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M i n e r v i n o Wa n d e r l e y

Carnaval
em tempo de
guerra
Natal no cenário da II Guerra Mundial
Carnaval
em tempo de
guerra

M i n e r v i n o Wa n d e r l e y
2006
Carnaval em tempo de guerra

Esta obra é dedicada a:

Minha mãe, Martha Wanderley Salem, meu pai, Emílio Salem Dieb, meus irmãos, Emílio Salem Filho e
Maria Elizabeth Wanderley Salem; minhas filhas, Juliana e Larissa, e a Geraldo Luiz de Azevedo, meu
amigo e maior incentivador.

Com especial carinho:


Alcides Araújo e Guiomar Araújo, a minha segunda família;
Eugênio Cunha, meu amigo fiel;
Yvonne Câmara, um exemplo diário de amor à vida.
Carnaval em tempo de guerra

Prefácio
Manoel Pereira da Rocha Neto

O
presente livro-reportagem traz à tona um dos momentos mais importantes e mais ricos da his-
tória norte-rio-grandense, a segunda Guerra Mundial. A nossa cidade de Natal foi cenário da pre-
sença dos americanos que aqui estiveram e mudaram hábitos e costumes da vida pacata e pro-
vinciana da capital potiguar.
Minervino Wanderley não fica apenas no contexto local. O seu texto se amplia e abre o leque com ri-
quezas de informações para deixar o leitor situado e atento com relação aos conflitos que culminaram na
Segunda Guerra Mundial. Ele traz um mosaico de fatos e acontecimentos que marcaram a história do sé-
culo XX, como o Holocausto dando ênfase ao episódio denominado "Noite dos Cristais".
Presenteia-nos através do seu texto leve, solto, desenvolto, momentos peculiares e marcantes da dé-
cada de 1940, em particular, o período da guerra. Ele nos conta com riqueza de detalhes, trazendo à baila
personagens que povoaram o imaginário natalense, como a figura da cafetina Maria Boa, com o seu im-
ponente Cabaré e os causos que ficaram registrados na memória dos seus freqüentadores; e o hilário Zé
Areia, personagem inquieto e cômico que marcou uma época, principalmente no carnaval de Natal de 1943.
A folia momesca da cidade é tratada pelo autor com bastante cuidado e esmero, dignos de um pes-
quisador preocupado em reconstituir com muita fidedignidade o carnaval de 1943, com seus corsos, blo-
cos, confetes e serpentinas. O autor mergulhou profundamente nos jornais da cidade buscando retratar
o cotidiano da folia num período repleto de tensões que uma guerra de proporções mundiais é capaz de
provocar.
Segundo o jornalista Felipe Pena, em sua obra Jornalismo Literário, a produção de uma grande repor-
tagem tem como pilares setes itens, tais como: precisão de dados e informações, o que o autor estabe-
lece de modo objetivo e eficiente; A imersão notadamente encontrada no texto de Minervino, através do
relato dos fatos e de personagens, como também a humanização dos mesmos, outra característica cita-
da por Pena. Ainda destaco, de acordo com Pena, o simbolismo e o uso de metáforas; A digressão e o es-
tilo do autor, elementos que encontramos neste livro-reportagem.
Portanto, o livro-reportagem Carnaval em tempo de guerra: Natal no cenário da Segunda Guerra Mun-
dial, é um passeio pela nossa história e cada página deve ser saboreada, numa verdadeira viagem no
tempo. Boa Viagem, leitores.
Carnaval em tempo de guerra

Apresentação

N
atal foi uma cidade abençoada pela Mãe Natureza. Incrustada no encontro do rio Potengi com
o Oceano Atlântico, sua beleza é ímpar. Sua proximidade com os continentes europeu e africa-
no lhe põe em posição privilegiada no cone sul-americano.
Porém, essa condição geográfica já despertou a cobiça de conquistadores europeus que viam nesta
terra o porto ideal para suas viagens em busca de novos horizontes. Por Natal passaram os portugueses,
que foram nossos colonizadores, assim como os franceses e holandeses, que travaram grandes batalhas
visando sua posse.
E foi exatamente essa localização que a colocou em meio ao maior conflito da História, que foi a Se-
gunda Guerra Mundial. Ao servir de apoio às tropas americanas que se dirigiam aos combates na Europa
e África, Natal contribuiu, de forma, significativa, para o sucesso dos aliados.
É sobre esse período que essa obra discorre. Buscamos reconstituir a época quando aqui foi montada
a maior base americana fora dos Estados Unidos, fato que mudou a feição da cidade, extremamente pro-
vinciana e pacata. As influências causadas pela presença de milhares de estrangeiros é o nosso foco.
Além do impacto causado no nosso cotidiano, quando nossos hábitos praticamente se "americaniza-
ram", uma pergunta paira no ar: será que houve interferência na nossa maior expressão popular que é o
carnaval?
Damos um mergulho na Natal do começo do século, nos carnavais de antigamente e, é claro, no car-
naval de 1943, primeiro ano em que as folias de Momo existiram com o Brasil em guerra.
Aproveitamos essa viagem para trazer de volta personagens marcantes da época como Zé Areia e
Maria Boa, contando suas histórias e suas participações na vida dos natalenses. Tentando ser o mais fiel
possível na transcrição daqueles momentos, trazemos depoimentos de pessoas que vivenciaram a época,
além de reproduzirmos as notícias que eram veiculadas na imprensa.
O objetivo maior do nosso livro é "acender" a memória popular, tentando, dessa forma, conscientizar
nosso povo da importância de Natal no contexto da história mundial, mostrando momentos ricos e im-
portantes da nossa vida. Boa leitura.
Carnaval em tempo de guerra

Sumário
Capítulo 1
A ascensão do Reich ..........................................................................................................................................8

1.1 As invasões...............................................................................................................................13
1.2 O holocausto ........................................................................................................................................18
Os Estados Unidos entram na Guerra ..............................................................................................22

