talvez e n t ã o possa trazer-te, arranjando algum empre-
go em alguma destas cidades, onde me demore enquanto n ã o houver
combate; a l é m disso, c r e i o , e é c o n v i c ç ã o g e r a l , que n ã o t e r e m o s
n e n h u m ataque s é r i o . P o r t a n t o p a r a que te h á s - d e e n t r e g a r tanto a
este mau, p o r é m [...].

* * *
Paraguai Tuiuti
Meu Pai e bom amigo
5 de m a r ç o de 1867

Soube por uma carta de minha mulher datada de 6 de fevereiro, e que


recebi a 23 do mesmo m ê s , que o Senhor tem andado adoentado. E s c r e -
vi-lhe esta com o fim de saber de sua preciosa s a ú d e desejando sincera-
mente que ela o encontre perfeitamente restabelecido e ter n o t í c i a de
D. O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s , D. M a r i a Marcelina, enfim de toda a nossa
família e pessoas de nossa comum amizade. A sua idade com o a c ú m u -
lo de trabalhos com que tem chegado a ela j á lhe n ã o permite trabalhar
tanto como trabalha; n ã o acho difícil que sem o menor desdouro dimi-
nua os seus afazeres, basta notar-lhe que o Senhor atrai para si afaze-
res que em todas as i n s t i t u i ç õ e s dessa ordem e bem organizadas per-
tencem a determinados empregados. N ã o é decerto o lucro p e c u n i á r i o
que o leva a tal procedimento, porque ele n ã o existe e que existisse, n ã o
é ele, bem o sei, o m ó v e l para um homem do seu c a r á t e r que, mais do
que deve, considera como um s a c e r d ó c i o e n ã o como um emprego ren-
doso (que realmente n ã o é) a m i s s ã o de que foi incumbido. Outro é o
m ó v e l que o leva a esse excesso de trabalho - o e x c e s s i v o e s c r ú p u l o
com que quer fazer e atender a tudo. H á - d e lembrar-se que n ã o lhe é
isso possível por sua idade e por ser mau o estado da s a ú d e que cada
vez se a g r a v a r á mais a continuar desse modo. O pequeno aumento de
um s e c r e t á r i o e mais um amanuense, com uma boa d i s p o s i ç ã o de servi-
ç o era suficiente para aliviá-lo muito do fatigante trabalho material da
e s c r i t a que o o b r i g a a p a s s a r muitas noites em claro. E s t e pequeno
aumento de pessoal, se n ã o fosse de inteira j u s t i ç a , como é, seria um
pequeno p r é m i o à q u e l e que i n c a n s á v e l e zeloso no c u m p r i m e n t o de
seus deveres de diretor do estabelecimento tem ido a t é ao s a c r i f í c i o
p a r a beneficiar a r e p a r t i ç ã o que dirige. U m a outra v a n t a g e m n ã o
menos real resulta dessa medida, e ela consiste em que o Senhor desa-
frontado assim desse trabalho material, que lhe rouba a maior parte do
tempo, pode entregar-se com mais a m p l i d ã o à a q u i s i ç ã o de medidas
que s ã o uma palpitante necessidade para o estabelecimento e que s ã o
i n d i s p e n s á v e i s a fim de que o b e n e f í c i o que o governo p r o c u r a fazer
aos infelizes cegos seja uma realidade (que n ã o é). O Senhor que ama
os cegos a quem d i r i g e como se fossem seus filhos foi o p r i m e i r o a
conhecer e a propor essas medidas que n ã o foram ainda a b r a ç a d a s por
nosso zeloso e previdente governo. Sem uma i n s t i t u i ç ã o complementar
à q u e l a que d i r i g e onde os infelizes cegos que n ã o tiverem meios de
s u b s i s t ê n c i a encontrem um arrimo, um amparo à sua d e s g r a ç a e onde
se aproveite, a bem mesmo deles, o seu trabalho nas artes, ofícios e in-
d ú s t r i a s para que tiverem a p t i d ã o , sem uma tal i n s t i t u i ç ã o digo que fim
verdadeiramente h u m a n i t á r i o preenche o governo com a c r i a ç ã o deste
Instituto? O de preparar mendigos ilustrados, o de p ô r bem [em] evi-
d ê n c i a toda a e x t e n s ã o de sua d e s g r a ç a . Por que n ã o h á - d e o governo
pensar na c r i a ç ã o de uma tal i n s t i t u i ç ã o ainda que n ã o possa ou n ã o
queira dar-lhe a o r g a n i z a ç ã o definitiva que lhe c o n v é m : ainda que crie
como um asilo especial para esta sorte de infelizes?

[Inacabada e sem assinatura. É mencionada em outra carta,


de 7 de m a r ç o de 1867]

* * *

[fragmento sem data e l o c a l e assinatura]

nossa sociedade [a quem] podiam tornar mais podre do que está [com]
o seu contato asqueroso aí vem para desafrontar a honra e os brios da
n a ç ã o Brasileira!!... De [envolta] com os criminosos aí v ê m os escravos
libertados com o fim muito nobre e tiumanitário de obterem - aqueles
que os cedem ao a ç o u g u e monstro do I m p é r i o ( P a r a g u a i ) - h o n r a s ,
c o n d e c o r a ç õ e s , títulos de nobreza, p o s i ç õ e s oficiais, que lhes preparam
resultados mais úteis do que lhes poderiam dar os e s t ú p i d o s e m i s e r á -
veis cativos. Que patriotismo! Quanto é moralizador o nosso governo e
o nosso p a í s ! . . . Que belo futuro nos espera. C o m o é nobre a classe mili-
tar a que p e r t e n ç o ! . . . Q u e m n ã o f a r á s a c r i f í c i o s por esta nossa bela
p á t r i a ! N ã o podem pois os nossos governantes esperar mais auxílios de
f o r ç a s , o p a t r i o t i s m o m o r r e u ( n ã o sei por q u ê ) , as cadeias j á e s t ã o
vazias de criminosos, 3 ou 4 escravos bastam para os maiores títulos de
nobreza que o I m p é r i o possa dar, poucos s ã o os que e s t ã o em circuns-
t â n c i a s de fazerem esse sacrifício e desses muitos j á os t ê m feito. O que
se e s p e r a v a pois? Que se t o r n e m mais l i s o n j e i r a s as c i r c u n s t â n c i a s
p e c u n i á r i a s do p a í s . E h a v e r á quem possa hoje alimentar essas espe-
r a n ç a s , quando o fundo de reserva, o ouro de nossos [bancos] j á e s t á
em c i r c u l a ç ã o como ú l t i m o recurso, quando a dívida externa tem assu-
mido p r o p o r ç õ e s assustadoras e medonhas, quando o nosso [crédito]
e s t á abatido e a b a l a d í s s i m o nas p r a ç a s estrangeiras, quando as despe-
sas aumentam de um modo assustador, quando os b r a ç o s arrancados
pela g u e r r a e pelo p â n i c o à lavoura, ao c o m é r c i o , à s artes e i n d ú s t r i a s
deixam em completa i n a n i ç ã o a essas fontes de riqueza p ú b l i c a ? Se a t é
agora poucos eram os resultados que delas t i r á v a m o s pela m á d i r e ç ã o
e quase abandono em que as deixavam os nossos governantes, muitas
n ã o tendo sido nem ainda exploradas, o que se deve fazer agora em que
a falta de b r a ç o s que a guerra tem tirado e o medo de ser c a ç a d o para
soldado t ê m embrenhado pelos matos ao povo do interior de nossas
P r o v í n c i a s ? E s p e r a r pelos recursos p e c u n i á r i o s quando a bancarrota
medonha e t e r r í v e l nos a m e a ç a de perto?!... E para q u ê ? O Lopez n ã o é
s u s c e t í v e l de suborno, n ã o se vende. O C a x i a s s u p ô s que mal adquirido
p r e s t í g i o de seu nome, com os imensos recursos de que o governo o
rodeia podia assombrar o Paraguai. A i l u s ã o desfez-se em frente à ter-
rível realidade. O e x é r c i t o de moedas com que pretendia, como sempre,
vencer o inimigo tem desaparecido esterilmente, como esterilmente vai
desaparecendo o E x é r c i t o que e s t ú p i d a e desajeitadamente comanda.
Os oficiais e soldados v ã o desaparecendo fulminados pela peste e pelas
balas inimigas nos c o n t í n u o s tiroteios sem [ s i g n i f i c a ç ã o ] . E em geral
cada homem que morre é uma família que fica ao desamparo e que tem
p a r a futuro a m i s é r i a e muitas vezes as p r o s t i t u i ç ã o . E estes generais
assistem i m p a s s í v e i s aos gritos de agonia da p á t r i a , aos dolorosos
gemidos que soltam as v í t i m a s que v ã o fazendo por sua inércia filha de
sua i g n o r â n c i a e c o v a r d i a . A d o r m e c e m indolentemente ao som dos
hinos que a m i s e r á v e l lisonja e servilismo baixo e imundo lhes v ã o can-
tando aos ouvidos e t ê m sonhos a g r a d á v e i s , v i t ó r i a s e s p l ê n d i d a s , triun-
fos inauditos e ainda meio dormindo c o m u n i c a m a um governo suas
sonhadas v i t ó r i a s , seus planos e s t r a t é g i c o s e a b o a - f é do p a í s vai sendo
ilaqueada (sic). A o acordar de seus sonhos encantados t ê m os sentidos
embotados e a c h u s m a de lisonjeiros n ã o os deixa ouvir os gritos de
agonia das v í t i m a s , n ã o os deixa v e r os seus fantasmas errantes em
torno de seus dourados leitos. Tomemos para exemplo o general que
agora dirige [o destino] dos e x é r c i t o s . Se a h i s t ó r i a da sua vida p ú b l i c a
c o n t e m p o r â n e a n ã o p r o v a s s e a sua i n a p t i d ã o p a r a c o i s a a l g u m a os
imensos recursos, o e x t r a o r d i n á r i o p r e s t í g i o que lhe t ê m dado, os meios
de a ç ã o que lhe t ê m fornecido dando o E x é r c i t o e a E s q u a d r a , e uma
cornucopia que despeja com a b u n d â n c i a o ouro, as g r a ç a s , as p o s i ç õ e s
para premiar ao m é r i t o e atrair os m i s e r á v e i s e tirar alguma utilidade
real pelo suborno que t ã o bem parecia manejar, tudo isto em frente à
e s t ú p i d a i n a n i ç ã o em que tem estado diante de um inimigo convicto de
sua i m p o t ê n c i a e já fraco e abatido b a s t a r ã o para p r o v á - l a .
O galo que m a r i s c a v a no esterco encontrando um diamante atirou-o
para o lado e continuou na procura dos vermes nojentos; mas a fábula
o imaginou soltando estas palavras: [si quis vidissct tui] mas o nosso
fofo general despreza o que tem nas m ã o s porque se n ã o lhes reconhe-
ce o valor. A p o s i ç ã o elevada que tem o M a r q u ê s , o p r e s t í g i o imenso de
que está rodeado o seu nome s ã o mais que um f e n ó m e n o inexplicável,
i n c o m p r e e n s í v e l , é uma verdadeira a b e r r a ç ã o de todas as leis sociais.
Quando se estuda um fato novo, difícil é ao observador a c o m p a n h á - l o
em suas diversas fases, atender a todas as suas causas variatrizes (sic),
apreciar todas as m o d i f i c a ç õ e s de que ele é s u s c e t í v e l ; mas o b s e r v a -
ç õ e s repetidas e bem d i r i g i d a s levam-nos a esse resultado, d ã o o
conhecimento da lei que rege o f e n ó m e n o . E s t a lei é no dizer de um
grande filósofo moderno - a c o n s t â n c i a na variedade, é uma o r d e m
i n v a r i á v e l que é a c o n s e q u ê n c i a mesma da conhecida variabilidade das
diversas c i r c u n s t â n c i a s que o acompanham, ou que o constituem. Pois
bem, conhecida a lei que rege o f e n ó m e n o físico, q u í m i c o , m e c â n i c o ,
a s t r o n ó m i c o , moral é fácil determinar todas as m o d i f i c a ç õ e s , todas as
fases que a p r e s e n t a r á em conhecidas e determinadas c o n d i ç õ e s . Qual-
quer m o d i f i c a ç ã o profunda que esteja em o p o s i ç ã o com a lei do f e n ó m e -
no, que n ã o seja uma c o n s e q u ê n c i a dela é uma a b e r r a ç ã o do f e n ó m e n o
e suas leis. Um corpo pesado que abandonado a si mesmo conservasse
em repouso ou se afastasse da superfície da terra seria uma violência a
uma lei fundamental da natureza, s e r i a uma a b e r r a ç ã o à g r a v i t a ç ã o
universal. Como os f e n ó m e n o s citados, os f e n ó m e n o s sociais t ê m tam-
b é m suas leis e suas a b e r r a ç õ e s . A multiplicidade de causas de v a r i a -
ç õ e s tem sido um o b s t á c u l o a um perfeito conhecimento, mas n ã o se
segue d a í que ela n ã o exista t ã o perfeita, t ã o regular como nos outros
f e n ó m e n o s onde j á está conhecida. A l g u n s s á b i o s filósofos num atento
exame do passado, no estudo profundo da h i s t ó r i a da humanidade j á
as t ê m surpreendido e denunciado. Se n ã o se [tem] delas um perfeito
conhecimento, conhece-se com alguma a p r o x i m a ç ã o a n o r m a que
seguem estes f e n ó m e n o s , os elos que os encadeiam. N ã o me demorarei
em falar-lhe nas diversas e s p é c i e s de f e n ó m e n o s sociais a que elas (sic)
leis se aplicam. J á vai longa esta desajeitada d i v a g a ç ã o ; mas direi resu-
mindo quando em virtude dessas mesmas leis, em virtude das r e l a ç õ e s
que ligam entre si diversos i n d i v í d u o s que formam o sistema inteiro da
h u m a n i d a d e , em qualquer p o r ç ã o dela, quando um h o m e m se eleva
acima da tona da sociedade em que vive, rodeado dos aplausos e da
a d m i r a ç ã o de seus c o n t e m p o r â n e o s , quando a posteridade recebe e vai
transmitindo respeitosamente o seu nome, ele tem algum m é r i t o que o
distingue bastante, é um grande filósofo, um grande naturalista, um
grande m a t e m á t i c o , um grande artista, um grande poeta, um grande
militar, um grande orador, um grande escritor, etc. que tem em qual-
quer dessas artes, ciências e a p t i d õ e s feitos importantes e n o t á v e i s , ser-
viços reais prestados ã humanidade ou à sociedade em que vive. Mas o
M a r q u ê s surge sem m é r i t o no meio da sociedade em que v i v e m o s ,
eleva-se triunfante e majestosamente acima dela assumindo por uma
escala ascendente todas as p o s i ç õ e s as mais importantes do I m p é r i o ,
que s ó deviam pertencer e servir de passos aos homens de verdadeiro
m é r i t o , de verdadeiro p r e s t í g i o . E nessa a s c e n s ã o que j á o elevou ã cú-
pula do edifício social, que j á o elevou à s grimpas das mais altas e mais
importantes r e g i õ e s do poder, acompanham-no os votos de quase toda
a n a ç ã o , os aplausos e a a d m i r a ç ã o dos homens mais ilustrados do país
e ao mesmo tempo o p r ó p r i o e esses p r ó p r i o s homens que o d e r a m
c o n h e c e m - l h e a i n a p t i d ã o , falam bem c l a r o de sua falta de m é r i t o .
Nisso e s t á a a b e r r a ç ã o . Que é dos feitos desse homem? Como orador
na tribuna que é dos seus discursos? Na imprensa que é dos seus escri-
tos, na m i l i t a n ç a (sic) que é dos seus atos de bravura, que é dos planos
e s t r a t é g i c o s que tem dado ou posto em e x e c u ç ã o , que é de sua perspi-
c á c i a ? G e n e r a l p a c i f i c a d o r por e x c e l ê n c i a o temos visto sempre em
frente ao i n i m i g o ou aos revoltosos nos ú l t i m o s p a r o x i s m o s de sua
r e s i s t ê n c i a , j á fracos e impotentes, tomar p o s i ç ã o à d i s t â n c i a respeitosa
com a m ã o e s q u e r d a acenar-lhes de longe com a outra m ã o com as
baionetas de que dispuser mas com a bolsa recheada, com o cofre das
g r a ç a s das p o s i ç õ e s oficiais, com o suborno, com a p r o s t i t u i ç ã o . S e r á
devido a esta leveza de s e r v i ç o s , de m é r i t o , de p r e s t í g i o , que ele tem
subido. É em virtude de uma lei física perfeitamente estabelecida que
os corpos leves tomam sempre as p o s i ç õ e s superiores. É assim que o
h i d r o g é n i o , o mais leve dos gases, um desprendido, sobe à s mais eleva-
das r e g i õ e s da atmosfera. É assim que numa [...] as bolhas de s a b ã o
elevam-se graciosamente aumentando de volume, a sua superfície lisa
brilha aos raios de sol tomando todas as lindas cores do íris, asseme-
Ihando-se a globos [...]; mas qualquer pequena corrente de ar, qualquer
pequena r e s i s t ê n c i a que encontrar fá-las rebentar e desaparecer com-
pletamente, deixando apenas um insignificante r e s í d u o de carbonato
de p o t á s s i o . S e r á o C a x i a s no mundo social o que é a bolha de s a b ã o no
mundo físico? Mas n ã o . O povo das ú l t i m a s camadas, assim como o das
camadas mais elevadas, sentem-lhe o pernicioso peso, a esterilidade de
sua vida faz sentir a enormidade dos recursos p e c u n i á r i o s que o p a í s
inutilmente tem despendido com ele. A p o s i ç ã o d e s g r a ç a d a em que tem
estado em frente ao inimigo externo j á desmoralizado é bem conhecida
de todas as n a ç õ e s do mundo, é uma vergonha para a h i s t ó r i a da nossa
p á t r i a . E s t a carta j á vai longa e o portador tem pressa, por isso paro
aqui. Direi ainda que Deus queira por amor do Brasil que este homem
venha aqui no Paraguai ganhar direitos à s e l e v a d í s s i m a s p o s i ç õ e s que
tem tido sempre a vencer e que ainda n ã o venceu. Deus queira que ele
agora que e s t á à frente dos e x é r c i t o s aliados represente dignamente a
nossa n a ç ã o , que eleve bem alto e com nobreza o seu p a v i l h ã o ; mas n ã o
tenho fé neste resultado, parece-me que por mais e s p l ê n d i d a s que
sejam as v i t ó r i a s que alcancemos ao inimigo j á n ã o nos pode t i r a r de
cima a lama que nos cobre. Deus queira t a m b é m e ainda por amor do
B r a s i l que eu e todos os muitos que pensam comigo tenhamos errado
nos j u í z o s que formamos do M a r q u ê s , que estejamos em i g n o r â n c i a a
respeito de seus feitos e que ele seja realmente digno do p r e s t í g i o e dis-
t i n ç õ e s que tem recebido; mas por ora continuo a duvidar convicto de
que n ã o poderei mudar de c r e n ç a s a seu respeito.

* * *
Paraguai Tuiuti
M i n i i a adorada esposa e amiga
6 de m a r ç o de 1867 (35" carta)

[...] muito zangadinha comigo pela cartinha que te escrevi h á dias e de


que foi portador o J o ã o Guilherme, Comandante do Brasil com quem
estou aqui [...] campo? Tens alguma r a z ã o mas n ã o muita. A ú n i c a ofen-
sa que te faço é dizer que tu t a m b é m pareces duvidar de m i m e para
fundamentar este j u í z o citei-te alguns trechos de tuas cartas [...], onde
talvez, ou decerto n ã o [...], mas como prometi dizer-te francamente
quanto pensava a teu respeito, assim como a tudo quanto aqui se pas-
sasse em r e l a ç ã o a mim, por isso disse-te aquilo que na o c a s i ã o real-
mente sentia, fui ainda levado a isso [...] carta que me escreveste come-
ç a d a a 28 d e j a n e i r o e onde dizes que me ocultaste a grave enfermidade
que teve a nossa A l d i n i n h a e s ó me comunicaste muito depois que ela
[...] restabelecida. O r a , tu que me censuraste por n ã o te ter mandado
contar as m á s [...] perigosas c o n d i ç õ e s em que se achava a 1" D i v i s ã o
em que era empregado, que nunca mais acreditaria no que eu te man-
dasse dizer, e t c , e t c , n ã o devias ter comigo um procedimento seme-
lhante ocultando-me o que há de mau por nossa casa. Nunca mais pro-
cedas desse modo, manda-me sempre dizer com toda a franqueza o que
por lá se der. [...] deixarei de ser bastante franco contigo [...] aquela
o c a s i ã o , porque assim era preciso, atendendo ao grave e muito melin-
droso estado em que te achavas. Se notares bem em todas as cartas que
te escrevo, mesmo naquelas poucas em que p a r e ç o um pouco á s p e r o ,
h á s - d e [...] esta verdade que me d á verdadeiro prazer e me faz bastante
feliz: a extremosa amizade e o [...] amor que te tenho. Estes sentimentos
h ã o - d e [...] o sinto, acompanham-me em toda a minha vida, variando
somente em suas m a n i f e s t a ç õ e s conforme o teu procedimento. Feliz-
mente p o r é m é s e tenho certeza de que h á s - d e ser sempre a m i n h a
ú n i c a felicidade. M i n h a muito querida amiguinha, conforme te mandei
dizer em m i n h a s c a r t a s passadas, o muito t r a b a l h o de que estava
encarregado me n ã o deixava tempo a escrever-te cartas longas e assim
acontece agora. Escrevo-te com muita pressa, aproveitando para isso o
pouco tempo que tenho de descanso. Continuo na c o n s t r u ç ã o das trin-
c h e i r a s e baterias de que te falei em m i n h a s cartas passadas. Os
Paraguaios t é m feito muito fogo de artilharia e fuzilaria com o fim de

123
obstar a c o n s t r u ç ã o das fortificações; tenho sido muito feliz e como te
disse espero muito breve participar-te que e s t á acabado o trabalho e
que eu nada sofri. A t é o dia 23 de fevereiro fizeram somente fogo de
fuzilaria, no dia 23 (3 horas da madrugada) fizeram bombardeamento
vivíssimo acompanhado de um muito nutrido fogo de fuzilaria confor-
me te mandei dizer e d a í para cá tem continuado o mesmo gosto do dia
23. H á t r ê s dias p o r é m [tem] cessado, e mesmo t é m sido raros os fogos
de fuzilaria. Temos sido felicíssimos, tem havido por dia somente 4 a 5
soldados fora de combate, entre mortos e feridos pelas linhas P a r a -
guaias. A esquadra tem bombardeado muito C u r u p a i t i estes ú l t i m o s
dias e eles t ê m respondido com muito d e s e m b a r a ç o . Os P a r a g u a i o s
t ê m metralhado muito o nosso acampamento do Potreiro Pires, pou-
cos p o r é m t ê m sido os mortos e feridos. Na o c a s i ã o em que te escrevo
e s t ã o eles atirando muitas bombas e granadas sobre o Potreiro Pires.
De vez em quando levanto-me para ver onde rebentou a bomba. N ã o te
assustes com isto. Estou escrevendo na minha b a r r a c a que fica j u n t o
do Quartel-General-em-Chefe, que está completamente fora do alcance
da artilharia inimiga (o C a x i a s n ã o era capaz de cair na [...] de fazer o
seu rancho em lugar perigoso). Continuo a passar as noites em claro o
que me tem feito algum mal, n ã o estou doente, mas ando com muito
fastio e abatido. Neste momento, 3 da tarde, deram os Paraguaios uma
d e s c a r g a de a r t i l h a r i a sobre o a c a m p a m e n t o da 2" D i v i s ã o ( C a p ã o
Pires). É um e s p e t á c u l o grandioso, posto que n ã o seja dos melhores,
ouvir rebentar a um tempo de 10 e 12 bombas de grosso calibre como
agora se [...]. Minha querida, diz-se que por todo este [...] c o m e ç a r ã o as
o p e r a ç õ e s d e c i s i v a s . N ã o tenho p o r é m fé nisto, apesar de haver por
a g o r a algum movimento de preparativos. O que for s o a r á . A n t e s de
ontem o chefe da C o m i s s ã o de Engenheiros reuniu a todos os membros
da c o m i s s ã o e apresentou diversos planos de ataque para exame. ( N ã o
sei se isso foi realmente com [o fim] de escolher o melhor plano, ou se
foi algum [pequeno] ensaio de algum grande bailo de m á s c a r a s [que se]
pretenda dar.) Na d i s c u s s ã o que houve expus com toda a franqueza o
meu fraco modo de pensar, disse algumas verdades, que n ã o [são] boas
de ouvir, propus algumas medidas que me pareceram i n d i s p e n s á v e i s ,
tornei-me como dizem os a d u l õ e s - inconveniente - contra a ideia de
deixar-se 2.000 homens no C u r u z u expostos a um golpe de m ã o , pois a
esquadra tem de subir sem que deles se possa tirar o m í n i m o proveito;
mas d i s s e r a m que era i n d i s p e n s á v e l sustentar aquela p o s i ç ã o [onde]
levamos muita pancada. Deus queira que se n ã o realizem os inconve-
nientes que [apontei]. O plano em que se assenta é mais ou menos este:
o 2" C o r p o que está em C u r u z u r e ú n e - s e ao 1", ficando 2.000 homens
comandados por um oficial general, suponho que s e r á o A n d r e a s . Todo
o E x é r c i t o divide-se em 2 corpos de exército; um fica aqui sustentando
esta p o s i ç ã o e bombardeando as f o r ç a s Paraguaias que nos ficam em
frente; o outro a v a n ç a pela direita de nosso acampamento geral e bate
estas f o r t i f i c a ç õ e s pela r e t a g u a r d a . E x p e l i d o s d a í os P a r a g u a i o s
seguem estes [reunidos] para Humaita [etc. etc.]. Como disse, o que for
s o a r á . O que realmente desejo é que toda esta porcaria acabe o mais
depressa p o s s í v e l ; tenho muita saudade de t i , de m i n h a s filhinhas, e
desejo quanto antes voltar para a b r a ç á - l a s e vivermos juntos e felizes e
que nunca mais nos separemos. Forte para os trabalhos, contrarieda-
des, e t c , sou muito fraco pelo c o r a ç ã o . A s saudades de ti j á se v ã o tor-
nando i n s u p o r t á v e i s . E u troco pela felicidade de estar contigo e com
toda a nossa família todas estas fofas g l ó r i a s do mundo. N ã o sou susce-
tível destes v ã o s entusiasmos. C u m p r o o meu dever como militar e hei-
de cumpri-lo simplesmente para estar bem com a m i n h a c o n s c i ê n c i a ,
nada mais tenho em vista, porque n ã o posso e n ã o devo ser militar com
a n u m e r o s a família que tenho e pelos n e n h u n s recursos que d á esta
d e s g r a ç a d a classe em nosso p a í s . Tenho me exposto [já] muito e [muito]
que n i n g u é m suponha que fujo ao perigo e felizmente n i n g u é m h á que
ponha isso em d ú v i d a (dos que por cá e s t ã o ) , mas digo com toda a fran-
queza que tenho tido a t é remorsos [disso] atendendo a p é s s i m a d i r e ç ã o
que v ã o tendo as nossas coisas, o abandono criminoso em que s ã o dei-
xadas e o nenhum resultado de que disso se tira para o militar ou para o
p a í s . A h i s t ó r i a imparcial h á - d e um dia analisar com honestidade justa
todos estes medonhos e p i s ó d i o s e o c r i m e que t ê m aqui cometido o
nosso governo, os nossos diplomatas e os nossos generais, excetuando
os muito novos. M i n h a boa a m i g u i n h a , m a n d a - m e sempre n o t í c i a s
tuas, de nossas filhinhas, de toda a nossa família e de nossos bons e
verdadeiros amigos. Diz ao C o i m b r a que nesta data lhe escrevo uma 2"
carta e [...] que t a m b é m lhe escrevo agora. A o H o n ó r i o j á escrevi uma
carta e talvez por [...] lhe escreva 2'. A o Sá ainda n ã o [...] escrever. Diz
ao G u i m a r ã e s que me desculpe [...], breve lhe escreverei. Tenho uma
carta para teu Pai, que n ã o sei se terei tempo de acabar por ficar muito
longa. Se n ã o puder a c a b a r que (sic) sai mala m a n d á - l a - e i [...], no
entanto hei-de escrever-lhe sempre, ainda que seja uma pequena carta.

12,5
Diz-lhe que o J o ã o e s t á bom, a r r a n j e i com que fosse empregado na
r e p a r t i ç ã o do Q u a r t e l - M e s t r e - G e n e r a l [...] sempre comigo, e s t á tam-
b é m arranchado comigo e os outros oficiais em (sic) que te falei em car-
tas passadas. Estou fazendo um pequeno rancho de palha e e n t ã o ele
virá morar comigo assim como o Marciano, a quem escrevo por estes
dias e p a r a quem a r r a n j e i um emprego semelhante ao do J o ã o . O
emprego tem a vantagem de [...], f o r m a t u r a s , guardas e todos estes
m a ç a n t e s s e r v i ç o s de soldado que ele teria de fazer e d á - l h e 15$000 que
podem s e r v i r [...] c i g a r r o s e lavagem de roupa. E s t á [...] mochila. O
J o ã o tem escrito constantemente ao nosso bom velho, a ti, D. Olímpia,
D. M a r i q u i n h a s e nesta data escreve [...]. E s t á m u i t í s s i m o gordo. O
Marciano ainda está em C u r u z u ; mandei-lhe dizer que viesse para cá e
espero por ele breve. Tibúrcio e s t á em Corrientes tratando-se e contra-
riado e com muita r a z ã o por uma injustiça que lhe fez o e s t ú p i d o do
Caxias. A s s i m que acabar o trabalho em que estou hei-de ver se obte-
nho alguns dias de licença para ir visitá-lo. C o m mais vagar te explica-
rei o que houve com ele. O C a x i a s é insuficiente para p ô r o b s t á c u l o s à
brilhante c a r r e i r a que ele ia levando.
E m minhas cartas passadas mando-te dizer que, em lugar de man-
dares g é n e r o s , mandes-me o dinheiro que gastarias para c o m p r á - l o s
quando puderes fazê-lo sem s a c r i f í c i o . Se n ã o recebeste essas cartas
h á s - d e ficar surpreendida com este pedido, que e s t á em c o n t r a d i ç ã o
completa com o que te mandei dizer em minhas cartas anteriores, mas
se as tiveres recebido, como espero, h á s - d e reconhecer que a contradi-
ç ã o n ã o é s e n ã o aparente, nada tem de real. N ã o p e ç o sacrifício. B e m
sei que tens todo o prazer em poder ser-me útil, que és muito minha
amiga e por isso mesmo é que desejo e exijo que n ã o faças sacrifício;
pois tu é s muito capaz de f a z ê - l o s somente p a r a ser-me útil. A d e u s ,
minha muito amada esposa e verdadeira amiga, recomenda-me ao teu
bom P a i , a D. O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s , [...], D . D e l m i r a e a todas as
pessoas de nossa amizade. A b e n ç o a e beija por mim muitas vezes as
nossas q u e r i d a s f i l h i n h a s e aceita um apertado a b r a ç o daquele de
quem fazes a ú n i c a felicidade, teu esposo extremoso, teu amigo dedica-
do e leal

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s


Quando me mandas os retratos que te pedi?

N . B . Nesta data escrevo ao P e ç a n l i a .

Adeus, miniia amiga, aceita um apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o do teu

Benjamin

* * *

Paraguai Tuiuti
Meu bom Pai e amigo
7 de m a r ç o de 1867

Soube por uma carta de minha mulher que o Senhor tem andado adoen-
tado; escrevo-lhe à s pressas esta pequena carta com o fim de saber de
sua p r e c i o s a s a ú d e , desejando-lhe s i n c e r a m e n t e que ela o encontre
perfeitamente restabelecido e p a r a pedir-lhe n o t í c i a s de D. O l í m p i a ,
D . Mariquinhas, D. Maria Marcelina, enfim de todas as pessoas de nossa
família e de nossa comum amizade. Desejava escrever-lhe uma carta mais
longa e minuciosa, que estava a t é c o m e ç a d a , mas n ã o me é isso possível
porque ando m u i t í s s i m o ocupado e t a m b é m porque nunca se sabe com
a n t e c e d ê n c i a quando sai mala deste Exército para o Brasil. Esta reparti-
ç ã o com a chegada do Caxias está i n s u p o r t á v e l . E u , o Marciano e o J o ã o
estamos bons. O Marciano está ainda no 2" Corpo mas mandei-lhe dizer
que viesse e estou à espera dele por estes dias. O J o ã o está bom e muitís-
simo gordo. Está empregado na r e p a r t i ç ã o do Deputado do Quartel-
Mestre-General, fica assim livre da mochila e dos e x e r c í c i o s , guardas,
piquetes, faxinas, etc. e tem uma pequena gratificação que lhe serve para
c i g a r r o s e sapatos. N ã o tive o menor trabalho em arranjar-lhe este
pequeno emprego e por isso nada tem que me agradecer por t ã o insigni-
ficante coisa. O chefe da r e p a r t i ç ã o disse-me que haviam (sic) duas vagas
de amanuense em sua r e p a r t i ç ã o e que as punha à minha d i s p o s i ç ã o para
algum amigo meu, e e n t ã o apresentei o J o ã o e meu mano. Estimei no
entanto bastante isso porque assim fica o J o ã o livre de acompanhar os
soldados para o s e r v i ç o das trincheiras que estou construindo, s e r v i ç o
que além de muito m a ç a n t e por ser toda a noite é m u i t í s s i m o arriscado
pois estamos a meia distância de revólver das linhas inimigas e fazem-nos
vivo fogo. Ele tem-lhe escrito, assim como à D. Olímpia, à D. Mariquinhas
e à minha mulher. É seu amigo e amigo de sua família; n ã o faça mau juízo
de seu filho supondo-o ingrato, etc. que realmente n ã o é, tenho prazer em
asseverar-lhe isso. Diz-se que por todo este m ê s o Exército tem de come-
ç a r as o p e r a ç õ e s decisivas. O que for s o a r á . O Chefe da C o m i s s ã o de
Engenheiros reuniu há 3 dias os membros da c o m i s s ã o para apresentar a
nosso exame e estudo os diversos planos que podem apresentar. Depois
de uma ligeira d i s c u s s ã o em que todos tomamos parte e em que eu disse
algumas verdades duras de ouvir-se, citei muitos fatos que se t ê m dado e
que s ã o a e x p r e s s ã o da estupidez de muitos de nossos generais, apontan-
do os seus nomes, propus algumas medidas que no meu fraco modo de
entender pareceram-me n e c e s s á r i a s (em uma d i s c u s s ã o enfim em que eu,
no dizer dos m i s e r á v e i s a d u l õ e s , tornei-me - inconveniente) e assentou-
se no seguinte: O 2" Corpo nas v é s p e r a s do ataque r e ú n e - s e ao 1", ficando
em Curuzu 2.000 homens comandados por um oficial general a fim de
sustentar n ã o sei que força moral do i m p é r i o nesse lugar onde apanha-
mos tanta pancada, nessa p o s i ç ã o que no meu modo de entender nenhu-
ma i m p o r t â n c i a tem num plano bem combinado, tornando-se a t é nociva
a sua o c u p a ç ã o . (Se eu tivesse tempo lhe provaria facilmente o que acabo
de dizer. Concordam no que eu digo, mas respondem às minhas o b j e ç õ e s
dizendo que é indispensável deixar lá uma pequena força para sustentar
a nossa força moral. Deus queira que os Paraguaios n ã o lhes d ê e m uma
boa lição.) Basta dizer-lhe em resumo que além de dividirmos muito o
E x é r c i t o , C u r u z u fica em frente a Curupaiti, o ponto mais fortificado
depois de Humaita, que ali t ê m os Paraguaios muita força reunida e que
os dois mil homens ficam completamente abandonados a seus p r ó p r i o s e
mui fracos recursos, pois a esquadra tem de subir o rio. Mas como lhe ia
dizendo, reunido o 2" Corpo ao 1" deixando em Curuzu dois mil homens,
divide-se toda a força dos exércitos aliados em 2 corpos de exército: um
fica aqui sustentando estas p o s i ç õ e s e bombardeando as fortificações
que nos ficam em frente e o outro a v a n ç a pela direita de nosso acampa-
mento geral procurando bater estas f o r t i f i c a ç õ e s pela retaguarda.
Expelidos os Paraguaios das p o s i ç õ e s que nos ficam em frente, vai-se a
Curupaiti procurando t a m b é m batê-los pela retaguarda e assim se conti-
n u a r á marchando para Humaita, se os Paraguaios estiverem pelo ajuste.
N ã o sei se com efeito se pretende p ô r em e x e c u ç ã o este ou qualquer
outro plano de ataque, o que lhe assevero é que estes homens que nos
dirigem j á e s t ã o muito desacreditados. Talvez que seja isto algum ensaio
preliminar para algum baile de m á s c a r a s que se pretenda dar com o fim
de iludir mais uma vez a boa-fé do país; eu sou deste parecer, penso que o
C a x i a s n ã o tenciona atacar; mas quer fazer constar que tem vontade
disso. Pode ser que esteja enganado. No entanto faz-se (sic) alguns (muito
poucos) preparativos. E u estou construindo baterias e trincheiras a 200
b r a ç a s além das nossas ú l t i m a s vedetas, a meia d i s t â n c i a de revólver e
debaixo das baterias Paraguaias. Tenho trabalhado sempre debaixo de
fogo de fuzilaria e de cargas de artilharia. A p r i n c í p i o os Paraguaios limi-
tavam-se a fazer fogo de fuzilaria com o fim de obstar as c o n s t r u ç õ e s , no
dia 23 de madrugada p o r é m deram fortes descargas de artilharia de cali-
bre 68 j o g a n d o bombas e granadas e acompanhando estas descargas
com um fogo vivíssimo de infantaria, desse dia para cá t ê m continuado
principalmente nos dias 24, 25 e 26, depois alternaram e v a r i a r a m nas
horas. Há seis dias que n ã o me atrapalham no s e r v i ç o e h á 3 que nem
fazem mais fogos de infantaria, ontem podiam-se contar os tiros, deram
14, anteontem 23. N ã o faz ideia quanto tenho sido feliz. Todos se t é m
admirado do quase nenhum efeito que estes fogos t é m produzido. Sou
obrigado a trabalhar à noite, por ter-se assim a vantagem de n ã o sofrer-
mos fogos de pontaria. À noite atiram sobre o grupo, mas o escuro n ã o
lhes permite fixar a pontaria. Breve terei o prazer de participar-lhe que o
trabalho está acabado e que nada me aconteceu. Hoje tenho mais enge-
nheiros ajudando-me e o serviço apressa-se mais. ADeus, meu bom pai e
amigo, recomenda-me a D. Olímpia, D. Mariquinhas, D. Maria Marcelina,
a todas as pessoas de nossa amizade. P e ç o - l h e que diga ao G u i m a r ã e s
que desta vez n ã o lhe escrevo, mas que no 1" vapor o farei. Aceite um
apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o leal de seu filho e verdadeiro amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . Mando uma carta ao C o i m b r a e por n ã o me lembrar o n" da casa


em que ele mora dirigi-a para o Instituto.

