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“A guerra que vai acabar com todas as guerras”:

o Brasil na Primeira Grande Guerra – a mobilização


da sociedade e o engajamento da Marinha – 1917 - 1918
“The war to end all wars” - Brazil in the First World War – social mobilization and Naval
engagement - 1917-1918
“Guerra que terminar todas las guerras”: Brasil en la Primera Guerra Mundial – la
movilización de la sociedad y participación de la Marina de guerra – 1917 - 1918
Johny Santana de Araújo* 

Resumo *
Graduado em História Bacharelado pela Uni-
O presente artigo pretende tratar sobre versidade Federal do Maranhão (2001), gra-
duação em História Licenciatura Plena pela
a mobilização da sociedade e do apara- Universidade Federal do Maranhão (2004),
to naval brasileiro no ano de 1918, como Mestrado em História do Brasil pela Univer-
sidade Federal do Piauí (2005) Doutorado em
resposta do governo do presidente Wen- História Social pela Universidade Federal Flu-
ceslau Brás à agressão alemã contra os minense (2009). É Professor da Universidade
Federal do Piauí e Membro do Programa de
navios mercantes brasileiros em 1917, Pós-graduação em História do Brasil. Desenvol-
além de observar quais foram as provi- ve pesquisas com ênfase em História do Brasil.
Atuando principalmente nos seguintes temas:
dencias tomada no sentido de organizar Formação do Estado Nação, História Militar,
uma força naval efetiva denominada Forças Armadas do Século XIX ao XXI, Histó-
Divisão Naval de Operações de Guerra ria Política e História das Relações Internacio-
nais, Relações Sociais, Politicas e Econômicas
(DNOG) a fim de patrulhar a costa atlân- no Piauí do Século XIX, Escravidão no Brasil do
tica do norte da África. Século XIX, Imprensa no Brasil do Século XIX.
É líder do Grupo de Pesquisa: Núcleo de Histó-
ria, Memória, Sociedade e Política (cadastrado
Palavras-chave: Primeira Guerra Mun- no CNPq). E-mail: johny@oi.com.br
dial. Mobilização. Marinha Brasileira.
Recebido em 24/03/2014 - Aprovado em 01/10/2014
http://dx.doi.org/10.5335/hdtv.14n.2.4575

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Os ecos da guerra que chegaram ao Brasil Neto e empresários como Roberto Simoensen
e Jorge Street faziam parte da Liga. A Liga de
Em agosto de 1914, chegavam ao Brasil Defesa Nacional promovia encontros e confe-
as primeiras notícias sobre a guerra na Euro- rências nos quais se discutia sobre temas como
pa,1 multiplicavam-se as edições dos jornais e “A ideia da guerra” e sucessivas cerimônias
das revistas e alguns publicavam que esta se- de cunho cívico-patrióticas aconteciam onde
ria, segundo Munhoz: “A guerra que vai aca- se hasteava a bandeira do Brasil, sob execução
bar com todas as outras guerras” (1980, p. 33). do hino nacional (DULLES, 1977, p. 40).
Três anos depois de iniciada a guerra A política de neutralidade do governo
na Europa, ou seja, no ano de 1917, a posição Venceslau Brás rendeu, entre outras coisas,
do Governo brasileiro ainda era a de neu- uma série de sátiras das revistas populares,3
tralidade. Porém, a guerra na Europa havia que viam a forte pressão exercida pelas Ligas
provocado uma série de fortes debates em de Defesa Nacional para que o governo ado-
alguns setores da sociedade brasileira, so- tasse um posicionamento diante da política
bretudo nos meios intelectuais. agressiva alemã, a revista Careta de 8 de abril
Muitos desses intelectuais tinham natu- de 1916 publicou uma sátira em que apare-
ral simpatia pela cultura francesa e, de uma ciam os dizeres: “O equilíbrio difícil. A artista:
forma geral, a maioria das pessoas dos gran- ‘Se essas ligas continuam a me apertar as per-
des centros urbanos também nutria simpatia nas, eu vou ao chão’” (CARETA, 1916, p. 1).
pela causa francesa, graças à ação dos jornais
(TAVARES, 1979). Foram poucos os que se co-
locaram ao lado dos alemães. Um dos maiores
defensores dos aliados foi o crítico literário
José Veríssimo, em outros casos houve os dis-
cordantes como foi o caso do ministro das Re-
lações Exteriores Lauro Muller que era a favor
da Alemanha, sobretudo por ser descendente
de alemães, fato que o levou a deixar a pasta
das relações exteriores, sendo substituído por
Nilo Peçanha, mais afinado com os Estados
Unidos (BUENO, 2003, p. 460).
A guerra na Europa já vinha estimu-
lando as discussões de espírito nacionalista,
e desde 1916, o poeta Olavo Bilac lançou-se
à organização de uma entidade chamada
“Liga de Defesa Nacional” cujo caráter era
cívico-patrióta e lutava pela implantação do
serviço militar obrigatório e pela participa-
ção do Brasil no conflito.2
Outras figuras de renome da sociedade
literária na época como o maranhense Coelho