Capítulo 2
Uma cidade em construção ................................................................................................................................24

2.1 As negociações ................................................................................................................................33


2.2 Os americanos e os hábitos do natalense....................................................................................37
2.3 Maria Boa, a dama da noite .............................................................................................................41

Capítulo 3
Natal entre confetes, serpentinas e lança-perfume .........................................................................................48

3.1 O carnaval em tempo de guerra ....................................................................................................53


3.2 Zé Areia, o ícone de uma época .....................................................................................................66
3.3 A eterna esquina do continente ....................................................................................................70

Referências ......................................................................................................................................................71
Capítulo I
Carnaval em tempo de guerra 9

A ascensão do Reich

N
a década de 1930, a Alemanha, arrasada pelas perdas da Primeira Guerra Mundial, sofre uma pro-
funda depressão econômica e uma grave crise de desemprego. Hindemberg, presidente do
Reich, (palavra alemã que significa império, reino), procura alternativas para sair da crise, mas
o país continua em franca decadência. Até que em 30 de janeiro de 1933, um austríaco emergente, pre-
sidente do Partido Nazista, cercado de grande popularidade, era nomeado Chanceler. Esta data deveria
ser sempre lembrada pela humanidade, pois foi neste dia que Adolph Hitler começou sua ascensão. Atra-
vés dele, o mundo viria a conhecer uma das suas piores páginas.
Numa manobra de extrema habilidade política, em 1933, Hitler consegue aprovar a Lei de Plenos
Poderes (Ermächtigungsgesetz) que dá a seu governo, por quatro anos, a condição de promulgar leis
sem consulta ao Parlamento. Esta lei é prorrogada sempre, até 1945. Nos meses de maio e junho de
1933, todos os partidos restantes são fechados e postos na ilegalidade. O Partido Nacional-Socialista
torna-se único. Dando continuidade aos atos ditatoriais, Hitler promove a dissolução dos sindicatos e
a criação da organização Frente do Trabalho Alemão (Deutsche Arbeitsfront), além de retirar a autono-
mia dos estados da federação.
Aos 45 anos, Hitler, com seus inflamados discursos, mobiliza toda a nação em sua volta. De imediato,
consegue agregar 500 mil correligionários frenéticos. Seu poder já era quase absoluto. A ideologia do Par-
tido Nazista é populista, nacionalista, extremamente racista e imperialista. Os seguidores do Partido con-
sideram-se puros representantes da raça ariana.
De acordo com a obra Propaganda e persuasão na Alemanha nazista, de Paula Diehl, as intenções da
sigla constam, explicitamente, no livro Mein Kampf (Minha Luta), escrito por Hitler e publicado em 1924.
"Quanto mais radical e incitadora era a minha propaganda, tanto mais assustava homens débeis e as na-
turezas tímidas", escreveu o ditador. Paula registra que "pode-se dizer que Hitler foi inovador em sua pro-
paganda. Não porque novas técnicas tivessem sido inventadas pelo nacional-socialismo, mas o que faz
sua propaganda tão eficaz são principalmente as combinações de elementos coletados de várias fontes,
como teatro, ópera, propaganda política e dos meios de comunicação de massa que acabavam de nascer
nos anos 1920".
O instinto de propaganda de Hitler, sua busca incessante pelo poder absoluto e sua genial capacidade de
persuadir as multidões, fazem dele um ídolo. Através de um maciço programa de militarização, Hitler acaba
com o desemprego na Alemanha. Todo o país dedica-se a fabricar armas e a se preparar para a guerra, que
se pronunciava iminente. O povo germânico o aceita por completo. Os que resistem, tornam-se bodes expia-
tórios. Nesse rol estão os comunistas, os intelectuais, os ciganos, os homossexuais e, sobretudo, os judeus.
10

Foto: Andrew Roberts


O que o mundo viu, a par-
tir de então, foi uma série de
medidas que feriam os mais sim-
ples princípios de humanidade. Todos
aqueles que não se encaixavam nos mol-
des do Estado nazista eram considerados ini-
migos deste. Tamanhas foram as atitudes insa-
nas, tão cruéis foram as perseguições, que se pode
listar os povos que mais sofreram: em primeiro lugar, os
alemães. Na idéia de raça pura não poderia haver pessoas
com defeitos físicos ou mentais. Para obter uma raça supe-
rior, na concepção nazista, deve-se ter apenas pessoas
bonitas e saudáveis.
A eugenia foi muito utilizada para os portadores de
deficiência física, como a miopia, por exemplo. Quem
fosse portador dessa deficiência, os médicos esteri-
lizavam a pessoa para que não pudesse mais ter fi-
lhos com a mesma característica.
Os doentes mentais tiveram um destino pior.
Por se tratar de uma doença incurável, o Estado "tra-
tava" seus doentes com sua eliminação física, se-
guindo procedimento. Primeiro, o doente era interna-
do em um "hospício" e os familiares eram informados
das causas da internação. Num segundo documento, a
família era informada que o paciente havia piorado o
seu estado clínico. Por último, vinha o atestado de óbito,
sem qualquer explicação plausível para a família.
Os comunistas sempre foram vistos como ameaça aos
ideais de Hitler. O caráter nacionalista do nazismo não aceitava
o perfil internacionalista do comunismo. Alia-se a isso, o ódio que

1
O termo Eugenia foi criado por Francis Galton (1822-1911), que o definiu como sendo o
estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades
raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente.
2
Marx acreditava que a única forma de alcançar uma sociedade feliz e harmoniosa seria
com os trabalhadores no poder. Em parte, suas idéias eram uma reação às duras condições
de vida dos trabalhadores no século XIX, na França, na Inglaterra e na Alemanha. Os trabal-
hadores das fábricas e das minas eram mal pagos e tinham de trabalhar muitas horas sob
condições desumanas.
3
llImpério (1871-1918), criado pelo estadista alemão Otto von Bismarck.
Carnaval em tempo de guerra 11

Hitler tinha de Marx e sua doutrina .