Benjamin
* * *

Paraguai Tuiuti
IVIiniia adorada esposa e verdadeira amiga
[20] de m a r ç o de 1867
C a r t a n" 36

Nas tuas cartiniias de 13 a 20 de fevereiro, 1" e 2" [...] me mandas dizer


que e s t á s no Instituto [...] da Aldina estar muito doente. Deus queira que
quando receberes esta ela j á esteja de há muito perfeitamente restabele-
cida. E n t ã o a minha pxinicoque [...] sempre de mim, do seu papai? [...]
C o m o vai a nossa filhinha? J á recebeste [...] que te mandei o nome para
ela, que era [...] aquele de que mais gostavas e de que eu [...] sei a ques-
t ã o maior. Estou ainda muito [abatido] pois levantei-me hoje da cama
[onde estive 4 dias] com uma febre fortíssima. No dia 16 tinha enviado
uma c a r t a à G u i l h e r m i n a e m a n d a r a lhe dizer [que gozava] perfeita
s a ú d e e estava muito [robusto]. Pretendia e s c r e v e r t a m b é m a ti, ao
nosso [bom Pai], ao G u i m a r ã e s e ao E r n e s t o [enviando-lhe a procura-
ç ã o ] ; mas comecei a sentir uma e x t r a o r d i n á r i a moleza em todo o corpo
e deitei-me, meia hora depois ardia numa febre violenta, sofria dores
[ f o r t í s s i m a s ] em todo o corpo e a s s i m estive a t é ontem, a t é que ela
c o m e ç o u a declinar e [sup (sic)] [que] n ã o [voltará] mais. Estou p o r é m
muito abatido, o que é natural, pois além da moléstia que j á enjoa n ã o
tenho i n g e r i d o nestes 4 dias s e n ã o 2 x í c a r a s de m i n g a u de a r a r u t a .
Tratou-me e continua a tratar-me [o Dr.] J o ã o Severiano da Fonseca.
Tomei um v o m i t ó r i o , depois pílulas de sulfato de quinino. O [rancho]
onde estou e s t á quase sempre cheio de rapazes amigos que me v é m
visitar, cada qual se e s f o r ç a em oferecer [-me e prestar] seus s e r v i ç o s ;
mas se fosse p o s s í v e l estares [ao p é de mim] talvez melhorasse mais
depressa, [ou ao menos] s u p o r t a r i a a m o l é s t i a com mais r e s i g n a ç ã o .
Este é o primeiro p r é m i o por trabalhos que tenho [tido; vou] contar-te
como julgo que a apanhei. Como te disse em minhas cartas anteriores,
passava [as noites em claro] trabalhando [nas trincheiras e de dia tra-
balhos (sic) em outros preparos para o seu] acabamento. No dia 8 [em]
que os P a r a g u a i o s fizeram um g r a n d e fogo de a r t i l h a r i a [sobre a
minha] bateria, comecei a ter [de trabalhar] de dia em c o n s e q u ê n c i a de
serem as noites muito [escuras. O] calor era t ã o forte que depois de qua-

130
tro dias eu tinha bolhas como acontece [às queimaduras, no p e s c o ç o ] ,
nas costas das m ã o s e t a m b é m nas solas dos p é s , em c o n s e q u ê n c i a da
areia em brasa em que pisava. Felizmente em c o n s e q u ê n c i a [dos mui-
tos] soldados que c a í a m doentes com febres [e de muitos soldados]
mortos em m i n h a [faxina] por tiros [de pontaria o] Polidoro ordenou
que n ã o trabalhasse [mais] de dia. Suponho que esta soalheira [foi a]
causa de minha m o l é s t i a . Vou agora [contar-te] umas poucas novidades
que [por cá] tem [havido]. Ter-te-ia escrito pela mala que daqui [saiu] no
dia 12 se tivesse ciência disso, soube que ela tinha partido. [A n ã o ser
nos dias 23 e 7] de cada m ê s e que sempre h á mala, qualquer [mala]
e x t r a o r d i n á r i a parte daqui sem o E x é r c i t o [ter conhecimento]. Quanto
à c o n s t r u ç ã o das trincheiras, n ã o tenho sido t ã o feliz como ao p r i n c í p i o
visto que ultimamente tenho tido muitos soldados mortos e feridos;
está p o r é m quase pronta, o que resta a fazer é trabalho [que se faz sem
o] menor risco, porque é feito na parte de dentro e aí se e s t á perfeita-
mente protegido dos fogos do inimigo. O que te queria [dizer que] é a
maior novidade consiste na vinda [de um] piquete Paraguaio com ban-
deira branca, [isto é,] p a r l a m e n t á r i o . No dia [11] pelas 11 1/2 da m a n h ã
trabalhava eu na minha bateria [depois de ter] estendido uma linha de
a t i r a d o r e s na frente dela p a r a responder ao fogo dos P a r a g u a i o s ,
quando aproximou-se [um] piquete da c a v a l a r i a trazendo [bandeira]
b r a n c a ; mandei imediatamente [cessar fogo] nas l i n h a s e d i r i g i - m e
para um [laranjal para] onde ia o piquete, quando cheguei estavam os
oficiais apeando-se, dirigi-me [ao c a p i t ã o ] Paraguaio que [comandava
o piquete e] perguntei-lhe com quem desejava [falar]. Disse-me com um
c a p i t ã o Oriental [seu conhecido] a fim de que ele pedisse ao [ M a r q u ê s ]
por parte do Lopez licença para o Ministro Norte-Americano que [esta-
va] no Paraguai passasse ao acampamento [aliado], mandei chamar o
c a p i t ã o e enquanto o e s p e r a v a estive c o n v e r s a n d o com os oficiais
Paraguaios que eram um c a p i t ã o , um alferes e um tenente. Gostei de
c o n v e r s a r com eles, achei-os muito t r a t á v e i s e m u i t í s s i m o delicados.
E s t á v a m o s [e (sic)] outros oficiais [que chegaram] conversando com os
Paraguaios [da bateria] fizeram tiros de bombas sobre as linhas para-
guaias. Disse-nos o c a p i t ã o em castelhano; [Vêem os S r s . , apesar de
trazermos bandeira branca sofremos] fogo por todo o caminho. [Notei-
Ihe que] os Paraguaios provocavam-nos a [isso por isso] que fizeram
fogo mesmo durante a [passagem do] piquete. Disse-nos o c a p i t ã o que
um [engano em horas] era [a causa] disso mas que a fia nç a va que dentro
de 5 minutos h a v e r i a completa s u s p e n s ã o das hostilidades, o que de
fato [se deu]. O c a p i t ã o ofereceu-nos charutos e como [ e s t á v a m o s ]
fumando n ã o aceitamos, eu fiz c i g a r r o s e ofereci-lhe, mas o c a p i t ã o
[disse-me] risonho: eu desejaria aceitar o cigarro, p o r é m n ã o quiseram
aceitar os charutos que lhes ofereci e por isso obrigam-me a n ã o acei-
tar o seu oferecimento. Disse-lhe que n ã o t í n h a m o s aceitado porque
e s t á v a m o s fumando, mas que a c e i t á v a m o s [agora] provando-lhes que
n ã o havia a [menor] i n t e n ç ã o de m o l e s t á - l o s . [Então] trocamos os cigar-
ros, eles deram [-nos laranjas etc.]. Chegou o c a p i t ã o por quem e s p e r á -
vamos e e n t ã o retiramo-nos. Foi um dia [de festa] em todo o Exército;
os nossos soldados [trepavam-se] sobre as trincheiras [para conversar]
com os Paraguaios. E u fui [a uma] trincheira Paraguaia e estive [con-
versando] com o oficial que [elogiou muito os brasileiros] referindo-se
ao ataque de Curupaiti. [Às 4 horas] estava o Ministro com o M a r q u ê s ;
[atravessou] o campo em um carro puxado a cavalos e aqui se demorou
dois dias. [O M a r q u ê s cortou] a q u e s t ã o das propostas de paz [de que o]
M i n i s t r o era mensageiro, dizendo [que tinha] ordem de seu governo
para n ã o fazer [trato] algum com o Lopez, que se ele [se retirasse] esta-
va feita a paz. Quando o Ministro [retirou-se] disse-lhe o M a r q u ê s ; se o
Lopez se [retirar do] Paraguai entramos em paz e diga-lhe [que ao] ini-
migo que se retira se [fornece uma] ponte de ouro!! Tudo [ p o r é m pare-
ceu] ficar no mesmo p é . A n t e s de ontem [chegou a] T r ê s B o c a s uma
corveta Norte-Americana e o comandante veio ao E x é r c i t o e pediu ao
M a r q u ê s p a r a passar ao acampamento inimigo. Passou com efeito e
ainda voltou. N ã o sei o que foi fazer, [dizem] no entanto que esta corve-
ta veio para dar e s c á p u l a ao Lopez. N ã o posso [...] longa carta [...] lê
esta carta a teu Pai [...] como escrever-lhe, estou ainda muito [...]. N ã o
escrevo pela mesma r a z ã o ao Ernesto [...]. [...] A l c i d a mando-lhe a pro-
c u r a ç ã o [...] a g r a d e ç o - l h e [...] fineza que me quiseram fazer [...] que
foram felizes na escolha [...]. A d e u s , m i n h a muito amada esposa e
amiga, a b e n ç o a e beija muitas vezes as nossas inocentes filhinhas e
aceita o c o r a ç ã o e um apertado a b r a ç o do esposo e verdadeiro amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s


[Esqueci-me] de falar-te um fato e para nada te ocultar vou referi-lo. No
dia seguinte à q u e l e em que vieram os parlamentares fui trabalhar [de
dia e os] Paraguaios de uma t r i n c h e i r a muito a v a n ç a d a fizeram-me um
fogo desesperado, f e r i r a m um cadete [sobrinho] do Tenente Á l v a r o e
m a t a r a m t r ê s soldados dos que estavam na m i n h a bateria. Parei um
pouco c o m o t r a b a l h o , [tirei 50] h o m e n s a r m a d o s e segui na frente
desta pequena força [dirigindo-me] à tal t r i n c h e i r a onde eu tinha esta-
do no dia do a r m i s t í c i o [conversando] com o oficial Paraguaio. E s t a v a
ainda o mesmo oficial. [Ao] aproximar-me da t r i n c h e i r a fizeram duas
descargas, p o r é m os tiros [eram muito altos e] s ó houve um soldado
ferido, respondi-lhe c o m 3 d e s c a r g a s . [ C a l a r a m ] completamente o
fogo. Quando cheguei à trincheira os [Paraguaios corriam]. Oficial que
[...]. [Os soldados estavam desenfreados e queriam] persegui-los den-
tro do mato, p o r é m o Coronel [Wanderley], que era nesse dia o coman-
dante das linhas, mandou dizer-me que mandasse retirar [a gente], pois
que eles iam j o g a r metralha e n ã o havia [necessidade de] sacrificar a
gente. Retirei com efeito e continuei o trabalho por todo o dia sem ser
incomodado. Digo-te isto porque o T i b ú r c i o [pode ser que mande dizer
p a r a a Corte, ou qualquer outro amigo e] n ã o quero que tenhas mais
r a z ã o de dizer que te oculto a verdade. Isto foi uma coisa inteiramente
insignificante que nem valia a pena falar mas prometi-te dizer c o m
franqueza tudo que aqui ocorresse em r e l a ç ã o a mim e estou c u m p r i n -
do a promessa. Vai aí a p r o c u r a ç ã o do E r n e s t o [...] n ã o foi h á mais tem-
po porque n ã o me mandaste dizer positivamente. Apenas me disseste
nas tuas cartas que o E r n e s t o e D . A l c i d a pretendiam convidar-me para
p a d r i n h o de sua filha. N ã o [...] porque ficou i n u t i l i z a d o mas é [...]
Tesouro. Quanto ao r e c o n h e c i m e n t o de m i n h a firma tenho-a em 3
casas na r u a do [...]. [...] n ã o estou p o r é m lembrado dos nomes [...].
Podia ter [...] por mais tempo a p r o c u r a ç ã o se eu tivesse conhecimento
da mala que [...] no dia 8.

N . B . L e m b r o - t e mais uma vez que em l u g a r de g é n e r o s me mandes


(caso possas) o dinheiro que gastarias em c o m p r á - l o s . E m outras car-
tas expliquei-te [...] desta c o n t r a d i ç ã o com o que te dizia nas [...].
O teu mano J o ã o e s t á b o m e m o r a comigo v a i se c o m p o r t a n d o
muito [...].

Adeus, minha querida [...].


* * *

Paraguai Tuiuti
Meu bom Pai e amigo
23 de m a r ç o de 1867

Ontem escrevi uma carta à minlia mullier e pedi-llne que Ília desse para
ler, pois j u l g a v a n ã o poder escrever-lhe. Caí de doente no dia 16 com
uma intermitente de um c a r á t e r medonho. Durante quatro dias n ã o dei
acordo de mim, ardia numa febre que parecia querer devorar-me. O Dr.
J o ã o S e v e r i a n o da F o n s e c a foi quem tratou-me, fazia t r ê s visitas por
dia e ficava ã s vezes muito tempo a observar-me a fim, me parece, de
bem determinar o c a r á t e r da febre. N ã o comi nesses quatro dias abso-
lutamente nada, t i n h a uma sede e x c e s s i v a e o rosto, as palmas das
m ã o s e as solas dos p é s a b r a s a v a m de calor. No dia 20 felizmente a
febre c o m e ç o u a declinar e à noite pude escrever a c a r t a de que lhe
falei, t ã o aliviado me achava. E s t a v a p o r é m muito abatido. Desse dia
a t é hoje n ã o tenho tido felizmente mais nada a n ã o ser fastio e um
excessivo abatimento. Hoje j á dei alguns passeios muito curtos porque
quase que nem me posso ter de p é e como sei que a mala ainda n ã o se
fechou aproveito a c i r c u n s t â n c i a para saber de sua preciosa s a ú d e , de
D. O l í m p i a e de D . M a r i q u i n h a s . Muito estimarei que estejam com
s a ú d e . Estou ainda muito fraco e por isso n ã o posso escrever-lhe uma
carta em que lhe d ê minuciosas n o t í c i a s do que por aqui tem havido.
T a m b é m n ã o s ã o elas de grande t r a n s c e n d ê n c i a . N u n c a os e s p í r i t o s
a n d a r a m t ã o incertos, t ã o mistificados como a g o r a . Somente lá os
Senhores G e n e r a i s Chefes dos E x é r c i t o s p o d e r ã o saber ao certo em
que c i r c u n s t â n c i a s estamos. U m dia dizem todos: há paz, o C a x i a s d á a
entender que j á se estava em n e g o c i a ç õ e s ; outro dia dizem: n ã o h á
absolutamente e s p e r a n ç a alguma de que o Lopez submeta-se às condi-
ç õ e s propostas para a paz (mas n i n g u é m sabe ao certo quais s ã o essas
c o n d i ç õ e s ) . Às vezes aparece aqui uma e s p é c i e de frenesi de preparati-
vos para combate, expede-se ordem para virem m u n i ç õ e s , fardamento,
e t c , manda-se aliviar as bagagens, etc. Depois manda-se sustar esta
ordem e assim andamos ( s ã o febres intermitentes). No dia 11 do cor-
rente às 11 horas veio um piquete Paraguaio com bandeira branca e fui
o 1" que falou com o c a p i t ã o do piquete; disse-me que vinha pedir licen-
ça ao M a r q u ê s para que o M i n i s t r o A m e r i c a n o que e s t á no P a r a g u a i
viesse ao acampamento aliado ter com o mesmo M a r q u ê s uma confe-
r ê n c i a . U m c a p i t ã o Oriental levou a n o t í c i a ao C a x i a s e o Ministro veio
p a r a o Quartel-General e aí esteve dois dias. Consta que nada obtive-
r a m pois que o M a r q u ê s cortou-lhe a q u e s t ã o de propostas de paz
dizendo que com o Lopez n ã o tratava coisa alguma. Que a paz se faria
no momento em que ele se retirasse do Paraguai e acrescentou: diga-
lhe que ao i n i m i g o que se r e t i r a fornece-se a t é uma ponte de ouro!
(dizem por aqui que foram estas as p a l a v r a s do C a x i a s ) . Quatro dias
depois que o Ministro voltou para o Paraguai, chegou a Três Bocas uma
corveta Norte-Americana, o comandante veio ao nosso acampamento,
pediu l i c e n ç a ao C a x i a s para ir ao P a r a g u a i ; p a r a lá foi e lá ainda se
c o n s e r v a . A l g u n s querem enxergar em tudo isto que se pretende dar
e s c á p u l a ao Lopez, n ã o duvido. Hoje foi um b a t a l h ã o para I t a p u ã prote-
ger a passagem do G e n e r a l O s ó r i o que pretende atravessar o P a r a n á
com o seu 3" C o r p o de E x é r c i t o de 4 a 5 mil homens. Houve ontem no
forte do Potreiro Pires uma r e u n i ã o de generais onde dizem que estive-
ram o M a r q u ê s de C a x i a s , o Argolo, todos os comandantes de d i v i s õ e s ,
o Visconde de Porto Alegre e [Joaquim] J o s é I n á c i o (o que se passou na
c o n f e r ê n c i a é segredo de abelhas, pode ser que realmente de nada tra-
tasse). A g o r a corre a notícia de que h á um grande ataque no dia 5 de
abril ( h á - d e ser logro de 1" de abril). C r e i o tanto neste ataque como
acreditei naquele que estava marcado p a r a o dia 15 do corrente. No
entanto com estas delongas as nossas famílias v ã o sofrendo, os tiro-
teios e a peste v ã o fazendo d e s a p a r e c e r nossos oficiais e soldados.
Sabe quantos homens doentes temos nos hospitais? 11.500 (onze mil e
quinhentos!), e o n ú m e r o de doentes vai crescendo extraordinariamen-
te. Quando aparecerem por lá c o r r e s p o n d ê n c i a s onde dizem que tudo
por aqui anda na melhor ordem e que o E x é r c i t o nunca esteve em con-
d i ç õ e s t ã o f a v o r á v e i s , n ã o lhes d ê c r é d i t o . S ã o de um Dr. Dória, o ho-
mem (negro) mais adulador, mais imundo que c o n h e ç o . É t ã o falto de
vergonha que n ã o teme afrontar a 40.000 homens que aqui e s t ã o para
desmentir tudo quanto ele diz em suas nojentas c o r r e s p o n d ê n c i a s s ó
com o fim de elogiar aos generais, principalmente ao C a x i a s , a quem
atribui passeios à bateria de morteiros, nossa p o s i ç ã o mais a v a n ç a d a e
nunca o C a x i a s lá apareceu, nem ao menos para fazer uma ideia daque-
la p o s i ç ã o . H á t a m b é m um outro correspondente do mesmo gosto, mas
que n ã o c o n h e ç o nem de nome. J á vê que n ã o tendo tempo para escre-
ver-lhe uma carta minuciosa nada perde por notícias, pois em resumo o
que lhe disse acima é a e x p r e s s ã o real do que por aqui h á . Faltou-me
somente dizer-lhe que o [H.] está fazendo peloticas (sic) aqui no campo
e que tem-se parado o trabalho das baterias por falta de t á b u a s que
foram empregadas em fazer um pequeno tablado onde ele diverte a
gente! ADeus, meu bom Pai e verdadeiro amigo, d ê muitas l e m b r a n ç a s
ã D. Olímpia, D . Mariquinhas, D. M a r i a Marcelina, D. Maria Rocha, o
seu [...], ao C ó n e g o L i r a , o Dr. Almeida e aos meninos cegos e aceite um
apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o saudoso de seu filho e verdadeiro amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . O J o ã o e s t á bom e pede-me para mandar-lhe uma carta que lhe


escreveu e aí vai junto.

* * *

Corrientes 29 de m a r ç o de 1867
M i n h a adorada esposa e boa amiga

C o m o tens passado, m i n h a querida amiguinha? C o m o v ã o os nossos


anjinhos Aldina e Adozinda? A Aldina está boa de todo? Lembra-se do
seu papai? Recebi a tua cartinha (muito pequenina) de 3 de m a r ç o no
dia 26 estando a partir para esta cidade em uma c o m i s s ã o pela qual sou
encarregado de fazer embarcar toda a força disponível que houver em
Corrientes". É comandante do b a t a l h ã o p r o v i s ó r i o que tem de fornecer
essa força o Tibiircio (a quem enquanto convalesce da enfermidade que
teve e como descanso deram o comando difícil e t r a b a l h o s í s s i m o deste
a t é aqui desmantelado b a t a l h ã o ) . Pensei que j á estava bom da febre
intermitente de que te falei em minhas cartas de 20 e 22 do corrente,
p o r é m enganei-me. A o chegar a Corrientes veio-me um acesso t ã o forte
que custei a v e n c e r a pequena d i s t â n c i a que vai do desembarque ao
b a t a l h ã o do Tibúrcio. Cheguei ardendo numa febre desesperada, lancei
muito; ora sentia um calor intolerável, ora um frio i n t e n s í s s i m o ; ontem
p o r é m amanheci completamente bom e fui apresentar-me ao general e
segui p a r a o d e p ó s i t o a fim de receber e fazer e m b a r c a r no v a p o r
[Charrua], em que vim, todo o material de artilharia, m u n i ç õ e s de infan-
taria e artilharia, etc. Às cinco horas da tarde fui com o Tibúrcio jantar a
bordo do [...], j a n t a r com o [...] que [...]. E n c o n t r e i lá alguns amigos e
conhecidos e passei o resto da tarde o melhor que era possível longe de
ti e de minhas filhinhas e voltei à noite com o T i b ú r c i o . E s t a cidade é
a b o m i n á v e l por todas as r a z õ e s , a p o p u l a ç ã o é a mais cínica e o r d i n á r i a
que se pode imaginar. Quase sempre h á q u e s t õ e s entre Correntinos e
Brasileiros, mortes, ferimentos, etc. N ã o se pode andar desarmado por-
que se e s t á exposto a insultos, p r o v o c a ç õ e s , etc. E n c o n t r e i o T i b ú r c i o
tratando de procurar por d i v e r s ã o lutas a m ã o armada que se t ê m dado
entre a p o l í c i a da noite (serenos) e soldados e oficiais B r a s i l e i r o s . O
P a r a n á afogou ontem t r ê s pessoas, um cadete que ia levar mantimentos
ao hospital numa canoa que virou em c o n s e q u ê n c i a do muito vento que
fazia e duas pobres mulheres de soldados Brasileiros que disputavam à
beira do rio por causa de uma ponta de pedra em que ambas queriam
lavar, atracaram-se, c a í r a m ambas no rio que as engoliu, arrastando-as
em sua impetuosa corrente. Fatos semelhantes s ã o por aqui muito fre-
quentes. M i n h a boa amiga, continua-se por aqui a falar em ataque geral
ao inimigo, dizem que por todo o m ê s que entra c o m e ç a r ã o as opera-
ç õ e s . Deus queira que assim seja e que isto se acabe bem. Se eu tiver de
morrer aqui que seja isso o mais breve possível porque a vida que aqui
passo é d e t e s t á v e l , [se t i v e r de] voltar, com mais forte r a z ã o , quanto
mais depressa melhor porque tornar a ver-te e a b r a ç a r - t e e à s minhas
filhinhas s e r á para mim a maior felicidade. Cumpra-se p o r é m a minha
sorte [que espero] com a c o n s c i ê n c i a t r a n q u i l a , n ã o s e r á decerto por
pedido meu que se h á - d e alterar o que o Onipotente tiver t r a ç a d o em
seu [plano] u n i v e r s a l . C u m p r a m o s ambos os nossos deveres com pa-
ciência e r e s i g n a ç ã o e se a sorte permitir que nos tornemos a encontrar
que [esse seja um dia] de verdadeira felicidade para n ó s e nossa família.
E m todas as tuas cartas pedes-me que volte; é p o r é m impossível satisfa-
zer a esse t ã o natural desejo. N ã o voltarei s e n ã o quando esta d e s g r a ç a -
da e mal dirigida guerra acabar. Sei perfeitamente que estes sacrifícios
que estou fazendo nenhuma s i g n i f i c a ç ã o t é m em minha vida [futura],
esta minha estada aqui no campo é um imenso p a r ê n t e s e s que [deixo
aberto em] minha vida e vazio de qualquer resultado útil à minha famí-
lia, cheio no entanto de imensos s a c r i f í c i o s a t é do futuro da m i n h a

137
mulher e das minhas filhinhas, das minhas i r m ã s e M ã e , p o r é m trago às
costas um pesado fardo [que nenhumj futuro dá a n i n g u é m neste nosso
d e s g r a ç a d o p a í s e que no entanto [ i m p õ e - m e ] deveres, que o meu c a r á -
ter e brio exigem que sejam fielmente cumpridos e h ã o - d e ser. Nas lutas
e n é r g i c a s que em mim se d ã o entre o c o r a ç ã o e o dever, este último h á -
de ser sempre o vencedor. Tem p a c i ê n c i a , resigna-te à m á sorte do teu
marido, lembrando-te que a [ i n t e n ç ã o ] dele n ã o é fazer-te passar des-
gostos e p r o v a ç õ e s , que deseja mais que tudo a tua felicidade e descan-
so, que para o b t é - l o s faria, se fosse n e c e s s á r i o , o sacrifício da vida {que
julgaria muito pequeno). Sou, além de teu marido, teu verdadeiro amigo
e a f e i ç o a d o , e fazer a tua felicidade seria, se me fosse possível, a minha
maior ventura; no entanto farei todos os e s f o r ç o s que [tendam a] esse
t ã o desejado fim.
A s trincheiras e baterias que estava construindo j á e s t ã o completa-
mente acabadas, custaram a vida a alguns pobres soldados e os gemidos
dolorosos que soltam nos hospitais os que foram somente feridos ou ata-
cados pelas febres, p o r é m a frente de todo o nosso E,xército está comple-
tamente [coberta]. A m i s s ã o de que me incumbiram está cumprida.
Tem-me incomodado bastante o extravio que tem havido em minhas
cartas e do qual fazes m e n ç ã o , é mais um a p ê n d i c e aos sacrifícios que
aqui faço. Esta é a t r i g é s i m a s é t i m a carta que te escrevo. A carta [...]
uma para minha M ã e e outra do teu mano J o ã o dentro de uma muito
longa carta datada de 23 e 30 d e j a n e i r o com d i r e ç ã o no Malaquias e
supunha que foi essa a carta [...] P e ç a n h a perdeu. Nesta carta, falava-te
com franqueza das [...] que d a í parti; descrevia-te o nosso acampamen-
to, etc. Muito senti tivesse perdido essa carta que tanto desejava que te
c h e g a s s e à s m ã o s . Dá de m i n h a parte muitos e muitos p a r a b é n s ao
E r n e s t o pela n o m e a ç ã o de Comandante do Galgo. Nesse lugar, p o d e r á
ele com tempo formar licitamente com seu trabalho um capital que lhe
permita abandonar a pesada vida do mar para viver tranquilo e feliz ao
lado da sua mulher e de seus filhos; que obtenha esse resultado é o que
muito desejo. Pela mala da [...] mandei a p r o c u r a ç ã o para o batizado da
filhinha do E r n e s t o [...] e agradeci-lhe a honra e o prazer que me deram
sentindo que [...] infelizes na escolha. Por estes quatro dias volto para o
E x é r c i t o . Estou ansioso pela chegada do Arinos para ter o teu [...] das
minhas filhinhas, especialmente da minha Adozinda, que desejo conhe-
cer. Talvez ele chegue nestes quatro dias e tenha [...] nele p a r a o
E x é r c i t o . O J o ã o está bom, manda-te l e m b r a n ç a s assim como [...] Pai e
D. O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s , disse-lhe que de Corrientes h á - d e escre-
ver-te e ele pediu-me que o recomendasse, o que acabo de [...] indo
bem no emprego. N ã o repares na pequenez de minhas cartas. E s c r e v e -
me cartas longas e minuciosas que quando puder farei o mesmo.
Adeus, minha muito amada esposa e boa amiguinha. A b e n ç o a por
m i m as m i n h a s q u e r i d a s filhinhas, d á muitas, muitas l e m b r a n ç a s ao
nosso bom Pai e amigo, assim como a D . O l í m p i a e D. M a r i q u i n h a s [...]
um muito apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o cada vez mais [...] de teu marido
e verdadeiro amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

À m a r g e m : " A l é m disso tenho de carregar um vapor de artilharia [...]


m u n i ç õ e s de artilharia e infantaria e um [...] de objetos a c o m p r a r que
importam mais de quatro contos de réis. P a r a me ajudar a resolver as
compras pedi um oficial de artilharia, pois todas as compras eram para
a a r t i l h a r i a e pedi ao comando das f o r ç a s desta cidade que nomeasse
um oficial de Fazenda para com o de artilharia encarregarem-se dessas
compras e assim fiquei livre dessa responsabilidade.

* * *

Corrientes 31 de m a r ç o de 1867
M i n h a muito amada esposa
(Carta n" 38)

A i n d a estou em Corrientes e em companhia do T i b ú r c i o . A companhia


de um amigo dedicado e verdadeiro é uma grande c o n s o l a ç ã o , troca-
mos com ele nossos pesares, e os í n t i m o s sentimentos d'alma, e isso
produz o efeito de b e n é f i c o b á l s a m o l a n ç a d o em dolorosa chaga, se n ã o
cura de todo, [...] as dores. E l e ama extremamente a D. M a r i c o t a que é
digna desse amor e responde-lhe com a maior e a mais nobre venera-
ç ã o e v e r d a d e i r o amor, eu tenho a firme c o n v i c ç ã o de j u l g a r - m e nas
mesmas c o n d i ç õ e s . C o n v e r s a m o s pois sobre nossas famílias, sobre as
saudades que nos v ã o ralando a alma, sobre nossos filhos, sobre nossas
mulheres, sobre nossas c r e n ç a s um pouco fora do vulgar, etc. A s s i m
passamos algumas horas entretidos. .Se isto se d á em companhia de um
amigo, quanto mais em companhia de uma esposa amiga, que é mais
que o maior amigo que se possa ter? Quanto é feliz o homem que encon-
tra na esposa uma amiga v e r d a d e i r a ? N ó s somos felizes, n ã o , minha
querida? Tenho a c o n v i c ç ã o de que és minha amiguinha e sinto felicida-
de e excessivo prazer em sentir que te amo cada vez mais apaixonada-
mente e que sou teu leal, verdadeiro e dedicado amigo (isto j á me vai
parecendo carta de namoro, vamos mudar de assunto). C o m o v ã o as
nossas duas p e q u e r r u c h a s ? A pxinicoque ainda e s t á muito tagarela?
A i n d a está [...], muito brejeira? lembra-se do seu papai, do seu amigo,
d á ainda [...] ao retrato do papai? D á - l h e muitos beijos e a b r a ç o s por
mim (agora p a r e ç o o namorado da pxinicoque, tornemos a mudar de
assunto [...] com veia de namorado, estou perdido, olha que n ã o namo-
ro n i n g u é m em Corrientes, a n i n g u é m mais s e n ã o a ti e às minhas filhi-
nhas. E s t á s contente?) M i n h a querida, a febre atacou-me ontem e hoje
deixou-me em paz, n ã o estou de cama; ontem, ainda com febre, fiz o
carregamento do navio e me deitei quando o acesso tornou-se muito
forte; mas dali a duas horas j á eu estava de p é continuando a trabalhar.
Os acessos de febre v é m - m e agora um dia sim outro n ã o . [...] meio dia
de folga, como se costuma [...] cá nesta muito amável vidinha militar;
mas n ã o te assustes: estas febres n ã o matam e a l é m disso os acessos
v ã o sendo cada vez menores, o que demonstra que ela vai deixar-me
em paz, o que (aqui entre n ó s ) muito desejo. [...] a robustez e a gordura
que adquiri nos meses que aqui estou, a febre tirou-me em bem poucos
dias. Estou muito magro, descorado e [...]. O fígado, como era de espe-
rar, tem d o í d o bastante, mas quando acabar a febre [...] e n t ã o do fíga-
do. Anteontem escrevi-te uma carta que mandei pelo correio onde te
contava as n o v i d a d e z i n h a s , desse dia p a r a cá nada se tem dado que
m e r e ç a m e n ç ã o especial. Tenho estado estes dias às voltas com o em-
barque do material que vim buscar e j á v ã o para o E x é r c i t o dois vapo-
res carregados e nem tenho tido tempo para ver toda Corrientes que
ainda n ã o [...] mas faço ideia do que s e r á , todas as ruas (calles) pare-
cem-se umas com as outras. A cidade é de uma c o n s t r u ç ã o a mais ordi-
n á r i a , a mais m i s e r á v e l que se pode imaginar: as ruas n ã o s ã o c a l ç a d a s ,
nem t ê m passeios, as casas s ã o muito m i s e r á v e i s , r a r a s as casas de
sobrado, raras as de boa a p a r ê n c i a , mal c o n s t r u í d a s , muitas [...] caia-
das, etc. E m geral s ã o pequenas e mesquinhas [...]. H á cinco igrejas de
aspecto e c o n s t r u ç ã o [...]. S ã o feitas de tijolos, como as casas, e nem s ã o
[...] por fora. Quase todos os dias há por aqui [...] na igreja. E s t o u muito
fraco e hoje trabalhei muito [...] paro aqui. Escrevi-te esta cartinha para
aproveitar o portador que é meu amigo o D r [...]. C o m o te disse ante-
ontem escrevi-te pelo correio [...] escrevi-te do E x é r c i t o t a m b é m pelo
correio. [...] escreverei pelo Dr. Roiz da Costa porque estou com ansie-
dade para ter n o t í c i a s tuas e da nossa casa. Dá muitas l e m b r a n ç a s a D .
A l c i d a , ao E r n e s t o e D. Delmira, a D. J o a q u i n a Rocha, ao G u i m a r ã e s ,
Veiga, H o n ó r i o , C o i m b r a . M a n d a - m e sempre c a r t a s longas, n ã o te
importes com a pequenez das minhas, quando puder te escreverei [...].
Breve volto para o Paraguai, Tuiuti. Adeus, minha muito amada esposa
e boa amiga, a b e n ç o a por m i m aos nossos dois anjinhos e aceita uma
vez mais apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o saudoso do teu

Benjamin Constant

N . B . Nesta data escrevo t a m b é m ao nosso bom velho, espero a m a n h ã


escrever ao P e ç a n h a . O J o ã o sei que [...].