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Nessa charge, aparece em primeiro nicas ridicularizando o que ele chamava de
plano, o presidente Venceslau Brás, apresen- “Ufanismo Guerreiro” que era apregoado
tando o show, e ao fundo, as nações belige- pela imprensa e por grande parte da intelec-
rantes, o seu significado indica a dificuldade tualidade brasileira, escreveu ainda duras
de equilíbrio do governo não só diante das declarações uma delas era uma crítica às re-
pressões internas, mas também externas que ais obrigações do governo Venceslau Brás ao
estava sofrendo para tomar um posiciona- afirmar que:
mento mais efetivo a respeito da guerra. Fala-se hoje em pátria mais do que nunca
Paralelo à Liga, um grupo de militares [...] com tudo isso, porem, está a retórica
que haviam estagiado a alguns anos junto vã [...]. Programa patriótico, há um: sanear
o Brasil. Guerra contra a Alemanha só há
ao Exército alemão as ordens do Chanceler
uma: sanear o Brasil. Saneá-lo antes que o
Paranhos e constituíam um núcleo denomi- estrangeiro venha faze-lo por conta e pro-
nado de “Jovens Turcos” por serem refor- veito próprios (MUNHOZ, 1980, p. 38).
madores do pensamento militar brasileiro e
Havia também oposição ao entusias-
juntamente com o ministro da Guerra, gen.
mo pela guerra entre as camadas popula-
Caetano de Farias, lutavam também pelo
res, e surgiram manifestações entre esses
serviço militar obrigatório e por mudanças
setores tanto que em 26 de março de 1915,
nas forças armadas em particular no Exérci-
realizou-se uma assembleia no Rio de Ja-
to.4 Tais mudanças acabaram vindo entre os
neiro, organizada por representantes de
anos de 1915 e 1917, desde 1908 havia uma
organizações sindicais e de jornais operá-
lei de sorteios para o serviço militar que so-
rios, em especial a Federação Operária do
mente começou a ser aplicada em 1916.
Rio de Janeiro, o resultado foi a criação de
Desde que se iniciou o conflito, os es-
uma Comissão Popular de Agitação Con-
trangeiros, fossem alemães ou franceses que
tra a Guerra (DULLES, 1977, p. 37). Em São
viviam no Brasil, começaram a fazer uma sé-
Paulo, os lideres trabalhistas e os diretores
rie de campanhas a favor de seus países de
dos jornais proletários organizaram uma
origem que estavam envolvidas no conflito,
Comissão Internacional Contra a Guerra
fazendo campanhas para arrecadar bônus
(DIAS, 1962, p. 289).
de guerra e enviando dinheiro a seus países
No dia 1° de maio daquele ano, ocor-
e regressando à Europa para alistarem-se
reu na cidade de São Paulo, ao largo de São
por seus países de origem. Em cidades do
Francisco, uma grande concentração popu-
sul do Brasil e em bairros de São Paulo ocor-
lar que reuniu em torno de 5.000 pessoas
reram brigas e escaramuças entre imigrantes
que traziam cartazes com os dizeres “Abai-
de países que lutavam entre si.
xo a guerra, queremos a paz”, foi distribu-
Mas havia intelectuais que se opu-
ído um manifesto intitulado de “Pela Paz”,
nham à guerra, um dos mais ativos, se não
dirigido “aos trabalhadores e ao povo em
o mais, foi Monteiro Lobato que chegou a
geral” o texto do manifesto explicava que as
declarar-se “germanofilo” ou pró-alemão
origens do conflito era resultado das rivali-
apenas para irritar os jornais. Escreveu crô-
dades existentes entre as grandes potências

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europeias por conta de suas políticas de ex-
pansão colonial (MUNHOZ, 1980, p. 39).
A situação da guerra na Europa tor-
nou-se mais grave para as relações da Ale-
manha com os demais países, sobretudo os
da América e em especial com o Brasil e os
Estados Unidos ao estabelecer uma política
de bloqueio contra a Inglaterra (ARAÚJO,
2005). Em 31 de janeiro de 1917, o ministro
das relações exteriores da Alemanha Arthur
Zimmermann notificou o governo brasileiro
do estabelecimento do bloqueio alemão ao
redor da costa da Inglaterra, França e Itá-
lia e na parte oriental do mar Mediterrâneo
(BRASIL, 1917, p. 7).
O governo brasileiro não apoiava o
bloqueio apesar de protestar rompendo re-
lações comerciais com a Alemanha. Em 5 de
fevereiro de 1917, o presidente dos Estados
Unidos, Woodrow Wilson declarou o rom-
pimento das relações com a Alemanha, mas
Com a determinação da Alemanha em
o governo do presidente Venceslau Brás
estabelecer um bloqueio contra os países
continuou mantendo o Brasil neutro.
aliados e decretar seguidamente a guerra
Em 17 de fevereiro de 1917, as sátiras
submarina sem restrições, a situação dos na-
continuavam, e a revista Careta publicou
vios e das tripulações da Marinha Mercante
mais uma sobre a neutralidade brasileira
brasileira que navegavam pelas águas euro-
que dizia: “O super-neutro, Momo: ‘Eu cá
peias tornou-se perigosa.
não ligo a batalhas de... lança pro fundo!’”
Em 3 de abril de 1917, o navio mercante
(REVISTA CARETA, 1917.) A crítica da
brasileiro Paraná navegava a 10 ilhas da cida-
neutralidade brasileira se relacionava com
de litorânea de Barfleur entre o canal da Man-
o carnaval e a alusão às batalhas de lança-
cha e a França, obedecendo a todas as exigên-
-perfume durante o carnaval daquele ano e
cias feitas, as embarcações de nações neutras
ao fato do governo brasileiro não se impor-
em época de conflito, quando a noite e sem
tar com os afundamentos de navios norte
aviso prévio foi torpedeado causando a mor-
americanos que enfrentavam o bloqueio dos
te de 3 tripulantes (VINHOSA, 1990, p. 109).
submarinos alemães.
Oito dias depois o governo brasileiro rompeu
as relações diplomáticas com a Alemanha.