Como visava a revolução do proletariado, o marxismo era tido como uma conspiração do judaísmo inter-
nacional (Para piorar Marx era judeu). Hitler via no passado glorioso do II Reich de Bismarck um modelo a ser
seguido ou, trocando em miúdos, a manutenção do status quo. Com a crise econômica os maiores prejudica-
dos, obviamente, são os trabalhadores. Sob essa ótica, o estrangeiro era visto como invasor que, além de ser
uma raça inferior, tomava o emprego, já escasso, dos alemães.
Este discurso funcionou muito bem, pois a onda de discriminação só aumentou. Poloneses, eslavos,
ciganos (considerados um povo nômade) não eram bem-vindos no III Reich de Hitler . E na necessidade
e ampliação do espaço vital esses povos sofreram nas mãos dos alemães durante a Segunda Guerra. Os
que não eram mortos em campos de concentração, trabalhavam em um regime de semi-escravidão. Essa
situação favorecia muito aos burgueses alemães, pois reduziu-se o custo da mão-de-obra e, com isso, ga-
nharam rios de dinheiro para impulsionar a economia de guerra. Inclusive os hábitos e costumes estran-
geiros eram também vistos como perigosos para o III Reich. A influência da cultura de outras nações po-
deria corromper o povo alemão, segundo os nazistas.
Com relação aos homossexuais, aconteceu um fato interessante. Vale lembrar primeiramente que ho-
mossexual é a pessoa que tem atração e afinidade sexual por outra do mesmo sexo. Mas, na ótica nazis-
ta havia uma diferenciação no tratamento: o homossexual masculino sofria mais a repressão diferente-
mente do homossexual feminino. Na idéia de se criar uma raça pura o homem homossexual desperdiça-
va sua energia sexual com estas relações, portanto era visto como um degenerado, cabendo-lhes a cha-
mada solução final, que era a ida para os campos de concentração, de onde não mais sairiam com vida.
Já as mulheres não recebiam repressão, porque elas poderiam gerar um filho como qualquer outra.
Tanto que o Estado dava assistência às mães solteiras. Só que com uma condição: os filhos gerados por
elas pertenceriam ao Estado.
Para se pensar em uma raça superior, as demais raças devem, logicamente, ser inferiores. Entretanto,
o racismo alemão não afetou duramente os negros por um simples motivo: a população negra na Euro-
pa era insignificante. Principalmente na Alemanha. Aliado a esse pensamento, temos o fato de que os ne-

4
lll Império (1933-1945), criado pelo estadista austro-alemão Adolf Hitler.
12

Fonte: onlymagazine.ca
gros foram tratados como escravos
por vários séculos. Mesmo abolida
a escravidão, as potências européias
partilharam a África entre si. E os
territórios africanos continuaram
sob o domínio europeu, sem nunca
se mostrarem como obstáculos.
Os alemães deram seguidas pro-
vas de que eram racistas. Como
exemplo, basta voltarmos às olim-
píadas de Berlim, em 1936. Estes
jogos olímpicos foram uma forma
de provar a superioridade da raça
ariana. A Alemanha ficou em pri-
meiro lugar no quadro de meda- Hitler em um dos seus inflamados discursos
lhas. Até aí, tudo dentro do plane-
jado, não fosse o fato de que Jesse Owens - atleta norte-americano e negro - ganhar quatro medalhas de
ouro no atletismo. Isso deixou o Führer, (título usado por Hitler que significa condutor, guia), tão furio-
so que ele saiu do estádio quando viu o atleta americano ganhar a corrida dos 100 metros rasos. A partir
daí Hitler não cumprimentou mais atleta nenhum, o que antes fazia, aos vencedores.
Mas, sem dúvidas, foram os judeus aqueles que mais sofreram nas mãos de Hitler. O anti-semitismo ale-
mão era muito forte e isso tornou-se uma idéia fixa na cabeça insana do ditador alemão. Soma-se a isso a
crise político-econômica na Alemanha, e o judeu serviu perfeitamente como bode expiatório nesses anos..
Segundo Paula Diehel, também na publicação Propaganda e persuasão na Alemanha nazista, o Führer
através do seu livro, Mein Kampf, destila todo o seu ódio à comunidade judaica. Para ele, o simples fato
de ser judeu já é suficiente para ser designado como inimigo. Nesse momento, ele lança mais uma vez
mão à propaganda para o alcance do seu objetivo. "utilizando-se de várias metáforas que podem ser di-
vididas em dois grupos bem definidos: o da praga e da peste (ratos e todos os tipos de doenças conta-
giosas) e o de animais associados à sujeira e imundície. Dentre os preferidos estão o rato e o porco em
oposição à "ordem e limpeza" do nacional-socialismo". O judeu no seu entender é um povo nômade e
que vive às custas dos povos com os quais convive. Foi desse ódio e dessa perseguição que Hitler prota-
gonizou a maior matança da História, quando cerca de 6.000.000 de judeus foram exterminados nos
campos de concentração e que ficou conhecido como o Holocausto. É dessa forma que começa, então,
o III Reich que, segundo Adolph Hitler e seguidores, estaria estruturado para durar mil anos.