* * *

Corrientes 2 de abril de 1867


Meu bom Pai e amigo

P a r a a p r o v e i t a r o p o r t a d o r seguro que é o Sr. 1" Tenente da nossa


A r m a d a Pedro A n t ô n i o do Monte B a s t o s , a fim de dar-lhe n o t í c i a s
m i n h a s escrevo-lhe esta ligeira c a r t i n h a . Muito estimo que esteja de
perfeita saiide, assim como a D. O l í m p i a e D. M a r i q u i n h a s . E u , como
lhe disse na c a r t a que lhe escrevi em 23 de m a r ç o , estive de c a m a e
muito mal com as febres intermitentes, no fim de [4] dias levantei-me da
cama quase bom e no dia 27 fui mandado em c o m i s s ã o a esta cidade.
T i v e aqui dois acessos muito fortes em c a s a do T i b i i r c i o , com quem
estou; mas felizmente estou bom. D a data em que lhe escrevi p a r a cá
nada tem havido de novo no Exército, é sempre o mesmo marasmo, tiro-
teios, bombardeios, mas n ã o se adianta um passo e cada vez h á menos
e s p e r a n ç a de que isto se acabe cedo. Os nossos generais dormem indo-
lentemente surdos aos gemidos e à s agonias das v í t i m a s que v ã o fazen-
do esterilmente. Os hinos que os lisonjeiros cantam-lhes aos ouvidos
d ã o - l h e s sonhos a g r a d á v e i s e por isso parece-me que querem ficar
indefinidamente nesta m i s e r á v e l e vergonhosa s i t u a ç ã o em que temos
estado em frente a um inimigo j á desmoralizado e j á abatido. J á n ã o há
mais a u x í l i o de f o r ç a s por que se deva esperar, as cadeias j á e s t ã o
vazias de c r i m i n o s o s , j á t r a n s f o r m a r a m em soldados i n c u m b i d o s de
defender os brios e a honra da n a ç ã o aos criminosos e f a c í n o r a s conde-
nados a g a l é s ! N ã o sei por que é que se espera. Enfim n ã o tenho tempo
p a r a falar-lhe das m i s é r i a s que por cá t ê m h a v i d o com o n e c e s s á r i o
desenvolvimento e por isso termino aqui este nojento assunto. O u t r a
vez lhe falarei com toda a e x t e n s ã o . S ó lhe digo que o - c ó l e r a - e s t á em
Corrientes, onde tem feito j á bastantes vítimas e j á se vai aproximando
de Tuiuti onde j á t a m b é m deu c o m e ç o à sua d e v a s t a ç ã o . E i s por que se
esperava; mas n ã o , isto ainda n ã o basta, é preciso levar mais longe a
nossa vergonha e as nossas d e s g r a ç a s . Por que n ã o se ataca o inimigo?
É uma pergunta que todos fazem e a que os generais que d i s p õ e m dos
e x é r c i t o s n ã o querem responder. M a s todos sabemos a r a z ã o , que é a
seguinte: n ã o se ataca porque n ã o temos generais que prestem p a r a
coisa alguma, n ã o se ataca porque os generais t ê m medo. Esta é que é a
verdade embora procurem mil e s t ú p i d o s rodeios, d e s g r a ç a d a s evasi-
vas para ocultarem-na ao país. E s p e r a r s i t u a ç ã o mais p r o p í c i a quando
as febres v ã o [fazendo] numerosas vítimas, quando o n ú m e r o de doen-
tes vai aumentando cada vez mais, havendo j á doze mil doentes nos
hospitais, quando o c ó l e r a aí e s t á para aumentar a d e v a s t a ç ã o ? Quan-
do o inverno que aqui é f o r t í s s i m o se aproxima para paralisar os nos-
sos movimentos? E s p e r a r indolentemente quando a s i t u a ç ã o é momen-
tosa e d e s e s p e r a d o r a ? E s p e r a r o q u ê ? Quando é certo que, com os
recursos que ainda temos, uma o p e r a ç ã o e n é r g i c a e decisiva levava-
nos à completa v i t ó r i a . Isto é mais que i n d o l ê n c i a , mais do que um
crime, mais do que falta de patriotismo, é uma t r a i ç ã o ao país. E estes
m i s e r á v e i s que t ã o desajeitada e estupidamente nos d i r i g e m , e que
andam sempre vergonhosamente bem abrigados dos perigos n ã o s ã o
r e s p o n s á v e i s por estes c r i m e s . H ã o - d e ser recebidos com aplausos e
vivas. H ã o - d e ser julgados os ú n i c o s m á r t i r e s da p á t r i a ! M i s e r á v e i s ! . . .
Doutor, mudemos de assunto. Por estes quatro dias volto a Tuiuti,
tendo de construir duas baterias para morteiros na esquerda de nosso
acampamento. A direita j á eu a cobri completamente com um entrin-
cheiramento geral e fortifiquei com algumas baterias. Vou agora aca-
bar a f o r t i f i c a ç ã o das a v a n ç a d a s da esquerda. Dizem que feitas estas
baterias ataca-se; mas é falso, o que querem é procurar algum pretexto
embora frívolo para continuarem no marasmo. E eu a falar outra vez
em guerra! C o m o lhe disse n ã o h á novidade que m e r e ç a m e n ç ã o espe-
cial a n ã o ser a chegada do c ó l e r a . O seu filho J o ã o está bom, continua
empregado e vai procedendo muito bem (anda bichento; os bichos de
p é s t ê m - l h e dado um [...] f o r m i d á v e l , quase que e s t á cambaio; mas j á
vai menos bichento e e s t á gordo e bem disposto). Adeus, meu bom Pai
e amigo, d é muitas l e m b r a n ç a s à D. O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s , Sr. Rocha
e sua S e n h o r a , D. M a r g a r i d a , ao C ó n e g o L i r a , Dr. Almeida, D. M a r i a
Marcelina e aos meninos e meninas cegas. Aceite o c o r a ç ã o e um aper-
tado a b r a ç o de seu filho e verdadeiro amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . O Sr. Monte Bastos é meu conhecido de poucos dias, p o r é m tem-


me mostrado muita a f e i ç ã o . O T i b ú r c i o e outras pessoas de respeito
d ã o - m e dele muito bonitas i n f o r m a ç õ e s . No dia 28 em que fez anos veio
convidar-me e ao T i b ú r c i o para j a n t a r m o s com ele a bordo do Recife e
tratou-nos excelentemente. É muito considerado por aqui.

* * *

Corrientes 3 de abril de 1867


M i n h a adorada esposa e boa amiga
(Carta n" 39)

M i n h a amiguinha, vou escrever-te mais uma carta. J á deves ter notado


que à s vezes sou mais freqiiente em escrever-te, as cartas s ã o à s vezes
de dias consecutivos, como acontece [...] e de todas as vezes que tenho
algum descanso, como agora que estou em Corrientes, onde j á desem-
penhei a c o m i s s ã o em que v i n h a , como te disse na c a r t a passada, e
[espero] vapor e ordem para de novo voltar ao E x é r c i t o ; por isso [que]
disseram que, desempenhada a c o m i s s ã o em que vinha, [não] voltasse
imediatamente e esperasse por outras de que me i r ã o e n c a r r e g a r .
A i n d a n ã o chegou vapor do Passo da Pátria e portanto n ã o tive ainda
nova c o m i s s ã o ; por isso estou em descanso absoluto, o que desde que
cheguei ao E x é r c i t o é a primeira vez que me acontece. E u n ã o tinha há
meses algumas horas de descanso, mas [nunca um só] dia em que ele
fosse absoluto. Estou p o r é m à espera [de] tremenda maj^í^ada de que
vou ser encarregado [a do embarque de imenso] material de artilharia
assim como [ p e ç a s ] de diversos calibres, contingentes de f o r ç a s , etc.
Este pequeno descanso me tem servido para convalescer da m o l é s t i a
grave com que estive, como te mandei dizer. Os acessos de febre n ã o
me t ê m voltado e dizem-me os m é d i c o s que n ã o v o l t a r ã o , mas estou
muito magro, muito fraco e abatido. N ã o fazes ideia (sic) como estou
mudado; todos notam a m u d a n ç a que [fiz]. Se n ã o fosse o Tibúrcio, que
por fortuna aqui encontrei, passaria uma vida ainda mais m o n ó t o n a do
que passo. Tenho por aqui muitos conhecidos e mesmo [ a f e i ç o a d o s ]
fazem-me milhares de oferecimentos, mas n ã o tenho entre eles nenhum
que chame de amigo. H á sempre uma ou outra c i r c u n s t â n c i a que me
impossibilita de sé-lo. C o n h e ç o [que sou exigente demais na] amizade
mas n ã o posso furtar-me à m i n h a habitual serenidade em j u l g a r os
homens. Posso errar, mas sem c o n s c i ê n c i a do erro. [O mundo] é um
verdadeiro baile de m á s c a r a s : h á infames que mascaram-se de homens
de bem, iludem a b o a - f é e às vezes [por muito tempo]; mas lá vem um
dia em que lhes cai ou lhes a r r a n c a m a m á s c a r a e se apresentam ao
mundo em toda a sua hediondez. Há outros que nunca se m a s c a r a m ,
s ã o os poucos homens verdadeiramente de bem e que n ã o foram ou
n ã o podem ser tocados pela c o r r u p ç ã o que vai torrando a humanidade,
p r i n c i p a l m e n t e a nossa sociedade. N ã o sei ao certo se tenho dado o
nome de amigo a alguma m á s c a r a , mas creio que n ã o .
M i n h a querida. O c ó l e r a tem atacado fortemente esta cidade. No
b a t a l h ã o p r o v i s ó r i o onde estou com o Tibúrcio caem 30 a 40 soldados
por dia. T ê m havido casos e muitos de c a í r e m soldados no meio das
ruas mortos instantaneamente. Os [Correntinos] andam a s s u s t a d í s s i -
mos. A e p i d e m i a j á e s t á em I t a p i r u e a p r o x i m a - s e do E x é r c i t o . Que
fatalidade para o nosso d e s g r a ç a d o B r a s i l . Parece que o céu cansou de
proteger-nos, aborreceu-se de ver que n ã o aproveitamos a sua extrema
p r o t e ç ã o , a que unicamente devemos algum [êxito] que ao p r i n c í p i o
tivemos, n ã o obstante a p é s s i m a d i r e ç ã o de nossos governantes sem
p r e s t í g i o , sem fé, sem [brio]. N ã o te assustes com esta notícia, o c ó l e r a
s ó tem atacado aos d e s g r a ç a d o s soldados que dormem a maior parte
ao relento sem roupa para se agasalharem, sem uma a l i m e n t a ç ã o regu-
lar. N ã o tem atingido nenhum oficial e mesmo na p o p u l a ç ã o de C o r r i e n -
tes s ó tem atacado aos pobres infelizes inteiramente baldos de recursos.
E u tenho muita e s p e r a n ç a de que n ã o hei-de morrer aqui de epidemias.
Passemos a outro assunto que me é mais grato. C o m o tens passado
de s a ú d e , n ã o tens tido m o l é s t i a alguma? J á e s t á s mais resignada com a
nossa m á sorte? Tem p a c i ê n c i a , resigna-te. A r e s i g n a ç ã o é uma grande
virtude. É a pedra de toque das grandes almas. Tu n ã o sofres mais do
que eu, posso assegurar-te, no entanto, com a c o n s c i ê n c i a tranquila,
como [homem de] bem que me orgulho de ser cumpro fielmente todos
os meus [deveres] e espero resignado as d e c i s õ e s do destino. Sempre
me s ã o c o n t r á r i a s , é uma triste verdade, mas o que hei-de fazer? Quem
sabe no futuro quantas d e s g r a ç a s me a g u a r d a m ? Quem sabe se n ã o
serei mais feliz estando aqui do que voltando ao meu país, onde o cora-
ç ã o me diz que reside toda a m i n h a felicidade? N i n g u é m sabe o que
traz o dia de a m a n h ã , por isso resignemo-nos com nobreza à s [condi-
ç õ e s ] do presente e esperemos tranquilos a sorte boa ou m á que nos
espera. Quem sabe se ainda n ã o seremos bastante felizes? Quem sabe
se isto n ã o nos foi n e c e s s á r i o para apreciarmos melhor a nossa sorte?
Ou quem sabe se ela n ã o ficará mais [...]. Resigna-te, tem p a c i ê n c i a . E u
sou cada vez [...] c a d a vez amo-te mais a p a i x o n a d a m e n t e , c a d a vez
sinto forte a saudade que tenho de ti e que me vai ralando a e x i s t ê n c i a ,
mas resigno-me e que r e m é d i o ? A r e s i g n a ç ã o n ã o quer dizer a morte
do c o r a ç ã o . C o m o v a i a m i n h a e n g r a ç a d a A l d i n i n h a , j á e s t á boa de
todo? Está mais gordinha? J á fala muito? Continuas a falar-lhe sempre
no seu papai e a mostrar-lhe o retrato? E Adozinda está boa? J á está com
quatro meses e dois dias. E s t á forte, e s t á mais bonita? Tens me pintado
ela t ã o feia! Estou ansioso por que chegue o [...]. Desde que, [...] Sta.
C a t a r i n a a levar doentes, isto tem sido a causa [...] de demora. Estou
ansioso pelos retratos. M i n h a amiguinha [...] te tenho mandado dizer
em uma [...] mandar mais g é n e r o s : manda-me (se n ã o te for sacrifício),
em lugar dos g é n e r o s , o d i n h e i r o que g a s t a r i a s em c o m p r á - l o s , n ã o
porque isso chegue para c o m p r á - l o s aqui, mas pelas r a z õ e s que te tenho

145
dado em minlias cartas passadas. Nas primeiras cartas pedi-te que me
mandasses g é n e r o s e n ã o me mandasses dinheiro; hoje p e ç o - t e que
me mandes dinheiro e n ã o me mandes g é n e r o s . É uma c o n t r a d i ç ã o , mas
essa c o n t r a d i ç ã o j á está explicada essas (sic) cartas que te tinha escrito.
Pelo Malaquias p o d e r á s obter os meios fáceis de mandar-me dinheiro
pelo comandante do vapor S. José ou pelo [...] Dr. Roiz da Costa. M a n -
da-me t a m b é m papel para cartas. [...] o G u i m a r ã e s a fim de veres se é
possível que [...] comece no j o r n a l a p u b l i c a ç ã o de um pequeno traba-
lho que deixei com ele. Se isso trouxer sacrifícios n ã o quero que publi-
quem. Manda-me n o t í c i a s de minha M ã e e de todos de casa. Meu anjo,
que te hei-de dizer de minha s i t u a ç ã o ou teu respeito? Que o extremoso
amor e excessiva amizade que tenho por ti fazem o tormento [...]. Se
n ã o fizesse isso talvez eu n ã o sofresse [...] tua imagem, o teu amor, as
saudades que tenho de ti acompanham-me por toda parte como à som-
bra de meu corpo. Se no excessivo amor e amizade de teu marido esti-
ver a tua felicidade és muito feliz. Adeus, minha querida, minha adora-
da esposa e amiga. A b e n ç o a por m i m a esses dois anjinhos, d á - l h e s
sempre beijos pelo seu papai. Dá muitas l e m b r a n ç a s às tuas boas ami-
gas D. A l c i d a e D. Delmira e t a m b é m ao Sr. E r n e s t o , teu Pai, D. Olímpia,
D. M a r i q u i n h a s e a todas as pessoas de nossa amizade e aceita um
beijo, um a b r a ç o e o c o r a ç ã o leal e saudoso do esposo fiel e apaixonado
amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

Quando nos tornaremos a ver e a b r a ç a r , meu anjo?

N . B . Manda-me dizer minuciosamente todas as cartas minhas que tens


recebido com as datas e as datas em que as recebeste. Manda-me tam-
b é m dizer se tens [...].
Corrientes 5 de abril de 1867
M i n h a adorada esposa e amiga
(Carta n" 40)

[ E n t ã o ] hoje a nossa pxinicoque faz quatro (sic) t r ê s anos? C o m o e s t á


ela? E s t á boa de todo, está mais gordinha, continua ainda muito brejei-
ra, muito festiva? A o receber esta carta (que escrevi n ã o s ó para te dar
n o t í c i a s e mostrar que nunca me sais do pensamento, assim como tam-
b é m p a r a que s a i b a s que ao c o r a ç ã o do Pai e x t r e m o s o n ã o passou
desapercebido o dia de anos de sua idolatrada filhinha) d á - l h e por mim
muitos a b r a ç o s e muitos beijos e transmite a b ê n ç ã o que lhe manda seu
Pai e seu verdadeiro amigo. E daqui a onze dias fazem (sic) quatro anos
que somos casados! S ã o quatro anos que desejara que fossem de uma
vida feliz para a minha adorada esposa; mas vieste ligar a tua vida à de
um infeliz como eu; e por isso o meu ardente desejo como amigo since-
ro ficou s ó em desejo. No entanto [eu devo-te] a felicidade que me trou-
xeste; a tua imagem querida n ã o me sai do pensamento, acompanha-
me por toda parte, faz nascer em m i m sentimentos que me enobrecem
a alma. Se a saudade (filha do amor) me serve de s u p r e m a a n g ú s t i a ,
t a m b é m me d á um prazer real (a saudade tem esse duplo e c o n t r a d i t ó -
rio efeito: é um sentimento que tem tanto de [sublime] como de miste-
rioso e inexplicável). D á - m e a ideia do quanto te amo, do quanto sou
teu amigo, e isto me faz feliz. Dizem por aqui que no dia de teus anos
d á - s e o combate geral de que há tanto tempo se fala. Pretendem feste-
j a r assim o a n i v e r s á r i o da passagem do E x é r c i t o para o outro lado do
P a r a n á (Paraguai), que se efetuou nesse dia o ano passado. Se se der
este combate, o que n ã o [creio] eu ao estrondar do c a n h ã o , ao [que-
b r a r ] da metralha, no meio dessa m ú s i c a infernal que fazem o zunir das
balas, o retinir do embate [d'armas, aos] gritos d'agonia das vítimas, no
meio dessa c o n f l a g r a ç ã o geral, pensarei em ti, meu anjo, pedirei a Deus
que se lembre de ti, de minhas filhinhas e de minhas i r m ã s e M ã e , e que
os (sic) faça [bem felizes]. Tua imagem e s t a r á mais que nunca em meu
e s p í r i t o , teu retrato s e r á como s e m p r e meu a d o r á v e l c o m p a n h e i r o ,
e s t a r á sempre bem junto do meu c o r a ç ã o e assim seguirei para onde
me levar a sorte da guerra, sempre com honra e dignidade que fazem
meu ú n i c o orgulho. Este s e r á o meu procedimento se houver combate
nesse dia ou em qualquer outro. M a s n ã o c h o r e s , n ã o te amofines.
estou convencido de que nunca mais teremos combates. A s p e ç a s que
t ê m de funcionar nessa luta ainda n ã o se [mandou vir, ainda] o O s ó r i o
n ã o atravessou o P a r a n á e talvez s ó o faça lá para o dia 30 ou p r i n c í p i o s
de maio, nem se fala ainda em apurar toda a força d i s p o n í v e l , grande
parte da qual anda dispersa por estas cidades e em diversos s e r v i ç o s .
Sem tudo isto n ã o se d á combate com toda a certeza e nem é p o s s í v e l .
C o m o os j o r n a i s h ã o - d e espalhar lá esta n o t í c i a , julguei dever falar-te
t a m b é m p a r a que n ã o te assustes; se as folhas d i s s e r e m isso toma
como falso, para teres a verdade. Os j o r n a i s da Corte t é m dito que a
E s q u a d r a j á subiu acima de Curupaiti, que tem arrasado estas fortifica-
ç õ e s , apresentam a t é um grande n ú m e r o de mortos em cada bombar-
deio e tudo isto é completamente falso. A E s q u a d r a ainda n ã o chegou à
estacada de Curupaiti, quanto mais [ir] além, n ã o arrasou coisa alguma.
Da p o s i ç ã o em que está tem feito, é verdade, f o r t í s s i m o s bombardeios
que devem ter causado danos ao inimigo; mas n i n g u é m pode saber
quais s ã o estes danos porque n i n g u é m vê as muralhas de Curupaiti, da
E s q u a d r a ou do 2" Corpo. Há em frente a elas uma mata que as encobre
completamente à s nossas vistas. Repito-te, os j o r n a i s dessa Corte h ã o -
de falar em combates no dia [...] mas n ã o lhes d ê c r é d i t o , n ã o há mais
combates e se houver n ã o s e r á , com toda a certeza, nestes meses. N ã o
penses que te digo isto para te tranquilizar o e s p í r i t o , digo-te a verdade
[...] o teu c o r a ç ã o . E quando haja combate ele n ã o t e r á lugar s e n ã o
daqui a dois ou t r ê s [...] se segue que eu m o r r a ou que seja ferido.
Q u a n t o s oficiais n ã o c o n h e ç o eu aqui que t ê m entrado em todos os
combates, que t ê m - s e distinguido por sua b r a v u r a e que no entanto
n ã o t ê m nem um pequeno a r r a n h ã o : muitos nunca (...] a t é necessidade
de s e r v i r - s e de sua espada ou de seu r e v ó l v e r . A f u n ç ã o do oficial é
mais a de dirigir com tino os seus soldados, n ã o é fazer corpo-a-corpo
com o inimigo. A l g u m a s vezes isso é n e c e s s á r i o , mas é raro. No dia 16
deste m ê s vou escrever-te uma c a r t i n h a onde te m a n d a r e i p a r a b é n s
pelo dia de teus anos, dando-os t a m b é m a m i m pela felicidade que
tenho em possuir-te como esposa e amiga a quem amo mais que a tudo.
E te mandarei dizer (sem te enganar) que esse dia feliz para mim pas-
sou-se no entanto no mesmo [...] em que tem estado o E x é r c i t o e que
[...] n ã o h a v e r á e s p e r a n ç a de t ã o cedo h a v e r [...] combate e hei-de
dizer-te infelizmente a verdade. Digo infelizmente porque desejo ver
tudo acabado quanto antes. Deixa estar, minha querida amiguinha, que
ainda hei-de ter o imenso prazer de a b r a ç a r - t e outra vez e ainda have-
mos de ser bem felizes, pelo menos eu espero s é - l o a teu lado. Tem
p a c i ê n c i a , resigna-te a sofrer por mais algum tempo. Tu agora parece-
me que s ó me queres e s c r e v e r [...], n ã o f a ç a s isso, escreve-me por
todos os correios ainda que sejam pequenas cartinhas. Desejo que me
escrevas cartas bem longas e bem minuciosas; mas antes venham car-
tas pequenas do que nenhuma. E u aproveito qualquer descanso que
tenho para escrever-te. N ã o deixes de escrever pelo D r Roiz da Costa,
que é p o r t a d o r seguro, mas escreve-me t a m b é m pelo S. José, pelo
ItapicLiru, enfim por todos vapores. Se eu n ã o te escrevo por todos os
correios que daqui saem é porque muitos partem sem que se d é disso
conhecimento ao E x é r c i t o , contra o que h á aqui uma queixa geral. [...]
dou-me com o oficial encarregado [...] e ele me previne dos dias em que
h á m a l a , mas à s vezes a mala do c o r r e i o parte direto do Q u a r t e l -
General-em-Chefe, de modo que n i n g u é m tem ciência disso. Tu numa
de tuas cartas passadas perguntas-me s e j a me tenho esquecido de ti.
N ã o me faças dessas perguntas que me ofendes e levam-me a pensar
que isso é possível em r e l a ç ã o a ti. Fica certa que nunca me e s q u e ç o de
ti, nem dos meus deveres. E como esquecer-te se tu és a m i n h a ú n i c a
ventura? N ã o te e s q u e ç a s tu de mim que esse esquecimento é i m p o s s í -
vel para mim. N ã o gostaste?, mas t a m b é m n ã o gostei da tua pergunta.
C o m o vai a Adozinda? Está mais bonita, tu me tens pintado ela t ã o feia
que estou ansioso porque v e n h a [...] p a r a ver o r e t r a t i n h o dela.
Assevero-te que hei-de a c h á - l a bonita. O nosso bom velho e s t á melhor?
E s t á mais forte? Deus lhe d é muitos e muitos anos de vida. Como v ã o a
D. O l í m p i a e D. M a r i q u i n h a s ? A s tuas boas amigas A l c i d a e D e l m i r a
e s t ã o boas? J á sei que s ã o cada vez mais amigas. E u estimarei que con-
tinuem muito amigas como t ê m sido a t é hoje. D á - l h e s muitas e muitas
r e c o m e n d a ç õ e s minhas. J á recebeste a p r o c u r a ç ã o que mandei dentro
da carta que te mandei pelo correio no dia 22 de m a r ç o e que j á estava
feita há mais tempo à espera s ó de que soubesse da partida de algum
correio? Se a n ã o mandei há mais tempo foi porque n ã o foste clara em
tuas cartas e s ó na última me falaste definitivamente [...] dizias-me que
o E r n e s t o havia de escrever-me [...] como devia a espera dessa carta.
Q u a n d o me e s c r e v e r e s responde-me a isso. B r e v e te m a n d a r e i u m a
r e l a ç ã o de todas as cartas tuas que tenho recebido. F a z o mesmo.
A i n d a n ã o recebeste a minha longa carta de 20 e 30 d e j a n e i r o [...] que
te mandei t a m b é m uma carta para a A l d i n a e outra para a minha M ã e ?
[...] bastante se n ã o receberes essa carta. Responde-me a ela se a rece-

149
beres. Suponho que foi a carta que o P e ç a n h a perdeu, vê se ele a [...].
Foi por i n t e r m é d i o do M a l a q u i a s e [...] pode ser outra. Pergunte ao
P e ç a n h a (se falares com ele) se a carta que perdeu n ã o era muito volu-
mosa. Dentro dela iam t a m b é m cartas do J o ã o para ti, D. Mariquinhas,
teu Pai e suponho que t a m b é m ia uma para D. Olímpia. Tu dizes que me
tens escrito muito, tens [...] alguma coisa, é verdade, p o r é m o n ú m e r o
de cartas minhas é maior, esta tem o n° 40 e tuas s ó [...] 34 e e s t á s em
melhores c o n d i ç õ e s de escrever-me.
Adeus, minha muito amada esposa e amiga, beija e a b r a ç a por mim
às nossas filhinhas e d á l e m b r a n ç a s a todas as pessoas de nossa família
e de nossa amizade e aceita uma a b r a ç o cada vez mais apertado e o
c o r a ç ã o cada vez mais saudoso e leal do seu fiel e verdadeiro amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . O portador desta é o C a p i t ã o L e ó n i d a s de C e r q u e i r a L i m a , meu


conhecido e [...].

* * *

Corrientes 5 de abril de 1867


Meu Pai e bom amigo
À m a r g e m : A carta d á N h a n h ã que me veio aberta foi de 29 de m a r ç o .

C o m data de 3 do corrente escrevi-lhe uma carta pelo S. José de (sic)


que foi pelo 1" Tenente de nossa a r m a d a Pedro A n t ô n i o do Monte
Bastos: ao entregar-lhe a carta, disse-me que era muito seu conhecido e
de seu i r m ã o J e r e m i a s . No dia 23 e s c r e v i - l h e t a m b é m uma pequena
c a r t a que mandei pelo c o r r e i o ; dentro ia uma p a r a sua filha, m i n h a
mulher. N ã o tem havido, da ú l t i m a data em lhe (sic) escrevi para cá,
n e n h u m a novidade s e n ã o a c o n t i n u a ç ã o de nossos males, de nossas
m i s é r i a s , que v ã o em sua crescente p r o g r e s s ã o . A fim p o r é m de dar-lhe
n o t í c i a s minhas e receber suas e de toda a nossa família aproveito o
portador que é o S r C a p i t ã o L e ó n i d a s J o s é de C e r q u e i r a L i m a , meu
conhecido e a f e i ç o a d o , para escrever-lhe mais esta cartinha. Vai, como
acontece a todos os que por cá t ê m vindo, revoltado contra tudo isto.
F o i o diretor de nossos hospitais em C o r r i e n t e s e pediu a reforma e
obteve, a fim de v o l t a r ao seio de sua família, pois é casado e tem 4
filhos a quem a farda n ã o s ó n ã o d á futuro, nem amparo algum como
priva-o de o b t ê - l o por outros meios enquanto estiver com ela. N ã o faz
ideia a intensidade com que o d e s â n i m o v a i l a v r a n d o em nosso
E x é r c i t o . A palidez do d e s â n i m o pinta-se em todos os semblantes
mesmo dos mais bravos e mais f a n á t i c o s pela farda. É a c o n s e q u ê n c i a
natural da calmaria podre com que aqui encalhou a nau do estado. É a
c o n s e q u ê n c i a l ó g i c a da c r i m i n o s a i n a ç ã o em que temos estado, h á
quase um ano, em frente à s i n s i g n i f i c a n t e s m u r a l h a s de Tuiuti e
C u r u p a i t i . N ã o obstante a falta de fé sobre os boatos que por cá se
espalham, corre como certo que a t é o dia 16 do corrente h á - d e haver o
ataque em que h á tanto tempo se fala. Deus o traga a fim de ver se aca-
bamos com esta p o r c a r i a que é mais um p a d r ã o de nossa v e r g o n h a .
E s p e r o voltar por estes t r ê s dias ao E x é r c i t o ; parece-me que vou ser
incumbido de completar as fortificações de nossa esquerda nas linhas
a v a n ç a d a s , construindo duas baterias para morteiros. J á fortifiquei a
direita, é j u s t o que vá agora p a r a a esquerda. Posso-lhe afirmar que
tenho trabalhado muito desde que cheguei a este E x é r c i t o e sempre nas
a v a n ç a d a s , isto é, sempre nos pontos mais perigosos. N ã o lhe digo isto,
s e n ã o para dizer-lhe a verdade. N ã o tenho p r e t e n s ã o alguma na vida
militar: s ó o que desejo é voltar (quando isto se acabar) e bem com a
m i n h a c o n s c i ê n c i a . O c ó l e r a continua a sua d e v a s t a ç ã o , os hospitais
regurgitam de doentes e o n ú m e r o de doentes de diversas epidemias
aumenta espantosamente. O quadro que por aqui se apresenta n ã o
pode ser mais desanimador. Talvez me julgue um exagerado, um des-
crente, um pessimista? Antes o fosse. O dinheiro continua a gastar-se
abundantemente e sem necessidade. P a r a dar-lhe uma pequena ideia,
j á que n ã o posso entrar agora em longos desenvolvimentos, vou con-
tar-lhe um fato, que é oficial. Há aqui um contrato com um Correntino
p a r a efetuar, com c h a l a n a s suas, os embarques e desembarques de
nossos navios que aqui chegam carregados de tropas, materiais, etc. O
nosso governo paga todos os meses a este tratante 8, 10 contos de réis.
Pois bem, o T i b ú r c i o , que aqui veio p a r a c o m a n d a r o Batalhão
P r o v i s ó r i o , combinado com o Major Peres, encarregado dos d e p ó s i t o s ,
com quatro chalanas nossas e um contingente de 12 p r a ç a s fornecido
d i a r i a m e n t e pelo b a t a l h ã o , tirando-o dentre os muitos soldados que
ficam de folga, fizeram durante 6 dias todo o s e r v i ç o , tornando inteira-
mente d e s n e c e s s á r i o o pernicioso auxílio do tal tratante C o r r e n t i n o .
Neste pouco tempo realizaram uma economia de perto de t r ê s contos
de r é i s , como consta dos mapas de embarques e desembarques duran-
te esses seis dias. Pois bem, as chalanas foram d i s t r a í d a s para um servi-
ç o insignificante e n ã o voltaram, O T i b ú r c i o oficiou pedindo que lhe
m a n d a s s e m algumas das muitas chalanas que e s t ã o apodrecendo no
P a s s o da P á t r i a e a t é hoje n ã o foi atendido. E u oficiei ao Chefe da
C o m i s s ã o de E n g e n h e i r o s que é t a m b é m o Q u a r t e l - M e s t r e - G e n e r a l ,
pus-lhe bem claras as vantagens que havia e quanto era pernicioso o
infeliz contrato feito com o tal C o r r e n t i n o e a t é hoje as coisas conti-
nuam na mesma. Destes fatos há por aqui muitos. Adeus, meu bom Pai
e amigo, mande-me n o t í c i a s suas, de D. Olímpia, D. M a r i q u i n h a s e de
todas as pessoas de nossa amizade. M a n d e - m e t a m b é m n o t í c i a s de
minha mulher e minhas filhas e aceite um apertado a b r a ç o de seu filho
e amigo sincero

Benjamin Constant

N . B . Os acessos de febre n ã o me t é m voltado.

* * *

Corrientes 11 de abril
Meu bom Pai e amigo

No dia 23 de m a r ç o escrevi-lhe do E x é r c i t o . No m ê s de abril escrevi-lhe


t a m b é m desta cidade duas cartas: uma com data de 2 de que foi porta-
dor o 1" Tenente de nossa a r m a d a P e d r o A n t ô n i o do Monte B a s t o s ;
outra com data de 5 de que foi portador o C a p i t ã o J o s é de C e r q u e i r a
L i m a . Escrevo-lhe agora esta cartinha com o fim de saber de sua s a ú d e
e de D. Olímpia e D. M a r i q u i n h a s e de todas as pessoas de nossa famí-
lia, e dar-lhe ao mesmo tempo n o t í c i a s minhas. Dentro das cartas que
lhe e s c r e v i iam cartas p a r a m i n h a mulher. A l é m destas escrevi a ela
mais t r é s que foram pelo correio e pelo mesmo portador. Tudo conti-
nua na mesma criminosa pasmaceira, e por isso poucas s ã o as novida-
des a dar-lhe do que por aqui v a i . No entanto v o u dizer-lhe sempre
alguma coisa. O c ó l e r a vai felizmente diminuindo de intensidade: fez
p o r é m bastantes estragos nesta cidade, levando-nos mil e quatrocentos
e tantos homens a t é esta data, entre eles alguns oficiais. O C a p i t ã o de
E s t a d o - M a i o r de 1" Classe Manoel Feliciano Pereira de C a r v a l h o (filho
do Chefe do C o r p o de S a ú d e ) , meu colega, casado e com t r é s filhos,
aqui morreu do c ó l e r a . Nos naturais do p a í s os estragos t ê m sido gran-
des; p o r é m o terror que se apoderou da p o p u l a ç ã o é superior a tudo.
A s famílias t ê m abandonado a cidade que e s t á quase deserta. H á ruas
inteiras onde n ã o se encontra uma s ó casa habitada por Correntinos.
P a r a onde v ã o estes d e s g r a ç a d o s a t e r r a d o s pela peste? O s que t ê m
suas s i t u a ç õ e s no campo (la campana) v ã o para elas; os que n ã o t ê m ,
que s ã o em muito maior n ú m e r o , v ã o para baixo das á r v o r e s no campo
a duas, t r é s l é g u a s distante da cidade e pensam estar livres do mal. A
estupidez e i g n o r â n c i a deste d e s g r a ç a d o povo é causa do p â n i c o de
que e s t ã o p o s s u í d o s . Causa lástima ver famílias inteiras abandonando
tudo e indo viver embaixo das á r v o r e s no campo, sem o menor abrigo,
expostas noite e dia ã s chuvas e ao sol, etc. O Registro da Polícia dava
a t é antes de ontem perto de oito mil C o r r e n t i n o s que t ê m deixado a
cidade. E s t e s dados s ã o oficiais (note que a p o p u l a ç ã o de toda a
P r o v í n c i a de Corrientes n ã o excede a dezesseis mil almas). A cidade do
P a r a n á ( R e p ú b l i c a Argentina) t a m b é m foi atacada. N ã o sei o que por lá
houve. C o r t a o c o r a ç ã o ver-se quanta d e s g r a ç a tem aqui causado a
peste e as cenas de desumanidade que se t ê m dado (falo-lhe por ora em
r e l a ç ã o aos C o r r e n t i n o s ) tendo por o r i g e m a i g n o r â n c i a e o terror.
Quando o c ó l e r a ataca algum Correntino, a casa onde e s t á fica comple-
tamente abandonada, todos fogem espavoridos e o d e s g r a ç a d o doente
fica em completo desamparo, sem ter quem lhe procure um m é d i c o , um
r e m é d i o , alimento, etc. R a r o s s ã o os fatos que fazem e x c e ç ã o a esta
praxe cruel. Tenho assistido a muitas cenas destas e tenho feito o que
posso. Depois de morto o i n d i v í d u o , a p r ó p r i a polícia do p a í s encarre-
gada do enterro com dificuldade se a v e n t u r a a e n t r a r na c a s a . O s
lamentos e os gritos pungentes dos aflitos a que a peste rouba um ente
querido, ouvem-se a cada passo. P a s s e a r nesta quadra pelas ruas de
Corrientes é expor-se a voltar para casa com o c o r a ç ã o coberto de luto.
No meio desta c o n f l a g r a ç ã o geral os nossos m é d i c o s t é m prestado
alguns s e r v i ç o s , é verdade; p o r é m acho-os muito longe (com r a r a s
e x c e ç õ e s ) de merecerem elogios. Vendo o terror e x t r a o r d i n á r i o de que
e s t á p o s s u í d a a p o p u l a ç ã o , ainda n ã o se l e m b r a r a m de fazer alguns
artigos para os jornais, aconselhando as medidas h i g i é n i c a s que devem
tomar para procurar evitar o mal, os medicamentos de que devem estar
munidos e que devem aplicar logo que os conhecidos sintomas apare-
cerem enquanto procuram o m é d i c o , etc. E m b o r a a medicina n ã o tenha
definitivamente resolvido o p r o b l e m a de ser o c ó l e r a contagioso ou
n ã o , acho que os m é d i c o s , em p r e s e n ç a das cenas desumanas que se
t ê m dado e de que acima lhe falei, deviam p r o c u r a r convencer a este
povo que o mal n ã o é contagioso, para diminuir assim de algum modo
as d e s g r a ç a s que aqui se d ã o e se v ã o dando. E n f i m o corpo de s a ú d e
(no meu modo de entender) n ã o tem dado esses conselhos, n ã o tem
feito os s e r v i ç o s que a humanidade reclama de sua ciência. C o m a inva-
s ã o do c ó l e r a , o ó d i o que esta gente nos tem subiu de ponto. Falou-se
aqui e tomou-se (sic) a t é p r o v i d ê n c i a s com as autoridades do país para
evitar a r e a l i z a ç ã o de planos que u r d i a m contra n ó s ; tentaram l a n ç a r
fogo a todos os nossos hospitais e diversas r e p a r t i ç õ e s . Felizmente a t é
hoje nada se tem dado. Além disto a nossa s i t u a ç ã o ainda é agravada
pela r e v o l u ç ã o que se prepara com o fim de fazerem descer do governo
desta P r o v í n c i a o atual governador, D. E v a r i s t o Lopez. O C o r p o
P r o v i s ó r i o comandado pelo Tibúrcio tem sempre gente armada e pron-
ta a acudir a qualquer ponto atacado ao rebentar a r e v o l u ç ã o . E n f i m
tudo isto v a i à s mil m a r a v i l h a s . E s t á cortada a c o m u n i c a ç ã o , pelo
menos o movimento de tropas, entre o 1" Corpo de E x é r c i t o e esta cida-
de, por causa da epidemia: h á ordens e x p r e s s a s do C a x i a s p a r a que
nenhum soldado ou oficial venha do 1" Corpo para Corrientes ou vice-
versa, de modo que aqui estarei a t é passar de todo a epidemia. Se n ã o
fosse ter encontrado aqui o T i b ú r c i o ter-me-ia visto em s é r i a s dificulda-
des porque tudo aqui é c a r í s s i m o e nenhum dinheiro trouxe quando
para cá v i m . Vamos agora ao modo por que nesta quadra se tem trata-
do aos nossos d e s g r a ç a d o s soldados. Os soldados que c o m p õ e m o
C o r p o P r o v i s ó r i o e os adidos, que s ã o muitos, montam em n ú m e r o a
mais de quatro m i l . Pois bem, excetuando aqueles poucos que s ã o
camaradas de oficiais, ou empregados, a maior parte desta pobre gente
n ã o tem uma b a r r a c a que lhe s i r v a de abrigo, d o r m e m ao relento
expostos ao sereno e à s chuvas, muitos sem mantas, sem capotes; por
isso t a m b é m a peste tem dado aqui com muito m a i o r intensidade.
Debalde o T i b ú r c i o zeloso e ativo como é tem feito pedido de barracas;
n ã o ha, é a resposta que se d á , e é exato, n ã o h á b a r r a c a s . C o m o vai
bem a nossa a d m i n i s t r a ç ã o ! . . .
O 1" C o r p o de E x é r c i t o ainda n ã o foi invadido por esta peste, h á
muita peste por lá, mas é de outra e s p é c i e , h á 3 ou 4 dias p o r é m o 2"
C o r p o de E x é r c i t o tem sofrido muito. Ontem chegou a esta cidade o
vapor D. Teresa vindo do C u r u z u com trezentos c o l é r i c o s . Estes des-
g r a ç a d o s doentes v i n h a m no mais completo abandono, quase nus (pois
alguns t r a z i a m c a m i s a s sem c a l ç a s nem ceroulas, outros com c a l ç a s ,
mas sem camisa, poucos v i n h a m completamente fardados e raros os
que traziam uma manta para cobrir-se), sem um s ó m é d i c o , sem enfer-
meira, sem n i n g u é m que os trouxesse, sem um s ó medicamento, sem
c o m i d a , etc. C h e g a r a m dezesseis mortos e outros ã morte. À m e i a -
noite do mesmo dia chegou o vapor D. Francisca vindo com c o l é r i c o s
de C u r u z u e tratados do mesmo modo. Este fato é oficial e contra ele
ousou r e p r e s e n t a r um m é d i c o do hospital de c o l é r i c o s , c h a m a d o
Macedo. O r a s e r á n e c e s s á r i o comentar este fato? Além disso é o ú n i c o
que revela a desumanidade com que s ã o tratados os soldados doentes?
H á - d e custar a acreditar em todas as verdades que lhe tenho dito!... Os
j o r n a i s dessa Corte fazem tantos elogios a tudo o que por aqui vai (con-
forme tenho lido algumas vezes) que estou em v e r d a d e i r o contraste
com os correspondentes oficiais e particulares dessas folhas; p o r é m
como estou bem com a c o n s c i ê n c i a e digo a verdade a mais pura estou
satisfeito. C o n f o r m e as c o r r e s p o n d ê n c i a s dos j o r n a i s dessa C o r t e o
estado s a n i t á r i o do E x é r c i t o é muito lisonjeiro, o n ú m e r o de mortos é
insignificante, mas a verdade é esta e felizmente existe em dados ofi-
ciais que lá n ã o aparecem; antes da i n v a s ã o do c ó l e r a o n ú m e r o de
doentes de diversas m o l é s t i a s subia a perto de 12.000 homens e s ó em
C o r r i e n t e s , nos d i v e r s o s hospitais, a e s t a t í s t i c a dos mortos e x c e d i a
sempre a trezentos homens por m ê s e o n" de doentes aumentara cada
vez mais. Esta é que é a verdade, pode acreditar. Falei do n ú m e r o de
mortes que se deram em Corrientes, porque n ã o sei o que se tem passa-
do ao certo nos hospitais do C e r r i t o , I t a p i r u , C h a c a r i t a , P a s s o da
P á t r i a , assim como nos hospitais dos acampamentos.