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O presidente Woodrow Wilson, havia A canhoneira Eber foi afundada pela
saudado com satisfação o rompimento da tripulação, e os 45 navios mercantes foram
neutralidade brasileira, fato amplamente evacuados, mas foi possível o governo veri-
divulgado pela imprensa nacional. Prova- ficar que dois terços deles estavam sabotados
velmente via como um alento à entrada do além de que todos eles estavam incluídos em
Brasil na guerra, pois era conhecida a sua uma espécie de “lista negra” dos aliados para
capacidade naval, visto que havia feito há apressamento, apesar disso, trinta deles fo-
poucos anos uma grande reforma em sua ram fretados ao governo francês, e 15 ficaram
marinha de guerra e continuava em proces- a serviço do Brasil (MARTINS, 1997, p. 263).
so de reestruturação, assim essa força pode- Em 25 de outubro de 1917, o governo
ria assumir as responsabilidades de patru- brasileiro reconheceu e proclamou o “esta-
lhamento do Atlântico Sul, o que aliviaria as do de guerra iniciado pelo Império Alemão
responsabilidades dos Estados Unidos nos contra o Brasil” (ARAÚJO, 2005).
mares do Sul (ARAÚJO, 2005). Quando do afundamento do Paraná, a
A 18 de outubro daquele ano, a Mari- população ficou agitada e atacou as firmas
nha Mercante brasileira sofreu um novo ata- comerciais de propriedade de alemães na
que, dessa vez foi o navio Macau de proprie- capital e nas principais cidades do Brasil, o
dade do Lloyd Brasileiro, era um dos navios que acabou criando uma situação delicada
alemães encampados pelo governo, recebeu com a neutralidade brasileira.
tripulação brasileira de 26 homens foi carre- Mas quando a guerra foi definitiva-
gado de café e cereais destinados à França, mente declarada começou uma intensa agi-
partiu do porto de Santos em 5 de setembro. tação nacionalista sucederam-se “comícios
Com a chegada da notícia, ao Brasil, patrióticos” que pediam a participação do
do torpedeamento do Macau e do salvamen- Brasil na guerra e louvavam a atitude bra-
to da tripulação por um navio espanhol, o sileira de apoiar os Aliados além de haver
presidente Venceslau Brás encaminhou uma demonstrações contra a Alemanha. Alguns
mensagem ao congresso nacional solicitan- jornais e companhias alemães viram-se for-
do, a ocupação de um navio de guerra ale- çados a encerrar as suas atividades (DUL-
mão que estava surto no porto de salvador LES, 1977, p. 61).
desde 1914, a canhoneira Eber. A canhoneira Mais uma vez Monteiro Lobato se fez
tivera a missão de abastecer o cruzador au- presente, opondo-se ao que ele chamava de
xiliar Cap Trafalgar de armamento munição e “nacionalismo guerreiro” e denunciava-o
pessoal quando circulou pela costa do Bra- como uma forma de desviar a opinião públi-
sil, pretendia-se ainda prender a sua tripu- ca dos verdadeiros problemas dos brasilei-
lação, outra medida, era decretar a interna- ros: “[...] a precariedade da saúde pública e
ção das tripulações dos 45 navios mercantes o caráter antidemocrático do governo presi-
que haviam sido apropriados pelo governo dencialista que não dava poderes à Câmara
(GAMA, 1982, p. 20). e ao Senado[...]” (MUNHOZ, 1980, p. 42).
Com isso, afirmava que de forma unilate-

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ral o executivo governava o país cedendo a uma força naval que pudesse levar a contri-
pressões externas. buição do Brasil à guerra na Europa, ou pelo
No dia 17 de novembro de 1917, no menos ao largo de seu litoral, contra a amea-
mês seguinte, a declaração de guerra à Ale- ça de submarinos alemães.
manha, o governo brasileiro decretou estado De outro modo, Pandia Calogeras crí-
de sítio no Distrito Federal, Rio de Janeiro, tico realista da situação militar brasileira, e
São Paulo por serem regiões de intensa agi- ministro dos negócios da guerra em 1919,
tação operária e os estados do Paraná, Santa não poupou críticas à situação beligerante
Catarina e Rio Grande do Sul por serem re- em que se envolveu o país em 1918, pois se-
giões de grande concentração de imigrantes gundo ele em termos de capacidade de com-
alemães. O decreto foi aprovado quase por bate às forças armadas estavam totalmente
unanimidade, sendo apenas um dos parla- despreparadas, e os navios da Marinha es-
mentares contrários: o deputado Maurício de tavam totalmente inoperantes, em relatório
Lacerda, que protestou afirmando que: “Os confidencial indicou a incapacidade tanto
governantes não queriam agir contra os trai- do Exercito quanto da Marinha (CALOGE-
dores, mas sim reprimir o operariado e suas RAS, 1933, p. 35).
lideranças mais expressivas”(MUNHOZ, Seria um grande desafio fazer o país ter
1980, p. 43). uma participação mais efetiva, contudo re-
De fato, Maurício de Lacerda afirmava cairia sobre a marinha o fardo dessa missão.
que o estado de sítio mascarava outros inte-
resses como o de esvaziar as manifestações
A Divisão Naval de Operações de
operárias que vinham acontecendo já algum
tempo e estavam importunando o governo Guerra – DNOG
do presidente Venceslau Brás.
De 3 de setembro a 20 de novembro
O último navio atacado por submari-
de 1917, aconteceu em Paris a Conferência
nos alemães foi o do cargueiro Taquari fato
Inter-aliada da qual o Brasil participou por
ocorrido em 2 de janeiro de 1918 próximo ao
meio do ministro Olinto de Magalhães que
litoral da Inglaterra, o barco foi canhonea-
firmou o compromisso do país em contri-
do, morreram 8 membros da tripulação que
buir com a guerra de três formas: enviando
tentavam escapar pelas baleeiras, o navio,
uma Divisão naval de operações de guerra
contudo, conseguiu escapar a perseguição
que operaria onde a marinha inglesa achasse
sendo conduzido pela tripulação até o porto
conveniente; segundo: o envio de um grupo
inglês de Cardiff (MARTINS, 1997, p. 263).
de aviadores para treinamento e participa-
Várias providências haviam sido to-
ção de futuras missões e finalmente de uma
madas, visando à defesa do litoral brasilei-
missão medica (VINHOSA, 1990, p. 133).
ro contra a possibilidade do país sofrer com
Desde outubro de 1917, foi concedida a
possíveis incursões de navios corsários ale-
autorização a oficiais brasileiros para estagia-
mães tal como havia ocorrido em agosto de
rem em navios da Marinha norte americana
1914, mas o desafio maior seria a criação de
e vice versa, na mesma ocasião foi concedido