Espaço vital, ou seja, a necessidade de conquistar territórios de outras nações, em busca, principalmente, da autonomia de recursos
5
Fonte: www.grandesguerras.com.br

Carnaval em tempo de guerra 13

As invasões
1.1

A
derrota na Primeira Guerra Mundial traz grande tristeza ao povo alemão. A situação de insatis-
fação toma forma e vulto com a ação dos nazistas. Hitler procura difundir a idéia de que a Ale-
manha havia sido derrotada na Primeira Guerra Mundial devido a traições internas e passa a acu-
sar os judeus. A conquista do poder político foi o primeiro passo para a realização de seus objetivos. A
próxima providência a ser tomada no âmbito externo, é a tomada de novos territórios. Semeando a ideo-
logia do chamado "espaço vital" , Hitler consegue unir parte significativa dos alemães em torno do seu
pensamento.
De acordo com a doutrina do "espaço vital", as forças nazistas afirmam que era preciso integrar as co-
munidades alemãs dispersas na Europa (Áustria, Sudetos - região da então Tchecoslováquia - e Dantzig -
enclave alemão em território polonês) e conquistar a Polônia e a Ucrânia, consideradas regiões "essen-
ciais" para o povo alemão. A Ucrânia, por exemplo, vasta e fértil região pertencente à União Soviética, pro-
duz trigo, minérios e outras matérias-primas.
A meta constante no plano de expansão do governo alemão envolve uma série de etapas. Inicialmen-
te, contando com o apoio da maioria da população austríaca, em 1938 o governo nazista anexa a Áustria.
Logo em seguida reivindica a integração das minorias germânicas que habitavam os Sudetos. Como a Tche-
coslováquia não se dispõe a ceder, a guerra parece iminente. Convoca-se, então, uma conferência inter-
nacional a se realizar em Munique, na Alemanha. Nesse encontro, que ocorre em setembro de 1938, in-
Carnaval em tempo de guerra 14

gleses e franceses, seguindo a política de apaziguamento, cedem à vontade de Hitler, concordando com
a anexação dos Sudetos. A conferência internacional de Munique traz sérios danos à Tchecoslováquia, ele-
vando mais ainda o clima de tensão que já toma conta da Europa.
Hitler não cumpre a promessa de não fazer novas exigências caso recebesse a região dos Sudetos, e
ocupa o restante da Tchecoslováquia, para, em seguida, voltar-se a Polônia. Passa a exigir então, a ane-
xação à Alemanha do território de Dantzig e da faixa territorial que dava à Polônia saída para o mar, tal
como fora fixado no Tratado de Versalhes, em Paris.
Em 20 de agosto de 1939, os governos alemão e soviético assinam um pacto de não-agressão recípro-
ca. Por trás desse acordo estava a anexação de territórios poloneses pela Alemanha e pela União Soviéti-
ca o que garante a Hitler a possibilidade de invadir a Polônia sem ameaça de intervenção soviética.
De fato, a Alemanha invade a Polônia e a domina após três semanas, dando início formal à guerra, em
1 de setembro de 1939. O governo inglês, aliado ao da Polônia, parte em defesa do país parceiro e decla-
ra guerra à Alemanha. A França, coligada à Inglaterra, toma o mesmo caminho, dando maiores contornos
ao conflito. A paz mundial deixa de existir, colocando o mundo em alerta.
Graças a um treinamento extremamente evoluído, as tropas alemãs registram muitas vitórias no co-
meço da guerra. Seus generais tinham desenvolvido a técnica de Blitzkrieg (guerra-relâmpago), que con-
sistia em ataques fulminantes. O exército alemão detém tropas bem treinadas e armamentos modernos.
Com esses meios, os nazistas ocuparam rapidamente a Bélgica, a Holanda, a Noruega, a Dinamarca e
parte da França.
5
Espaço vital, ou seja, a necessidade de conquistar territórios de outras nações, em busca, principalmente, da autonomia de recursos
Carnaval em tempo de guerra 15

Para piorar ainda mais a situação, a Itália entra na guerra, consolidando o já existente 'Eixo Roma-
Berlim'. Algum tempo depois, o Japão, também alegando problemas territoriais, posiciona-se e se agre-
ga a esse bloco.
Na primavera de 1940, em apenas seis semanas, os alemães dominam quase toda a França, forçando o go-
verno francês a abandonar Paris nas mãos germânicas, e se instalado na cidade de Vichy, no sul da França.
Com o rápido avanço dos exércitos alemães por terra, as tropas inglesas e francesas ficaram concentra-
das na praia de Dunquerque, no norte da França. Sob o forte assédio nazista, conseguiram se retirar para
a Inglaterra em navios, barcos pesqueiros e até embarcações particulares que a marinha inglesa, com a ajuda
dos Aliados, mobilizou para esse fim. O episódio ficou conhecido como 'Retirada de Dunquerque'.
Ao fim de 1940, a Alemanha já domina quase toda a Europa. Dentre seus adversários, a Inglaterra, tendo
à frente Winston Churchill, era o país que se encontrava em melhores condições de continuar a resistên-
cia. Por essa razão, o governo alemão começou os ataques aéreos em massa contra a Inglaterra.
Apesar da superioridade numérica da Alemanha, a Royal Air Force (RAF), a aviação inglesa, contando
com o auxílio de radares, consegue resistir, causando enormes perdas à aviação alemã o que leva Hitler
a abandonar a idéia de invadir o território inglês.
Derrotado na Inglaterra, Hitler volta-se para seu grande projeto: conquistar a União Soviética, a des-
peito de tratados anteriormente assinados. Para ele, com essa conquista, a Alemanha se transformaria
num império invencível. Antes, porém, de atacar a União Soviética, Hitler colabora com Mussolini na in-
vasão da Grécia. Os alemães derrotam os gregos e os iugoslavos. Para a guerra contra a União Soviética,
o governo nazista preparou uma mega operação, envolvendo uma força com cerca de 4 milhões de ho-
mens, 3.300 tanques e 5.000 aviões.
A invasão da União Soviética pela Alemanha e o ataque japonês, em dezembro, à base norte-ameri-
cana de Pearl Harbor, no Havaí, envolveram outros países no conflito. Agora, a guerra é mundial. A agres-
são japonesa leva os Estados Unidos a entrarem efetivamente na guerra. Até então, de forma tácita, os
norte-americanos colaboram indiretamente com os Aliados.
Após esse ataque aos Estados Unidos, o Japão realiza diversas conquistas: na China e na Indochina,
nas Filipinas e na Indonésia, passando a ameaçar, inclusive, a Austrália. As conquistas japonesas indicam
o desejo de tornar o Pacífico em um oceano exclusivamente nipônico, o que seria economicamente de-
sastroso, principalmente para os americanos.
A Alemanha, aliada do Japão, declara guerra aos Estados Unidos. Naquele momento, porém, o objeti-
vo mais importante para Hitler é a conquista do leste da Europa, região importante para a expansão alemã.
A guerra contra a União Soviética era representada como uma luta contra o comunismo. Hitler, em de seus
arroubos insanes, declara que as cidades de Moscou e Leningrado, juntamente com sua população, de-
veriam ser destruídas; dessa forma, segundo o ditador, não haveria necessidade de alimentá-las, matan-
do-as, se for o caso, à míngua.
As instruções às tropas alemãs que chegavam ao território soviético eram desesperadoras. Che-
Carnaval em tempo de guerra 16