Felizmente tenho escapado, a febre intermitente parece que j á me


deixou de todo; porque há mais de seis dias n ã o me tem voltado; estou
p o r é m ainda muito magro e muito abatido.
N ã o lhe posso dar agora n o t í c i a s de seu filho J o ã o , porque como lhe
disse e s t ã o cortadas as c o m u n i c a ç õ e s entre o 1° C o r p o de E x é r c i t o e
esta cidade, mas ao v i r de lá deixei-o bom. .Seria longo descrever-lhe
todos os males que aqui nos c e r c a m e a l é m disso n ã o quero que me
tomem por pessimista, descrente, exagerado ou coisa semelhante, por
isso refiro-lhe somente aquilo que se e s t á passando e isso mesmo de
leve. Corrientes é a cidade mais desmoralizada que c o n h e ç o e em geral
os nossos oficiais, soldados, etc. fazem aqui bem r i d í c u l o papel. H á
felizmente muitas e x c e ç õ e s , muitos Brasileiros dignos de elogios por
sua moralidade, por seu comportamento, a maior parte p o r é m é uma
d e s g r a ç a . O soldados s e r v e m de c r i a d o s , de e s c r a v o s à s prostitutas
desta cidade, muitos mandados por oficiais, outros trabalham em casas
p a r t i c u l a r e s furtando-se ao s e r v i ç o e muitas vezes g a n h a n d o para
quem os manda, e t c , e t c , etc. O T i b ú r c i o n ã o descansa no que diz res-
peito ao seu b a t a l h ã o , tem tomado medidas e n é r g i c a s para debelar o
mal que j á e s t á e n r a i z a d o e tem feito muito, p o r é m muito lhe falta
ainda; mas - andorinha s ó n ã o faz v e r ã o . Adeus, meu Pai e bom amigo,
muitas l e m b r a n ç a s à D. O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s e a todos de nossa
amizade. Aceite um apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o saudoso de seu filho e
amigo

Benjamin

* * *

Corrientes 12 de abril de 1867


M i n h a querida esposa e amiga
(Carta n" 41)

[...] e as pequerruchas? N ã o tenho quase nada para contar-te, minha


amiga; no entanto escrevo-te esta cartinha com o fim de dar-te n o t í c i a s
minhas e receber tuas. T ê m vindo alguns vapores [...] tenho recebido
cartas tuas. N ã o me tens e s c r i t o ? Nos dias 20, 22, 29 e 31 de m a r ç o
escrevi-te pelo correio [...] do E x é r c i t o e nos dias 29 e 31 de Corrientes:
a de [...] pelo correio, a de 31 pelo 2" Tenente da a r m a d a A n t ô n i o do
Monte B a s t o s . Neste m ê s tenho te escrito t r ê s , com esta: a 1'' foi a 2,
sendo t a m b é m portador o Monte Bastos; a 2" foi a 5 sendo portador o
C a p i t ã o J o s é de C e r q u e i r a L i m a , a t e r c e i r a é esta [...] te e s c r e v e r e i
outra (no dia 16). A s m i n h a s cartas s ã o todas numeradas, quando as
receberes manda-me dizer designando o n ú m e r o . Recebi no dia 26 de
m a r ç o uma carta tua muito pequena e a t é hoje [...] mais. Por um oficial
que aqui chegou ontem do R i o de Janeiro, soube que o Arinos voltou de
Montevideu para Sta. C a t a r i n a e de lá foi de volta para essa Corte em
c o n s e q u ê n c i a de estragos que [...] sofreu a m á q u i n a num temporal que
apanhou. Incomodou-me bastante esta notícia; desejava ansiosamente
a sua chegada para ter o retrato da nossa Adozinda, e t a m b é m o teu e o
da nossa pxinicoque. C o m o v ã o elas? N ã o te tem faltado o leite para
amamentar a A d o z i n d a ? Alimentas-te bem ou fazes t a m b é m [...] nesse
ponto e que te podem ser prejudiciais e à nossa filhinha? Tenho receios
disso. J á e s t á s mais [...]? N ã o tem havido por casa nenhuma novidade?
Manda-me dizer (com franqueza). N ã o me ocultes [...] que é mau. Estou
bom da febre intermitente [...] há mais de seis dias n ã o me tem voltado;
estou ainda muito magro, com fastio e muito abatido. O gado como era
de esperar sofreu muito; [...] a tratar dele do melhor modo que puder.
E s t o u [...] que a b o r r e c i d o e desgostoso c o m a e x c e s s i v a d e m o r a de
nossas o p e r a ç õ e s . N ã o sei quando a c a b a r á esta p o r c a r i a . À s vezes
penso que n ã o terei a felicidade de tornar a ver-te e a b r a ç a r - t e ; parece
que esta g u e r r a n ã o tem fim. N ã o h á uma d i r e ç ã o inteligente e aqui vai
esterilmente morrendo este pobre E x é r c i t o que j á tantos sacrifícios tem
feito. Devia dizer que tudo v a i muito bem e que breve e s t a r á tudo [...] se
te quisesse tranquilizar enganando-te; mas n ã o te direi s e n ã o a verda-
de. Pode ser que isto acabe [...] mas o que é de esperar-se pela apatia
em que estamos é que a g u e r r a se p r o l o n g a r á ainda muito. Se fosse
p o s s í v e l esquecer-te enquanto estivesse [...] estimaria muito porque o
extremoso amor e amizade [...] fazer o ú n i c o sacrifício da vida d e t e s t á -
vel que aqui passo. N ã o penses p o r é m que procuro isso, n ã o [...] era
p o s s í v e l . Cada vez sinto mais pesado o sacrifício que estou fazendo, e
tu, isto é, o amor que te tenho [...] a principal causa disso. A A l d i n a e s t á
muito crescida, j á fala melhor? Que prazer n ã o hei-de sentir quando
tornar a ver-te e a b r a ç a r - t e e à s nossa inocentes filhinhas. Estou retido
nesta m o n ó t o n a cidade. O C a x i a s o r d e n o u que n ã o fosse daqui
nenhum oficial ou soldado para o E x é r c i t o enquanto durasse a epide-
mia, de modo que n ã o sei quando v o l t a r e i . O n a v i o que t r o u x e esta
ordem [...] t a m b é m uma outra c o m i s s ã o para mim que é bem arriscada
e trabaliiosa. E n f i m esta m i n h a vida h á - d e ir andando sempre assim,
enquanto descanso carrego pedras. Se n ã o tivesse encontrado aqui o
T i b ú r c i o , que é meu verdadeiro amigo, assim como eu sou dele, ter-me-
ia visto bastante atrapalhado. V i m do E x é r c i t o sem trazer um v i n t é m no
bolso e tudo aqui é c a r í s s i m o . Tenho muitos a f e i ç o a d o s , muitos ofereci-
mentos, é verdade, mas a minha dignidade n ã o permite que aceite [...].
Manda-me n o t í c i a s de minha M ã e e de todos de nossa casa, se for pos-
sível. N ã o te e s q u e ç a s deste infeliz amigo de quem fazes a maior ventu-
r a . E s c r e v e - m e sempre, por todos os c o r r e i o s , n ã o imaginas quanto
prazer me d á uma cartinha tua embora sintas [...] prazer em receber as
minhas. Se tiveres p r e g u i ç a de [...] escreve ao menos duas linhas que
s e r á melhor do que nada. N ã o quero fazer-te injustiça talvez me tenhas
escrito e eu n ã o tenha recebido. E s t a carta vai dentro de uma que
ontem escrevi a teu Pai. Pede a ele que te [...] esta carta porque digo-lhe
com franqueza os [...] t e r r í v e i s do c ó l e r a por esta cidade, o p â n i c o de
que foram p o s s u í d o s os Correntinos, a r e l a x a ç ã o em que v ã o as nossas
coisas, e t c , etc. Recomendo-te que leias essa carta, assim evito repetir-
te aqui tudo isso, que me obrigaria talvez a perder o correio que ontem
à noite [...] saía hoje. Quando puderes manda-me [...] papel para cartas.
Dá muitas l e m b r a n ç a s a tuas amigas D. Alcida e D. Delmira (a tua [...]) e
ao E r n e s t o que nunca me esquecerei do quanto [...] por ti. Quando nos
tornaremos a ver, minha adorada esposa e amiga? Talvez breve. Deus o
permita. Dá muitos beijos nos nossos inocentes anjinhos [...] por mim.
Dá t a m b é m l e m b r a n ç a s a todos os de nossa verdadeira amizade e rece-
be um apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o mais que saudoso do esposo fiel e
apaixonado, do teu amigo sincero

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

À m a r g e m : ([...) carta do filho de [...] te p e ç o para a mandares [...] esti-


ve com ele aqui; e s t á doente p o r é m sem perigo.)

* * *
Corrientes 16 de abril de 1867
M i n h a muito adorada esposa e amiga
(Carta n" 42)

Completas hoje teus anos, meu anjo. Quanto és infeliz por minha causa!
No entanto (Deus o sabe) eu s ó desejo a tua completa felicidade. Deus
permita que tenhas uma longa e feliz e x i s t ê n c i a . Deus derrame sobre ti
e sobre as minhas pobres e adoradas filhinhas a sua b ê n ç ã o e vos guie
sempre pelo caminho da honra e do dever, ú n i c o que nos leva ã verda-
deira felicidade. E s t á s hoje no seio da nossa família, ao lado de teu bom
Pai, de tuas i r m ã s , de nossas filhinhas, de todas as pessoas que te s ã o
a f e i ç o a d a s , todos te oferecem um mimo, uma lembrancinha, e x p r e s s ã o
da afeição que sentem por ti. O que te pode oferecer o teu infeliz espo-
so, o teu esposo fiel e apaixonado, o teu maior amigo, aquele de quem
fazes a ú n i c a felicidade, s e n ã o uma amizade e a f e i ç ã o que n ã o posso
definir-te porque a linguagem humana é pobre para traduzir esses do-
ces sentimentos d'alma: um amor [...] que faz a minha suprema ventu-
ra, assim como é t a m b é m causa dos momentos de minha suprema an-
g ú s t i a ; um nome obscuro sem nenhuma p o s i ç ã o ? U m a vida limpa à [...]
de qualquer n ó d o a , mas triste, m e l a n c ó l i c a e pobre, carregada de des-
gostos e de infelicidade de toda e s p é c i e ? U m a e x i s t ê n c i a que n u n c a
teve, n ã o tem e n ã o t e r á um s ó momento de verdadeira felicidade? (a n ã o
ser a que [...] amizade e extremoso amor que te tenho, a p r á t i c a cons-
tante, serena e vigorosa de todos os deveres de um esposo fiel, de um
amigo dedicado e leal? O desejo v ã o p o r é m ardente de fazê-la feliz? E o
que significa tudo isso? O que importa?... O que vale esta niilidade (sic)
ante a p r e s e n ç a da grande ventura que me d á s e da nobreza e v e e m ê n -
cia dos sentimentos que [...] e uniram por toda a vida o meu ao teu [...]?
Nada absolutamente. És feliz? N ã o . No entanto ver-te contente e feliz é
o meu ú n i c o desejo. O que te posso oferecer p o r é m [...] n o t á v e l e feliz
para m i m , neste dia [...] daquele em que h á quatro anos ( t ã o [...]) me
trouxeste, depois de tantos desgostos, tantos dias c r u é i s , a ú n i c a ventu-
ra que tenho gozado no mundo? Nada absolutamente. [...] certa que se
a tua felicidade dependesse de t o r n a r - m e o m a i s d e s g r a ç a d o dos
h o m e n s eu a c e i t a r i a resignado, contente, c u r v a r - m e - i a [...] ao peso
desse futuro de bronze, aceitaria [...] maiores sofrimentos e esperaria
t r a n q u i l o a morte com a certeza de que a t é lá por todo o tempo que
vivesse n ã o teria um s ó momento de descanso, contanto que tu fosses
feliz [...] m i n h a s a d o r a d a s filhinhas. E u s e r i a bastante feliz, e m b o r a
d e s g r a ç a d o aos olhos do mundo. D i r á s que e s t a b e l e ç o esta h i p ó t e s e
porque ela n ã o se pode realizar. N ã o o creias, o futuro é um m i s t é r i o
i n s o n d á v e l e t ã o [...] e variados s ã o os e p i s ó d i o s da vida humana que,
talvez, ainda tenhas [...] uma prova i r r e c u s á v e l . N ã o o desejo [...] espe-
ro porque v i v e r m o s juntos fazendo a nossa r e c í p r o c a felicidade e de
nossos filhos é o meu sonho dourado, o meu mais ardente desejo e
espero a l c a n ç á - l o s , porque tenho a c o n v i c ç ã o de que possuo em ti,
além de uma esposa [...] e digna, uma amiga extremosa e leal.
Passemos a outro assunto. Disse-te em minhas cartas passadas que
falava-se por aqui que a c r e d i t a v a m que h a v e r i a aqui combates p a r a
comemorar a passagem do P a r a n á que teve lugar há um ano e os j o r -
nais dessa Corte [...] constar t a m b é m ; pois este dia passou-se em rela-
ç ã o ao E x é r c i t o no mesmo criminoso marasmo. O ataque transferiu-se
conforme [...] para daqui a dois meses. O r a [...] mais que absurda [...]
do país. O c ó l e r a vai felizmente desaparecendo desta cidade, posto que
ainda esteja m u i t í s s i m o forte no 2" Corpo. E u estou felizmente bom das
febres intermitentes que tanto me acometeram; a vida que aqui passo é
d e t e s t á v e l [...] estou ao p é de ti n ã o pode ser boa. [...] minha amigui-
nha, é meia-noite e estou fatigado, trabalhei hoje bastante. A m a n h ã
[...]. A t é lá, meu anjo.
[...] 17. Passei uma noite muito m á , perdi o sono e s ó depois de 3
horas pude dormir. O que me fez perder o sono? E m que [...] s e r á ?
[...] continuo a carta que ontem comecei. Vou contar-te agora o que
ontem se passou em r e l a ç ã o ao dia de teus anos. A D. A n a Néri, uma
r e s p e i t á v e l s e n h o r a B r a s i l e i r a v i z i n h a de um oficial de M a r i n h a que
aqui encontrei e que é muito m i n h a amiga, sabendo que eu me tinha
casado e que era bem o dia de teus anos, c o n v i d o u - m e p a r a que eu
fosse j a n t a r com ela e seus filhos (que s ã o t r ê s e todos s e r v e m no
E x é r c i t o : um é militar e dois s ã o m é d i c o s , um da A r m a d a , outro do
E x é r c i t o ) . Procurei esquivar-me, p o r é m n ã o pude. Sabendo que eu era
amigo do T i b ú r c i o (que é muito amigo dela) e de alguns outros m o ç o s
que cá e s t a v a m , uns que t i n h a m v i n d o do R i o G r a n d e , outros do
E x é r c i t o , convidou-os t a m b é m [...] nesse dia em casa dessa r e s p e i t á v e l
senhora rodeado ao mesmo tempo de alguns amigos sinceros que eram
o T i b ú r c i o , o primo do Tibúrcio, que é um m o ç o distinto, o Tenente de
Estado-Maior Bacharel A n t ô n i o de Sena Madureira e o i r m ã o Tenente
de E n g e n h e i r o s [...] de S e n a M a d u r e i r a , o C a p i t ã o - T e n e n t e Pinto,
Comandante do Rvcife (vapor), os filhos de D. A n a e o C a p i t ã o Sousa de
Infantaria [...] e mais n i n g u é m . F i z e r a m - m e e a ti as mais lisonjeiras
s a ú d e s . E u estava naturalmente triste, pensava em ti, n ã o fazes ideia o
que fez a pobre senhora com o fim de distrair-me. Vendo que a incomo-
dava procurei animar-me e fingi-me alegre. F o r a de [...] nas minhas cir-
c u n s t â n c i a s , n ã o poderia passar melhor dia do que passei, mas trocaria
tudo pelo prazer de ver-te ao menos. Pintar-te as c o m o ç õ e s que [...] n ã o
é p o s s í v e l . À noite despedi-me da boa velha e v i m com todos os compa-
nheiros para o B a t a l h ã o P r o v i s ó r i o , para a casa do T i b ú r c i o . O T i b ú r c i o
cantou algumas modinhas, o c a p i t ã o tocava violão e assim estivemos
a t é às 10 horas. Queria escrever-te e v i m para isso para a casa do [...]
p r i m o do T i b ú r c i o onde havia mais sossego e aqui estou a i n d a hoje
escrevendo-te esta c a r t i n h a . De m a n h ã ontem (sic) fui à casa do
C a p i t ã o Ataliba que e s t á empregado nesta cidade e mora com a família:
mulher e t r é s filhos, um menino e duas meninas. O Ataliba e sua senho-
ra, que é [...] esposa tipo de honestidade e d e d i c a ç ã o , quiseram tam-
b é m obsequiar-me e como n ã o podia ir lá passar todo o dia porque f i -
quei de j a n t a r com a D. A n a , fui de m a n h ã muito cedo quando o Ataliba
me veio buscar e lá estive a t é à s 10 horas saindo depois para o meu tra-
balho. Aí fui tratado com a mesma amizade, com a mesma d e d i c a ç ã o
que na casa da D. A n a . Tanto a D. Isabel, mulher do Ataliba, como a D.
A n a Néri s ã o muito tuas amigas e te mandam, embora te n ã o conhe-
ç a m , muitas l e m b r a n ç a s . S ã o amizades que muito estimarei que [...]
suas. C o m o está a Aldina, lembra-se ainda de mim, ou j á me esqueceu?
E a A d o z i n d a , como vai? E s t á mais bonitinha ou n ã o ? E s t ã o bons os
nossos a n j i n h o s ? A b e n ç o a - a s e beija-as por m i m . A i n d a e s t á s no
Instituto? C o n t i n u a s a dar-te com a A l c i d a ? A D e l m i r a , como v a i ?
Consta-me que moras no Instituto e por isso tenho-te escrito dirigindo
sempre todas as cartas para lá. Conta-me com franqueza tudo que tiver
havido por lá, n ã o me omitas coisa alguma que é mais [...]. Dá lembran-
ç a s a teu Pai, D . O l í m p i a e a todos de nossa ( v e r d a d e i r a ) amizade.
Adeus, minha adorada esposa, aceita um beijo, um apertado a b r a ç o e o
c o r a ç ã o saudoso daquele que tem verdadeiro prazer em poder assinar:
teu esposo fiel e apaixonado, amigo a f e i ç o a d o e leal

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s


N . B . Depois da pequena carta datada de 3 de m a r ç o a t é lioje n ã o tenho
recebido m a i s n e n h u m a . Talvez [...] no c o r r e i o do E x é r c i t o , n ã o sei.
Quando me escreveres, [...] d i r i g i a s para o 1" C o r p o de E x é r c i t o [...]
voltar.

* * *

Corrientes 20 de abril de 1867


Meu Pai e bom amigo

Que esteja bom de s a ú d e a s s i m como D . O l í m p i a , D . M a r i q u i n h a s e


todos de nossa família e amizade é o que muito desejo. E u estou feliz-
mente bom, o mesmo acontece a seu filho J o ã o . Recebi cartas dele.
E s t a P r o v í n c i a apenas c o m e ç a v a a d e s e m b a r a ç a r - s e das g a r r a s do
c ó l e r a , e s t á j á a b r a ç o s com uma r e v o l u ç ã o que pode ser que aborte
com as medidas r e p r e s s i v a s que se t ê m tomado por nossa parte;
p o r é m pode t a m b é m d e s e n v o l v e r - s e com toda a intensidade tanto
mais quanto h á um elemento importante que a nutre e lhe serve de
base: é o ó d i o contra n ó s muito antigo e inveterado mas que subiu de
ponto com a i n v a s ã o do c ó l e r a nesta P r o v í n c i a . Dizem os Correntinos
que além de todos os maíe.s que lhes trouxemos veio como contrapeso
o c ó l e r a d e v a s t a r sua p o p u l a ç ã o e que se n ã o fossem os macacos
n u n c a esta e p i d e m i a os t e r i a i n v a d i d o . N ã o pode fazer ideia como
e s t ã o revoltados c o n t r a n ó s estes brutos. Vou contar-lhe r e s u m i d a -
mente o que tem h a v i d o . N a noite de 16 p a r a 17 e s t á v a m o s eu e o
T i b ú r c i o c o n v e r s a n d o no B a t a l h ã o P r o v i s ó r i o quando entrou o
G e n e r a l S o l i d ô n i o com todo o seu estado-maior e chamou o T i b ú r c i o
para falar-lhe particularmente. C h a m e i de parte o c a p i t ã o ajudante de
ordens e disse-me ele a que v i n h a o G e n e r a l . U m a autoridade
C o r r e n t i n a m a n d o u p r e v e n i r ao G e n e r a l que nos a r r a b a l d e s de
Corrientes estavam-se preparando grandes f o r ç a s , dizem que coman-
dadas pelo G e n e r a l U r q u i z a com o fim n ã o s ó de d e p o r e m o atual
governador D. E v a r i s t o Lopez como t a m b é m incendiarem nossos hos-
pitais e d e p ó s i t o s e atacarem o B a t a l h ã o P r o v i s ó r i o . O fim p r i n c i p a l
desta r e v o l u ç ã o , segundo consta, é c o a g i r o M a r q u ê s de C a x i a s e o
G o v e r n o Brasileiro a aceitar a paz com o Lopez sem alguma das condi-
ç õ e s estabelecidas no tratado de tríplice aliança. A cidade e s t á deserta,
os poucos C o r r e n t i n o s afetos ao atual governador sendo em n ú m e r o
muito inferior aos revoltosos fugiram t a m b é m , de modo que a cidade
e s t á entregue unicamente aos B r a s i l e i r o s . O g o v e r n a d o r D . E v a r i s t o
L o p e z teve t a m b é m p a r t i c i p a ç ã o ( s i c ) de estar prestes a r e b e n t a r a
r e v o l u ç ã o e fugiu com sua família para Buenos A i r e s . A P r o v í n c i a e s t á
acéfala. Vamos ver em que d á toda esta á g u a suja. E u ofereci-me para
o que fosse preciso e fui designado p a r a comandar uma bateria com-
posta de dois morteiros excelentes e de grosso calibre, t r é s bocas de
fogo a L a Hitte calibre 4 e quatro [estativas (sic)] de é t i m o s foguetes de
guerra. A q u i estou pois no meu posto de honra à espera que a tormen-
ta desabe. O M a r q u ê s mandou um r e f o r ç o de quatrocentos e tantos
homens que com perto de 3.000 que se tem apurado formam uma boa
d i v i s ã o . Além disso desceram, por ordem superior, quatro canhonei-
ras de nossa E s q u a d r a e e s t ã o de caldeiras acesas postadas em frente
à cidade prontas para b o m b a r d e á - l a ao primeiro sinal de terra. E s t ã o
r e f o r ç a d o s todos os nossos piquetes e g u a r d a s e h á p a t r u l h a s por
todas as bocas das ruas. Todos os oficiais e soldados andam armados.
A c r e d i t e que desejo de c o r a ç ã o que a r e v o l u ç ã o tome i n c r e m e n t o e
que nos venha dar uma o c a s i ã o oportuna para rompermos à f o r ç a de
a r m a s a d e s g r a ç a d a a l i a n ç a que a nossa diplomacia c o n t r a i u ã força
da sua falta de patriotismo, de sua m á - f é , de sua i m b e c i l i d a d e . Que
d e s g r a ç a d a a l i a n ç a ! E s t e s aliados! C r e i a que s ã o muito mais nossos
inimigos do que os p r ó p r i o s Paraguaios porque n ã o há maior inimigo
do que aquele que finge ser nosso amigo. Sabe quantos homens com-
p õ e m hoje os dois e x é r c i t o s A r g e n t i n o e O r i e n t a l . . . M i l e duzentos!
Sendo destes 250 Orientais e novecentos e tantos A r g e n t i n o s ! E cha-
m a m a isto - E x é r c i t o s aliados!... O r a realmente o B r a s i l n ã o podia
e n l a m e a r - s e m a i s do que o tem feito nesta d e s g r a ç a d a g u e r r a . É o
ú n i c o que concorre com todos os sacrifícios e despesas da guerra, que
fornece pessoal, armas, m u n i ç õ e s de g u e r r a e de boca, dinheiro, etc. e
no entanto todos os j o r n a i s A r g e n t i n o s e Orientais s ã o u n â n i m e s em
ultrajá-lo continuamente, em promover-lhe toda a sorte de e m b a r a ç o s
e atribuir aos aliados o pouco ou nada que temos feito. E s t a a l i a n ç a ,
longe de d i m i n u i r o ó d i o de r a ç a que existia entre o B r a s i l e estas
m i s e r á v e i s r e p ú b l i c a s , tem s e r v i d o ao c o n t r á r i o p a r a dar-lhe m a i o r
desenvolvimento. Deus queira antes de voltarmos ao B r a s i l tenhamos
de r a s g á - l a aqui no campo de batalha. O portador desta é o meu amigo
Dr. Pereira Botelho que vai j á embarcar por isso termino bruscamente
aqui para fechar a carta. Dê muitas l e m b r a n ç a s à minha mulher e acei-
te o c o r a ç ã o de seu filho e amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

* * *

Paraguai Tuiuti
1 de j u n h o de 1867
M i n h a adorada esposa e amiga

C o m o e s t á s , m i n h a boa a m i g u i n h a ? C o m o v ã o os nossos a n j i n h o s ?
Quantas saudades tenho de todos [...]. Terminei hoje os trabalhos das
f o r t i f i c a ç õ e s , [trincheiras], c a m i n h o s cobertos, e t c , que fui e n c a r r e -
gado de c o n s t r u i r p a r a c o b r i r e defender toda a frente deste corpo de
e x é r c i t o . N ã o fazes ideia de quanto tenho t r a b a l h a d o . S a b e s pelas
cartas que te e s c r e v i que comecei estes trabalhos em 6 de j a n e i r o e
que a p a n h e i uma f o r t í s s i m a febre que quase me leva p a r a a outra
v i d a . Pois [ p a r a r a m ] os t r a b a l h o s e quando voltei de C o r r i e n t e s fui
encarregado de c o n c l u í - l o s . Desde que o E r n e s t o saiu daqui a t é hoje
n ã o tenho tido o m í n i m o d e s c a n s o , t r a b a l h o dia e noite nas l i n h a s
a v a n ç a d a s e nos pontos mais a r r i s c a d o s , n ã o tendo nem tempo para
dormir, acabo quase sempre o trabalho às 3 e 4 horas da madrugada
p a r a r e c o m e ç a r à s 6. Vê que n ã o tenho tempo de descanso. A l m o ç o ,
j a n t o e ceio nas linhas, onde o c a m a r a d a me vai levar a minha r e f e i ç ã o
e durmo por ali, isto é, passo pelo sono embaixo da b a r r a c a de qual-
quer companheiro e algumas vezes deito-me no campo em qualquer
lugar tendo o poncho para c o l c h ã o e cobertura (e [o frio por] aqui j á
vai forte demais). E s t a s ú l t i m a s 8 noites tenho dormido absolutamen-
te n a d a . E s t o u como n ã o podes fazer ideia, m a g r o , com fastio [ex-
t r a o r d i n á r i o ] , e t c ; mas enfim o t r a b a l h o e s t á c o n c l u í d o . F u i muito
feliz, nem ao menos fui ferido e no entanto perto de 70 homens en-
tre soldados e oficiais ali p e r d e r a m a v i d a . S ó do B a t a l h ã o de
E n g e n h e i r o s m o r r e r a m 22 soldados ( n ã o [conto aqui] os que foram
s i m p l e s m e n t e f e r i d o s ) . T e n h o na v e r d a d e r e c e b i d o muitos elogios
destes g e n e r a i s , destes chefes e do p r ó p r i o M a r q u ê s r e c e b i uma
n o m e a ç ã o , provas de que ao menos se tem reconhecido os meus ser-
v i ç o s . Tenho recebido do Chefe da C o m i s s ã o de E n g e n h e i r o s ofícios
os mais lisonjeiros. E m um deles, reconheceu que empreguei e s f o r ç o s
e x t r a o r d i n á r i o s para t e r m i n a r com p e r f e i ç ã o e presteza o trabalho de
f o r t i f i c a ç ã o de que fui encarregado e que eram insuficientes os recur-
sos que me d a v a m p a r a e f e t u á - l o s ( s ã o p a l a v r a s do o f í c i o que me
m a n d o u e que acaba fazendo-me muitos elogios). M a s respondi-lhe
dizendo que nada mais t i n h a feito que o simples c u m p r i m e n t o de um
dever, que n ã o s e r v i a a s u p e r i o r algum, nem t i n h a em vista elogios,
nem recompensas, que s e r v i a a meu p a í s , ou melhor, ã m i n h a cons-
c i ê n c i a e que estar bem com ela era o meu ú n i c o fito. Hoje, ao chegar
das l i n h a s a v a n ç a d a s onde tenho estado n u m a e s p é c i e de desterro,
soube das novidades que t é m havido na c o m i s s ã o . Fez-se d i s t r i b u i ç ã o
dos engenheiros pelos diversos [corpos] de E x é r c i t o e n ã o obstante as
r e q u i s i ç õ e s que [fez] o A r g o l o p a r a que eu ficasse s e r v i n d o [com ele]
fui designado para s e r v i r j u n t o ao Comando-em-Chefe e elevaram-me
à categoria de membro efetivo desta s e ç ã o . A g r a d e c i a i n t e n ç ã o que
t i v e r a m em d i s t i n g u i r - m e e devo d a r - m e por muito satisfeito. Isto
decerto n ã o recompensa os s a c r i f í c i o s que estou fazendo, o desgosto
em que v i v o por [ver a m á ] d i r e ç ã o que v a i tendo esta d e s g r a ç a d a
g u e r r a , mas enfim ao menos reconhecem que tenho c u m p r i d o o meu
dever. C o m esta n o m e a ç ã o tenho mais cem mil r é i s por m ê s . Se com
50$000 que [há] poucos meses tenho recebido pude me ir sustentan-
do, a g o r a que tenho 150$000 c o m muito mais r a z ã o : n ã o te c a n s e s
pois em mandar-me coisa alguma. E u s ó no fim deste m ê s c o m e ç o a
perceber este aumento e depois quero c o m p r a r alguma roupa de lã de
que muito necessito, pois o frio j á custa a suportar-se e vai aumentar,
mas te mandarei todos os meses o mais que puder, o que exceder as
d e s p e s a s m a i s u r g e n t e s . S e i que d e i x e i - t e muito pouco d i n h e i r o ,
embora [digas] o c o n t r á r i o ; mas sabes t a m b é m que deixei o mais que
me foi p o s s í v e l . P a r a descansar do trabalho que acabei recebi hoje à
noite um ofício pelo qual fui encarregado de dar um b a l a n ç o geral em
todos os grandes e pequenos d e p ó s i t o s do E x é r c i t o , devendo come-
ç a r pelos do acampamento, passando depois aos do Passo da P á t r i a ,
Itapiru, [Ilha] do C e r r i t o e terminando nos de C o r r i e n t e s . Devo e n v i a r
ao Q u a r t e l - G e n e r a l r e l a t ó r i o s c i r c u n s t a n c i a d o s sobre o estado em
que os encontro, do que h á em mau estado, da e s c r i t u r a ç ã o , e t c , etc.
J á me e s t ã o c a n s a n d o e aborrecendo estes empregos de [ c o n f i a n ç a ]
pois querem dizer trabalho e muito trabalho, comprometimentos, etc.
N ã o é o trabalho que mais me incomoda, porque estou [afeito] a ele, o
que me i n c o m o d a é v e r o [ m a r a s m o e o d e s â n i m o ] em que e s t á o
E x é r c i t o e principalmente a [ c o n t i n u a ç ã o ] deste infeliz estado de coi-
sas. Q u a n d o v o l t a r e i ao seio de m i n h a f a m í l i a ? . . . Q u a n d o terei o
imenso prazer de ver-te a a b r a ç a r - t e e às minhas filhinhas?... Agora
nem me escreves cartas longas. Recebo umas cartinhas muito homeo-
p á t i c a s [...] muito i n t e r v a l o de tempo entre [...]. R e c e b i ontem n a
Bateria-Ipiranga quando estava acabando a tua c a r t i n h a (muito
pequenininha) de 22 de abril, a s s i m como uma do [...] e outra de D.
O l í m p i a que me causou uma s u r p r e s a feliz. Tenho vontade de escre-
ver a todos, mas estou t ã o cansado que n ã o o posso fazer porque s ã o
dez h o r a s da noite e eu estou a cair de sono; mas em breve o farei.
A m a n h ã c o m e ç o o b a l a n ç o dos d e p ó s i t o s do E x é r c i t o e te direi o que
houver a respeito; quando [passar] aos outros te participarei t a m b é m .
[ H á s - d e ] g o s t a r deste e m p r e g o em que estou porque pelo menos
estou livre das balas enquanto estiver nele, n ã o é a s s i m ? D e s c a n s a ,
m i n h a querida e boa amiga, que eu hei-de ter a fortuna de voltar para
n u n c a mais nos separarmos. Tu dizes que a pxinicoque reza todas as
noites por m i m . Deus h á - d e o u v i r as inocentes preces deste anjinho.
[Pobrezinha,] repete as tuas p a l a v r a s sem saber-lhes a s i g n i f i c a ç ã o
mas h ã o - d e ser atendidas, pedem por um pai e marido que é t a m b é m
o seu m a i o r e mais leal amigo. M a n d a - m e n o t í c i a s de m i n h a pobre
M ã e , de m i n h a s manas; n ã o recebo c a r t a alguma delas. Conta-me o
que tem havido de novidade por lá, se acaso isto for p o s s í v e l . E s c r e v o
nesta data uma pequena c a r t a ao P e ç a n h a . A d e u s , m i n h a adorada e
boa a m i g u i n h a , d á muitas l e m b r a n ç a s ao nosso bom v e l h o , a D .
O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s e a todas as pessoas de nossa amizade. N ã o
posso ser mais extenso, o sono [...]. A b e n ç o a e beija por mim as nos-
sas filhinhas e recebe o c o r a ç ã o cada vez mais [...] amigo do teu espo-
so fiel e apaixonado e amigo verdadeiro.