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o direito aos navios da marinha dos Estados são o Contra Almirante Pedro Max Fernan-
Unidos sob comando do Almirante Caperton do de Frontin.
receberem carvão em Itaparica na Bahia. Uma das primeiras providências do
O ministério das relações exteriores Contra Almirante Pedro de Frontin foi soli-
do Brasil já vinha trocando correspondência citar um navio tender de apoio, que serviria
com o ministério das relações exteriores da de base de operações inclusive transportan-
Inglaterra no sentido de ser concretizada a do carvão, foi preparado o Belmonte que era
oferta do governo brasileiro sobre a divisão um dos ex-navios alemães desapropriados
naval, especificando que seriam dois cruza- que sendo armado passou a exercer também
dores e quatro destróieres que operariam a tarefa de cruzador auxiliar, requisitou ain-
entre Dacar - São Vicente – Gibraltar (BRA- da um rebocador de alto mar e foi cedido o
SIL, 1918, p. 198). Laurindo Pitta. Com a criação dessa força,
A Divisão Naval de Operações de as três divisões que estavam patrulhando a
Guerra ou DNOG como ficou mais conhe- costa do país ficaram sensivelmente reduzi-
cida teve a sua criação confirmada por um das, pois tiveram que fornecer navios para a
aviso confidencial do Ministro dos Negócios constituição da DNOG.
da Marinha Alexandrino Faria de Alencar O pessoal que compôs a DNOG, salvo
dirigida ao Chefe do Estado maior da Arma- alguns oficias de estado maior, foram todos
da, que dizia: destacados pois compunham as tripulações
A vista da resolução do Governo de cola- dos navios que haviam sido destinados à for-
borar efetivamente na guerra que foi im- ça, a relação total dos componentes constava
posta pelo estado alemão, resolução toma- de 1.502 homens, sendo 75 oficiais da arma-
da em conseqüência do acordo feito com
da, 4 oficiais médicos, 50 oficiais maquinis-
os Governos dos países aliados, declaro-
-vos, para os devidos fins, que a Divisão tas, 5 oficiais comissários, 1 farmacêutico, 1
em Operações de Guerra, que foi criada dentista, 1 capelão, 1 submaquinista, 41 su-
pelo Decreto desta data, devera se prepara boficiais, 43 mecânicos, 4 auxiliares de fiel,
para seguir para os mares europeus, a reu- 702 marinheiros, 481 foquistas, 89 taifeiros, 1
nir-se à esquadra que for oportunamente
padeiro e 3 barbeiros, dentre os marinheiros
Indicada (BRASIL, Aviso naval n° 192-A,
de 30/01/1918. SDM). havia ainda uma banda de música composta
por 27 militares (GAMA, 1982, p. 132).
O aviso alertava, ainda, da providên-
cia em aprontar os navios que deveriam for-
mar a Divisão. No mesmo dia outro aviso O preparo da Divisão
do Almirante Alexandrino foi dirigido ao
Ao ser determinado quais os navios
Chefe do Estado Maior da Armada comu-
iriam compor a DNOG, uma das primeiras
nicando que a divisão seria composta pelos
providências do Contra Almirante Frontin
Cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul e pelos
contratorpedeiros Piauí, Rio Grande do Norte, foi ordenar o preparo e a atualização dos
Paraíba e Santa Catarina. Foi ainda assinado o navios, quando pôde verificar que as difi-
decreto nomeando para o comando da Divi- culdades eram grandes, pois não havia nos

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arsenais os materiais necessários aos reparos Os primeiros navios a seguirem essa
e melhoramentos dos navios. determinação foram o Piauí e o Paraíba que
O Belmonte que foi transformado em deixaram o Rio de Janeiro em 07 de maio de
cruzador auxiliar e tender da divisão de- 1918, largaram de suas boias de amarração
mandou muito trabalho para ser transfor- e, depois de desfilarem pelo fundeadouro
mado de navio mercante em um vaso de dos navios da Esquadra, as tripulações da-
guerra para prestar apoio logístico à força. vam “vivas” e nos mastros tremulavam os
Levou certo tempo até que os navios fi- sinais de “boa viagem” (LEITE, 1961).
cassem prontos e mesmo assim alguns ainda No dia 09, foi a vez do Rio Grande do
não saíram convenientemente preparados. A Norte que teve alguns problemas com suas
tarefa de atualização dos contratorpedeiros máquinas, acabando por ser rebocado pelo
parecia ser mais fácil, mas não deixava de ser Piauí até Salvador, onde já se encontrava o
trabalhoso, como nos diz Silveira Leite: Paraíba. No dia 13 daquele mês, chegou o
Enquanto os engenheiros navais, mestres e Santa Catarina.
operários do Arsenal e do Armamento re- Os cruzadores saíram do Rio de Janeiro
paravam as maquinas, caldeiras, canhões, no dia 11 de maio de 1918, o navio capitânia
torpedos e as suas instalações complemen-
era o cruzador Rio Grande do Sul. No dia da
tares, os oficiais e a guarnição do navio [...]
procediam a uma extensa e minuciosa faxi- partida estava no ancoradouro da Marinha
na de desmontagem e tratamento de todo o presidente Venceslau Brás, o Ministro da
o navio [...] o que valeu ao Piauí o jocoso Marinha Alexandrino de Alencar, outros mi-
apelido de “pinto sujo” (LEITE, 1961). nistros e membros da liga de defesa nacional
Os trabalhos nos cruzadores de igual entre eles o Dr. Pedro Lessa que proferiu um
forma foram dificultosos, pois esses apre- discurso de despedida (GAMA, 1982, p. 141).
sentavam problemas nas turbinas de pro- Os referidos navios chegaram ao porto
pulsão e naquela época esse tipo de maqui- de Salvador no dia 14 de maio, onde foram
nário ainda era experimental, fazendo com reunidos todos os componentes da Divisão,
que parte de seus propulsores precisassem alguns serviços suplementares para me-
ser trocados,5 o que não podia ser feito no lhorar a eficiência deles foram realizados a
Brasil, pois não havia peças sobressalentes cargo da Companhia de Navegação Baiana,
para esse tipo de máquina. serviços de melhoria como de controle de
fogo da artilharia combate a incêndio, vigi-
lância e revisão de artilharia, nos torpedos
Do litoral brasileiro ao litoral da África e bombas antissubmarino (BRASIL, Circular
O Almirante Pedro de Frontin havia da DNOG n° 31, de 06/06/1918. SDM).
decidido que, à medida que ficassem pron- Ao mesmo tempo eram realizados in-
tos, os navios deixariam o Rio de Janeiro, os cessantemente exercícios de todos os tipos
cruzadores seguiriam para Recife e os con- desde tiro ao alvo, comunicações a lançamen-
tratorpedeiros para Natal, onde aguardariam tos de torpedos, outra grande preocupação
os trabalhos finais nas unidades restantes. era a de uniformização dos métodos e proce-