Fonte: : library.usu.edu
gavam a facultar aos soldados germânicos a prática de
qualquer atrocidade, inclusive crianças e mulheres,
em busca da conquista. Mesmo se houvesse ações
consideradas criminosas, os soldados não passariam
por inquéritos militares.
No dia 22 de junho de 1941, 150 divisões do exército
nazista iniciam a invasão da União Soviética. Estava rompi-
do o pacto de não-agressão entre os dois países, assinado
em 1939 por Adolph Hitler e Josef Stalin.
As tropas nazistas invadem a União Soviética organi-
zadas em três frentes: um exército marchou em direção
ao norte, para cercar Leningrado; outro, em direção ao
centro, com o objetivo de conquistar Moscou; e um ter-
Josef Stalin
ceiro rumou em direção ao sul, com objetivo de apoder-
ar-se dos campos de trigo da Ucrânia. Toma forma, então, a figura do homem que não mede conseqüên-
cias para atingir os seus surpreendentes e megalomaníacos objetivos, que atordoaram o mundo.
Atacado de surpresa, o exército soviético não consegue impedir o avanço das tropas nazistas, que, em menos
de um mês, já havia percorrido 750 km em direção ao interior do país, se aproximando cada vez mais de Moscou.
A preocupação das forças soviéticas com esse avanço cresce e fica evidente, conforme podemos atestar
em relato no qual o governante soviético Josef Stalin, tentando conter o ataque dos germânicos, fez um
pronunciamento convocando os soviéticos à luta, destacando a forma desumana utilizada pelos soldados
nazistas: "O inimigo é cruel e implacável. Pretende tomar nossas terras regadas com o suor dos nossos ros-
tos; tomar nosso cereal, nosso petróleo, obtidos com o trabalho de nossas mãos". (www.portalbrasil.net)
Continuando, vemos que as pretensões de adoção de medidas político-governamentais alemãs tam-
bém eram motivos de alerta por parte do líder vermelho quando afirma que Hitler "pretende restaurar o
domínio dos latifundiários, restaurar o czarismo [...], germanizar os povos da União Soviética e torná-los
escravos de príncipes e barões alemães [...]. Por isso, o povo deve abandonar toda a benevolência [...],
não pode haver clemência para o inimigo [...]".
As recomendações de Stalin vinham revestidas de uma grande dosagem de desespero ante a chega-
da nazista. Toda e qualquer medida deveria ser adotada visando não ceder nada ao inimigo. Ele diz: "E
(principalmente) em caso de retirada forçada [...], todo o material rodante tem que ser evacuado. Ao ini-
migo, não se deve deixar um único motor, um único quilo de cereal ou galão de combustível [...]. Todos
os artigos de valor, inclusive metais, cereais, combustível, que não puderem ser retirados, devem ser des-
truídos. Nas áreas ocupadas pelo inimigo devem organizar-se guerrilhas, montadas e a pé; devem for-
mar-se grupos de sabotagem e combatê-los até que consigamos rechaçá-los de vez" (www.portalbrasil.net).
De julho a setembro de 1941, os nazistas avançaram ainda mais. Ao atingirem Moscou, as tropas ale-
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Fonte: : library.usu.edu

Cidade de Stalingrado, vias de acesso fácil aos pólos produtores de petróleo

mãs haviam tomado considerável parcela do território soviético. Ao sul, toda a Ucrânia e sua capital, Kiev,
haviam sido ocupadas. Ao norte, outra importante cidade, Leningrado, estava cercada.
Mas o que Hitler mais queria era a tomada de Moscou. Por isso, ordenou que as forças militares fos-
sem concentradas para um assalto definitivo. No entanto, a resistência do exército soviético, com tan-
ques e aviões, mostrava-se muito eficiente na defesa, sabendo tirar partido do rigoroso inverno russo.
Assim, sem uniformes apropriados, dezenas de milhares de alemães morreram de frio e os equipamen-
tos militares perdiam eficiência. Percebendo a fragilidade do inimigo diante do frio, as tropas soviéticas,
astutamente, recuam para regiões mais frias, em um golpe que tinha como objetivo atrair ainda mais os
soldados nazistas.
Como Moscou resistia, Hitler decidiu tentar a conquista do sul da União Soviética, onde se situava a ci-
dade de Stalingrado (hoje Volvogrado), centro de importante indústria e com vias de acesso fácil aos
pólos produtores de petróleo.
Ao saber do plano de Hitler, Stalin, emite a seguinte ordem: "Exijo que tomem as medidas para defen-
der Stalingrado [...], Stalingrado não deve render-se ao inimigo, e qualquer que seja a parte dela que for
capturada deve ser libertada". (www.portalbrasil.net).
Stalin determinou que exércitos munidos com tanques e canhões se dirigissem àquela cidade. Com
isso, os alemães, que naquele momento estavam sitiando Stalingrado, acabaram cercados pelos soviéti-
cos. Os reforços que os nazistas solicitavam pelo rádio não conseguiam romper a barreira de aço e fogo
montada pelos soviéticos. Diante da derrota iminente, os nazistas se renderam. A batalha de Stalingrado,
uma das maiores da história, foi o início da derrota alemã.
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O holocausto
1.2