Benjamin Constant
N . B . N ã o tenhas p r e g u i ç a em me escrever. Dá l e m b r a n ç a s a D. A l c i d a ,
D. Delmira. [...] e n ã o te e s q u e ç a s de mim, do teu amigo sincero e afei-
çoado

Benjamin Constant

* * *

Paraguai Tuiuti
M i n h a querida esposa e boa amiga
[5] de j u n h o de 1867

C o m o e s t á s ? Como v ã o as nossas filhinhas? Recebi hoje as tuas carti-


nhas de 14, 22, 24, 27 e 29 de abril, além das que recebi na mala passada
com data de 14. A s tuas cartas s ã o - m e sempre a g r a d á v e i s , mas dentre
essas que mencionei a de 24 tocou-me muito. [...] nela, com a tua lin-
guagem singela, mas | . . . ] v e r d a d e i r a , todos os sentimentos, toda [...]
alma. N ã o fazes ideia como me falaram ao c o r a ç ã o as palavras de ver-
dadeira amizade, a m a n i f e s t a ç ã o simples e natural dos teus desejos a
[...] respeito os teus pensamentos, o teu amor. Quanto te [...] a ventura
que me d á s em confirmar-me [...] vez mais na c r e n ç a (para mim a mais
[...]) que tenho em ti além de uma esposa digna, uma amiga extremosa,
verdadeira e leal. C o n h e ç o o teu c a r á t e r melhor do que tu mesma e sei
que é s incapaz [...] aquilo que realmente n ã o sentes. Desejas estar ao p é
de m i m , embora cercada de p r i v a ç õ e s , [...] s e r á s testemunha de tudo
quanto me puder acontecer, se estiver doente ou ferido terei à m i n h a
cabeceira que vele sobre mim com a maior e a mais extremosa dedica-
ç ã o . C o m p r e e n d o bem que s ã o esses os teus v e r d a d e i r o s desejos. É
isso natural em uma esposa verdadeiramente amiga. E quanto eu seria
feliz se isso fosse possível! N ã o é s ó nessas c o n d i ç õ e s que desejara ter-
te ao meu lado, n ã o , eu quisera que fosses t ã o i n s e p a r á v e l de mim como
é a tua imagem do meu pensamento, como a saudade cada vez maior
que sinto por ti é i n s e p a r á v e l de meu c o r a ç ã o , como a m i n h a [...] é inse-
p a r á v e l de meu corpo. N ã o me fazes j u s t i ç a de supor que o desejo de
estar ao p é de mim, que tens manifestado em todas as tuas a g r a d á v e i s
c a r t i n h a s , n ã o é t a m b é m meu. Sofro tanto como tu: à s vezes p a r e ç o
inferior [...] sacrifício que o dever me i m p õ e t ã o cruelmente [...] resig-
no-me à minha d e s g r a ç a d a s i t u a ç ã o . [...] t a m b é m minha boa amiga. A
minha p o s i ç ã o aqui nada tem de arriscado, conforme te mandei dizer
em m i n h a c a r t a do l " d o corrente. C o n f o r m e [te disse] fui nomeado
membro efetivo da C o m i s s ã o de Engenheiros junto ao Comando-em-
Chefe [de todas] as forças, o que me d á t a m b é m o aumento de cem mil
nos vencimentos, e fui designado para fazer um b a l a n ç o geral em todos
os g r a n d e s e pequenos d e p ó s i t o s de todo o E x é r c i t o . C o m e ç o pelos
d e p ó s i t o s [do Campo que e s t ã o ] fora do alcance das balas, depois vou
aos de Passo da P á t r i a , Itapiru, C e r r i t o e termino nos grandes d e p ó s i -
tos de Corrientes. Esta c o m i s s ã o [é] para levar muito tempo porque h á
muito o que fazer, em menos de t r ê s meses n ã o e s t a r á c o n c l u í d a . J á
acabei completamente todas as baterias, fortificações, e t c , onde se tra-
b a l h a v a debaixo [de] vivo fogo, fui mais que feliz, nem ao menos fui
ferido levemente, nem ao menos as balas tocaram-me a roupa, a m ã o
da P r o v i d ê n c i a salvou-me. A g o r a sirvo junto ao Comando-em-Chefe e
estou nessa c o m i s s ã o de b a l a n ç o s nos d e p ó s i t o s , onde n ã o h á nem
s o m b r a s de perigo, demais n ã o h a v e r á mais [ataque], acredita nisto,
n ã o h á desejo algum de atacar o inimigo e se dentro de t r ê s ou quatro
[meses] houver qualquer movimento estarei [fora]. Descansa portanto,
meu anjo, n ã o cries [...] que agora n ã o existem. N ã o te disse que acaba-
r i a as fortificações e te havia de participar que nada me aconteceria e
n ã o foi [...] o que [...] mandei dizer. A g o r a digo ([...] verdadeiras bases)
que hei-de voltar s ã o e salvo, que hei-de ter o prazer imenso de abra-
ç a r - t e , de estar junto de ti para nunca mais deixar-te, que haveremos de
ser muito felizes e [...] que me tens acredita no que te digo que h á - d e
acontecer. C o m p a r a a tua s i t u a ç ã o com a de D. Marieta e vê com que
r e s i g n a ç ã o ela sofre a a u s ê n c i a de seu m a r i d o , c o m p a r a com a de
outras, que e s t ã o t a m b é m ausentes de seus maridos a quem amam e
por quem s ã o amadas e tem p a c i ê n c i a , além de que sirvo agora numa
c o m i s s ã o onde n ã o há o menor perigo de que haja ataque, o que decer-
to n ã o [acontece,] esta infeliz guerra pouco tempo pode [durar] o inimi-
go está mais que fraco e o nosso [país] mais que cansado de sacrifícios
de gente e de dinheiro; a c o n t i n u a ç ã o deste estado de coisas [exige um]
aumento de sacrifícios de gente e de dinheiro é um i m p o s s í v e l para o
nosso país. Tu me pedes sempre que te mande buscar, n ã o é possível, j á
te tenho dado as r a z õ e s , o E r n e s t o te d i r á se s ã o ou n ã o verdadeiras.
O l h a , f a ç o - t e uma p r o m e s s a que c o n f i r m o com a m i n h a p a l a v r a de
homem honrado que sou. Se me oferecem outro emprego fora do E x é r -
cito aceito-o imediatamente e mando-te b u s c a r p a r a j u n t o de m i m :
[ainda faço mais,] se souber que h á algum vago p e ç o - o , [faço] por amor
de ti este sacrifício que tu n ã o podes avaliar bem, mas hoje posso fazé-
lo com [menos] acanhamento, porque tenho sempre servido nas linhas
a v a n ç a d a s e nas c o m i s s õ e s as mais perigosas, tenho portanto demons-
trado do modo o mais convincente que n ã o fujo ao perigo; mas faço-o
por amor de ti. Prometo-te t a m b é m que se cair doente p e ç o i n s p e ç ã o e
[empenho-me] p a r a ir tratar-me no B r a s i l e que estando lá p e ç o no
mesmo dia a minha d e m i s s ã o do s e r v i ç o do E x é r c i t o . C o m o sabes eu
n ã o desejo, n ã o posso e n ã o devo continuar a servir como militar; sem-
pre te manifestei o desejo de despir esta i n c ó m o d a farda e que p o r é m
s ó o faria depois de terminada a guerra. Por amor de [ti], somente por ti
quebro este meu p r o p ó s i t o (nas c o n d i ç õ e s acima), p e ç o a m i n h a demis-
s ã o embora a g u e r r a n ã o esteja acabada. Que queres mais que faça? Se
arranjar algum emprego fora do campo mando-te [buscar]? Que posso
prometer-te m a i s ? Queres que te faça promessas a g r a d á v e i s ao teus
desejos naturais, é verdade, mas que eu n ã o posso nem devo cumprir.
N ã o decerto. N ã o [está isso] no meu c a r á t e r nem no teu. Tudo [quanto
é] p o s s í v e l prometi-te e f a ç o - o . D e s c a n s a . Tem p a c i ê n c i a . L e m b r a - t e
que sou o teu [maior] e verdadeiro amigo, que te amo mais que a tudo e
a todos neste mundo, que és a minha [única] felicidade, a m i n h a reli-
g i ã o , a minha [única] ventura. Tu é s para mim muito mais que a Clotilde
de Vaux era para o s á b i o e honrado Auguste Comte. Sigo, como sabes,
todas as suas doutrinas, seus p r i n c í p i o s , suas c r e n ç a s : a r e l i g i ã o da
h u m a n i d a d e é a m i n h a r e l i g i ã o , sigo-a [de c o r a ç ã o ] com a d i f e r e n ç a
p o r é m de que para mim a família e s t á acima de tudo. É uma r e l i g i ã o
[nova] p o r é m a mais racional, a mais filosófica e que dimana natural-
mente das leis que regem a natureza humana. N ã o podia ser a primeira
porque ela depende do conhecimento de todas as leis da natureza, é
uma c o n s e q u ê n c i a natural do conhecimento e portanto n ã o podia apa-
recer na infância da r a z ã o humana e mesmo quando as diversas ciên-
cias estavam em e m b r i ã o . N ã o teria aparecido se ao g é n i o a d m i r á v e l de
A . Comte n ã o fosse dado, pela v a s t i d ã o de sua i n t e l i g ê n c i a [transpor os
s é c u l o s ] que h ã o - d e v i r surpreendendo por sua [sábia] p r e v i d ê n c i a as
c i ê n c i a s em seu termo [e dando-nos] na sua religião positiva - a religião
[definitiva] da humanidade. D e i x e m o s p o r é m estas [ d i v a g a ç õ e s ] que

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parecem a t é i m p r ó p r i a s nesta o c a s i ã o mas que realmente n ã o o s ã o .
Mostrando-te que as c r e n ç a s [positivas], que mais ou menos te dei a
conhecer, [confirmo] tudo quanto disse e tenho dito em r e l a ç ã o ao
extremo amor que te tenho e esse é o meu fim. O tempo e o meu proce-
dimento te d a r ã o nova e m a i o r c o n f i r m a ç ã o a esta verdade. F a z um
e s f o r ç o sobre ti e n ã o te entregues tanto ã saudade que naturalmente
[sentes], p r o c u r a resignar-te que c u m p r e s t a m b é m um dever muito
sagrado. A r e s i g n a ç ã o , nestas c o n d i ç õ e s , é uma grande virtude e além
de virtuosa deves ser t a m b é m resignada. Falta pouco tempo para me
teres ao p é de ti para nunca mais deixar-te, para sermos felizes, muito
felizes; espera portanto com p a c i ê n c i a mais algum tempo. Faz t a m b é m
isso por mim, porque me afliges com a tua falta de r e s i g n a ç ã o , com os
teus desejos naturais, mas que n ã o posso satisfazer nas c o n d i ç õ e s em
que [pedes] mas sim naquelas em que te prometo.
M i n h a boa amiga, pedes-me que diminua a c o n s i g n a ç ã o que te dei-
xei, porque ela te chega com sobras! Realmente para a d i s t r i b u i ç ã o que
tens feito do pouco dinheiro que pude deixar-te parece à p r i m e i r a vista
que assim é, mas pela [ r e l a ç ã o ] que me mandaste vejo que s ó gastas
contigo quarenta mil réis!... T i r a n d o d a í 16$000 para aluguel da escra-
va ficam vinte e quatro mil réis, 24$000!... E é possível que me conven-
ç a s que com essa m i s é r i a podes passar sem ser muito e muito pesada à
família do E r n e s t o ? Decerto que n ã o . A c h a s que posso e devo aprovar
esse teu procedimento decerto. Longe de seres quem me deve [mandar]
eu é que devo fazer. Se ao p r i n c í p i o [te mandei] pedir a r a z ã o era n ã o
receber absolutamente nada, pois estava pagando o m ê s de l o c o m o ç ã o
que se v e n c e u em v i a g e m . Passei a s s i m [quatro] meses. E m j a n e i r o
recebi 30$000, saldo que [tinha] a meu favor e d a í para cá tenho recebi-
do 56$000 com que me vou remediando perfeitamente. Do fim deste
m ê s em diante tenho de vencimentos 156$000 t i r a d a a c o n s i g n a ç ã o .
Deste d i n h e i r o tiro uma [mesada de c e r c a de 30$000] que dou ao
Marciano, e o resto d á - m e de sobra. Tanto assim que [falei] ao Chefe da
R e p a r t i ç ã o Fiscal para aumentar de 60$000 a c o n s i g n a ç ã o de 200$000
que te deixei, mas n ã o foi p o s s í v e l porque [há] um aviso do M i n i s t r o
P a r a n a g u á [proibindo] aos oficiais deixarem mais que o [simples] soldo
e s ó permitindo que continuassem as c o n s i g n a ç õ e s que estavam feitas.
[ A s s i m ] n ã o pude conseguir o que devia e o que desejava fazer; mas
s e m p r e que h o u v e r p o r t a d o r seguro te m a n d a r e i aquilo que puder.
P e ç o - t e que n ã o me mandes mais nada absolutamente, nem g é n e r o s .
nem dinheiro. Se eu precisar de qualquer coisa eu mandarei pedir. Sei,
minha querida, que tens verdadeiro prazer em servir-me e que farias
a t é s a c r i f í c i o s se fosse preciso, mas n ã o é e j á os tens feito demais.
C o n t a v a responder completamente à s tuas a g r a d á v e i s cartinhas, assim
às de D. O l í m p i a , teu Pai, P e ç a n h a ; mas n ã o o posso fazer hoje porque
s ó soube h á pouco que a mala sai a m a n h ã bem cedo, e s ã o 11 da noite.
Q u a n t o à G u i l h e r m i n a j á te e s c r e v i a esse respeito pelo E r n e s t o [...]
t a m b é m ao P e ç a n h a , a G u i l h e r m i n a [...] ao J ú l i o . Breve te escreverei
com mais v a g a r A D e u s , minha muito amada esposa e amiga, a b e n ç o a
as nossas filhinhas e recomenda-me a todas as pessoas de família e de
amizade e aceita um apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o leal do

Benjamin Constant

* * *

[n° 50)
Paraguai Tuiuti
M i n h a adorada esposa e boa amiga
7 de j u n h o de 1867

A c a b o neste instante (10 da noite) de reler todas as tuas a g r a d á v e i s car-


tinhas de 22, 24 e 29 de abril que recebi nos ú l t i m o s [...] do m é s passado
e uma de 6 de maio, 2 e 14 do mesmo m ê s que v i e r a m pelo correio e
pelo Dr. B e r n a r d i n o , com quem estive e pretendo estar a m a n h ã . J á te
escrevi com data de 1" de j u n h o participando a r e c e p ç ã o das suas car-
tas que acima mencionei e dando-te parte do que por aqui tem havido a
meu respeito e que repetirei resumindo. Acabei completamente todas
as f o r t i f i c a ç ó e s , c a m i n h o s cobertos, etc. de que estava encarregado.
Trabalhei muito, m u i t í s s i m o ; passei dias e noites no trabalho das bate-
rias, e t c , porque havia urgência com sua p r o m p t i f i c a ç ã o (sic); assim
como comecei [acabei] esta m a ç a d a sempre debaixo de fogo v i v í s s i m o
da fuzilaria e artilharia (ultimamente os Paraguaios deixaram de fazer
j o g a r a artilharia para impedir a c o n s t r u ç ã o , porque v i r a m que isso n ã o
impedia). [Tenho] sido mais que feliz; podia dizer que as balas me [pro-
curavam], r o ç a v a m - m e pela roupa, pelo corpo, etc. [como] fazem alguns;
mas realmente nem isso me aconteceu, n ã o tenho tido n e n h u m feri-
mento por mais leve que seja; as balas que mais perto de mim t ê m pas-
sado nem ao menos me tocam na roupa (e n ã o [dou o cavaco] com isto).
No dia 26 de maio escapei de ficar sem uma [orelha pelo menos] (os
Paraguaios quiseram puxar-me as orelhas). [Estava] em cima do para-
peito da bateria [Pirajá] (feita por mim) aumentando um pouco [mais o]
flanco direito e os Paraguaios n ã o queriam que se fizesse este aumento;
faziam pois muito fogo, as balas p a s s a v a m (felizmente) por c i m a de
mim, [pela direita,] pela esquerda, enterravam-se nos parapeitos, feri-
r a m um ou outro soldado e m a t a r a m um; mas respeitaram-me; uma
p o r é m foi mais ousada e passou perto demais, t ã o perto passou de
m i n h a c a b e ç a que deixou-me atordoado, sem contudo tocar-me.
[Estava] com uma p á ensinando a um soldado o s e r v i ç o que lhe compe-
tia, com esta balinha fiquei t ã o atordoado que encostei-me à pá para
n ã o cair, [pois] escureceu-me a vista e senti um calor e x t r a o r d i n á r i o
subir-me à c a b e ç a . Desci do parapeito e tinha o lado direito do rosto
muito vermelho principalmente [a orelha]; a v e r m e l h i d ã o foi pouco a
pouco desaparecendo [mas ficou-me] a surdez no ouvido todo o resto
do dia. F o i a p r i m e i r a vez que uma bala Paraguaia teve o desplante de
quase tocar-me no corpo, as que t ê m passado mais perto t é m a t é res-
peitado a roupa, nem lhe t é m sacudido a poeira. Os P a r a g u a i o s s ã o
p é s s i m o s atiradores e é por isso que desde que comecei a t é hoje s ó t ê m
havido 60 a 70 homens [baleados]; se assim n ã o fosse, a mortandade
seria muito maior, atendendo à boa vontade destes patifes [e à] facilida-
de com que se e x p õ e a nossa gente, ficando [os chefes] sempre coloca-
dos à d i s t â n c i a respeitosa (por via das d ú v i d a s ) , no entanto s ã o eles que
colhem os louros de tais sacrifícios, e t c , etc. No suplemento do Jornal
do Comércio de [4] de maio vem uma carta de um F r a n c ê s que elogia
muito os t r a b a l h o s de f o r t i f i c a ç õ e s , c a m i n h o s cobertos novamente
c o n s t r u í d o s à direita da bateria [D.] Leopoldina (antiga dos morteiros).
N ã o sei quem é este F r a n c ê s , nem se ele cá esteve realmente, o que é
certo é que o elogiado foi o Chefe da C o m i s s ã o de Engenheiros e quem
fez estes trabalhos fui eu, mas assim é que se escreve a h i s t ó r i a . O Dr.
[Carvalho] mostrou-se a t é incomodado com a notícia desta p u b l i c a ç ã o
de que ele n ã o é o culpado; mas ele é o Chefe da C o m i s s ã o e os a d u l õ e s
elogiam sempre aos chefes. E u li o artigo e ri-me, o que fazer? O que te
afirmo é que o trabalho está pronto e eu [livre de perigo], isto é o que
[muitoj nos importa. Felizmente reconheceram que tinha feito alguma
coisa [e e n t ã o recebi] alguns ofícios elogiando-me; mostrei-os ao Dr.
B e r n a r d i n o . Nestes ofícios confessaram que reconheciam que eu tinha
empregado e s f o r ç o s e x t r a o r d i n á r i o s para concluir com presteza, per-
feição, d e d i c a ç ã o , etc. ( s ã o palavras oficiais) os trabalhos de fortifica-
ç ã o de que tinha sido e n c a r r e g a d o e que este não estava em relação
com os poucos recursos que puderam dar-me, e t c , etc. J á v ê s que devia
estar muito satisfeito. [Estes] p a l a v r õ e s s ã o mesmo de entusiasmar.
N ã o [quiseram ficar] nisso e fui (em sinal de d i s t i n ç ã o ) nomeado mem-
bro efetivo da C o m i s s ã o de Engenheiros junto ao Comando-em-Chefe.
Recusei a d i s t i n ç ã o oficialmente, mas n ã o aceitaram a recusa. C o m esta
elevação ao Comando-em-Chefe de todas as forças e a efetividade, tive
aumento de [cem] mil r é i s mensais em meus vencimentos, que é a ú n i c a
[coisa melhorzinha] que houve em tudo isto. Conforme te mandei dizer
em minha carta passada, fui nomeado para dar um b a l a n ç o geral em
todos os d e p ó s i t o s do E x é r c i t o . C o m e ç o pelos do Campo, vou depois
aos do Passo da Pátria, Itapiru, C e r r i t o e termino nos grandes d e p ó s i -
tos de C o r r i e n t e s . E s t a c o m i s s ã o é de muito tempo, porque h á muito
que fazer [atendendo] à grande quantidade de artigos bélicos [e à] con-
f u s ã o s i s f c m á t / c a em que se a c h a m . H á [realmente] muita m u n i ç ã o ,
muita p ó l v o r a , muitas armas, morteiros, bombas, e t c , e t c ; p o r é m anda
tudo em tal desordem que n ã o se tem conhecimento exato do que h á ,
salvo em alguns d e p ó s i t o s (raros) que e s t ã o entregues a homens cum-
pridores de seus deveres. Espera-se um ataque muito p r ó x i m o dizen-
do-se que e s t á tudo preparado, as bagagens aliviadas [os trens] de car-
ros, c a r r e t a s , e t c , prontos para [seguirem] com o E x é r c i t o , n ã o é
assim? Pois minha amiga, foi a primeira coisa que fiz, c o m e ç a r o balan-
ç o dos nossos transportes, [mostrar] que n ã o havia uma s ó carreta em
c o n d i ç õ e s de poder seguir, as m u n i ç õ e s de diversas e s p é c i e s em com-
pleta c o n f u s ã o , e isto [acontece] com os d e p ó s i t o s que e s t ã o no acam-
pamento que se diziam preparados, faz ideia o que h a v e r á nos outros.
Há cinco dias que comecei e ainda nem tive tempo de a r r u m a r em gru-
pos os m a t e r i a i s , em e x a m i n á - l o s bem e no entanto eu m e s m o que
estou em dia com estas coisas acredito que tudo e s t a r á realmente pron-
to. N ã o h á realmente desejo de entrar em o p e r a ç õ e s se isto o demons-
tra de modo a n ã o deixar d ú v i d a . Tenho repetido isto milhares de vezes,
no entanto d á s c r é d i t o aos artigos publicados nas folhas [dessa Corte] e
com que se pretende ir entretendo o e s p í r i t o [público] com uma pronta
s o l u ç ã o a esta g u e r r a malfadada que cada vez e s t á mais longe de se
acabar. Realmente o nosso povo é de uma credulidade infantil! Tem os
olhos pregados nas c o r r e s p o n d ê n c i a s oficiais e vai estupidamente
engolindo as p í l u l a s d o u r a d a s com que os nossos m a n d õ e s [o] v ã o
envenenando e cavando-lhe a r u í n a e dá vivas de entusiasmo, bate pal-
mas aos seus e n c a r n i ç a d o s algozes! Quando c o m p r e e n d e r á a sua imen-
sa i m p o r t â n c i a , a sua brilhante [missão?] Quando se l e v a n t a r á nobre e
altivo p a r a [tomar] contas severas aos c r i m i n o s o s d e s v a r i o s de seus
[ineptos] e mal intencionados governantes? Deixemos p o r é m de recla-
m a ç õ e s , o que e s t i m a r á s saber é que j á deixei as c o m i s s õ e s trabalhosas
e a r r i s c a d í s s i m a s em que estava e estou agora noutra menos trabalho-
sa e absolutamente sem o menor risco de vida proveniente do estado de
guerra. N ã o solicitei semelhante c o m i s s ã o , mas aceitei-a sem constran-
gimento, n ã o s ó porque é um t r a b a l h o n e c e s s á r i o e porque sempre
tenho estado nas c o m i s s õ e s as mais a r r i s c a d a s , mas p r i n c i p a l m e n t e
porque sei que vais ficar bastante satisfeita, vendo que estou fora de
perigo. Tenho imenso prazer em dar-te a notícia de que j á dei c o m e ç o à
comissão.
Nas cartas que me tens escrito de 14 de maio para cá [...] no fato de
ter o Sr. Francisco Júlio da Silva pedido a Guilhermina em casamento.
E u escrevi pelo E r n e s t o falando-te a esse respeito. A G u i l h e r m i n a es-
creveu-me participando-me isso e pedindo o meu consentimento, isto é,
a minha a p r o v a ç ã o . O mesmo fez o Júlio. J á escrevi a ambos e t a m b é m
ao P e ç a n h a em resposta à carta que me dirigiu a esse respeito. Tanto a
Guilhermina como o Júlio mostram o desejo de realizar esse passo, além
disso c o n h e ç o o Júlio e tenho dele as melhores i n f o r m a ç õ e s . O que me
competia s e n ã o aprovar o passo que querem dar? Foi pois isso o que fiz,
pedindo [...] que os faça bem felizes. Há mais de oito anos o Júlio mani-
festou pela primeira vez esse desejo e mandou-me a t é falar a esse res-
peito o Marciano. Lembro-me que em 65 ele veio de p r o p ó s i t o falar-lhe
nisso dizendo que esperava obter um emprego mais seguro para e n t ã o
dar definitivamente esse passo e assim o fez. Conheces bem o g é n i o da
Guilhermina [...] nunca entreteve o menor namoro que [...] i n d i s p e n s á -
vel ao menos para alimentar por tanto tempo esse desejo da parte do
Júlio. E l e mesmo retirou-se [...]. O P e ç a n h a , supondo talvez que n ã o o
conhecesse, mandou-me muitas i n f o r m a ç õ e s que [...] respeito dele de
diversas pessoas; eu p o r é m j á de h á muito sabia que alimentava os mes-
mos [...] posto que nunca lhe falasse a esse respeito.
Passemos agora a outro assunto que é i n s e p a r á v e l das tuas c a r t i -
n h a s . Q u e r o falar-te a respeito da i n s i s t ê n c i a que fazes em v i r p a r a
junto de m i m . Tenho te respondido sempre que é isso um i m p o s s í v e l ,
posto que n ã o lhe retirasse completamente a e s p e r a n ç a de que essa
i m p o s s i b i l i d a d e desaparecesse, mudadas convenientemente as cir-
c u n s t â n c i a s , falava-te sempre em r e l a ç ã o a c i r c u n s t â n c i a s de o c a s i ã o e
às d i s p o s i ç õ e s [em que estava] e que pareciam permanentes. O [arden-
te] desejo de estarmos juntos, minha boa e querida amiguinha, é tanto
teu quanto meu; é a mais natural, a e x p r e s s ã o a mais fiel da extremosa
amizade que felizmente nos une. N ã o obstante conhecer [de perto] a
p é s s i m a d i r e ç ã o que tem tido esta guerra, fui vítima de minha b o a - f é ;
pensei que as coisas mudassem inteiramente de face e que tomassem
uma boa d i r e ç ã o . O m a r a s m o tem contudo continuado, apesar dos
imensos sacrifícios de vidas e de dinheiro que o p a í s tem feito esteril-
mente e nem ao menos [tem-se] a e s p e r a n ç a de um pronto desfecho a
esse p é s s i m o estado de coisas! O d e s â n i m o lavra com intensidade em
todo o E x é r c i t o e pinta-se em toda a sua [palidez] mesmo nas faces dos
mais b r a v o s e dos que c o m v e r d a d e i r o entusiasmo e p a t r i o t i s m o se
a r r e m e s s a r a m ao campo de luta para vingarem a afronta atirada à sua
p á t r i a infeliz!... Mas n ã o há entusiasmo por [intenso,] patriotismo por
mais puro e veemente que n ã o [ a r r e f e ç a m ] de todo em frente à i n a ç ã o e
i n é p c i a de nossos governantes. Os nossos generais, o nosso governo,
cruzam os b r a ç o s em frente à s graves dificuldades em que se acha o p a í s !
A s s i s t e m i m p a s s í v e i s e com a mais e s t ú p i d a i n d i f e r e n ç a ao medonho
e s p e t á c u l o que t ê m diante dos olhos: o imenso sorvedouro que abrem
aos r e c u r s o s de sua p á t r i a , os gritos de [agonia] da v í t i m a s que v ã o
fazendo esterilmente; a viuvez e orfandade que v ã o atirando à m i s é r i a
[nada] absolutamente os comove! Este horroroso estado de coisas tem
atuado fortemente sobre meu [espírito], estou convencido de que longe
de prestar um s e r v i ç o ao meu p a í s , concorro antes com o meu [peque-
no] quinhão para a sua r u í n a . O que faz o E x é r c i t o estupidamente para-
do há mais de um ano em frente ao inimigo e na mais completa i n a ç ã o ,
s e n ã o cobrir-se de vergonha?

Nestas d i s p o s i ç õ e s , minha querida amiga, e [movido] t a m b é m pelas


a g r a d á v e i s cartinhas que tanto me falam ao c o r a ç ã o , vou fazer-te, isto
é, repetir-te uma promessa que j á te fiz na m i n h a ú l t i m a carta: prome-
to-te que daqui a um m é s ou consinto em que venhas para C o r r i e n t e s
se ali tiver algum emprego ou dou parte de doente e p e ç o i n s p e ç ã o de

175
s a ú d e para retirar-me ao B r a s i l e para isso tenho a i n f l a m a ç ã o do fíga-
do que aqui se agravou [um pouco] por causa das febres intermitentes
que [apanhei]. Os sofrimentos do f í g a d o t ê m sido muito [atendidos]
pela j u n t a de s a ú d e e t ê m servido de base para l i c e n ç a s concedidas a
oficiais p a r a voltarem ao B r a s i l , s e r v i r á t a m b é m a m i m . O r a , m i n h a
a m i g a , o que te posso prometer m a i s ? E s p e r a m a i s um m ê s c o m
p a c i ê n c i a e r e s i g n a ç ã o que teremos a felicidade de nos t o r n a r m o s a
ver. A g o r a podes esperar com mais sossego de e s p í r i t o , n ã o s ó porque
j á atendi aos teus [...] desejos, como t a m b é m porque sabes que estou
na c o m i s s ã o a mais p a c í f i c a p o s s í v e l . Tem um pouco de p a c i ê n c i a e
r e s i g n a ç ã o que [...] t a m b é m um g r a n d e b e n e f í c i o . V a m o s a g o r a a
outro assunto constante em tuas cartas. Refiro-me à ideia em que e s t á s
de que eu estou passando m i s é r i a s e devo diminuir a pequena consig-
n a ç ã o que [pude] deixar-te. Nos quatro primeiros meses que aqui pas-
sei n ã o recebi um s ó real, mas m o r a v a com o T i b ú r c i o e n ã o precisava
de dinheiro; em j a n e i r o comecei a ter direito a vencimentos e recebi
em fevereiro [30$000], parte desses vencimentos que me tocava por
[saldo] de contas. D a í para cá tenho recebido [mensalmente] 56$000.
Tendo de estar s ó , pois fui para Itapiru, esta quantia é realmente insu-
ficiente: p r i m e i r o porque [aí tudo é] mais caro; 2" porque eu mesmo
n ã o tenho jeito para despenseiro, ou com o que o valha e [tenho um]
c a m a r a d a fiel, p o r é m ainda mais desajeitado para esse mister do que
eu. F o i por isso que te pedi que mandasses alguns g é n e r o s ; mas o tal
meu camarada provou-me, com a sua falta de m é t o d o para regular as
c o i s a s , que eu t i n h a c a í d o em g r a n d e e r r o , fazendo-te este pedido;
pois no fim de dez dias ficava eu sem g é n e r o s e sem dinheiro e e n t ã o
apelava p a r a o c e l e b é r r i m o c h u r r a s c o com farinha, a t é que viesse o
fim do m ê s para [ e n t ã o m e l h o r a r ] um pouco esta crítica s i t u a ç ã o . [A
g r a ç a é que] quando via o n e g ó c i o mal parado, fingia-me aborrecido
das comidas que o c a m a r a d a me fazia e e n t ã o com um soberano des-
prezo por elas dava-lhe ordem para que n ã o fizesse s e n ã o - c h u r r a s c o .
Lembras-te da h i s t ó r i a da raposa e as uvas; pois [fazia] como a raposa,
dizia que as uvas estavam verdes porque n ã o podia chegar-lhes; mas
como estes soldados s ã o muito gaiatos e finos, o meu c a m a r a d a
[havia] por força ter conhecido a verdadeira r a z ã o deste meu fingido
enjoo. N u n c a pensei que o tal c h u r r a s c o , em que tanto o u v i a falar,
v i e s s e r e p r e s e n t a r papel t ã o i m p o r t a n t e em m i n h a vida!... S e m p r e
[bom e] generoso atendia aos apelos que lhe fazia nas horas de aperto.
T a m b é m ou seja por g r a t i d ã o ou por ter coniiecido as suas excelentes
qualidades, o certo é que ganhei-lhe tanta afeição, tenho-lhe tal simpa-
tia que sou i n s e p a r á v e l dele (nas h o r a s de r e f e i ç ã o ) . N ã o q u e r e n d o
p o r é m abusar muito do p r é s t i m o do a m á v e l c h u r r a s c o e n ã o me fiando
no tino a d m i n i s t r a t i v o e nos [ c o n h e c i m e n t o s ] f i n a n c e i r o s do meu
camarada, tomei a firme d i s p o s i ç ã o de dar um - golpe de estado - em
meu [sistema] de v i d a . P r o c u r e i um c o m p a n h e i r o mais p r á t i c o e
conhecedor do que eu destes n e g ó c i o s e c o n t r a í uma a l i a n ç a ofensiva
e defensiva c o n t r a a [ i g n o r â n c i a ] e falta de zelo do [meu] c a m a r a d a
[(nosso figadal ou estomacal inimigo)]. O meu digno aliado em i d ê n t i -
cas c o n d i ç õ e s tinha c o n t r a í d o t a m b é m muita amizade ao - c h u r r a s c o ,
de modo que, a falar-te a verdade, c o n t r a í m o s uma g r a n d e t r í p l i c e
a l i a n ç a (muito mais leal e verdadeira do que aquela que os nossos esta-
distas c o n t r a í r a m com M i t r e e F l o r e s ) . O meu c o m p a n h e i r o t i n h a
[ p o r é m o mau] h á b i t o de gostar de c a f é com leite ao a l m o ç o e i s s o
desorientou-me um pouco; a l é m disso o meu cavalo [emagrecia] e r i n -
c h a v a muito durante a noite, a ponto de i n c o m o d a r - m e . D i s s e - m e o
meu [bagageiro] (que é um pouco v e t e r i n á r i o ) que estes rinchos que-
rem dizer falta de milho. E n t ã o , em p r e s e n ç a destas duas grandes e
s é r i a s dificuldades, o café com leite para o a l m o ç o do meu aliado e o
m i l h o p a r a o meu c a v a l o , n ã o tive r e m é d i o s e n ã o a b r i r um c r é d i t o
suplementar e foi e n t ã o que te mandei pedir que me mandasses todos
os meses uma [pequena] quantia para atender a estas verbas do meu
o r ç a m e n t o . A s s i m me conservei a t é o [31] de maio em que por meus
e s f o r ç o s [obtive] sem esperar um aumento constante em m i n h a recei-
t a . " C o m este inesperado acontecimento as coisas m u d a r a m i n t e i r a -
mente de face; n ã o s ó n ã o é mais p r e c i s o que me m a n d e s d i n h e i r o
algum como é a mim que compete fazer isto desta data em diante, pois,
feitas todas as despesas, fica-me um saldo a favor. Tenho pois historia-
dos os fatos que me o b r i g a r a m a pedir, p r i m e i r o g é n e r o s , depois
d i n h e i r o em l u g a r de g é n e r o s e finalmente que n ã o me m a n d a s s e s
mais, nem g é n e r o s , nem dinheiro. P e ç o - t e que aceites o pouco que te
puder mandar todos os meses. A c r e d i t a que n ã o faço o menor sacrifí-
cio para isso. Os vencimentos que tenho atualmente chegam e sobram
para as minhas despesas que [...] reguladas. Pelo Dr. B e r n a r d i n o man-
dei-te cem mil r é i s (100$000) em cinco moedas de [...] e p e ç o - t e que
aceites este pequenino aumento que posso fazer-te este m ê s . E u te
mandarei todos os meses cinqiienta ou sessenta mil r é i s [...] aumentar
a pouca c o n s i g n a ç ã o que deixei-te. N ã o deixes de receber este peque-
no aumento que agora posso fazer-te porque isso me desgostaria. Sei
que n ã o preciso falar-te nisto, mas p e ç o - t e que se for possível (sem o
menor sacrifício) c o n c o r r a s com alguma c o i s a p a r a os a r r a n j o s que
p r e c i s a r m i n h a m a n a caso se realize o casamento. E u jíí escrevi ao
P e ç a n h a mostrando-lhe a realidade de minhas m á s c i r c u n s t â n c i a s [...]
meio de que podia l a n ç a r m ã o . D i s s e - l h e t a m b é m que c o n c o r r e r i a s
com aquilo que pudesses certo [...] na tua amizade e certo t a m b é m que
n ã o é tua o b r i g a ç ã o , mas que o f a r á s se puderes. P e ç o - t e ainda mais
uma vez que n ã o faças sacrifícios.
Manda-me dizer em que dia e em que j o r n a l c o m e ç o u a ser publica-
do o meu trabalho. Hei-de escrever ao G u i m a r ã e s a respeito do que
me mandaste dizer [...] que houve no Instituto P o l i t é c n i c o . O m o ç o de
quem falaste é muito inteligente, muito distinto e faço dele o melhor
conceito. Talvez te enganasses [...]. Respondi aos diversos quesitos de
tuas cartas [...] o que hei-de p o r é m responder à s provas de verdadeira
amizade, de verdadeiro amor que me tens dado? Que estes sentimen-
tos acham eco em meu c o r a ç ã o , que sou teu verdadeiro e leal amigo,
que te amo mais que tudo e a todos, que fazes a minha ú n i c a felicidade
com a feliz certeza de ter em ti além de uma esposa nobre e digna uma
amiga extremosa. Quando te tornarei a ver e a b r a ç a r e às minhas que-
ridas filhinhas? Talvez daqui [...] 40 dias o mais tardar. É pouco tempo
p o r é m para n ó s é realmente muito. N ã o és tu a ú n i c a impaciente. E u
t a m b é m sou, mas d o m i n o a m i n h a i m p a c i ê n c i a , r e s i g n o - m e . F a z o
mesmo que c u m p r i r um dever. Diz à D . O l í m p i a e ao nosso bom [...]
a m i g o que n ã o lhes e s c r e v o a i n d a desta vez pela d e m a s i a d a pressa
com que s a i o Arinos. P o r i n t e r m é d i o do Dr. C a p i t ã o Luís V i e i r a
F e r r e i r a que foi [...] ao B r a s i l no vapor Galgo (do E r n e s t o ) escrevi ao
teu Pai uma cartinha falando-lhe a respeito da [...] que me mandou e
agradecendo-lhe o [...] tomou. Recebi os g é n e r o s e as cartas no dia [...]
de maio e em perfeito estado n ã o obstante [...] e contratempos que
sofreram. Entreguei ao [...] do quanto veio para ele. O J o ã o e s t á bom e
manda-te l e m b r a n ç a s . Recebi t a m b é m os 50$000 que me mandaste
pelo Dr. B e r n a r d i n o . Recebe t a m b é m agora os 100$000 que te mando.
Q u a n d o puderes m a n d a - m e um pouco de [...] e papel de c i g a r r o s .
Manda-me n o t í c i a s de m i n h a pobre M ã e e de minhas manas e cunha-
da. Mandei dentro de uma carta do P e ç a n h a uma cartinha para minha
M ã e ; n ã o sei s e j a a [...].
A D e u s , minha muito amada esposa e verdadeira amiga, d á l e m b r a n ç a s
a todas as pessoas de nossa família e de n o s s a amizade e aceita um
apertado a b r a ç o do c o r a ç ã o cada vez mais apaixonado do teu

Benjamin Constant

N . B . O E r n e s t o escreveu-me de Montevideu [...] que ia a Santa C a t a r i n a


e voltar para esta [...] e que ia mandar de Santa C a t a r i n a [...] que [...].
Diz a D . A l c i d a que n ã o l...] pois n ã o h á perigo algum em viajar por [...]
disposto em nosso favor. Deus q u e i r a que m i n h a i r m ã seja bastante
feliz. Porque e n t ã o viveremos sozinhos amando-nos e respeitando-nos
muito. E s q u e ç a m o s por uma [...] q u e s t õ e z i n h a s que tivemos e de que
tenho a t é remorsos. Apeguemo-nos ao amor puro e nobre que nos une
e nos [...] eternamente. E u n ã o te amo, adoro-te, sinto por ti [...] que
nunca senti nem imaginei poder sentir por [...]. S e r á possível que eu que
sempre fui t ã o [...] esteja destinado a gozar este céu de venturas que o
teu amor e respeito me oferecem? Custo a acreditar, mas j á me sinto
t ã o feliz que dou por desprezados todos os tristes e maus e p i s ó d i o s de
minha vida passada. Olha que à s vezes chego a envergonhar-me da fra-
queza de meu c o r a ç ã o . [...] e releio as tuas cartinhas, beijo-as a t é por-
que [...] tuas m ã o s , trago sempre comigo o teu retrato e fico à s vezes
horas inteiras a c o n t e m p l á - l o . Os maridos que amam a suas mulheres
p r o c e d e r ã o todos como eu ou s e r á fraqueza minha? Seja ou n ã o sinto
nisto um verdadeiro prazer, és para mim a minha ú n i c a felicidade real,
é o que sinto com inteira s a t i s f a ç ã o . ADeus, meu amorzinho, a b r a ç a as
minhas queridas filhinhas e aceita muitos beijos e fortes a b r a ç o s , muito
amor e o c o r a ç ã o do teu marido fiel e apaixonado, do teu maior amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

Meu amor

Recebi mais um retratinho teu e de minhas filhinhas. O D r B e r n a r d i n o


pediu um retrato [...] levar a sua mulher e eu dei-lhe, mas com bastante
[...] porque me tinhas oferecido aquele; manda-me outro. E s p e r o que
muito breve terei o imenso prazer de tocar-te, beijar-te, apertar-te bem
entre meus b r a ç o s . Quanto seremos felizes! N ã o podes imaginar quan-
to amor consagro-te, tu é s meu ú n i c o pensamento, minha única felici-
dade, ama-me e respeita-me porque em breve nos encontraremos para
nunca mais nos separarmos. Conforme me mandaste dizer [...].