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dimentos administrativos (BRASIL, Circular As instruções mais importantes da Di-
da DNOG n° 34, de 13/06/1918. SDM). visão eram os que se relacionavam com as
Entre o mês de maio e meados de julho instruções para a viagem dados sobre o dis-
os navios permaneceram ao longo do litoral positivo de cruzeiro, de batalha e de entrada
do nordeste em adestramentos deslocando- nos portos, táticas a serem usadas na caça
-se entre Salvador, Natal e Recife, os dois úl- aos submarinos, os procedimentos a serem
timos navios ao saírem do Rio de Janeiro fo- adotados para o encontro com navios de su-
ram o cruzador auxiliar Belmonte carregado perfície e salvamento de náufragos.
de carvão e de peças sobressalentes que saiu As missões de patrulha da Divisão já
dia 06 de julho de 1918, dirigindo-se a Recife, haviam começado desde a reunião da força
chegando dia 13 e o rebocador de alto mar em mar brasileiro e quando já estavam dis-
Laurindo Pitta que saiu dia 08 daquele mês, tante 324 milhas de Fernando de Noronha
indo direto para o ponto de encontro de to- receberam um comunicado do comando
dos os navios que era Fernando de Noronha. naval inglês de que em sua rota havia sido
O Contra Almirante Pedro de Frontin assinalado a presença de um submarino ale-
que havia marcado o dia 24 de julho para mão. O que não foi confirmado, mas foi ave-
os navios encontrarem num ponto determi- riguado pelos vigias do Rio Grande do Norte
nado para juntas seguirem até Fernando de (BRASIL, Livro de quartos, do Rio Grande
Noronha na ordem do dia daquela data ex- do Norte, de 04/08/1918. SDM).
pressava a confiança na missão que teriam Uma das maiores preocupações do Al-
que cumprir, pois segundo ele a mirante Frontin era o cruzador Rio Grande
[...] Divisão Naval representava a Mari- do Sul que parou no meio do Atlântico para
nha do Brasil nessa Grande Guerra. Essa reparos nos motores em plena zona de pe-
Divisão representa, hoje, a contribuição rigo, ficando com dois contratorpedeiros
das forças militares do Brasil na batalha.
para protegê-lo, o qual depois de reparado
(BRASIL, Ordem do Dia da DNOG n° 6, de
24/07/1918. SDM). seguiu a toda velocidade para alcançar os
demais navios.
O encontro dos contratorpedeiros que Havia ainda o problema do consumo
vinham de Natal se deu com os cruzadores de combustível. As observações do Almi-
que vinham de Recife a 80 milhas da costa, e rante Frontin era a de economizar carvão
juntos seguiram em formatura chegando em ao máximo uma das medidas era reduzir ao
Fernando de Noronha, em 26 de julho (LEI- máximo a utilização de máquinas auxilia-
TE, 1961). Até o dia 31 foram realizados os res para iluminação e os serviços sanitários,
últimos preparativos para a partida defini- tudo devia ser de utilidade indispensável,
tiva da Divisão, os navios foram abastecidos deviam ter todo cuidado para não haver
de carvão, água e mantimentos, sendo resol- perda do vapor das caldeiras e utilizá-las da
vidos ainda alguns assuntos administrati- melhor forma possível.
vos, como alterações no comando de alguns Uma das maiores dificuldades era jus-
oficiais. tamente a de abastecimento de carvão, água

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e mantimentos do navio tender Belmonte A Divisão deixou Freetown às 11 ho-
para os demais navios em pleno oceano, ras do dia 23 de agosto de 1918, com destino
além de reparos de urgência, para tais ma- a Dacar, no Senegal, tiveram um pequeno
nobras todos os navios paravam e os contra- problema com o contratorpedeiro Piauí que
torpedeiros que ainda não haviam sido abas- enroscou a sua âncora em um cabo subma-
tecidos começavam a descrever círculos em rino, mas logo se livrou, a viagem de Free-
torno dos demais navios para protegê-los de town a Dacar durou três dias. A viagem foi
possíveis ataques (GAMA, 1982. p.148). realizada com muita dificuldade, com chu-
Nas proximidades de Serra Leoa na vas torrenciais, mar grosso, cerração, os na-
costa da África, a divisão devia se encontrar vios tinham de navegar em formação e com
com o encouraçado inglês Britania, capitânia máxima vigilância para se defenderem de
da Divisão sob comando do Almirante She- possíveis ataques de submarinos ou navios
ppard, houve um desencontro e alguns navios alemães (BRASIL, Circular da DNOG n° 49,
da DNOG estavam ficando sem carvão, foi de 27/08/1918 SDM).
marcado um novo encontro e o cruzador Rio Na véspera da chegada a Dacar, na noi-
Grande do Sul dirigiu-se até o novo ponto para te de 25 para 26 de agosto, a Divisão sofreu
encontrar o encouraçado Britania o que acon- ataque de um submarino alemão que lançou
teceu na noite do dia 08 de agosto, na manhã um torpedo contra o cruzador auxiliar Bel-
seguinte toda divisão chegou a Freetown. monte. O submarino foi avistado pelos vigias
do contratorpedeiro Rio Grande do Norte, do
cruzador Bahia, e do rebocador Laurindo Pit-
A gripe espanhola assola a força naval
ta, um marinheiro chamado Prado Maia que
brasileira serviu como cabo na Divisão afirmou que:

Ao chegarem a Freetown, em Serra [...] os dois primeiros navios deram o alar-


ma de submarino à vista e abriram fogo so-
Leoa, os navios foram reabastecidos de com- bre ele, que procurava imergir após haver
bustível e alguns reparos foram feitos. No lançado um torpedo contra o Belmonte [...]
entanto, a cidade estava praticamente vazia todos estavam acordados, as guarnições
por causa de uma epidemia de gripe que viveram instantes de angustiosa expectati-
va, aguardando quase sem respirar o im-
havia começado, e que ficou conhecida por
pacto do torpedo, cuja esteira fosforescen-
gripe espanhola. te era claramente observada [...] (GAMA,
As tripulações acabaram tendo conta- 1982, p. 151).
to com a gripe, pois havia um navio inglês
Os navios começaram a navegar em
chamado Mantua que estava fundeado à
ziguezague, atirando contra o submarino
pouca distância dos navios brasileiros, esse
e sobre a rota do torpedo na tentativa de
frequentemente dirigia-se para fora do por-
atingi-lo, este passou resvalando o costado
to, soube-se depois que o navio ia lançar
do Belmonte.
em alto mar os corpos dos membros da sua
Embora vários dos navios da divisão
tripulação que haviam morrido após terem
tivessem aberto fogo e lançado bombas de
contraído a gripe (LEITE, 1961).

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profundidade sobre o submarino inimigo, o gião como o impaludismo e febres biliares,
seu afundamento foi creditado ao Rio Grande segundo o Almirante Frontin: “[...] alguns
do Norte, pois o marinheiro de 1a classe ar- convalescentes ficaram com um grande aba-
tilheiro Lourenço Eduardo Eustáquio dos timento moral, forma neurastênica que os
Santos se encontrava como vigia de pron- torna incapaz de qualquer função diretiva
tidão no canhão principal de 101 mm do [...]” (BRASIL, Ofício ao Comandante da
contratorpedeiro e foi quem primeiro abriu marinha do Comandante da DNOG n° 157,
fogo por ordem do comandante. Dacar, 26/09/1918 SDM.).
Os canhões de 101 mm e de 47 mm do Mas a impressão maior foi deixada
Rio Grande do Norte alvejaram o submarino pela gripe espanhola, a gripe que se iniciou
sucessivas vezes que, desaparecendo, teve o no cruzador Bahia pegou a tripulação que
seu rastro seguido pelo contratorpedeiro que estava trabalhando com o carvão do navio
lançou ainda bombas de profundidade no com tal violência, que impediu a normali-
local de sua submersão, o mesmo submarino zação das suas tarefas, passando a ser um
foi visto ainda pelo mecânico naval Franco navio hospital segundo Orlando Machado
Júnior, pelo cabo Severo Leal e pelo grumete que era imediato do Rio Grande do Sul : “Os
Pires Bastos (BRASIL, Livro de quartos do doentes caiam ardendo de febre, cobertos de
Rio Grande do Norte, de 25/08/1918. SDM). suor, emplastados com a moinha do carvão,
A perda do submarino foi confirmada sem ter nem sequer quem os auxiliasse a to-
pelo relatório do Almirantado britânico que mar banho e mudar a roupa pois os poucos
indicava o desaparecimento de um submarino validos que lhes poderiam assistir nisso di-
alemão que operava na rota da divisão brasi- minuíam hora a hora.” (MACHADO, 1921).
leira e pelo comandante da base inglesa em Os toldos dos navios haviam sido re-
Gibraltar Vice Almirante Heathcoat S. Grant. tirados o que tornou a vida abordo mais
Em 26 de agosto de 1918, pela manhã difícil, pois o sol de Dacar era escaldante,
a Divisão entrou no porto de Dacar com os os navios ficaram com noventa e cinco por
navios maiores atracando no quebra mar e cento de seu efetivo em completo estado de
os menores nas boias que existiam perto do prostração.
atracadouro. De 10 a 20 de setembro, era essa a si-
A Divisão iria passar poucos dias, ape- tuação do Rio Grande do Sul e das demais
nas o tempo suficiente para a realização de belonaves, todos os compartimentos dos
trabalhos de limpeza dos cascos, reabaste- navios estavam ocupados por doentes da
cimentos e para resolver um problema de enfermaria, dos alojamentos ao quarto do
propulsão dos motores do Rio Grande do Sul. Almirante Frontin encheram-se de doentes.
Mas, no dia 06 de setembro quando eram Ainda de acordo com Machado, a gri-
planejadas as primeiras missões de patru- pe tinha a seguinte evolução: “Cerca de três
lhamento até Gibraltar irrompeu uma vio- ou quatro dias depois de declarada a mo-
lenta epidemia de “gripe espanhola”, além léstia, vinha a tosse, vinha a expectoração
de uma série de moléstias próprias da re- sangüínea, vinha a congestão pulmonar: foi,