N
a noite de 10 de novembro de 1938, a pretexto de vingar um atentado cometido em Paris con-
tra um diplomata nazista, o governo hitlerista estimulou que seus milicianos dessem início a um
colossal programa contra a comunidade judaica alemã. Mal sabia o mundo que aquele aconte-
cimento seria um ensaio para o Holocausto.
Quando na manhã de 10 de novembro de 1938 a viúva Susannah Stern, de 81 anos, atendeu às batidas
na porta da sua casa na pequena Elberstadt, um lugarejo no interior da Alemanha, provavelmente intuíra
que não se tratava de boa coisa. Era um dos seus vizinhos, um fazendeiro chamado Adolf Frey, converti-
do em chefe da milícia nazista local. Ele e mais alguns partidários que o seguiam pediram-lhe, sem cerimô-
nias, que vestisse qualquer coisa e os acompanhasse. A velhinha negou-se, não sairia do lar! Frey impacien-
te renovou a ordem. De nada serviu. Foi então que ele disparou-lhe o primeiro tiro no peito jogando-a no
sofá. Seguiu-se um outro na cabeça. Depois de revistar a casa, ao sair, deu-lhe mais um na testa, bem entre
os olhos. A pobre senhora Stern tornou-se assim uma das tantas outras vítimas do programa nazista da
Kristallnacht (A Noite dos Cristais).
Em Berlim, turbas de milicianos da SS assaltaram as grandes sinagogas das ruas Farenses, Oranien-
burg e a da Levetzow, incendiando-as e deixando-as quase que demolidas. Na Alemanha inteira profana-
ram outras 177 mais.
Na contabilidade dos assassinos somaram-se outros 90 mortos, justificados por eles como uma ope-
ração de vingança pelo atentado sofrido pelo diplomata alemão Ernst Von Rath, que havia sido morto em
Paris, baleado uns dias antes por um jovem judeu. Naquela noite terrível, 5.700 estabelecimentos judai-
cos foram depredados e muitos deles completamente destruídos pelas chamas.
O tilintar daquelas vidraças quebradas encantou Goebbels. Aquela barulheira foi música para os ouvi-
dos do Ministro da Propaganda do Reich, e o principal responsável por ter instigado aquele desvario junto
a Hitler. "Bravo! Bravo!" - registrou ele no seu diário. Goebbels, exultante, chamou aquele dilúvio de ódio
de "uma autêntica manifestação da ira popular".
Enquanto isso seu rival, Hermann Goering, o ministro do Interior, ordenava à Gestapo e à SD , de Rei-
nhart Heydrich, que fizessem detenções em massa. Selecionaram então uns 30 mil para o governo na-
zista. Acreditando que o sofrimento fora pouco, Goering ainda exigiu um tributo de um bilhão de mar-
cos para deixar a comunidade judaica em paz.
A seguir, vedou aos judeus freqüentar as escolas e os parques públicos. Foi assim, num repente, que o
mundo civilizado, ainda chocado, tomou conhecimento de que as antigas práticas dos judeus tidos por en-

6
Schutzstaffel (SS) ou esquadra de proteção
7
A Gestapo (Geheimstat Politzei) era a policia política do estado. A SD (Sicherheisdinst) era a polícia da SS, o corpo de elite do partido nacional-socialista.
Carnaval em tempo de guerra 20

Fonte: time.com

Noite dos Cristais, 1938: 1.573 sinagogas incendiadas pelos nazistas

Fonte: time.com

Lojas judaicas foram destruídas


Carnaval em tempo de guerra 21

Fonte: noxtrtrum.sokidariedad
dinheirados eram condenadas pelos alemães, culminando por levá-los
presos. Depois disso, exigiram duas condições para liberá-los: que se
comprometessem a sair do país ou que transferissem os seus bens para
o governo alemão. As atitudes medievais, que se pensava terem sido se-
pultadas, renasciam na Alemanha nazista.
Na história, por vezes, as grandes tragédias são previamente anun-
ciadas por outras de menor dimensão que lhe servem, por assim dizer,
como um experimento vivo do que irá ocorrer em breve. Da mesma
forma que a guerra civil espanhola de 1936-1939 anunciou a Segunda Guerra Mundial, a 'Noite dos
Cristais' de 1938 prenunciou o Holocausto de 1941-1945.
Rei Sob a doutrina racista do III Reich, cerca de 7,5 milhões de pessoas perderam a dignidade e a vida
em campos de concentração, especialmente preparados para matar em escala industrial.
Para os nazistas, aqueles que não possuíam sangue ariano não deveriam ser tratados como seres hu-
manos. A política anti-semita do nazismo visou especialmente os judeus, mas não poupou também ci-
ganos, negros, homossexuais, comunistas e doentes mentais. Estima-se que entre 5,1 e 6 milhões de ju-
deus tenham sido mortos durante a Segunda Guerra, o que representava na época cerca de 60% da po-
pulação judaica na Europa. Foram assassinados ainda entre 220 mil e 500 mil ciganos. O Tribunal de Nu-
remberg estimou em aproximadamente 275 mil alemães considerados doentes incuráveis que foram
executados, mas há estudos que indicam um número menor, cerca de 170 mil. Não há dados confiáveis
a respeito do número de homossexuais, negros e comunistas mortos pelo regime nazista.
Os campos nazistas de extermínio eram localizados basicamente na Polônia, onde havia a maior con-
centração de judeus na Europa. Era para lá que seguiam os comboios ferroviários com prisioneiros depor-
tados das regiões ocupadas. Os campos de Sobibor, Belzec, Chelmno e Treblinka funcionaram entre 1941
e 1943. Auschwitz-Birkenau e Majdanek eram imensos, construídos ao redor de complexos industriais que
também possuíam câmaras de extermínio mantidas em operação até 1944. Para facilitar o transporte dos
prisioneiros, os campos eram construídos nas proximidades das linhas ferroviárias. Os trens chegavam su-
perlotados. Nos vagões de janelas minúsculas não havia comida, água e agasalhos, o que provocava a
morte de muitos por frio, fome ou sede durante o transporte. Separados de suas famílias, os que chega-
vam vivos eram selecionados de acordo com o estado de saúde, para trabalhos forçados ou extermínio.
Daí, o autor nos conta a origem do termo pelo qual Natal ficou conhecida em todo o mundo: "Esse triângulo era
identificado nos mapas estratégicos norte-americanos com Trampoline of Victory (Trampolim da Vitória). E foi com
essa denominação que Parnamirim Field recebeu citações e referências em documentos e elogios futuros".
Assim, se Parnamirim já representava muito para a aviação comercial, com o conflito, esse distrito de
Natal revestiu-se grande importância dentro do contexto mundial. Sua proximidade geográfica aos con-
tinentes europeu e africano lhe conferiu, do ponto de vista estratégico, um inestimável valor para os Alia-
dos, tornando-se, então, peça-chave na luta contra o nazismo, que caminhava a passos largos na busca
pela conquista do mundo.
Carnaval em tempo de guerra 22