" refiro-me à n o m e a ç ã o e ao aumento que tive em meus vencimentos.

* * *

(n° 52)
Paraguai Passo da Pátria
24 de j u n h o de 1867
M i n h a adorada esposa e verdadeira amiga

Escrevo-te do Passo da P á t r i a para onde v i m estar uns t r ê s ou quatro


dias para convalescer da febre intermitente que [...], posto que muito
fraca e p a r a p ô r umas b i c h a s [...] f í g a d o . E s t o u na b a r r a c a do Dr.
B a y m a c o m quem [...] me tem tratado. E s t o u felizmente bom das
febres; e tu, e s t á s m a i s r e s i g n a d a c o m as p r o m e s s a s que te fiz em
minhas cartas passadas? E com a certeza de que estou agora inteira-
mente fora do perigo das balas? Resigna-te, tem p a c i ê n c i a ; conforme
te mandei dizer em minhas cartas passadas, muito breve nos tornare-
mos a ver e a b r a ç a r para nunca mais nos separarmos durante a nossa
v i d a . O nosso m a i s veemente desejo vai em breve ser satisfeito.
Compreendo perfeitamente como deves ter sofrido esta a u s ê n c i a , por-
que eu t a m b é m [...] perdendo a coragem para s u p o r t á - l a : pensei que
era mais senhor de mim, mas n ã o sou, o excessivo amor que te tenho
tira-me toda a coragem p a r a suportar com verdadeira r e s i g n a ç ã o esta
a u s ê n c i a cruel a que [...] condenar. De todos os sacrifícios que tenho
feito na minha vida este é incomparavelmente o maior e o que mais me
tem custado. P r o c u r a distrair-te, procura [...] que muito breve nos tor-
naremos a ver, eu voltando ou vindo tu para cá. E m muito breve dou a
resposta definitiva. Deixa acabar o b a l a n ç o dos d e p ó s i t o s do acampa-
mento de Passo da P á t r i a onde breve venho t r a b a l h a r que e n t ã o te
mandarei buscar para C o r r i e n t e s ou volto. Tu querias v i r precipitada-
mente e isto n ã o tinha lugar; primeiramente era n e c e s s á r i o que tives-
ses o r d e m da P a g a d o r i a p a r a ter a t u a c o n s i g n a ç ã o paga em C o r -
rientes, era n e c e s s á r i o teres roupa principalmente de inverno que aqui
é frio, e uma c r i a d a livre, e t c , e t c ; além disso, é melhor que [...] por-
que a l é m da falta de comodidade que t e r á s (bem sei que n ã o te impor-
tas c o m isso] há os i n c ó m o d o s e r i s c o s da v i a g e m de mar. Se a tua
vinda comigo fosse p o s s í v e l eu seria capaz de deixar-te? N ã o o acredi-
tes. S e r i a uma grande felicidade, p a s s e a r í a m o s juntos por estas cida-
des [...] sempre junto de m i m e decerto encontraria prazer em visitar
estes lugares; mas no meu i s o l a m e n t o tudo me a b o r r e c e . A o s a l t a r
nestas diversas cidades e povoados do P r a t a e P a r a n á a ideia de n ã o te
trazer [...] entristecia-me e a saudade f o r ç a m a tristeza [...] esses luga-
res que alguns acham t ã o alegres e t ã o divertidos [...] verdadeiro pra-
zer nesta t r i s t e z a que tem sua o r i g e m unicamente na a f e i ç ã o que te
tenho, sinto v e r d a d e i r o p r a z e r em c o n h e c e r - m e c a d a vez m a i s , em
conhecer a firmeza e [...] minhas afeições. E n q u a n t o em uns enfraque-
cem [...] a u s ê n c i a em m i m aumentam de um modo prodigioso [...] ao
mesmo tempo que torna cruel a minha s i t u a ç ã o [...] um prazer s i n g u -
lar. E u me j u l g a r i a bem infeliz se depois de casado me sentisse indife-
rente à minha mulher ou [...]. Estou p o r é m livre desse imenso desgos-
to porque cada vez m a i s extremamente, cada vez me sinto mais teu
amigo [...] profunda afeição. Tu mesma n ã o podes imaginar como me
sinto feliz por esse lado. Amo-te a t é a a d o r a ç ã o e à s nossas filhinhas e
esse grato e sagrado dever de esposo é que cumpro com todas as for-
ç a s de m i n h a a l m a , [...] m í n i m o e s f o r ç o , se p r e n d e m e se s u c e d e m
todos os outros. N ã o faltarei portanto a nenhum deles.
Pelo Dr. B e r n a r d i n o escrevi-te uma carta, assim como uma [...]. Na
carta que te escrevi dizia-te que o Dr. B e r n a r d i n o era portador de cem
mil r é i s que te m a n d a r a e realmente n ã o foi porque o Tenente-Coronel
Pereira da C u n h a que [...] as cartas e o dinheiro entregou somente as
cartas [...] por esquecimento o dinheiro dentro da mala, soube depois
de ter s a í d o o Arinos por uma carta que o Dr. B e r n a r d i n o me escreveu;
8 [dias] depois o Pereira da C u n h a me veio entregar o dinheiro e m b r u -
lhado c o m o [...] pedindo-me d e s c u l p a s pelo e s q u e c i m e n t o . E s p e r o
agora portador seguro para mandar-te ou e n t ã o o farei por i n t e r m é d i o
da P a g a d o r i a . M i n h a boa a m i g u i n h a , n ã o penses que f a ç o s a c r i f í c i o
em mandar-te agora 60$000 r é i s todos os meses. Conforme te mandei
dizer estou agora membro efetivo da C o m i s s ã o de E n g e n h e i r o s junto
ao Comando-em-Chefe de todas as [...]. Isto me dá mais cem mil réis
(100$000) em vencimentos; j á v ê s que dando-te mais 60$000 s o b r a m -
me 40$000 a l é m dos 56.S000 que vencia e isto me [...] para meu susten-
to, do Marciano, para lavagem e milho para o cavalo e mais pequenas
despesas. Por isso espero que aceites este pequeno aumento que [...].
N ã o p r e c i s a s mandar-me mais nada, nem g é n e r o s , nem roupa, nem
dinheiro, sei que antes querias que te mandasse pedir qualquer dessas
coisas, pois terias v e r d a d e i r o prazer em mandar-mas, sei, meu anjo,
sei bastante o quanto é s minha amiga; mas felizmente n ã o é preciso, se
a l g u m a vez p r e c i s a r te m a n d a r e i pedir a s s i m como fiz por tantas
vezes. O mais certo é mandar-te o dinheiro por i n t e r m é d i o da Paga-
doria. Quis [...] a c o n s i g n a ç ã o que te deixei, mas n ã o foi pos s íve l por-
que o Chefe da P a g a d o r i a aqui do E x é r c i t o leu-me um aviso do
Ministro P a r a n a g u á proibindo que os oficiais deixassem de consigna-
ç ã o mais que o soldo de suas patentes que é quase nada, s ó permitindo
que c o n t i n u a s s e m as c o n s i g n a ç õ e s que j á estavam feitas n ã o sendo
p o r é m permitido que fossem aumentadas. Contudo vou ver se obte-
nho que a Pagadoria te mande dar lá o dinheiro entrando [...] com ele;
s e n ã o esperarei que haja portador seguro. N ã o sei se o E r n e s t o volta
de S t a . C a t a r i n a ou se de lá segue p a r a a C o r t e , estou ansioso por
saber se recebeste as cartas que te escrevi por i n t e r m é d i o dele e tam-
b é m s e j a receberam as cartas para o P e ç a n h a , a G u i l h e r m i n a e o Sr.
F r a n c i s c o Jiílio de Melo e [...] que como sabes pediu a G u i l h e r m i n a em
casamento. Respondi à G u i l h e r m i n a e ao J ú l i o aprovando por todas as
r a z õ e s que mencionei e t a m b é m a ti o [...] que pretender dar. A i n d a
n ã o tive resposta de n e n h u m a dessas c a r t a s . M a n d a s - m e perguntar
em tua [...] carta se escrevi mais alguma carta à minha [...]. J á te res-
pondi que sim e que foi dentro da carta para o P e ç a n h a . Muito estimei
saber que a [...] ido visitar e que a achaste boa de todo da l...] enfermi-
dade que teve, sentindo que ainda tenha ficado pior da c a b e ç a . U m a
c a r t a do [...] a f i r m a - m e que mesmo da c a b e ç a j á [...] muito melhor.
Deus q u e i r a que ela possa g o z a r d e s c a n s a d a m e n t e ao p é dos seus
filhos [...] tempo de vida. Tem sido bem infeliz, coitada [...] digna dessa
g r a ç a da P r o v i d ê n c i a . Dizes-me que a A l d i n a vai melhor da i n c h a ç ã o .
Que i n c h a ç ã o é essa que n ã o me e x p l i c a r a m ainda? Manda-me dizer
porque ainda [ n ã o ] me disseste. A A d o z i n d a sei que vai cada vez mais
gorda [...]. Deus a b e n ç o e a estes nossos dois anjinhos e os faça bem
felizes. A pobrezinha da A l d i n a lembra-se de m i m ? Dá beijos no meu
retrato? Quer v i r para onde estou? Hei-de dar-lhe muitos beijos e mui-
tos a b r a ç o s quando [...] para pagar-me desses momos da tal pxinico-
que [...] tido a b u n d â n c i a de leite? A l i m e n t a s - t e bem? O l h a que eu
quero ver a A d o z i n d a gorda e alegre [...] e s t á no retrato e n ã o ver-te
t ã o zangada e m a g r a como me pareceste. Tem p a c i ê n c i a por mais esta
vez, breve nos e n c o n t r a r e m o s p a r a s e r m o s muito felizes. Quanto
amor, quanta amizade [...] eu q u i s e r a , como tu, d o r m i r a t é que essa
a u s ê n c i a passasse para acordar nos teus b r a ç o s [...] hei-de ser obriga-
do a ir contando uma a uma estas longas horas. Se tiver tempo hei-de
escrever ao G u i m a r ã e s para agradecer-lhe o que fez por m i m e para
pedir-lhe que aceite dividir [...] a p u b l i c a ç ã o do meu trabalho. Pelos
j o r n a i s que tenho lido parece-me que n ã o tem s a í d o a p u b l i c a ç ã o com
regularidade. Dá ao H o n ó r i o , G u i m a r ã e s , C o i m b r a muitas recomenda-
ç õ e s da minha parte. Breve hei-de escrever a D. O l í m p i a respondendo
à carta que me dirigiu. [...] a vontade de ser eu o primeiro a escrever-
lhe, mas j á n ã o pode ser. E s c r e v e - m e sempre, minha boa amiga, cartas
longas, m i n u c i o s a s que fazes-me um g r a n d e b e n e f í c i o . E s c r e v o - t e
s e m p r e que posso e o mais que posso. N e m s e m p r e sei da s a í d a da
mala, porque isto [...] em segredo. C o m o vai a nossa boa D. Delmira?
D á - l h e l e m b r a n ç a s assim como à D. A l c i d a e ao E r n e s t o se lá estiver.
A D e u s , meu anjo, m i n h a muito q u e r i d a esposa e a m i g a , a b e n ç o a e
beija muitas vezes ã s nossas f i l h i n h a s e aceita um muito a p e r t a d o
a b r a ç o e o c o r a ç ã o cada vez mais saudoso do teu

Benjamin Constant

N . B . J o ã o e s t á bom e manda-te l e m b r a n ç a s .

* * *
(n° 53)
Paraguai Passo da Pátria
A bordo do Cuevas
30 de j u n h o de 1867
M i n h a adorada esposa e boa amiga

C o m o e s t á s , minha boa amiguinha? C o m o e s t ã o os nossos e n g r a ç a d o s


anjinhos? A A l d i n a ainda d á muitos beijos no retrato do seu papai?
Fala muito nele? E a Abadessa, a gaiata da Adozinda e s t á ainda muito
gorda e travessa? C o m o e s t ã o teu Pai, a D. O l í m p i a , D. Mariquinhas,
D. A l c i d a , D . M a r i a M a r c e l i n a e mais pessoas de nossa amizade?
Manda-me t a m b é m n o t í c i a s de minha M ã e , minhas i r m ã s . E n t r e g a r a m
ã m i n h a M ã e a c a r t i n h a que lhe mandei dentro d'uma do P e ç a n h a ?
C o n f o r m e te mandei dizer em m i n h a carta de 24, v i m passar alguns
dias no Passo da P á t r i a para convalescer da febre intermitente e p ô r
umas bichas sobre o f í g a d o . J á estou completamente bom das febres,
quanto ao f í g a d o melhorei muito, mas, como sabes, é m o l é s t i a antiga,
h á - d e ir com o tempo; n ã o há p o r é m o menor perigo. Pus treze bichas
sobre o f í g a d o e a i n f l a m a ç ã o d i m i n u i u muito. E n t ã o j á e s t á s m a i s
resignada, minha boa amiguinha? Muito breve nos havemos de ver e
a b r a ç a r ou indo eu p a r a lá, ou v i n d o tu a t é c á . J á te disse isso em
minhas duas ú l t i m a s cartas: se a guerra se prolongar, isto é, se eu v i r
que ela promete prolongar-se muito, procurarei voltar e se n ã o puder
te mandarei buscar. J á n ã o posso suportar por mais tempo esta a u s ê n -
cia, tenho muitas saudades de ti, cada vez sinto-me, com prazer, mais
teu amigo; o meu amor por ti j á se vai tornando uma e s p é c i e de adora-
ç ã o : a certeza de que tenho em ti, além de uma esposa nobre e digna,
uma sincera e extremosa faz-me imensamente feliz; ver-te e a b r a ç a r - t e
ao menos uma vez antes de m o r r e r é o meu mais ardente desejo e hei-
de a l c a n ç á - l o : haveremos de viver ainda muito tempo juntos e felizes.
Tu [queres] v i r precipitadamente e isso tem todos os inconvenientes;
q u a n d o t i v e r e s de v i r é p r e c i s o : 1": falar ao M i n i s t r o p a r a que [...]
pagar pela Pagadoria do E x é r c i t o a c o n s i g n a ç ã o que te deixei, porque,
caso a d o e ç a ou mude de emprego, c o n t i n u a s a receber do mesmo
modo a c o n s i g n a ç ã o , o c|ue n ã o aconteceria se a n ã o trouxesses, fican-
do reduzida [...] dos meus vencimentos que podem diminuir e no caso
de d o e n ç a reduzir-se unicamente à metade do soldo da patente, isto é.
30$000, quantia que nada é p a r a uma pessoa quanto mais para uma
família, principalmente nestes lugares; 2": trazer algum dinheiro para
as despesas que sempre h á na viagem e para as que tiveres de fazer
nos primeiros dias de estada [...] c r i a d a livre, fiel e morigerada para te
acompanhar, servir [...] munida de suficiente roupa, principalmente de
lã, n ã o s ó para a e s t a ç ã o i n v e r n o s a como por ser melhor p a r a a via-
gem [...] providenciar sobre a paga da mensalidade para o tratamento
de m i n h a M ã e com os d i n h e i r o s dos institutos e da e x p l i c a ç ã o ; pois
esses bons e verdadeiros amigos que tantos s e r v i ç o s me t ê m prestado
n e n h u m a d ú v i d a p o r i a m nisso; 6": esperar a partida do Galgo ou do
Arinos para v i r num deles; o Arinos tem sobre o Galgo a vantagem de
ser um v a p o r muito seguro, de j o g a r muito pouco, tendo t a m b é m
excelente m é d i c o a bordo para qualquer m o l é s t i a que possa haver; o
Galgo possui para comandante o E r n e s t o , de quem faço o melhor con-
ceito e que te h á - d e t r a z e r com todas as a t e n ç õ e s e cuidados, tendo
p o r é m o i n c o n v e n i e n t e de n ã o t r a z e r m é d i c o , a l é m de j o g a r muito,
como diz o E r n e s t o . Há muitas outras c o n d i ç õ e s a atender e que seria
longo e e x t e m p o r â n e o enumerar agora. E u me e s f o r ç a r e i para voltar o
m a i s breve p o s s í v e l e s ó na absoluta i m p o s s i b i l i d a d e de o fazer te
mandarei buscar, pois temo que sofras muito nesta longa viagem por
mar. J á te tenho dito que n ã o h á aqui família alguma B r a s i l e i r a . E m
Corrientes h á t r ê s ou quatro famílias de pessoas que aí t ê m empregos
fixos e entre elas [...] a D. A n a N é r i , excelente s e n h o r a de que j á te
tenho falado e na casa de quem virias m o r a r ao menos nos primeiros
dias; no E x é r c i t o n ã o [...]. C a s o me resolva a mandar-te buscar, se n ã o
t i v e r emprego em C o r r i e n t e s , s ó p o d e r á s m o r a r a bordo do v a p o r
Cuevas, pois terias ai [...] C a r o l i n a C â m a r a e eu poderia ver-te e estar
contigo m a i s frequentemente; no a c a m p a m e n t o é absolutamente
i m p o s s í v e l . O Cuevas estaciona no Passo da P á t r i a e s ó faz pequenas
v i a g e n s entre este ponto e C o r r i e n t e s [...], C u r u z u , etc. P o r é m esta
g u e r r a n ã o pode prolongar-se muito e as [...] preparam-se de modo a
darem em breve uma s o l u ç ã o definitiva q u a l q u e r Continuo na mesma
c o m i s s ã o de que te falei e que [está] muito nas c o n d i ç õ e s do teu agra-
do, n ã o [há aí perigo] de balas [...] deves saber que passei para mem-
bro efetivo [...] j u n t o ao C o m a n d o - e m - C h e f e de todas [...] mais cem
mil r é i s por m ê s , o que me d á vencimentos que chegam e sobram para
as minhas necessidades. N ã o é n e c e s s á r i o que me mandes mais nem
g é n e r o s , nem roupas, nem dinheiro (sei, minha boa amiga, que tens o

185
m a i o r p r a z e r em satisfazer a qualquer pedido meu nesse sentido,
assim como satisfizeste, talvez sem poder, a tantos que te fiz, mas por
hora n ã o é n e c e s s á r i o , quando for te mandarei dizer com toda a fran-
queza). E u posso agora mandar-te todos os meses 50 ou 60$000 rs sem
o menor s a c r i f í c i o e p e ç o - t e que aceites este pequeno aumento que
posso fazer-te. O Dr. B e r n a r d i n o devia ser portador de cem mil r é i s ,
que te mandava, mas n ã o foi pelas r a z õ e s que te dei em minha ú l t i m a
carta: com data de ontem fiz entrega à Pagadoria do E x é r c i t o da quan-
tia de cento e sessenta mil réis (160$000) que deve ser entregue a teu
Pai e tu a r e c e b e r á s da [...] dele. A f i a n ç o u - m e o Chefe da P a g a d o r i a
que este dinheiro iria pelo primeiro vapor que daqui partisse; por isso
p e ç o - t e que fales a teu Pai p a r a p r o c u r á - l o , ou m a n d a r p r o c u r a r na
Pagadoria das [...] ou na Secretaria da G u e r r a . A ordem é para teu Pai.
Passei a ele porque melhor do que tu pode h a v ê - l o . Manda-me dizer o
que h á a respeito do casamento da G u i l h e r m i n a ; caso se realize, espe-
ro que f a r á s (contanto que n ã o faças o menor sacrifício) tudo quanto
puderes. E s t o u h á oito dias no Passo da P átria e sempre com t e n ç ã o de
passar um dia a bordo do Cuevas com a D. Carolina e seu marido, mas
n ã o obstante estar convalescendo tenho andado muito ocupado com a
p r o m p t i f i c a ç ã o dos t r e n s de pontes sobre tubos de b o r r a c h a que
devem servir de passagem do E x é r c i t o pelos rios e banhados, caso ele
se m o v a . P o r isso s ó ontem pude v i r ao Cuevas. A D. Carolina e o
C â m a r a me t é m tratado o melhor p o s s í v e l . Durante todo o dia e g r a n -
de parte [...] muito conversamos sobre ti, D. O l í m p i a , D. M a r i q u i n h a s ,
D. A l c i d a [...] pessoas de nossa família e de nossa amizade. Passei um
dia muito [...] e muito me lembrei de ti. Tive inveja de ver o C â m a r a
com sua esposa e filhinho e senti o quanto seria feliz se pudesse estar
no seu caso. E s t e casal p a r e c e - m e muito unido e muito feliz. A D .
C a r o l i n a recebeu a tua cartinha (que me deu a ler) mas que tu n ã o aca-
baste, nem a s s i n a s t e (que e s q u e c i m e n t o foi este?). A D e u s , m i n h a
muito amada esposa e amiga, a b e n ç o a e beija muitas vezes por mim as
nossas filhinhas, recomenda-me a todas as pessoas de nossa família e
amizade e aceita muitos apertados a b r a ç o s e o c o r a ç ã o saudoso do
teu, sempre o mesmo

Benjamin Constant
N . B . O J o ã o e s t á bom e manda l e m b r a n ç a s a todos. N ã o te e s q u e ç a s
[...] a teu Pai sobre o dinheiro que te mandei com d i r e ç ã o a ele.

{Esta foi c o m e ç a d a ontem e terminada hoje, 1" de julho; a t é [...] estou de


perfeita saiide.)

A D e u s , minha amiguinha

* * *

Paraguai Passo da P á t r i a
A bordo do Cuevas
5 de julho de 1867
M i n h a adorada esposa e verdadeira amiga

Recebi hoje com imenso prazer a carta que me escreveste com data de 18
de junho. Tu e s t á s t ã o prevenida que encontras censuras, indiretas, e n ã o
sei mais o que em tudo quanto te escrevo. Peço-te que deixes disso. E u
acabo de receber um ofício em que se me comunica que devo neste ins-
tante seguir para a extrema direita a fim de fazer reconhecimentos mili-
tares e t o p o g r á f i c o s das f o r m a ç õ e s inimigas, reconhecer os [diversos
passos] e fazer as obras n e c e s s á r i a s a [seu] melhoramento; por isso, meu
anjo, n ã o posso escrever-te agora s e n ã o à s pressas e uma pequena carta.
Só te digo que de uma vez por todas dá inteira fé no que tantas vezes te
tenho dito e que é verdade: sou o teu maior amigo, amo-te apaixonada-
mente e este amor que sinto crescer cada vez mais e que vai se tornando
uma e s p é c i e de culto por ti e por minhas filhinhas faz a maior e única feli-
cidade real de minha vida. C o n h e ç o hoje quanto és minha amiga e fazes-
me mais que feliz. Tu te zangas com o [saberes do] que tenho feito e do
quanto me tenho [exposto] no cumprimento dos meus deveres, tomando
isso como falta de amizade a ti, a minhas filhinhas, e t c ; n ã o sabes quanto
me martiriza isso, pareces n ã o fazer ideia do que é para um homem de
brio o cumprimento de um dever Sabes que és a minha religião, que te
adoro e às minhas filhinhas e tens ainda d ú v i d a a respeito? O que tenho
feito mais que cumprir simplesmente o meu dever de soldado. N ã o dese-
j a v a s decerto que o teu marido fosse tratado como um infame, um covar-
de, negando-se às c o m i s s õ e s que fossem arriscadas s ó para conservar a
vida em a t e n ç ã o à família. Repito-te: acima do [amor, do culto] que faço e
farei por ti, por minhas filhinhas, está o cumprimento do meu dever. N ã o
temas por esta c o m i s s ã o , ela é muito menos arriscada que as outras que
tive e em que tenho sido feliz. A tua imagem e a de minhas filhinhas me
a c o m p a n h a r ã o por toda parte como a sombra o meu corpo. Se hoje temo
a morte é somente por ti, minhas filhinhas, a minha pobre M ã e , minhas
pobres i r m ã s . Tu p o r é m tens sobre todos a vantagem de ter transforma-
do completamente a melancólica existência que eu parecia condenado a
levar. Foste tu que com o teu amor e extremosa amizade encheste de fé e
[inundaste] da mais doce felicidade esta minha e x i s t ê n c i a que parecia
votar-me somente aos trabalhos e a toda sorte de desgostos e contrarie-
dades. O amor que sinto por ti n ã o se pode exprimir, ao menos eu s ó sei
senti-lo, n ã o o sei manifestar. Acredita em mim pelo amor que me tens.
Se eu morrer por aqui, o que n ã o espero, levo um profundo desgosto, [o]
de n ã o te ter visto ao menos uma vez [mais] a b r a ç a r - t e , apertar-te bem ao
c o r a ç ã o [que] é t ã o leal. Espero p o r é m ter em breve o e x t r a o r d i n á r i o pra-
zer de ver-te e a b r a ç a r - t e ainda muitas vezes. Quanto seremos felizes!
Como avaliarás bem o que agora eu s ó sei balbuciar? ADeus, meu anjo,
a b e n ç o a e beija muitas vezes por mim as minhas lindas filhinhas. Dá lem-
b r a n ç a s a teu Pai, a D . Olímpia, D. Mariquinhas, D. Maria Marcelina, o
Joaquim Rocha. Manda-me notícias de minha M ã e e minha irmã. [O bote
está] à minha espera, vou embarcar [...] Ernesto que tenho tido muitas
saudades dele e que as o p e r a ç õ e s v ã o [...]. Recomenda-me muito a D .
Alcida e a D. Delmira. A D. Carolina e o marido t é m - s e esmerado em tra-
tar-me o melhor que é possível, conversamos quase sempre sobre ti, n ã o
deixe de escrever-lhe. Aceita um muito e muito apertado a b r a ç o e o cora-
ç ã o cada vez mais leal, fiel e apaixonado do teu maior e mais extremoso
amigo, que é, foi e s e r á sempre o mesmo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . O M a r c i a n o e o J o ã o e s t ã o bons.

* * *
6 de j u l h o [de 1867]

[...] escrevendo uma carta a teu Pai quando [...] que veio ver umas enco-
mendas que o Ernesto lhe [...] perguntou-me ele s e j a tinha lido ou sabi-
do [...] cartas que o J o ã o recebeu; disse-lhe que n ã o . [...] o Pego disse-
me que nessas cartas supunham [...] num estado miserável, de mau trato,
abandono [...] fazia s e r v i ç o e camarada, e t c , e t c , e t c , etc. [...] incomo-
dei-me bastante com isso. [...]-me ofendido em terem acreditado que
isso fosse possível. Tenho felizmente muitos amigos no Exército e quan-
do n ã o pudesse eu fazer qualquer coisa por teu mano, os amigos fariam.
M i n h a amiga, estou a t é com nojo de entrar em e x p l i c a ç õ e s ; f a ç a m o
j u í z o que quiserem [...] interpretem os meus atos da maneira que lhes
aprouver. Estou habituado a estas i n t e r p r e t a ç õ e s . [...] julgado sempre
de um modo bem diverso [...] que o deviam fazer. S ó te digo que n ã o
tenho [...] s a c r i f í c i o s por ele, mas tenho feito o pouco ou nada que
posso e devo fazer por um i r m ã o . N ã o podia dar-lhe dinheiro porque o
pouco ou quase nada que tinha gastava em comedorias e o J o ã o passa-
va como eu, mal, é verdade, porque no campo n ã o se pode passar bem;
no entanto quando tive um pequeno aumento disse-lhe que lhe d a r i a
305000 por m ê s para as suas despesas e que podia tomar adiantado o
dinheiro [...] Pego que eu pagaria e assim o fiz. [...] pelo Pego que teu
Pai mandou dar-lhe uma [...] suponho que da mesma quantia e que a
[...] na Corte à D. Isolina, e por isso o Pego [...] a teu Pai que te desse os
sessenta mil réis que cá havia dado ao J o ã o , conforme [...] dizer no N . B .
da carta de ontem. E n f i m , minha amiga, n ã o li nem pretendo ler as car-
tas que [...] J o ã o , mas qualquer que seja o seu c o n t e ú d o n ã o [...] a míni-
ma e x p l i c a ç ã o do meu procedimento a respeito dele e ainda mais por-
que tanto acreditaram no que [...] sei quem lhes mandou dizer, ou nos
maus sonhos que tiveram que em nada me tocaram e desejo que [...];
porque n ã o darei a menor e x p l i c a ç ã o [...] como devo crer e creio, s ã o
exatas as n o t í c i a s que me deu o Pego. A D e u s , m i n h a muito a m a d a
esposa e amiga; e acredita que a despeito de todos os j u í z o s e interpre-
t a ç õ e s que queiram dar aos meus atos eu tenho verdadeiro orgulho em
[...] proceder sempre como homem de honra que sou [...] especialmen-
te teu esposo fiel e apaixonado, teu verdadeiro e extremoso amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s


Paraguai A bordo do Cuevas
7 de j u l h o de 1867
M i n h a adorada esposa e boa amiga

C h e g u e i ontem à noite da v a n g u a r d a ( e x é r c i t o do O s ó r i o ) que e s t á


acampado 1/4 de l é g u a acima da p o v o a ç ã o de Tuiucuê; a minha vinda
teve por fim r e c o n h e c e r as estradas que ligam Tuiuti, nosso antigo
acampamento, ao em que agora estamos e examinar as p o s i ç õ e s ocu-
padas pelo inimigo, marcando suas d i s t â n c i a s à s estradas (sic) e fazen-
do enfim reconhecimentos militares e t o p o g r á f i c o s . J á enviei a planta
da estrada assim como uma m e m ó r i a descritiva de todas as c i r c u n s t â n -
cias que observei, a m a n h ã à s 7 horas da m a n h ã volto para a vanguarda
a fim de completar trabalhos que deixei encetados e lá estarei a t é ver
em que d ã o estas coisas. F u i muito feliz no reconhecimento que fiz
antes do E x é r c i t o se p ô r em m a r c h a , apesar dos poucos ou quase
n e n h u n s r e c u r s o s que me d e r a m . D u r a n t e a m a r c h a a c o m p a n h o o
grosso do E x é r c i t o comandado pelo C a x i a s fazendo o roteiro, isto é,
tirando a planta da estrada com todas as c i r c u n s t â n c i a s importantes
que houverem (sic) pelas margens, tais como banhados, esteiros, natu-
reza do terreno, h a b i t a ç õ e s , trincheiras, trabalho que está em dia a t é o
[ponto em] que o E x é r c i t o fez alto, que é [Tuiucuê]. Depois que o
E x é r c i t o acampa sigo para a frente a fim de examinar as estradas para
r e p a r á - l a s e fazer reconhecimento a t é 1 ou 1/2 l é g u a além das p o s i ç õ e s
ocupadas pelo O s ó r i o que vai sempre [adiante, pois é ele] o general da
vanguarda, assim ando num c o n t í n u o movimento. [Ontem] tinha ape-
nas acabado de examinar o Passo das Canoas que fica [além das] avan-
ç a d a s do O s ó r i o quando chegou um ofício ordenando-me que fosse
e x a m i n a r as estradas para Tuiuti, o que muito estimei, pois sabia que
tinha chegado o Arinos e desejava ter n o t í c i a s tuas e de toda a nossa
família. Recebi [em Tuiucuê], na o c a s i ã o em que estava [tirando a plan-
ta] desta p o v o a ç ã o abandonada, uma carta tua e outra do teu Pai que
m u i t í s s i m o prazer me deram: estava ansioso por notícias, as comunica-
ç õ e s e s t ã o i n t e r r o m p i d a s pelo i n i m i g o , que tem a p r i s i o n a d o muitas
carretas e uma ponta de gado de 800 [reses e] por isso n ã o tinha nem
meios de escrever-te, nem e s p e r a n ç a s de receber cartas tuas que tantos
b e n e f í c i o s me fazem. N ã o fazes ideia como estimei receber as tuas car-
tinhas, especialmente na o c a s i ã o em que estava deitado em uma [...]
n u m a c a s i n h a do povoado pensando em ti e i m a g i n a n d o quanto eu
seria feliz se tu pudesses estar ali junto [...]. Tinha-me deitado para des-
c a n s a r um pouco e c o n t i n u a r depois a planta quando o ajudante de
ordens do C a x i a s me veio trazer as cartas, tua e do teu Pai [...] era de 5
do corrente e a outra [...] ontem ao chegar a Tuiuti recebi uma carta de
teu Pai com data de 12 [...] dentro uma tua com data de [...] a escrever-
me como se eu estivesse no corpo de e x é r c i t o e isso é mau porque d á
lugar a extravio de carta [...]. E m minhas cartas passadas j á te mandei
dizer que tinha passado a servir na C o m i s s ã o de Engenheiros junto ao
C o m a n d o - e m - C h e f e de todas as f o r ç a s B r a s i l e i r a s e a t é mandei a
n o r m a do s o b r e s c r i t o . O s c o m a n d o s do e x é r c i t o podem separar-se
muito durante a m a r c h a e dar isso lugar a e x t r a v i o ou pelo menos
demora na entrega das cartas. N ã o tenho tempo bastante para escre-
ver-te como desejava explicando-te toda a nossa m a r c h a e todos os
seus e p i s ó d i o s , mas dir-te-ei em resumo o que tiver h a v i d o de mais
n o t á v e l . Estamos à retaguarda de Humaita, à direita de S. Solano. De
T u i u c u ê avistam-se perfeitamente as torres de H u m a i t a . Do Passo da
P á t r i a a t é lá o E x é r c i t o teve apenas pequenos encontros com f o r ç a s ini-
migas, pequenos piquetes de o b s e r v a ç ã o a nossos movimentos e que
depois de pouca r e s i s t ê n c i a abandonam seus postos, l a n ç a n d o fogo à s
casas e recolhem-se às trincheiras, no que procedem com muito tino.
No dia 23 em que fui fazer reconhecimentos além do [Alvarenga] (posi-
ç ã o ocupada pelo G e n e r a l O s ó r i o e distante 2 l é g u a s do Passo da P á t r i a
pela direita de Tuiuti), foi comigo [uma] d i v i s ã o de cavalaria comanda-
da [pelo] G e n e r a l M e n a B a r r e t o e o B a t a l h ã o 14 [de I n f a n t a r i a ] ; os
Paraguaios à medida que nos a p r o x i m á v a m o s retiravam seus piquetes
[e l a n ç a v a m ] fogo à s casas (arderam 6) e s ó [no esteiro] Rojas (onde h á
dois passos, um dos quais se chama - o Passo do Tio Domingos [perto
de] uma cabana conhecida com o nome por ter ali morado um padre
c h a m a d o D o m i n g o s ) é que houve a l g u m a [ r e s i s t ê n c i a , ] trocando-se
alguns tiros durante [1/4 de] hora; afinal a b a n d o n a r a m a defesa do
Passo e retiraram-se a todo galope, [nem] era p o s s í v e l que pudessem
resistir com vantagem à força que t r a z í a m o s que [era 10] vezes m a i o r
Depois que o E x é r c i t o se p ó s em m a r c h a temos tido pequenos encon-
tros [sendo os de] T u i u c u ê nos dias 2 e 3 os mais importantes [pois]
h a v i a u m a s o f r í v e l f o r ç a P a r a g u a i a [posto que a] do O s ó r i o , que a
bateu, fosse [ m u i t í s s i m o ] maior. Aí m o r r e r a m no dia 2 perto de [100]
P a r a g u a i o s e l i o u v e r a m (sic) alguns feridos e p r i s i o n e i r o s , e nossos
muito poucos ou quase nenhuns fora de combate (o nosso M a r q u ê s de
C a x i a s ainda n ã o ouviu de perto o [...] das balas inimigas, nem sabe que
cheiro tem o fumo de sua p ó l v o r a , digo somente por amor à verdade).
No combate os Paraguaios mostraram que s ã o valentes e dedicados ao
Lopez, [ m o r r e m ] mas n ã o se r e n d e m . N u m pequeno [encontro] que
houve no dia seguinte vi quanto [ s ã o b r a v o s ] e f a n á t i c o s pelo - E l
S u p r e m o [Gobierno] - estas d e s g r a ç a d a s v í t i m a s do [despotismo] de
Lopez. Deu-se o seguinte: um piquete Paraguaio composto de 10 solda-
dos ao comando de um oficial foi completamente cercado por um
[corpo] de c a v a l a r i a do O s ó r i o , f e c h a r a m e a p e r t a r a m o c í r c u l o e o
comandante disse-lhes que se rendessem que n ã o seriam [mortos]. A s
l a n ç a s e espadas de nossos soldados refletiam aos raios de sol e em
cada [uma] viam eles pintada a morte que os [esperava] se tentassem
resistir ou se n ã o [se quisessem] entregar; mas no meio daquele círculo
de espadas e l a n ç a s que se apertava cada vez mais, diante da morte,
aqueles homens h e r ó i s n ã o se esqueceram do j u r a m e n t o prestado ao
seu d e s p ó t i c o chefe, [ n ã o se esqueceram] das ordens recebidas; este
juramento, estas ordens tinham para eles mais valor que [a vida,] res-
ponderam que n ã o se entregariam porque n ã o tinham ordem do supe-
rior governo; repetia-lhes o comandante da nossa força que e n t ã o iam
ser mortos; [-] responderam com a maior calma - [morremos] pois - e o
comandante agitando a bandeira e dando reviravoltas com ela gritava -
n ã o se [rendan] ustedes, sejamos P a r a g u a y o s asta (sic) en la tumba.
E n t ã o c o m e ç o u a cena [a] mais h o r r o r o s a que se pode o b s e r v a r - as
c a b e ç a s de uns eram arrancadas do tronco a um golpe de espada, as de
outros r a c h a d a s [a espada] a t i r a v a m longe os miolos, alguns eram
arrancados de cima dos cavalos atravessados pelas l a n ç a s e nos paro-
xismos da morte mordiam as hastes torcendo-se em t e r r í v e i s convul-
s õ e s , o sangue esguichando das feridas salpicando os nossos cavalos;
d a í a pouco nada mais h a v i a [que um monte] de c a d á v e r e s , ou por
outra, um [monte] de postas, porque a maior parte de [...] sentia prazer
em matar e em esquartejar os homens depois de mortos. O O s ó r i o tem
continuamente atropelado os Paraguaios com pequenas [guerrilhas].
Há 4 (sic) t r ê s dias bateu-se com uma [força] Paraguaia e matou perto
de 200 [homens e] fez uma coleta de 2.000 reses, [1.000] cavalos, algu-
mas carretas, armamento. Os soldados trouxeram cabritos, carneiros.