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durante dias e noites, o flagelo de um tossir dia sagrado da religião muçulmana, a qual
convulsivo[...]” (MACHADO, 1921). predominava no lugar.
Houve mesmo casos de completo delí- No cemitério, foram sepultados 156
rio por parte das tripulações como o de um dos tripulantes, mas ainda houve mortes na
marujo que estava em estado grave e con- tripulação pelas demais doenças e, poste-
seguiu sair do hospital em Dacar acometido riormente, no Brasil dos que voltavam, por
de uma espécie de delírio erótico, segundo conta da fraqueza em decorrência da gripe.
Machado ele: A Divisão estava envolvida com os
[...] dirigira-se para a espelunca mais pró- problemas da gripe em sua pior fase quando
xima que conhecia. La chegando, entrega- o Almirantado britânico requisitou o envio
ra-se aos maiores excessos [...] teve ainda de uma unidade a fim de auxiliar a força na-
forças para vir abordo [...] Duas horas de-
val portuguesa que também estava passan-
pois caíra na mais profunda prostração,
insensível mesmo a varias injeções de éter do pelo problema da gripe e operava pró-
e a repetidas fricções de álcool vindo a fale- ximo às ilhas de Cabo Verde, pois haviam
cer depois de mais de seis horas de agonia assinalados submarinos alemães.
(MACHADO, 1921). O único navio em condições de operar
A epidemia atacou não somente a Di- era o contratorpedeiro Piauí que teve a sua
visão, mas a todos os navios do Porto e a tripulação reforçada com marujos e oficiais
própria cidade de Dacar, que também sofria ainda sadios das outras embarcações da
com a malária. Assim, em 11 de outubro, DNOG. No dia 09 de setembro, o navio já
o Almirante Frontin comunicou ao Estado contava com 20 gripados, ao chegar ao seu
Maior da Armada por telegrama que a epi- destino conseguiu atracar próximo à canho-
demia de gripe estava controlada, mas havia neira portuguesa Beira que já tinha gripados
surgido a malária. a bordo. quando os brasileiros começaram a
Ele havia solicitado também o envio de melhorar, os portugueses pioraram, o Piauí
sais de quinino para o tratamento da gripe e conseguiu concluir a missão que havia rece-
reclamava que não haviam chegado a tem- bido até o dia 19 de outubro, quando regres-
po, pois caso contrário poderia ter obtido por sou a Dacar (LEITE, 1961).
meio de troca de outros medicamento para Os ingleses que de igual forma haviam
tratamento preventivo até da malária (BRA- sido atacados pela gripe tinham pressa em
SIL, Ofício da DNOG ao Estado Maior da fazer a DNOG chegar a Gibraltar. Antes de
Armada, n° 169, Dacar, 03/10/1918. SDM). partir o Almirante Frontin teve que pedir re-
Os primeiros mortos foram enterrados forços ao EMA e teve que aguardar a chega-
em caixões; os outros, apenas foram atados da dos substitutos para ocupar o lugar dos
em pedaços de tábuas, houve dias em que falecidos, em 1o de novembro, o Paraíba e o
os mortos não podiam ser transportados até Piauí ainda deram caça a um submarino ale-
a lancha que fazia o recolhimento de cadá- mão em apoio a marinha francesa.
veres. Houve, pelo menos, um dia em que Em 3 de novembro, a DNOG deixou
os mortos não foram recolhidos por ser um Dacar com destino a Gibraltar sem o cruza-

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dor Rio Grande do Sul, que apresentou sérios pultamento das vítimas do Britania.No dia
problemas em suas máquinas, retornando seguinte. foi assinado o armistício entre a
definitivamente ao Brasil. O cruzador Bahia Alemanha e os aliados que deu fim a Grande
passou a ser a capitania, porém deixou tam- Guerra (MARTINS, 1997, p. 273).
bém o contratorpedeiro Rio Grande do Norte A DNOG foi convidada a participar
com problemas em seu eixo de transmissão das festividades de comemoração pela paz
dos motores, mas resolvido o seu problema promovida pelos países vitoriosos. Assim,
alcançou a Divisão em Gibraltar. antes do retorno ao Brasil, a Divisão deixou
O cruzador auxiliar Belmonte foi dis- Gibraltar em 20 de janeiro de 1919 e foi à In-
pensado para levar um carregamento de glaterra, à França, a Lisboa, retomando a Gi-
trigo que foi fretado pelo governo francês, braltar para logo em seguida entrar no medi-
o rebocador de alto mar Laurindo Pitta tam- terrâneo e ir até a Itália, com a missão “levar
bém foi dispensado e viajou de volta ao Bra- a bandeira do Brasil às nações amigas”.
sil (MARTINS, 1997 p. 273). Ao retornar para Gibraltar a DNOG
A Divisão após deixar Dacar avistou partiu definitivamente para o Brasil, chegan-
em sua frente uma longa esteira de espuma do a Recife no dia 23 de maio de 1919, e ao
branca que confundiu as tripulações por Rio de Janeiro no dia 9 de junho. A recepção
imaginarem que se tratava de um periscópio em Recife havia sido calorosa, e no Rio de Ja-
de submarino. O Bahia abriu fogo seguido neiro os marinheiros haviam sido saudados
pelos demais navios. Logo depois verifica- por todas as embarcações da baía (GAMA,
ram que se tratava de um cardume de toni- 1982, p. 160). E por ordem do ministro da
nhas o que acabou dando motivos a piadas marinha, pelo Aviso naval n° 3.053, de
por parte dos homens da Divisão.6 25/06/1919 a DNOG foi dissolvida.
Em viagem a Gibraltar, a Divisão iria
encontrar-se com o encouraçado Britania
Conclusão
capitania da força inglesa o encontro esta-
va marcado para o dia 9 de novembro e, em Com a chegada da Primeira Guerra
caso de atraso, dia 10, ao longo da viagem, Mundial, em 1914, o governo brasileiro en-
as estações radiotelegráficas francesas cha- frentou divergências na sociedade em suas
maram diversas vezes a Divisão brasileira diversas camadas e teve que arcar com as di-
que não atendeu em respeito ao silêncio in- ficuldades de manter um equilíbrio entre a
ternacional de rádio. neutralidade e o dilema em declarar guerra
Alertados pelos chamados contínuos de à Alemanha por conta da pressão que sofria
rádio dos franceses, três submarinos alemães interna e externamente.
concentraram-se próximo ao estreito de Gi- A Marinha brasileira, apesar de contar
braltar e sendo o Britania o primeiro a chegar com navios relativamente novos, não estava
foi torpedeado por um submarino e afundou. atualizada e nem pronta para o desafio de
A Divisão entrou em Gibraltar no dia enfrentar a Alemanha nos mares, por falta
10 de novembro ainda a tempo de ver se- de um parque de manutenção permanente,