Fonte: time.com

Os EUA entram na guerra


1.3

E
nquanto o conflito se desenrolava na Europa e África, os Estados Unidos, já, então, uma potên-
cia industrial e militar se mantém na neutralidade, aparentemente indiferente aos apelos das for-
ças aliadas para que eles participassem do conflito.
Mas, essa "neutralidade" era meramente ilusória, já que os Estados Unidos não tinham a pretensão de
permitir que o mundo caísse nas mãos do Eixo, nome dado à aliança firmada entre Alemanha, Itália e Japão.
Como estratégia, de certo modo, velada, deu início a encontros com países da América do Sul, buscando
uma tácita cooperação.
Todavia, em 7 de dezembro de 1941, o Japão, num golpe traiçoeiro, atacou a base naval america-
na localizada em Pearl Harbor, causando inúmeras perdas humanas e materiais. Em razão disso, os Es-
tados Unidos declararam guerra ao Eixo e, logo em seguida, convocaram a Reunião dos Chanceleres
das Américas, acontecida no Rio de Janeiro, então Capital Federal brasileira, entre os dias 15 e 28 de
Carnaval em tempo de guerra 23

Fonte: ibiblio.org

Vista aérea do aeroporto de Parnamirim - 1942

janeiro de 1942, com a nítida intenção de que os países participantes se declarassem, oficialmente, em
favor da causa aliada.
Com estrategistas já em pleno trabalho, os americanos buscaram - e encontraram - aquele que seria
um ponto de apoio entre os Estados Unidos e Europa e África. Não foi difícil ver, com precisão, que a pe-
quena cidade do Natal, capital do Rio Grande Norte, era o local perfeito para esse fim. Embora fosse do
conhecimento de muitos que aviões militares americanos disfarçados de cargueiros já haviam feito uso
do nosso aeroporto, nada existia de oficial. Foi então que, em 02 de março de 1942, através do decreto-
lei 4142, o presidente Getúlio Vargas autorizou a instalação de uma base americana em Natal (RN), mais
precisamente no distrito de Parnamirim . Graças a sua espetacular força de trabalho e poderio econômi-
co, a maior base americana fora daquele país iniciou suas atividades em agosto daquele mesmo ano.
Parnamirim, antes de ser o "Trampolim da Vitória" foi de grande importância para o desenvolvimen-
to da aviação internacional. Ases da aviação de todo o mundo fizeram uso da sua pista. O herói fran-
cês, Jean Mermoz, o australiano Bert Hinkler, que fez a primeira travessia Natal/Dakar são exemplos.
Empresas comerciais de grande porte, como a Compangnie Generale Aéropostale faziam de Parnami-
rim parte integrante das suas rotas.
O jornalista Carlos Peixoto na obra A história de Parnamiim, diz que, "com a chegada da Segunda Gran-
de Guerra, Parnamirim Field, foi, em termos táticos, uma base de apoio às ações de guerra no Atlântico
e no Norte da África, com um trânsito ininterrupto de homens, armas e equipamentos. A média de aviões
que subiam e desciam da base norte-americana chegou a ser de 600 aeronaves/dia". A situação geográ-
fica do aeroporto de Parnamirim é também evidenciada pelo mesmo autor: "Em termos estratégicos, foi
a base de triângulo que apontava para o teatro de operações ( o norte da África e o sul da Europa), onde
a sorte dos aliados contra os nazistas estava sendo lançada".

8
Distrito de Natal no período da Segunda Grande Guerra, obteve sua emancipação política em 17 de dezembro de 1958.
Carnaval em tempo de guerra 24

Capítulo II

Uma cidade em construção


2

Foto: Acervo de Clyde Smith, Jr.