192
galinhas e a t é p a v õ e s , de uma [ e s t â n c i a ] em que estiveram por t r á s e
muito [perto] de Humaita. Tem havido extrema [demora] nas marchas:
em t r ê s dias, quando muito, c h e g a r í a m o s ao ponto em que estamos;
mas a falta de m é t o d o é companheira i n s e p a r á v e l de nossa [administra-
ç ã o ] e a c o n t í n u a i n d e c i s ã o dos nossos generais tem sido a causa de
tudo. A g o r a espera-se n ã o sei por q u ê , [talvez] se espere que o Lopez se
fortifique para depois atacar. E e n t ã o teremos a r e p e t i ç ã o das semanas
de marasmo de Tuiuti. Fala-se em sitiar Humaita; n ã o sei quando deve-
r ã o c o m e ç a r este sítio, o que sei p o r é m é que quanto mais tempo ficar-
mos em i n d e c i s ã o , tanto mais difícil se t o r n a r á a nossa s i t u a ç ã o . A
[longa m a r c h a ] que fizemos por o r a n ã o tem p a r a [mim] n e n h u m a
e x p l i c a ç ã o que satisfaça. Temos as c o m u n i c a ç õ e s cortadas pelo inimi-
go. A falta de pastos, milho, etc. tem emagrecido extraordinariamente
a boiada e a cavalhada e os p r ó p r i o s soldados t é m [sofrido] pois estive-
r a m dois dias a 1/6 de [ r a ç ã o ] no entanto que (sic) fomos p a r a uma
[posição] para onde nos t r a n s p o r t a r í a m o s [em] meio dia de marcha por
uma estrada muito melhor, longe das fortificações inimigas e por onde
o e x é r c i t o podia mover-se sem ser incomodado [até ocupar] a mesma
p o s i ç ã o que t ã o difícil e longa marcha nos custou. É este o tino dos nos-
sos generais. E n f i m tomara esta m a ç a d a acabe depressa, pois cada vez
[sinto] a saudade apertar-me com mais força o c o r a ç ã o [e chamar-me]
ao seio de minha família. Durante toda esta marcha trabalhei bastante e
diz-me a c o n s c i ê n c i a que tenho prestado algum s e r v i ç o ; é isso quanto
basta. N ã o faço alarde dos poucos s e r v i ç o s que tenho feito, nem dou,
nem darei parte oficial [por escrito] do que fizer. Sei que este n ã o é o
p r o c e d i m e n t o que se deve ter, mas eu o tenho. N ã o sei lisonjear o
a m o r - p r ó p r i o dos generais, sei c u m p r i r fiel e serenamente as minhas
o b r i g a ç õ e s e felizmente n i n g u é m duvida nem pode duvidar [disso,] s ã o
muitas as provas que tenho dado e s ã o muitas as testemunhas que as
t é m observado. Teu Pai manda-me dizer que n ã o tem aparecido o meu
nome em n e n h u m a ordem do dia, respondi que n ã o tem aparecido e
que n u n c a h á - d e aparecer, no entanto pode ele acreditar no que lhe
tenho mandado dizer a respeito do pouco ou nada que tenho feito, h á
(felizmente) milhares de pessoas que podem testemunhar-lhe a veraci-
dade. A r a z ã o desse fato é antiga e conhecida no E x é r c i t o , n ã o s ó em
r e l a ç ã o a mim como em r e l a ç ã o a todos os da C o m i s s ã o de Engenheiros
e oficiais de [ a r m a s ] c i e n t í f i c a s . N ã o h á como parece [ i n d i s p o s i ç ã o ] ,
esse fato é c o n s e q i i ê n c i a n a t u r a l do procedimento que t ê m aqueles
[ m o ç o s de certos] p r i n c í p i o s que n ã o fazem da farda [o seu] futuro cum-
prindo no entanto religiosamente todos os seus deveres. N ã o sou eu só,
s ã o todos os que e s t ã o e c o n t i n u a r ã o nas mesmas c i r c u n s t â n c i a s . E l e o
s a b e r á depois perguntando a qualquer oficial do 1" Corpo, e especial-
mente da 1" Divisão - com quem mais tenho servido [e com] todos os
oficiais e soldados [do B a t a l h ã o ] de Engenheiros que quase sempre me
acompanha nos trabalhos. A minha c o n s c i ê n c i a e a m o r - p r ó p r i o e s t ã o
mais [que] lisonjeados. O [dito] do teu Pai é muito [natural,] muito sim-
ples e ele com r a z ã o se [admira] da singularidade do fato, no entanto [é]
ele uma verdade e c o n t i n u a r á [a sê-lo, ao menos] em r e l a ç ã o a mim e
como [disse] n ã o tem sua origem em d e s a f e i ç õ e s [ou] i n j u s t i ç a s , n ã o
decerto, h a v e r á falta de chefe, h a v e r á no meu modo de proceder [que]
s e r á sempre o mesmo e em mais nada. [Também] nada mais tenho feito
do que c u m p r i r fielmente o meu dever. Passemos a outro assunto de
mais interesse para mim. Tive m u i t í s s i m o prazer em saber que a minha
pobre M ã e e s t á mais gorda e mais [...] e que tem sido bem tratada,
a s s i m como que todos gozam de boa s a ú d e . O P e ç a n h a e s c r e v e - m e
poucas c a r t a s e estas poucos noticiosas; eu tenho-lhe escrito [...].
Quase nada sei do que tem havido a respeito do casamento da Guilher-
mina [...] tu tens me dado muito mais i n f o r m a ç õ e s . Se falares com ele,
diz-lhe que me escreva mais a m i ú d e e cartas mais [...]. Diz-me t a m b é m
como vai ele da [...] que tinha, n i n g u é m me tem dito nada a respeito. Tu
esperavas-me pelo Galgo [mas] por ele te mandei dizer a r a z ã o por que
n ã o ia. Estou inteiramente bom [das aborrecidas] febres e melhor do
f í g a d o ; [...] tratamento que tenho tido me tem feito muito b e n e f í c i o ,
estou mais gordo, muito [forte] e portanto n ã o tenho as mesmas r a z õ e s
que t i n h a p a r a pedir l i c e n ç a e muito menos p a r a pedir i n s p e ç ã o de
s a ú d e . N ã o penses que n ã o tenho os mesmos desejos de ver-me no seio
da minha família, cada vez s ã o mais fortes, p o r é m , o que se pode fazer?
Prometi-te que voltaria ou te m a n d a r i a buscar, mas as c i r c u n s t â n c i a s
[mudaram t ã o ] bruscamente que hoje n ã o posso, nem voltar nem man-
dar-te buscar. N ã o tenho meios de o fazer. Poderias estar aqui com a D.
C a r o l i n a , mas os i n c ó m o d o s de uma viagem, a falta de comodidade,
etc. [...] a coragem de dizer-te - Vem - no entanto deixo isso inteira-
mente à tua [...] pensa e se te resolveres a dar esse passo n ã o te esque-
ç a s de todas as r e c o m e n d a ç õ e s que te fiz a respeito da c o n s i g n a ç ã o [...]
e t c , a c h a r á s sempre em mim o teu maior amigo, receber-te-ei com os
b r a ç o s abertos para apertar-te entre eles, unir-te bem ao c o r a ç ã o que a
ti é t ã o [...]. Tenlio tido sempre um e x t r a o r d i n á r i o d o m í n i o sobre mim,
mas o c o r a ç ã o n ã o se deixa dominar sem grandes v i o l ê n c i a s . Quando
eu pensei em dizer quem amo [...] vem trazer-me a felicidade, vem [...] o
desejo ardente que tenho de ver-te [...] sabendo que isso lhe custaria
muitos i n c ó m o d o s ? N ã o o disse positivamente [...] ã tua d i s p o s i ç ã o que
é o mesmo, pois sei que nutre os mesmos desejos e [...] todos os sacrifí-
cios para estarmos juntos. M i n h a adorada amiga, para que insististe na
ideia de v i r ? E u que repelia essa ideia porque sabia quanto é i n c ó m o d a
e [...] p r i v a ç õ e s tens que sofrer, j á n ã o tenho f o r ç a s p a r a resistir aos
teus desejos que s ã o os meus, e a c i r c u n s t â n c i a de estar [...] com a famí-
lia foi um pretexto bastante [...] p a r a m u d a r de ideias (sic), j á acho
algum cabimento nas tuas e x i g ê n c i a s . O r a , realmente o amor [...] de
tudo. Passo horas inteiras a imaginar a felicidade que teria em ver-te
aqui ao [...] m i m , sonho a t é com isso [...] tenho â n i m o de dizer-te positi-
vamente que v e n h a s , n ã o quero ter r e m o r s o s de ver-te sofrer [...].
Enfim, meu anjo, deixemos falar o c o r a ç ã o ; [se] vires que n ã o há gran-
de transtorno na tua vinda - Vem. Vem juntar-te ao teu maior amigo,
vem que fazes minha linica e verdadeira felicidade e eu n ã o posso [...]
m a i s a u s ê n c i a que j á me [...] i n s u p o r t á v e l . Q u e r e s m a i o r p r o v a de
minha extrema amizade? N ã o fazes ideia de quanto e s t á me custando
escrever-te estas [...]. A amizade deve exigir os sacrifícios que exijo de
ti? N ã o sei, mas [...] que é a amizade que me leva a condescender com
eles; eu pagar-te-ei estes sacrifícios com a mais extrema amizade, com
o mais ardente amor. Se n ã o estiver por cá quando chegares, voarei a
teus b r a ç o s assim que tiver a n o t í c i a dela. E e n t ã o procurarei [...] de
estar contigo o maior n ú m e r o de vezes, procurarei c o m i s s õ e s que faci-
litem estar sempre j u n t o de ti. Tenho trabalhado bastante, bastantes
vezes durante a m i n h a vida. N i n g u é m decerto h á - d e c e n s u r a r - m e , e
que censurem, que importa, se tenho tranquila a c o n s c i ê n c i a . [...] per-
d o a r á s se com esta c o n d e s c e n d ê n c i a [...] dos teus desejos de vir, tiveres
de sofrer de muitos modos com a v i a g e m ou em c o n s e q u ê n c i a [...].
A m o - t e mais que a tudo e j u r o - t e que se nos t o r n a r m o s a ver, como
espero, nunca mais me separarei de ti; s ó a morte t e r á esse poder. É a
c r e n ç a na tua amizade, na pureza da tua afeição [que] faz-me imensa-
mente feliz. A Aldina escreveu-me uma cartinha [...] n ã o poder respon-
der, pois s ã o 11 horas e tenho de sair à s 4 da madrugada. E m breve o
farei. D á - l h e muitos beijos por m i m , diz-lhe que o seu papai lhe quer
muito bem, assim como à maninha, que é muito [...] ambas. A Adozinda
ainda está muito [...] muitas vezes por mim. N ã o tenhio tempo de escre-
ver ao nosso bom velho mas mostra-lhe a [...] desta carta em que conto
o que por cá tem havido e desculpa-me com ele. Faz o mesmo com o
P e ç a n h a . Queria ir a bordo do [...] mas cheguei ao Cuevas e caiu um [...]
t ã o forte que o C â m a r a julgou imprudente meter-me num pequeno [...]
e por isso n ã o fui, mas vou escrever [...] que te envio por ele. Manda-me
dizer s e j a recebeste os cento e sessenta mil r é i s que te mandei pela
Pagadoria assim [...] os sessenta que teu Pai te deve dar em c o n s e q u ê n -
cia do trato com o Pego? J á dei ao J o ã o o dinheiro para dar ao Pego.
Diz à D. Olímpia que n ã o fique zangada comigo pela falta em que tenho
estado deixando de escrever-lhe, eu tenho desejo de [...] um carta bem
[...] e afinal nunca me chega o tempo, mas [...] o farei. Diz ao Ernesto
que n ã o lhe [...] t a m b é m pela mesma r a z ã o (falta de tempo). Dá muitas
l e m b r a n ç a s a todos e aceites o c o r a ç ã o cada vez mais saudoso do teu
fiel e verdadeiro amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . O teu mano e s t á bom a s s i m como [...] o M a r c i a n o s e r v e m no


E x é r c i t o do C a x i a s quase sempre j u n t o s . A D e u s , meu anjo, m i n h a
muito adorada esposa e boa amiguinha [...] aceita um apertado a b r a ç o
que te manda o [...].

* * *

54
Paraguai Tuiuti
11 de julho de 1867
M i n h a adorada esposa e amiga

C o m o e s t á s e como e s t ã o as nossas filhinhas? Pelo [...], com quem esti-


ve a bordo do Galgo, escrevi-te uma carta com data de 5 e 6 do corren-
te; nela [...] que o E x é r c i t o estava a marchar, o que n ã o chegou a acon-
tecer por c a u s a das muitas c h u v a s que t ê m havido e talvez levemos
aqui ainda [...] porque o tempo n ã o promete melhiorar. E u estou bom,
m i n h a querida amiga. Tu como e s t á s ? J á e s t á s mais r e s i g n a d a ? Tem
p a c i ê n c i a [...] g u e r r a e s t á prestes a terminar. E u j á te disse [...] n ã o
espero que ela se acabe. Se n ã o dei ao [...] Galgo, parte de doente pe-
dindo i n s p e ç ã o de s a ú d e foi porque o E x é r c i t o estava realmente para
m a r c h a r e é bem desairoso em tais c i r c u n s t â n c i a s um militar pedir e
m e s m o aceitar uma l i c e n ç a p a r a retirar-se do campo. E u n ã o tive e
n u n c a terei c o r a g e m para isso. Dado p o r é m o p r i m e i r o combate,
nenhuma r e p u g n â n c i a terei de pedir d e m i s s ã o do s e r v i ç o para voltar
ao B r a s i l . Tu sabes que sempre tive em vista deixar esta farda que s ó me
tem dado p r e j u í z o . O sacrifício que me obrigou a fazer, posto que em
parte o a b e n ç o e , de estar fora de minha família e principalmente de ti, é
s u p e r i o r a tudo. V i v e r contigo na mais i n t e i r a amizade é o que mais
ardentemente desejo. Quanto seremos felizes!
J á recebeste os duzentos e vinte mil réis (220$0()0) que te mandei?
160$000 foram por i n t e r m é d i o da P a g a d o r i a e 60$000 f o r a m te (sic)
mandados por i n t e r m é d i o do Pego. Todo este dinheiro r e c e b e r á s de teu
Pai. J á paguei ao [...] o dinheiro que por ordem dele [...] te d a r á . M i n h a
boa amiga, n ã o penses que f a ç o o menor s a c r i f í c i o ; o d i n h e i r o que
ganho chega e sobra para as minhas despesas. [...] lembra-te que no
s o b r e s c r i t o das c a r t a s que me m a n d a r e s em lugar de - M e m b r o da
C o m i s s ã o de E n g e n h e i r o s do 1" C o r p o de E x é r c i t o - deves p ó r -
Membro Efetivo da C o m i s s ã o de Engenheiros junto ao Comando-em-
Chefe de todas as F o r ç a s B r a s i l e i r a s , etc. L e m b r o - t e isto p a r a que
m i n h a s cartas n ã o sofram demora indo p a r a o 1" C o r p o de E x é r c i t o
que pode afastá-las de n ó s . N ã o estranhes daqui por diante a pequenez
de minhas cartas. Sabe que m a r c h a m o s quase com a roupa do corpo
porque é proibido levar-se bagagem, e que nas [...] n ã o h á a menor
comodidade p a r a escrever-lhe, o j o e l h o é que nos serve de mesa; no
entanto, levo comigo papel, penas e tinta e [...] te deixarei de escrever,
quando se acabar a tinta escreverei a lápis, mas hei-de sempre escre-
ver-te mandando-te n o t í c i a s minhas. N ã o fiques mal comigo por n ã o
aceder ao teu pedido de voltar; j á te dei as v e r d a d e i r a s razoes pelas
quais isso me era i m p o s s í v e l . P e n s a s talvez que n e n h u m caso tenho
feito dos teus pedidos, n ã o o creias, os teus pedidos s ã o os mais natu-
rais e revelam a amizade que me tens e que me faz imensamente feliz.
S ó [...] a violência que faço ao meu c o r a ç ã o deixa-me [...] seguir os teus
desejos, os teus conselhos de verdadeira amiga; mas n ã o posso e n ã o de-
vo fazê-lo nas c i r c u n s t â n c i a s em que está agora o E x é r c i t o . Lembra-te
de mim, minha amiguinha. Dá l e m b r a n ç a s à D. Alcida, D. Delmira, ao
E r n e s t o . Pretendo escrever a teu Pai mas se n ã o o puder d á - l h e muitas
[...] l e m b r a n ç a s minhas à D. O l í m p i a , D. Mariquinhas, D. M a r i a Marce-
lina. N ã o te e s q u e ç a s de [...] ã família do Veiga e recomendar-me a
todos. [...] ao G u i m a r ã e s , H o n ó r i o , C o i m b r a . A b e n ç o a por m i m às nos-
sas filhinhas e aceita o c o r a ç ã o cada vez mais saudoso do teu esposo e
verdadeiro amigo

Benjamin Constant

Dia 13

A b r i a carta que j á estava no correio para mandar-te n o t í c i a s minhas


a t é ao fechar da mala. E s t o u bom. O 3" C o r p o de E x é r c i t o c o m e ç o u
hoje a desembarcar no Passo da P átria onde v i m a s e r v i ç o e por estes
dias [...] E x é r c i t o ao seu destino. Depois que saí do Galgo estive dois
dias a bordo do [...] o Sr. C â m a r a e D. Carolina que trataram-me como
sempre do melhor modo p o s s í v e l . E s c r e v e sempre que puderes à D .
Carolina e aceita o c o r a ç ã o amigo e fiel do teu

Benjamin

* * *

Paraguai T u i u c u ê
29 de agosto de 1867
Meu anjo

E s t a v a c o m e ç a n d o a j a n t a r (um churrasco) quando chegou um soldado


de cavalaria com um bilhete para mim; li e n ã o posso explicar a explo-
s ã o de prazer que [senti] que tinhas vindo; que o digam os companhei-
ros Á l v a r o , Fialho, Monte que se a c h a v a m presentes. N u n c a e x p e r i -
mentara tamanha alegria, como ao saber que a saudade, a amizade ver-
dadeira traziam para junto de mim aquela a quem amo, a quem adoro
acima de tudo neste mundo, ainda mais porque v i n h a m t a m b é m meus
dois anjinhos, frutos do mais ardente e puro a m o r que tenho tido.
E n f i m tenho mais perto de mim minha mulher e minhas inocentes filhi-
nhas, laços d'ouro de [celeste] encanto que tanto me encadeiam [a exis-
t ê n c i a ] que (houve tempo) era para mim um [fardo] i n s u p o r t á v e l ("tão
infeliz fui sempre"...).
A o acabar de ler esta n o t í c i a mandei [selar o] cavalo e s ó pensava
em v o a r aos teus b r a ç o s , mas a farda a i n d a me deteve, era preciso
l i c e n ç a e por isso fui primeiro ao M a r q u ê s para pedi-la; p o r é m nada
alcancei: disse que tinha 15 dias de licença para estar contigo, p o r é m
depois que acabasse o trabalho que estou fazendo (planta da vanguar-
da), de modo que s ó daqui a oito dias poderei te ir a b r a ç a r e à s minhas
filhinhas. C o m o me c u s t a r á (sic) a passar estes oito cumpridos (sic) dias
que me afastam de ti! P e ç o - t e por tudo [que] n ã o venhas cá; a l é m de
uma longa e arriscada viagem (pois os Paraguaios t é m atacado os nos-
sos comboios e estabelecido [conflitos] bem s é r i o s ) , n ã o terias certeza
do lugar em que estou pois a planta exige que [eu percorra] diversos
pontos desde T u i u c u ê a t é V i l a R i c a , passando por S. Solano, Pedro
G o n ç a l v e s , etc. Tem p a c i ê n c i a , espera mais estes oito dias pelo [teu]
amigo. Deus h á - d e p e r m i t i r que nada me a c o n t e ç a ( t a m b é m n ã o h á
risco algum [neste] trabalho).
[...] vá por lá o C a p i t ã o Jorge, que segue para a Corte; ele leva uma
pequena carta para teu Pai; podes pedi-la e lê-la, [...] manda-a depois
ao mesmo p o r t a d o r [...] C a x i a s a f i a n ç o u - m e que o Galgo n ã o partiria
nestes oito dias, mas se em todo o caso ele tiver de partir, fica a bordo
do Cuevas. Dá muitas l e m b r a n ç a s ao E r n e s t o e agradece ao Tenente
Rabelo a a t e n ç ã o que teve comigo mandando ele p r ó p r i o , e com risco,
t r a z e r a m i m a a g r a d á v e l n o t í c i a que tenho tido. M e u anjo, a b e n ç o a
minhas filhinhas e aceita um muito apertado a b r a ç o e o c o r a ç ã o fiel do
teu maior amigo

Benjamin Constant Botelho de M a g a l h ã e s


[Tuiucuê, 2 de setembro de 1867]
Benjamin

N ã o vai ainda o teu passe! O C a x i a s n ã o despachiou o teu requerimento,


e foi i m p o s s í v e l falar-lhe hoje, por ser dia de c o r r e s p o n d ê n c i a para o
B r a s i l . B e m sabes que ele tem de inventar muita mentira para e m b a ç a r
aquela pobre gente do B r a s i l ; e isso tomou-lhe todo o dia de hoje, e n ã o
o deixou cuidar nos requerimentos, que tem de despachar. Sinto-o - e
nem tenho palavras p a r a e x p r i m i r o meu pesar - , sinto deveras esse
t r a n s t o r n o ; p r i n c i p a l m e n t e sabendo que o Galgo sai hoje, e que tua
s e n h o r a tem ou de p a s s a r p a r a bordo do Cuevas, ou de seguir no
Galgo. N ã o foi por falta de e s f o r ç o s meus, nem do  n c o r a , que n ã o se
obteve o despacho do C a x i a s : n ó s m a ç a m o s , no r i g o r da p a l a v r a , o
Fonseca Costa; mas nada pudemos conseguir, porque o Caxias n ã o dei-
xou um instante de ocupar-se com a c o r r e s p o n d ê n c i a . Creio, p o r é m ,
que ele te d a r á a licença requerida; mas s ó poderei remeter-lhe o passe
e a guia no c o m b ó i (sic) de depois de a m a n h ã . Tem p a c i ê n c i a , suporta
esta contrariedade, que n ã o há outro r e m é d i o .
Quanto a ficares ainda no Passo da Pátria, podes ficar ainda por t r ê s
dias.
N ã o te remeto agora a tua bagagem porque espero pela d e c i s ã o do
requerimento, e mesmo porque tenho de m a n d a r no 1" c o m b ó i uma
carreta, que a c o n d u z i r á melhor.
E n t r a s t e na folha da c o m i s s ã o ; mas, por hora, n ã o h á ordem para
pagamento. Dizem que a m a n h ã talvez se mande pagar; e e n t ã o recebe-
rei os teus vencimentos. A guia s ó poderei tirar depois do despacho do
requerimento.
Hoje vou-me agarrar de unhas e dentes ao Fonseca Costa; e espero
obter todos os teus p a p é i s . Disse-me o Fonseca que demoraste a solu-
ç ã o do teu n e g ó c i o seguindo anteontem para o Passo da Pátria; e que se
tivesses entregado o teu requerimento pessoalmente ao M a r q u ê s , este o
teria despachado imediatamente. Mas enfim, agora j á n ã o há r e m é d i o .
Desejo que tenhas encontrado tua família no gozo de perfeita s a ú d e .
Depois de a m a n h ã - quando te remeter o passe para o B r a s i l - te
escreverei mais extensamente.
Adeus, meu Benjamin. Sê feliz. Que encontres no seio da família o des-
canso e a tranqiiilidade, que n ã o tinhas - faz hoje um ano - é o que de
c o r a ç ã o deseja

Teu amigo saudoso

Álvaro

Saudades do Cloro

V ã o duas caturritas e 1 papagaio. Tuas filhinhas v ã o saber o que fazia


seu papai no Tuiucuê.

* * *

[sem local e d a t a ]
Benjamin

J á n ã o h á susto de espantar-se a c a ç a ! E s t á na urupuca... Remeto-te o


passe, a guia e a ordem do dia, que te franqueia o porto do R i o de
Janeiro.
Ontem, à s 3 horas da tarde, despachou o M a r q u ê s o teu requerimen-
to; e p a r a d i s p e n s a r as c o m u n i c a ç õ e s do estilo à s r e p a r t i ç õ e s de
Fazenda - o que t r a r i a delongas i n s u p o r t á v e i s - encaixou-se o teu nome
na Ordem do Dia, que estava no prelo, e que foi hoje publicada com data
de 31 de agosto. S ó hoje pude obter a guia.
R e c e b i hoje os teus v e n c i m e n t o s deste m ê s , os quais foram de
158.600 réis. Tirei 60 mil r é i s que entreguei ao Pego, e mais 20 mil r é i s
que dei ao J o ã o F r a n c i s c o e ao A r a ú j o , como me ordenaste. Remeto-te
87.200 réis (4 moedas de 20 mil reis e 9 bolivianos), resto do ordenado.
N ã o dei as 5 libras do Fialho, porque sem d ú v i d a precisas de dinheiro, e
ele n ã o tem necessidade.
Preciso que me digas se queres que eu mande entregar ao Duque
E s t r a d a os 60 m i l r é i s que lhe deves. Posso pagar essa quantia sem
sacrifício nenlium. N ã o me custa escrever ao Francl<lin, em Corrientes,
e ele d a r á esse dinheiro ao Duque. Responde-me.
E s t i v e hoje com o M a r c i a n o , a quem dei os 30 mil r é i s deste m é s .
Disse-lhe que n ã o tivesse c e r i m ó n i a comigo, e que me falasse com fran-
queza sempre que precisasse de alguma coisa. E l e prometeu-me isso.
Vai uma c a r t a do Dr. C a r v a l h o p a r a a s e n h o r a . E l e pede-te que a
entregues em m ã o p r ó p r i a . É d e s n e c e s s á r i o dizer-te que a senhora do
Dr. e s t i m a r á muito ter n o t í c i a s do marido, por uma pessoa que chega
da campanha, e amiga.
O Â n c o r a n ã o se descuidou de procurar os teus p a p é i s . Foi t a m b é m
um dos importunos, que n ã o deixava o F o n s e c a Costa, procurando a
s o l u ç ã o do teu requerimento.
U m a cartinha que te remeto para meu mano, p e ç o - t e que entregues
na C a s a da Moeda, quando por lá passares.
V ã o em uma carreta os teus bens, escoltados pelo grande J o ã o .
O que te hei-de dizer mais?
Aceita saudades do Cloro, do Monte e do Melchior. Eles falam cons-
tantemente em ti. Quanto a mim, j á n ã o corro quando alguma caturrita
cai nas urupucas...
Adeus, Benjamin. Desejo que tua senhora e tuas filhinhas tenham
gozado savíde, e que encontres o resto de tua família, no Rio, tranqiiila
e feliz.
Dá saudades ao F a u s t o e ao V i e i r a F e r r e i r a . Q u a n d o v i r e s o
H o n ó r i o , o Bicalho e o A n t ô n i o , diz-lhes que eu n ã o me e s q u e ç o deles.
A D e u s , ainda. No meio de tua felicidade, n ã o te e s q u e ç a s do

Teu amigo

Álvaro

R S . O guerreiro J o ã o vai no teu cavalo, o qual entregarei, quando vol-


tar, ao Ulisses. O Dr. Policarpo recebeu anteontem um cavalo, que lhe
mandou dar o M a r q u ê s , e sem d ú v i d a n ã o precisa mais do teu, do qual,
c r e i o eu, nem se lembra mais. E n t r e t a n t o , se j u l g a r e s que, mesmo
assim, devo entregar o cavalo ao Policarpo, diz-mo: c u m p r i r e i a tua
ordem.

202
A r r a b a l d e s do Tuiucuê
25 de novembro de 1867
A m i g o Benjamin

Good morning. How do you do?


Quanto s ã o os senadores por M i n a s ?
J á e s t á s convencido dos relevantes s e r v i ç o s que prestam os distin-
tos encarregados da importante r e p a r t i ç ã o dos t e l é g r a f o s ? B e m ! A ida
do T i b ú r c i o para o Rio, sendo ele carfa v/Va, dispensar-me-ia de escre-
ver-te, p o r é m aproveito-a para dar-te duas n o t í c i a s i m p o r t a n t í s s i m a s .
N o t í c i a s de arromba!
A 1'' é que continuo a ter o bom e e x c e l e n t í s s i m o gosto de estimar-te
e querer-te bem.
A 2" é afirmar ser sincero o desejo que tenho de teres encontrado no
seio da família, nos encantos do lar d o m é s t i c o completo esquecimento
e lenitivo dos dissabores e trabalhos que te foram acarretados pela pre-
sente guerra, drama, t r a g é d i a ou coisa que melhor nome tenha na car-
tilha dos nossos n u l í s s i m o s e o r e l h u d í s s i m o s chefes ou especuladores
da d e s g r a ç a do nosso p a p e l í f e r o , b a n a n í f e r o e c a q u í f e r o I m p é r i o do
Brasil.
C o m a tua ida para a C o r t e coincidiu a r e v e l a ç ã o de dois grandes
fenómenos .
O 1" foi o desaparecimento completo das caturritas, que em um belo
dia bateram a linda plumagem; nunca mais voltaram.
O 2" foi a bravura de D. C a x i a s , incógnito, que dependia da s o l u ç ã o
de um problema que afinal foi resolvido com geral aplauso por um áuli-
co confcccionador dc ordens do dia.
A c h a - s e p r o v a d o com documento oficial que a durindana do
E x c e l e n t í s s i m o Bicharoco j á brilhou em uma linha de disposta batalha
e em piquetes a v a n ç a d o s .
O amigo D. Á l v a r o , que é um tanto malicioso, e que por brincadeira,
às vezes, encontra analogias a mal das v/nhas riu-se a bom r i r por ver
que a fidelidade da n a r r a ç ã o de tais fatos era um pouco menor do que a
quantidade de gordura p o s s u í d a por aquele bezerrinho cuja beleza foi
muito gabada por ti.
P o r é m o amigo D. Á l v a r o n ã o tem r a z ã o . Porque n i n g u é m duvida
que D. C a x i a s seja um abortoVA...
Que portento e prodigioso g é n i o n ã o seria se tivesse tido maior vida
interutcrinal?... É pena que os passados (sem ser figos) nos informem
que D. C h i c o Lopez B e l t r a n esteja constantemente na t r i n c h e i r a de
bodoque em punho a e s p e r á - l o para o repelir a pelotadas\
Este fato é o ú n i c o que obriga o nobre M a r q u ê s a n ã o atacar as trin-
cheiras inimigas, porque em caso de malogro n ã o c o n v é m que se diga
que voltou com ares de cão que quebrou o pote e foi depois corrido a
bodoque. Tem toda a razão.
E demais Lopez é um patifão grosseiro! S e r á procedimento delicado
mandar fazer visitas sem se fazer anunciar a horas n ã o marcadas no
c ó d i g o das etiquetas? O general Brasileiro é, pois, um grande!...
E adeus. Estou com sono; vou concluir e dormir.
E s p e r a n ç a de p r ó x i m o fim da guerra? Nicles!
Teu mano e teu cunhado e s t ã o no Taií; consta-me que e s t ã o bons.
Tome bem sentido! Nutre sincero desejo de que sejas feliz o

Amigo

Cloro

* * *

Tuiucuê
29 de m a r ç o de 1868
Meu i r m ã o e amigo

Recebi hoje tua c a r t a de 29 de fevereiro, em que me davas p a r a b é n s


pela minha p r o m o ç ã o , me pedias para escrever a minha M ã e e t c , etc.
N i n g u é m m a i s habilitado do que v o c ê pode ajuizar da i m p e r í c i a de
nossos generais, porque n ã o pode falar sobre isso aquele que gozando
a serenidade da paz vive nela com todas as comodidades dando suas
o p i n i õ e s c o n f o r m a n d o - s e t ã o somente com o que dizem as folhas
p ú b l i c a s que s ó tratam de iludir ao povo e ao governo. O grande c í r c u -
lo de ferro que o G e n e r a l - e m - C h e f e fez aos P a r a g u a i o s foi (como
sabes) destacar uma f o r ç a de 4.000 homens, distando ela do E x é r c i t o 7
l é g u a s para o Taií, deixando p o r é m essa imensa linha completamente
descoberta e consentindo que o inimigo tivesse toda a c o m u n i c a ç ã o
pelo lado direito do rio P a r a g u a i e dias depois da passagem do H u -
maita consentiu t a m b é m que o inimigo sem ser visto passasse toda a
sua c a v a l a r i a , r e t i r a s s e toda a a r t i l h a r i a p a r a no dia 22 d e i x a r em
abandono o forte de C u r u p a i t i , Tuiuti e T u i u c u ê para concentrar-se no
H u m a i t a e H a c o onde f o r m a m um novo estabelecimento, defronte
daquele.
No dia 20 do corrente, teve lugar em Tuiuti a t o m a d a da c é l e b r e
linha negra, onde fiz linhas muitas vezes e presenciei quadras bem tris-
tes, quando ainda c á estavas; foi n e c e s s á r i o (sic) seis b a t a l h õ e s de
infantaria e seis bocas de fogo do corpo p r o v i s ó r i o , tendo-se tomado
uma p e ç a de pequeno calibre, m u n i ç õ e s e algum armamento. De nossa
parte tivemos 36 fora de combate, ficando fora, do inimigo, somente
10, o que me faz crer que dessa data j á tencionava o Lopez abandonar
essas p o s i ç õ e s e concentrar-se. T i n h a s a í d o daqui para ir a Tuiuti em
s e r v i ç o do regimento no dia 18 e no dia 19, dia em que foi assassinado o
valente C a p i t ã o Melo, estando a bordo do Galgo, onde fui saber notí-
cias tuas e de casa, ouvi tiros de a r t i l h a r i a tanto de Tuiuti como de
T u i u c u ê e julgando que fosse ataque dado pelos Paraguaios v i m a terra
e foi e n t ã o que soube que tinha o 2" C o r p o atacado a linha negra e o 3"
feito um reconhecimento em Tuiucuê. N ã o te escrevi pelo E r n e s t o por-
que realmente n ã o tive tempo.
O tal C a r l o s Soares teve arrojo de chegar-se a m i m para falar-me;
ouvi-lhe porque veio dar-me n o t í c i a s de casa. Infelizmente é meu cole-
ga e e s t á servindo aqui no regimento.
Sei que continuas com as febres e que e s t á s reduzido a muito pou-
cos vencimentos; creia que sinto do fundo da minha alma esse teu cai-
porismo e bastantemente estimei a minha p r o m o ç ã o por esse lado por-
que, Benjamin, n ã o desejo que j a m a i s te sacrifiques (se bem que com
prazer) por meu respeito, basta a carga que j á tens. O D r Á l v a r o , esse
teu amigo, desde setembro a t é o dia em que aqui soube de minha pro-
m o ç ã o , deu-me 3.0000 mil r é i s (sic) mensais; desejava pagar esse
dinheiro mas t a m b é m n ã o me chegam os meus vencimentos s e n ã o para
comer no m ê s e vestir-me. A i n d a devo 82.000 do uniforme e armamen-
to que comprei p a r a apresentar-me e fazer s e r v i ç o .