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que com tecnologia própria que não depen- bloqueio, dos afundamentos e do não paga-
desse de sobressalente vindos da Europa e mento das indenizações previstas pelo tra-
mesmo a protoindustrialização que aqui tado de Versalhes.
surgiu, não permitia fazer mais que o trivial: A participação do Brasil na política ex-
para lançar os navios na missão de defender terna no início do Século XX e a sua partici-
a costa do Brasil de forma satisfatória. pação na Primeira Guerra Mundial, sempre
Além de que quando a guerra estourou foram vistos como algo de irrelevante sig-
as reformas não havia acabado o que repre- nificância dentro da conjuntura da história
sentava um paradoxo, pois enquanto as pri- brasileira. No entanto, podemos verificar
meiras unidades não haviam ainda sido atua- que embora tenha sido desafiado pela Ale-
lizadas, ela continuava recebendo navios em manha, o país se viu compelido pela intensa
1914 sem atualizar os que chegaram em 1910. pressão de meios internos e externos a in-
O maior desafio ainda veio por conta gressar em uma guerra que não era sua.
do compromisso de assumir, de forma mais Tendo ainda, o país que assumir uma
efetiva, o combate aos submarinos alemães responsabilidade que também não era sua,
ao largo do litoral da África. O Brasil esteve entregando essa tarefa a um grupo de mi-
sob pressão de outros países que julgavam litares que acreditavam serem capazes de
que esse poderia arcar com a tarefa de pa- levar a termo a missão a eles confiada, rea-
trulhar os mares do sul ao longo daquela lizaram-na diante das dificuldades. Só não
costa por avaliarem que a sua marinha es- sabiam que pagariam um preço tão caro, al-
tava suficientemente preparada para a mis- guns pagaram com a vida para se tornarem
são. Com esse julgamento aliviavam as suas um mero lembrete da participação brasileira
próprias responsabilidades. O problema dos em um dos mais importantes momentos da
navios que foram atualizados às pressas e história contemporânea.
que haviam partido para a sua missão com
sérios problemas de manutenção era tam-
Abstract
bém agravante e representava de igual for-
ma os limites da logística naquela época. This article seeks to address on the mobi-
Para a missão que a marinha brasileira lization of society and the Brazilian naval
foi destacada ficaram claras também as de- display in 1918, as a response of Presi-
ficiências sanitárias em que a divisão ficou dent Wenceslau Brás German aggres-
sujeita por conta da burocracia, pois sob a sion against the Brazilian merchant ships
situação de epidemia, as solicitações de me- in 1917, in addition to observing which
dicamentos não eram atendidas de imediato were the measures taken towards orga-
para sanar a gripe espanhola. nize an effective naval force called Naval
Por fim, com a conclusão da guerra, Operations Division War (DNOG) to pa-
as perdas de vidas humanas e as perdas trol the Atlantic coast of North Africa.
materiais do país jamais foram compensa-
Keywords: World War First. Mobiliza-
das a altura dos esforços e o país teve que
tion. Brazilian Navy.
amargar prejuízos financeiros por conta do

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Resumem Referências
Este artículo trata de abordar en la movi- ARAÚJO, Johny Santana de. A construção do
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sil. São Paulo: Edaglid, 1962.
Notas
DULLES, John W. Foster. Anarquistas e Co-
1
Para um dos entendimentos a respeito do con- munistas no Brasil, 1900 – 1935. Rio de Janeiro:
flito e os desenlaces inicias da Primeira Grande Nova Fronteira, 1977.
Guerra ver: TUCHMAN, Barbara. Os Canhões de
Agosto. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994. GAMA, Arthur Oscar S. da. A Marinha do Brasil
2
O serviço militar no início da República não era na primeira guerra mundial. Rio de Janeiro: Ca-
obrigatório somente depois das reformas idea- pemi, 1982.
lizadas por Paranhos foi instituído o sistema de
sorteios até que Olavo Billac iniciou, entre os LEITE, Jorge da Silva. O contratorpedeiro Piauí
anos de 1915 e 1916, a campanha pelo serviço mi- In: SIMPÓSIO SOBRE A PARTICIPAÇÃO DA
litar obrigatório, sendo oficializado em 1918 pelo
Art. 93 da constituição.
MARINHA NA PRIMEIRA GRANDE GUER-
3
Havia duas importantes publicações a Careta e a RA, 1961, Rio de Janeiro. Discurso... Rio de Ja-
Fon Fon, a primeira através de charges fazia críti- neiro: SDGM, 1961. Não paginado.
cas à política de neutralidade e a influência exte-
rior que o país sofria para participar do conflito; MACHADO, Orlando M, Nossa Hecatombe
a revista Fon Fon era a mais comprometida com a em Dakar. Boletim do Clube Naval n° 12, mar.
propaganda do governo. 1921. SDM. 1921. Não paginado.
4
Jovens turcos é uma alusão ao grupo de militares
turcos liderados por um oficial chamado Mustafa MARTINS, Hélio Leoncio. A participação da
Kemal que liderou um amplo movimento de re- Marinha do Brasil na Primeira Guerra In: His-
formas políticas na Turquia. tória Naval Brasileira. Rio de Janeiro: SDM, Vol.
5
O maquinário desses cruzadores era constituído V, t. IB, 1997.
de uma tubulação que alimentavam uma peça
chamada de condensador que por sua vez com- MUNHOZ, Fernando. Reflexos da Guerra Eu-
punha a turbina que fornecia força a navio. ropeia. Coleção nosso século. São Paulo: Abril
6
Na imprensa brasileira, o ocorrido também gerou
uma serie de anedotas escritas por jornalistas que
Cultural, 1980, n° 33.
fizeram citações sobre o fato em que chamaram TAVARES, Aurélio Lyra. Brasil-França: ao lon-
de: “A guerra das toninhas” ou “A batalha das go de 5 Séculos, Rio de Janeiro. Bibliex, 1979.
toninhas”.

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13/06/1918. SDM.
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24/07/1918. SDM.
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Marinha, Livro de quartos, do Rio Grande do
Norte, de 04/08/1918. Não paginado. SDM.
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Marinha, Livro de quartos, do Rio Grande do
Norte, de 25/08/1918. SDM.
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da Marinha, Ofício ao Comandante da mari-
nha do Comandante da DNOG n° 157, Dacar,
26/09/1918 SDM.

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