205
o B a r b o s a ficou bastante sentido porque tu partiste daqui sem des-
pedir-te dele e o Fialho e o Dr. Á l v a r o sempre me falam sobre o n ã o lhes
ter escrito uma carta desde que daqui partiste. N ã o desejo por modo
algum seguir esta vida t ã o m i s e r á v e l para os desprotegidos e s ó conti-
nuarei nela, se por acaso voltar, até vencer alguns estudos para seguir
outra; é esta a minha o p i n i ã o desde que daqui te retiraste e da qual s ó
me arredarei se a d e s g r a ç a perseguir-me.
J á v é s que tendo essas ideias do que me vale p a s s a r p a r a outra
arma, para sofrer mais?
Nada mais espero nesta vida a n ã o ser o fim disto para poder realizar
o que tanto almejo; g l ó r i a s , louros e t c , etc. isso tudo para mim nada
vale. O J o ã o e s t á empregado na telegrafia do Taií, goza s a ú d e e e s t á
satisfeito. O A n t ó n i o Madureira teve uma q u e s t ã o com o Fonseca Costa
da qual resultou a p r i s ã o daquele na guarda do E x é r c i t o h á oito dias e
responder a Conselho. Vou t a m b é m escrever ao P e ç a n h a , Leopoldina e
minha M ã e . Dá l e m b r a n ç a s ao Júlio, Guilhermina e um a b r a ç o em todas
as sobrinhas, recebendo v o c ê o c o r a ç ã o do teu i r m ã o e amigo

Marciano

* * *

P a r e c u ê 28 de abril de 1868
Meu caro Benjamin

Felizmente chegou-me às m ã o s tua cartinha datada de 13 de maio, na qual


soube que pelo Carlos Soares tinhas escrito ao nosso bom Álvaro e a mim
t a m b é m que recebi e respondi. Do P e ç a n h a há já um bom m é s e tanto que
n ã o tenho tido uma s ó carta, n ã o sei por que procede assim; talvez por ter
a mesma r a z ã o que eu, qual [...] de n ã o ter t a m b é m recebido minhas, para
r e s p o n d ê - l a s : se isso aconteceu n ã o sou eu o culpado, porque sendo-me o
tempo mais escasso tenho-lhe, n ã o obstante, escrito algumas.
Dizes em tuas cartas que nossa pobre M ã e vai sempre a melhor e
que pretendes trazê-la para tua companhia, p o r é m n ã o sei quando me
d a r á s a satisfatória notícia da e f e t u a ç ã o disso, porque se n ã o for assim
quase descreio em tuas palavras julgando eu que dizes isto t ã o somente
para consolar-me um pouco nesta malfadada campanha, que pelo que
vejo vai assemelhar-se à g u e r r a dos 100 anos (sic), e que ela n ã o vai
cada vez a melhor em sua m o l é s t i a , como me fazes acreditar.
Estimarei muito que quanto antes o Marechal A g u i a r te sirva bem, a
fim de regulares melhor tua vida de tormentas e poderes com o resta-
belecimento de tua s a ú d e abrir teu curso de e x p l i c a ç õ e s . S a í r a m conde-
c o r a ç õ e s sobre o combate de 19 de fevereiro, p o r é m essas somente se
deram, como havias de ver no j o r n a l , aos oficiais superiores e estados-
maiores que s ã o esses que a baionetas tomam f o r t i f i c a ç õ e s , cutilam,
matam e t c , etc. no entanto os pobres subalternos nada t i v e r a m ; n ã o
falo por mim porque pouco a p r e ç o lhes dou, mas sim por outros, que se
sacrificam como no 16" B a t a l h ã o de Infantaria o Alferes D i o n í s i o que
foi o primeiro que pulou o fosso ao reduto; e neste meu regimento um
s ó oficial pela parte do Coronel Mallet, a n ã o ser o comandante do regi-
mento foi elogiado e sim o estado-maior da brigada que era composto
dos filhos do comandante dela os quais tiveram Cruzeiro, e t c , e t c , dei-
xando toda a oficialidade do regimento em completo olvido, nem que
se disse dela uma s ó palavra na parte do combate, e nem se deu por
achado o mesmo comandante.
Para falar-te com franqueza, n ã o tenho tido s a ú d e , tenho andado em
c o n t í n u o s acessos de febre intermitente e por causa dela devo-lhe (sic)
a i n f l a m a ç ã o de e s t ô m a g o que c o m e ç o a sentir devido à grande dose de
quinino que tenho tomado.
O J o ã o continua com s a ú d e e empregado no Taií onde vive descan-
sado e contente perto do bom Dr. Á l v a r o que é seu amigo t a m b é m .
Quando n ã o tiveres cartas minhas n ã o atribuas isto a p r e g u i ç a minha
porque p a r a ti e todos de casa n ã o me é difícil e s c r e v e r tendo nisso
grande p r a z e r e sim ao tempo que me falta, ora em s e r v i ç o de regimen-
to, ora com febres, ora comodidades que me faltam, e t c , etc.
Logo que recebi tua última carta fui ao Dr. Á l v a r o para dar n o t í c i a s
tuas e n ã o [...] encontrei porque tinha ido a Curupaiti e fui ao D. Cloro e
fi-lo ler tua carta dizendo-me depois que estavas gaiatando e que nem
talvez pensasses em escrever para ele e que estavas fazendo [...] dizen-
do que tens dito que lhe escreves há tanto tempo p o r é m ele ao menos
uma tem recebido a t é esta data.
F u i nomeado pelo comando do regimento p a r a apresentar-me na
bateria de a l e m ã e s comandada pelo C a p i t ã o Fialho para seguir com ela

207
para o C h a c o e e n t ã o fecharmos por meio de verdadeiro sítio a gargan-
ta dos Humaitaenses. C o m o militar aceitei a n o m e a ç ã o com muito pra-
zer, aparente, pelo fato de ser soldado quanto ao n ã o poder fazer recla-
m a ç õ e s que fossem atendidas e como particular porque n ã o e s t á em
meus brios fazer qualquer o b j e ç ã o por ser essa empresa que se v a i
levar a efeito bastante difícil e arriscada, pelo n ú m e r o diminuto de gen-
tes que vamos passar com ela (sic) o rio (4.000) e tirarmos toda a comu-
n i c a ç ã o que t ê m por esse lado. Apresentei-me ao dito C a p i t ã o Fialho e
ele achou conforme mostrar satisfeito (sic) n ã o estando eu assim tam-
b é m porque a bateria é composta somente de Belgas, A l e m ã e s , Turcos,
Prussianos, o diabo enfim e s ó posso entender-me isso (sic) apenas com
dois ou t r é s no pouco que sei do f r a n c ê s , que é nada; demais, a bateria
e s t á a p é e pouco amo andar a pedibus calcantibus (sic). O oficial que
ela tem sabe p o r t u g u ê s p o r é m s ó faz isso comigo; o Fialho t a m b é m s ó
comigo é que fala, de modo que querem-me fazer a l e m ã o por força, eu
que tenho ó d i o de semelhante l í n g u a de [...]. E n f i m , Benjamin, j á que
sou soldado vou seguir teu conselho, qual de pedir nada e sim fazer t ã o
somente cumprir-me nas ordens que se me d ã o .
Dos b a t a l h õ e s que se s u p õ e seguir s ó sei do 1" de Infantaria, 7" dito,
1" dito e 8" dito que e s t á no Taií e a d m i r o muito n ã o ir t a m b é m o
T i b ú r c i o que é sempre chamado para o lugar onde há perigo por ter o
comando de um guapo b a t a l h ã o . Aqui parei ontem ã noite porque tive
que levantar-me da escrita a fim de ir buscar m u n i ç õ e s a fim de com-
pletar as armas. S ã o seis horas da m a n h ã . Soube agora que o Tibúrcio
chegou com o Hermes do Taií e tem de seguir para o Chaco, tendo sido
c h a m a d o ontem à noite por um t e l e g r a m a do M a r q u ê s ; estou mais
satisfeito porque sigo com ele e tenho no 16" B a t a l h ã o alguns rapazes
conhecidos.
Vou escrever t a m b é m ao nosso P e ç a n h a para que ele n ã o se masse
comigo; n ã o o faço à Leopoldina porque tenho muito que fazer e estou
preparando-me p a r a a v i a g e m . O acampamento em que estamos é
junto ao reduto-estabelecimento à retaguarda de Humaita onde temos
uma bateria de 10 p e ç a s de W i t w o r t h de 10 p e ç a s , cinco de 12 F r a n -
cesas e seis morteiros de 32 polegadas de d i â m e t r o ; comanda a de 12 o
C a p i t ã o Felinto e a de 32 o C a p i t ã o M a r i a n o do 1" de A r t i l h a r i a . O 2"
C o r p o e s t á ocupando a frente de Humaita, acima de Curupaiti. Quando
me e s c r e v e r e s agora remete-me as cartas p a r a o C h a c o , bateria de
Voluntários Alemães.
Estive com o C a p i t ã o Barbosa, teu amigo verdadeiro e a quem devo
milhares de o b s é q u i o s , ele queixa-se de ti por n ã o lhe teres escrito uma
s ó vez. Mandam-lhe muitas r e c o m e n d a ç õ e s o Á l v a r o , Cloro, T i b ú r c i o ,
Pego, que e s t á no Taií c o m a n d a n d o a 1" B a t e r i a , Mayer, B a r b o s a ,
C a p i t ã o Monte, J o ã o , e t c , etc.
Dá r e c o m e n d a ç õ e s m i n h a s à m i n h a M ã e , P e ç a n h a , L e o p o l d i n a ,
Guilhermina, minha tia, um a b r a ç o em todas as sobrinhas e recebas o
c o r a ç ã o e um a b r a ç o de teu i r m ã o que muito e muito te preza

Marciano

A h ! Dá l e m b r a n ç a s ao J ú l i o e diz-lhe se n ã o pretende escrever que diga


logo. U m a b r a ç o t a m b é m em minha M ã e , i r m ã s , P e ç a n h a e minha tia

Adiós.

* * *

P a r e c u é , 28 de maio de 68
Meu caro Benjamin

É a p r i m e i r a vez que te escrevo. Mas bem sabes que a falta de cartas


n ã o indica falta de amizade. Tenho-te sempre na l e m b r a n ç a ; tenho sau-
dades tuas, como se ontem tivesses s a í d o daqui. N ã o te tenho escrito,
n ã o sei por q u é : s e r á por p r e g u i ç a , por falta de o c a s i ã o , por cinismo;
mas n ã o por falta de amizade.
Tenho sabido pelo Marciano e pelo J o ã o que continuas a sofrer das
malditas febres. Sinto-o de todo o c o r a ç ã o ; e faço votos para que fiques
livre dessa l e m b r a n ç a deste maldito Paraguai.
N ã o tenho estado com o Marciano, que acha-se no Chaco. H á talvez
20 dias que n ã o o vejo; mas sei que ele e s t á bom. Teve um elogio no
combate do C h a c o , onde comandou uma bateria de 4, depois que foi
ferido o C a p i t ã o Fialho.
C o m o J o ã o tenho estado sempre, e todos os dias falo com ele pelo
aparelho, para o Taií. J á n ã o tem aquelas ideias guerreiras, e, o que é
mais, j á n ã o é admirador da A i m é e ; e a t é diz que n ã o h á - d e ir mais ao
Alcazar. E l e está bom, e continua a ser sempre aquele mesmo menino
sisudo e a m á v e l .
Quanto à guerra, n ã o sei o que te hei-de dizer. Humaita está, deve-
ras, sitiado; mas n i n g u é m sabe ainda quando se r e n d e r á . Pode ser
daqui a um m é s ; mas pode ser t a m b é m daqui a um ano, conforme os
recursos que os Paraguaios tiverem acumulado. O r a , se n ã o é possível
saber com s e g u r a n ç a quando c a i r á H u m a i t a , - como se h á - d e saber
quando t e r á fim esta guerra? E u n ã o vou perguntar ao C a x i a s quando
s u p õ e que isto se acaba, porque estou convencido que ele sabe tanto
como eu; e se n ã o me faz a mesma pergunta, é porque n ã o lhe fica bem.
A h ! meu caro! E u quando leio esses j o r n a i s daí, que se ocupam j á dos
festejos para o fim da guerra, tenho vontade de chorar, por ver como
esse povo e s t á iludido! Povo c r i a n ç a , que passa todos os dias por novas
d e c e p ç õ e s , e sempre c r é ! Do que acabo de dizer-te, v e r á s que n ã o é
invejável a sorte de quem aqui e s t á . Quanto a mim, j á me falta a p a c i ê n -
cia. N ã o tenho e s p e r a n ç a s de voltar ao B r a s i l ; e esta ideia me horroriza.
Hoje é absolutamente i m p o s s í v e l obter uma licença; de sorte que n ã o
h á s a í d a possível para aqueles que e s t ã o nesta p r i s ã o .
E u aqui levo uma vida solitária. De dia ando quase sempre ocupado;
mas à s noites n ã o saio de casa. O Fialho é o meu companheiro constan-
te. Somos v i z i n h o s ; mas j á n ã o a r m a m o s urupucas. Faltas-nos aqui;
mas n ã o te desejamos: Deus te conserve aí pelo Rio, e permita que aí te
vamos fazer companhia. O Cloro é sempre o mesmo: eu n ã o sei o que
seria de mim, se ele me faltasse aqui no Paraguai, onde é t ã o fácil mor-
rer de spleen. Depois que daqui s a í s t e , a m i n h a vida tornou-se mais
m o n ó t o n a e triste; e e n t ã o depois da morte do Bernardo, n ã o há pala-
vras para exprimi-la. Às vezes parece-me um sonho, quando me lem-
bro da morte do pobre B e r n a r d o ! O J a r d i m é que e s t á cada vez mais
idiota; e a t é parece-me que ele c o m e ç a a convencer-se disto. E s t á lá
para o Taií.
N ã o quero deixar de falar-te no amável Argolo. Está comandando o
2" Corpo de Exército, no Curupaiti, e continua cada vez mais m a ç a n t e e
cínico, principalmente com a C o m i s s ã o de Engenheiros, que é compos-
ta, ali, do S e b a s t i ã o de S o u s a e Melo, Vilela, L a s s a n c e e Paulo J o s é
Pereira. Pobres c r i s t ã o s , que e s t ã o condenados a suportar aquela peste!

210
A i n d a n ã o te falei na tua carta que recebi h á tempos. A nde i com ela
nos bolsos durante muitos dias, como faço com as de minha família, e
li-a mais de cem vezes. A h , meu Benjamin! eu à s vezes tenho necessida-
de de que me console, e me d ê f o r ç a s para suportar esta cruz!
Vou dar fim a esta. A i n d a tenho de e s c r e v e r à m i n h a M ã e , e j á é
tarde. ^
A D e u s , meu Benjamin.
Desejo que fiques completamente livre das tais febres e que gozes
de perfeita s a ú d e no meio dos teus. Tuas filhinhas e s t ã o sempre galanti-
nhas, como eram nos retratos?
A D e u s . Recebe muitos a b r a ç o s e saudades do

Teu amigo do c o r a ç ã o

Álvaro

Escreve-me, sempre que puderes.

L e m b r a n ç a s ao H o n ó r i o , Bicalho, ao A n t ó n i o , Veiga, etc.


J á sabes que sou teu s u p e r i o r agora? M e u amigo, há certas coisas...
U m S e n h o r C a p i t ã o de C o m i s s ã o j á tem uma c e r t a i m p o r t â n c i a . . .
Vejam s ó se a importante Repartição dos Telégrafos n ã o vale nada!...
Hein!?

* * *

A c a m p a m e n t o de A s s u n ç ã o
30 de m a r ç o de 1869
Meu querido i r m ã o e amigo

C o m o me falta tempo, escrevo-te esta cartinha muito apressadamente.


O C u n h a Matos empenhou-se p a r a c o m a n d a r o 12" B a t a l h ã o de
Infantaria porque no 4" de A r t i l h a r i a ele n ã o m a r c h a r i a para as cordi-
l h e i r a s conforme seu desejo, pois que j á o G e n e r a l - e m - C h e f e h a v i a
determinado que ficasse (sic) o 4" de A r t i l h a r i a , o 40" de [...] e outros.
como fazendo parte da g u a r n i ç ã o desta cidade, quando marchiasse o
E x é r c i t o . C o m o j á te fiz ver ele tem-me protegido grande e voluntaria-
mente. F o i nomeado no dia 28 para tomar o comando daquele b a t a l h ã o
e o J o s é C l a r i n d o de Q u e i r ó s comandante do mesmo (que suponho o
(sic) conheces) para tomar o deste. Hoje aparece-me o C u n h a Matos
dando-me a notícia de que eu tinha sido nomeado ajundante do corpo
de seu comando por ter ele requisitado-me para esse fim. De maneira
que vou t a m b é m pegar o Lopez lá no fim do mundo. E s t á direito. J á
estava p r o c u r a n d o u m a c a s a p a r a aí alojar-me, esperando que t ã o
somente recebesse n o t í c i a s dos combates e movimentos que se aproxi-
mam, mas n ã o me passou pela mente que eu tivesse de p a r t i l h a r de
mais um pouco de g u e r r a . Lá v o u . O homem p õ e e Deus d i s p õ e ; n ã o
deixo de ir satisfeito porque conto com um amigo que fará tudo por
mim, como espero. Deixei pois o lugar de s e c r e t á r i o , onde obtive bons
elogios, por ter c u m p r i d o devidamente as m i n h a s o b r i g a ç õ e s . N ã o
tenho escrito h á mais tempo porque nada tinha que dizer-te, esperando
m o t i v o p a r a isso, recebendo c a r t a s de casa p a r a ter ao menos que
dizer: recebi tua carta, etc. Vive-se aqui como um bruto animal, comen-
do-se e bebendo estupidamente. Há poucas r e u n i õ e s e estas t a m b é m
pouco frequentadas. O E x é r c i t o em geral acha-se desgostoso: todos
querem ir-se embora e n ã o atendem aos interesses do infeliz p a í s , habi-
tuados somente aos seus interesses p r ó p r i o s .
Enfim, tudo é tristeza.
Dá um a b r a ç o em minha M ã e , Leopoldina, Guilhermina, minha tia, o
J ú l i o e em todas as sobrinhas, lembrando-me à tua m u l h e r
O C u n h a Matos, Á l v a r o e J o ã o te mandam muitas l e m b r a n ç a s .

M a r c i a n o Augusto Botelho de M a g a l h ã e s

N . B . Quando me escreveres sobrescrita para o E x é r c i t o em marcha.

Teu i r m ã o e amigo

Marciano
Cronologia da g u e r r a
e índice r e m i s s i v o
Cronologia sumária da Guerra do Paraguai

1864 aliadas no cerco à fortaleza de


12 de novembro - O navio Marquês de Humaita.
Olinda, que fazia a rota A s s u n ç ã o - 2 de agosto - Aliados ocupam o norte de
C o r u m b á , é aprisionado pelo Paraguai; Humaita.
rompidas as relações diplomáticas 18 de agosto - Marinha brasileira ataca a
entre Brasil e Paraguai. fortaleza de Curupaiti.
13 de dezembro - O Paraguai declara
guerra ao Brasil e invade o Mato 1868
Grosso. 13 dejaneiro - Caxias assume definitiva-
mente o comando das forças da

1865 Tríplice Aliança.

18 de m a r ç o - O Paraguai declara 18 de fevereiro - A Marinha brasileira

guerra à Argentina e invade a supera as defesas de Humaita.

província de Corrientes. 22 de fevereiro - A Marinha brasileira


1" de maio - Firmado o fratado da entra em A s s u n ç ã o .

Tríplice Aliança, entre Argentina, 5 de agosto - Aliados ocupam Humaita.

Brasil e Uruguai. 27 de dezembro - Exército paraguaio


definitivamente vencido na batalha de

1866 Lomas Valentinas; Solano Lopez foge.

16 de abril - Início da invasão do

Paraguai pelas forças aliadas, gue se 1869

fixam em Tuiuti. 1 " dejaneiro - Início da o c u p a ç ã o de

24 de maio - Batalha de luiuti, com A s s u n ç ã o pelas tropas brasileiras.

vitória dos aliados. Considerando a guerra terminada,

3 de setembro - Batalha de Curuzu, Caxias deixa o teatro de o p e r a ç õ e s ;

com vitória dos aliados. Lopez c o m e ç a a formar novo exército.

22 de setembro - Batalha de Curupaiti, 16 de abril - O Conde d'Eu assume o


com vitória do Paraguai. comando-em-chefe das forças da
Outubro - O Marquês de Ca-xias assume Tríplice Aliança.
o comando-em-chefe das forças
brasileiras. 1870
1" de m a r ç o - Solano Lopez é morto na
1867 batalha de Cerro Corá; cessa a

22 de julho - Caxias comanda as tropas resistência paraguaia.


índice Remissivo *

1" Corpo de Exército, 154-156 Câmara, Senhor, 100, 103;


2" Corpo de Exército, 155, 205, 210 comandante do Cuevas, 113
3" Corpo de Exército, 135, 198 Capanema, 76
16 ' Corpo de (iuardas Nacionais, 114 C a p ã o do Pires, 12
Aguiar, General A n t ô n i o Nunes de, 31-33 Carvalho, Capitão Manoel Feliciano
Alcazar, 210 Pereira de, 153
Ancora, Aires, 200-202 Catarinense, 28
Araiijo, Alferes Carlos ('erqueira, Dionísio, 13
Manoel Ferreira de, 60 Cerrito, 155
Argolo, General, 55, 57-59, 66-67, 74, Chacarita, 155

135, 210, Chaco, 208

Arinos, 98, 138, 157, 178, 181, 185 Ctiarrua, 137

Assembleia Nacional Constituinte, 11 Cólera, 142, 144, 1,53-155

Azambuja, Dr., 23, 33 C o m i s s ã o de Engenheiros, 12, 15, 124,

Baia de Santa Catarina, 25, 27 173, 210


Barbosa, Coronel Cunha, 49 Companhia de Jesus, 28
Barreto, General Mena, 191 Comte, Auguste, 169
Bastos, Primeiro-fenenle Pedro A n t ô n i o C o n c e i ç ã o , Estanislau A n t ô n i o da, 29
do Monte, 141, 143, 150, 152 Corpo Provisório, 154
Batalha de Tuiuti, 13 Corrientes, 12, 34, 63, 136, 139;
Batalhão de Engenheiros, 95, 106; cena familiar, 97; cólera, 142, 144,
perdas humanas, 164 153-155; o p i n i ã o sobre, 45, 140;
Batalhão Provisório, 161-162 revolução contra os brasileiros, 162
Bateria de Voluntários A l e m ã e s , 208 Costa, Cláudio Luís da, 12
Botelho, Dr. Pereira, 164 Costa, Dr. Bernardino Margues Roiz da,
Brasil 68, 83-84, 89, 113 46,48, 84, 87, 98-99, 103-105,
Buenos Aires, 36, 81 141, 149
Caldwell, General, 69; envia carta ao Costa, Fonseca, 90, 200-202, 206
general Argolo por meio de Benjamin Coutinho, Comandante, 29
Constant, 57 Credulidade do povo brasileiro, 210
Câmara, Carolina, 185-188 Cueva.s, 103, 185-187, 199-200

Os nomes s ã o apresentados da maneira como surgem nas cartas, inclusive títulos e


patentes. Apenas os nomes de e m b a r c a ç õ e s e p e r i ó d i c o s foram grifados em itálico.
Cunha, Tenente-Coronel Pereira da, 181 llerval 36
Curupaiti, 34, 205, 207 Hospício, 23
Curuzu, 34, 66, 74, 155 Hospital Militar de Montevideu, 33-35
D. Francisca, 155 Humaita, 191, 209, 210
D. Teresa, 155 Ilhas do Arvoredo, 25
D e s â n i m o entre os brasileiros, 212 Imperador D. Pedro II: visita navio de
Desterro (eidadel, 23, 26 Benjamin Constant, 24
Dias, Dr. ( i o n ç a l v o s , 75 Inácio, Joaguim José, 94, 135
Drummond, Major A n t ô n i o Indolência dos brasileiros, 28
Pedro Monteiro de, 35 Irmandade da Cruz, 45, 51, 57
Ernesto, comandante do Galgo, 138 Itapicuru, 149
Estado Novo, 16 Itapiru, 67, 68, 69, 70, 88, 155
Estado Oriental, 31 Izecksohn, Vítor, 17
Exército; cultura corporativa, 17 Jornal do Comércio-, elogia trabalhos
E x p o s i ç ã o Nacional, 29 de engenharia e omite autoria de
Feliciano, Capitão Manoel, 97 Benjamin Constant, 172
Ferraz, 49, 77; crítica a, 57 Lima, Capitão Leónidas .losé de
Ferreira, Capitão Luís Vieira, 178 Cerqueira, 150, 152, 157
Fonseca, D r .João Severiano da, 130, 134 Lima, Luis Rocha, 62
Fonseca, Eduardo; porta cartas do sogro Linha Negra, 205
de Benjamin C^onstant, 108 Lopez, D. Evaristo, 154, 162
Fonseca, Major Deodoro da, 108; Lopez, Solano, 11, 212; classificado de
monumento a, 16 monstro, 36; iniciativas de paz, 56
Freitas, A n t ô n i o Mascarenhas [eles de, Madureira, Tenente de Estado-Maior
58-59 Bacharel A n t ô n i o de Sena, 160, 206
Galgo. 138, 178, 185, 194, 196-200, 205 Magalhães, Benjamin Constant Botelho de;
Galvão, Major Rufino Enéas, 105 a ç õ e s militares, 64; acusa de
Gama, Saldanha da, 29 criminosos o governo e os dirigentes
Gonzaga, J o s é de Oliveira, 98 militares brasileiros, 125, 142; adepto
Guedes, Major ,loão Pinheiro, da Religião da Humanidade, 169;

74, 81, 84, 87, 91 balanço do n ú m e r o de cartas trocadas

Guerra Civil dos Estados Unidos, 13 com a esposa, 86-87, 138-150; boas

Guerra do Paraguai, 11, 13; e a formação relações no Exército, 78; caiporismo,

do Exército brasileiro, 17 33; caráter íntimo das cartas à esposa,

Guilherme, João; 106; carreira militar, 11; carreira no

comandante do Brasil. 123 magistério, 11; cartas da guerra, 17;

Guilherme, Senhor, cartas enviadas, 156; comenta o nome

coinandante do Brasil, 110 da segunda filha, 103; c o m i s s ã o em


Itapiru, 69; c o n d i v õ o s de suljsisténcia brasileiros, 151; descreve combate san-
com o soldo, 176-177, 181-182; grento, 192; discute críticas de que
c o n d i ç õ e s de vida na guerra, 52, 53-55, é objeto no Rio de Janeiro, 104, 111;
74; consegue empregos para irmão e d i s p o s i ç ã o de demitir-se do Exército,
cunhado, 127; contato com militares 84, 125, 137, 169, 197; divulgador do
paraguaios, 65, 130-132, 134; positivismo, 11; d o e n ç a , 12; doutrina
critica a ação brasileira diante do do s o l d a d o - c i d a d ã o , 15-16; efetivado
cólera, 153-155; critica a aliança do na (Jomissão de Engenheiros, 67; elo-
Brasil com as reptíblicas platinas, gia a natureza no Brasil, 43; elogia a
42-43, 45; critica a cobertura da bravura dos paraguaios, 192; elogia a
imprensa, 50; critica a credulidade do cunhada Olímpia, viúva do escritor
povo brasileiro, 172; critica a ( l o n ç a l v e s Dias, 75-76; elogio de suas
direção da guerra, 93, 96-97, 115, 134, virtudes, 82; elogio do mérito, 57; elo-
142, 157; 175, 193; critica a elite politi- gios recebidos, 165, 173; empenho
ca brasileira, 41, 118-119; critica a ori- por c o m i s s ã o , 47-48; empregos, 35-36;
e n t a ç ã o da guerra na ( ' o m i s s ã o de envio de dinheiro para a esposa, 177,
Engenheiros, 124-125, 128-129; critica 182, 186: frustração em concursos
a Tríplice Aliança, 92; critica aliados, para professor, 15; "Fundador da
163; critica Caxias, 15, 95-97, 106, República", 11, 15; imprensa mistitl-
119-122, 124, 127, 135, 192; critica a cadora, 96, 135, 148; i n s e g u r a n ç a
ideia de usar criminosos e escravos no quanto ao amor da esposa, 71; insiste
Exército, 118; critica o comportamento em lutar no Paraguai, 14; lamenta
moral dos militares brasileiros, famílias d e s g r a ç a d a s pela guerra, 64;
156; critica reflexos da guerra na loucura da m ã e , 23; más c o n d i ç õ e s de
economia, 119; critica vulto da dívida trabalho, 164; melhoria de vencimen-
externa, 119; dá mostras de temeri- tos, 166-167; m e n ç ã o a amigos em
dade, 14; d e c l a r a ç ã o de amor à esposa, Corrientes, 50, 51, 53; na Esquadra, 66;
60, 79, 140, 179; defende a c o n s c r i ç ã o m e n ç ã o a irregularidades administrati-
como m é t o d o de recrutamento, 91; vas, 66-78; m e n ç ã o a repúblicas, 163;
defende as i n t e n ç õ e s da política exter- mérito e reconhecimento, 96; militar
na do Império no Prata, 41; defende sem v o c a ç ã o , 14; ministro, 11; nasci-
uma política americana antibritânica, mento da segunda filha, 82; notícia da
41; denuncia d e s p e r d í c i o de dinheiro, chegada da esposa, 199; opina sobre o
151; denuncia falta de i n f o r m a ç õ e s trabalho do sogro no Imperial Instituto
sobre rumos da guerra, 134; denuncia dos Meninos Cegos, 91, 117-118;
maus-tratos a doentes e feridos, 96-97; o p i n i ã o de seus amigos sobre a guer-
desaconselha o cunhado a ir para a ra, 17; <ipínião sobre as mulheres de
guerra, 47; d e s â n i m o entre os soldados Paraná (Arg), 43; participa da

217
r e p r e s s ã o a levante correntino contra patriótica da guerra, 175; viuvez e
brasileiros, 163; perseguido pela pobreza, 112; volta da guerra em difi-
adversidade, 73, 81-82, 104, 115, 137, culdades materiais, 14;
145, 147, 159-160; perseguido pelas Magalhães, Maria .loaquina Costa Botelho
aparências, 31: porgue seu nome n ã o de; tenta evitar a c o n v o c a ç ã o de
aparece nos jornais, 193-194; p o s i ç ã o Benjamin Constant, 14: vai ao Paraguai
sobre a guerra, 14; p r e o c u p a ç ã o com a buscar Benjamin Constant, 12
s e g u r a n ç a material da família, 14; pre- Maizena, 30
o c u p a ç ã o com imagem de covarde, 67, Marciano 11, 13, 24, 31-32, 200; afirmação
73, 99, 125, 151, 169, 187-188; preocu- de patriotismo, 22; comunica a
p a ç ã o com os empregos no Rio de Benjamin Constant d e c i s ã o de partir
Janeiro, 49; p r e o c u p a ç ã o com seus para o Paraguai, 22; c o n d e c o r a ç õ e s
documentos, 83; p r e o c u p a ç ã o com o por favorecimento, 207; critica direção
sustento da família, 85, 88-89, 137-138, da guerra, 204; dinheiro recebido de
170; primeira fotografia da segunda Benjamin Constant, 113-114; dis-
filha, 115; prostitutas e orgias no p o s i ç ã o de deixar o Exército, 206;
acampamento, 101-102; p rovid ên cias empenha-se em obter cí>ntato com
para a esposa ir encontrá-lo, 181, 184; Caxias, 114; emprego em Montevideu,
qualifica de criminosos os governantes 33; pede a Benjamin Constant que
brasileiros, 174-175; guase ferido, 172; interceda em seu favor por p r o m o ç ã o ,
gueixa dos reduzidos vencimentos e 90; promete a Benjamin Constant
altos p r e ç o s dos bens, 67-68, 77; tornar-se um bom aluno, 21
recusa c o m i s s ã o administrativa, 31; Mariz e Barros, 25
relatório sobre irregularidades em M a r g u ê s de Caxias, 67, 89, 113, 154, 190;
Itapiru, 95-96; renda deixada no Rio de criticado por Benjamin Constant, 62,
Janeiro, 68; reproduz o roteiro de vida
77; criticado por amigos de Benjamin
paterno, 14; resiste a que a esposa vá
Constant, 200, 203-204, 210; s i n ó n i m o
encontrá-lo no Paraguai, 110-111, 168;
de disciplina, 15-16
saúde, 112, 124, 130-131, 134, 140-141,
Martin Carcia, 36
144, 155-157, 175-176, 180, 184, 194;
Matos, Cunha, 211-212
sistema de abastecimento pela esposa,
Mendes, Raimundo leixeira, 12;
103, 107, 126, 145; sua m ã e , 115;
biografia de Benjamin Constant, 16
sustento da esposa, 36; termos espa-
Montevideu, 11, 23, 27, 31-32;
nhóis, 92; trabalho nas trincheiras, 12;
hostilidade contra os brasileiros, 33
trabalho no Rio de Janeiro, 99-100;
Mota, Dr. Silveira da, 74
velhas e novas epidemias, 94, 142;
Néri, D. Ana, 160-161, 185
versus Caxias, 16-17; viagem de barco
Nunes, Major de Engenheiros
por Santa Catarina, 24 e segs.; v i s ã o
Francisco Duarte, 68
Oiapoque, 31 p r o d u ç ã o agrícola, 27-28; p r o d u ç ã o

Oliveira, Alferes Deotletiano industrial, 29-30


Pereira de, 65 Schutel, Henrigue, 29
O s ó r i o , General, 135, 191 Silva, Francisco Jiilio da, 174
Otaviano, Francisco, 46; cartas do sogro Silveira, Capitão J o s é Maria da, 62-63

de Benjamin Constant, 49; pedidos de Soares, Carlos, 205-206

Benjainin Conslant, 47 Tibúrcio, 51, 58, 62-64, 76, 88-93, 106, 136,

Paraná Icidade argentinal, 40, 41; 139, 141, 143-144, 154, 158,

liostilidade aos brasileiros, 40 160-162, 203, 208-209; injustiçado


Passo da Pátria, 50, 70, 113, 144, 198 por Caxias, 126
Passo Tio Domingos, 191 Ibbias, J o ã o , 30
Pedro ( l o n ç a l v e s llocal), 199 Toneleros, 37
Peixoto, Floriano, 16 Três Bocas, 135
Peixoto, Tenente-Coronel Guimarães, Tríplice Aliança, 11

100, 103 l u i u c u é , 12, 190-191, 200, 205

Pereira JiJnior, Tenente J o s é Sérgio, 52 Tuiuti, 12, 70, 190, 205;

Pimentel, D. Barros, 33 epidemia de cólera, 142


Pinheiro, J o s é Caetano da Silva, 30 Urquiza, General, 42, 162
Polidoro, (ieneral, 59, 66-67, 77 Veloso, Cadete França, 85
Potreiro Pires, 87; Vila-Nova, 29

reunião de generais, 135 Vila Rica, 198

Queirós, J o s é (Jarindo de, 212 Visconde de Porto Alegre, 134


Recife, 143 Voluntários da Pátria, 22

Regimento Chichorro, 28 Wiley, Bell I . , 13

Rio da Prata, 36
/?io de Jtincim, 34
Rio de Janeiro; c o m p a r a ç ã o com
Montevideu, 32-33
Rio Paraná, 36-37
Rio Uruguai, 36-37
Rocha, D. Joaguina, 112
Rocha, Justiniano, 112-113
Rosário, 38;

hostilidade aos brasileiros, 39


S. José, 33-35, 66, 68, 74, 149
.S'. Romão, 32
S. Solano, 191, 199

Santa Catarina, 23, 26; paraíso, 27-28;

219
Impresso na gráfica Imprinta
em novembro de 1999

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