Natal nos anos 30


Carnaval em tempo de guerra 25

V
inte e cinco de dezembro de 1599. Esse é o dia da fundação da cidade do Natal, que foi chama-
da assim pela coincidência com a data maior da Cristandade. Pelo que se tem conhecimento, esse
é um ponto que é comum a todos. Os historiadores e pesquisadores convergem para esse dia.
Porém, paira uma dúvida sobre um acontecimento de igual porte: quem fundou Natal?
De acordo com o pesquisador Carlos Noberto Freire, a primeira versão que contou no início com a quase
unanimidade dos historiadores, inclusive dos pesquisadores da terra, era a que apontava Jerônimo de Al-
buquerque como fundador da cidade do Natal. Essa teoria, que tem entre seus defensores ilustres histo-
riadores potiguares, como Vicente Lemos, Tavares de Lyra e Tarcísio Medeiros, em síntese seria a seguin-
te: Mascarenhas Homem nomeou Jerônimo de Albuquerque comandante da Fortaleza dos Reis Magos e
depois seguiu para a Bahia com a finalidade de prestar contas da missão que desempenhara, por deter-
minação do Governador Geral do Brasil, Dom Francisco de Souza (1591-1602). Veio a seguir a pacificação
dos nativos e, em seguida, a fundação da cidade. Como Jerônimo se destacou no processo e era o capitão-
mor da Capitania do Rio Grande, logo fora ele o fundador de Natal. Tavares de Lyra chega até a afirmar
que "é de presumir". Portanto, não se tratava de fato e, sim, de uma possibilidade.
A polêmica, então, tomou vulto e as especulações continuaram a surgir entre pesquisadores e histo-
riadores. Sobre a fundação da cidade, encontramos contradições que constam no trabalho de Carlos No-
berto Freire, quando Jerônimo de Albuquerque é posto em dúvida na sua condição de fundador de Natal:
"Com o avanço das pesquisas, ficou provado que Mascarenhas Homem não designou Jerônimo de Albu-
querque para exercer a função de capitão-mor do Rio Grande e, o que é mais importante, Jerônimo não
se encontrava presente na data da fundação da cidade e, portanto, não pode ser considerado como sendo
seu fundador".
Então, se não foi Jerônimo de Albuquerque, teria sido, então, Manuel Mascarenhas Homem? Vejamos
o que diz Carlos Noberto Freire: "Luís Fernandes, em 1932, defendeu ter sido Manuel Mascarenhas Homem
o fundador da Cidade do Natal. Alegava que, construindo o primeiro edifício (a fortaleza) e ainda as casas
que deram origem à povoação que se formou próxima à fortaleza, seria o verdadeiro padrinho da cida-
de. Argumentação falha, considerando que o novo centro urbano não possuía nenhuma relação com
tudo o que existia anterior à data da sua fundação".
Como se já não bastasse a dúvida entre Mascarenhas e Jerônimo, surge uma terceira hipótese, esta
trazendo grandes discussões em meio aos historiadores e pesquisadores. Apesar da discórdia, esta afir-
mação disponibilizada por Freire foi, em princípio, merecedora do aval do historiador, Luís da Câmara Cas-
cudo, o que lhe revestiu de credibilidade: "José Moreira Brandão Castelo Branco publicou em 1950, na re-
vista Bando, o texto "Quem fundou Natal", onde defendia a tese de ser João Rodrigues Colaço o prová-

9
Tendo sua construção iniciada em 06 de janeiro de 1598, foi marco colonizador e ponto de apoio para a conquista do Rio Grande, a começar pela expulsão dos france-
ses já com suas naus fundeadas no estuário do Potengi e primeiro núcleo que deu origem à cidade do Natal, fundada no ano seguinte, em 25 de dezembro de 1599.
Carnaval em tempo de guerra 26

Foto: Jaeci Emerenciano

Vista panorâmica de Natal

vel fundador da capital potiguar". Posteriormente, esse estudo foi publicado na revista do Instituto His-
tórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em 1960, provocando uma polêmica. Câmara Cascudo che-
gou inclusive a apoiar a teoria defendida por Castelo Branco.
Cascudo, entretanto, recuou no seu apoio e passou a defender o nome de Manuel Mascarenhas Homem
como o fundador de Natal, conduzindo a História ao seu início. Os argumentos de Cascudo são encon-
trados também na obra coordenada por Freire. Diz o Mestre: "Para mim, o padrinho da Cidade do Natal
foi Manuel de Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco, comandante da expedição coloniza-
dora". E argumenta: "Continuava tão interessado no cumprimento das reais determinações que fora à Pa-
raíba, em junho desse 1599, assistiu à solenidade do contrato das pazes com os potiguares, ato possibi-
litador da criação da Cidade seis meses depois. Acontece que, nessa época, Mascarenhas Homem estava
em Natal onde concedeu, em 9 de janeiro de 1600, data nesta fortaleza dos Reis Magos (...), a primeira
sesmaria, à margem esquerda do rio, numa água a que chamam da Papuna, justamente ao capitão João
Rodrigues Colaço, seu subalterno. Não abandonaria funções de governança se não tivesse deveres de suma
importância, como satisfazer a última parte das instruções do rei, participando da fundação da cidade.
Não outra explicação para a sua presença em Natal. Tinha sido encarregado da missão e deveria cumpri-
la até o final".
O historiador Vicente Lemos chegou a afirmar que João Rodrigues Colaço teria sido o homem que exer-
ceu, pela primeira vez, a função de Capitão-mor do Rio Grande, numa nota publicada na Revista do Ins-
tituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, datado de janeiro de 1907. Disse Lemos: "A con-
quista iniciada em princípios de 1598, e na qual tanto distinguiu-se Jerônimo de Albuquerque, remete no
ano seguinte, e, ciente D. Francisco de Souza, governador-geral do Brasil, de bom êxito da empresa, no-
meou capitão-mor do forte a João Rodrigues Colaço, o primeiro que realmente governou a capitania".
Depois, entretanto, Vicente de Lemos muda de opinião. No seu livro Capitães Mores e Governadores
do Rio Grande do Norte, declarou que Jerônimo de Albuquerque foi o fundador da Cidade do Natal.
Carnaval em tempo de guerra 27

Diante disso, podemos concluir que não se sabe, de fato, quem teria sido o verdadeiro fundador da
Cidade do Natal, já naquela época ambicionada, diante da sua condição geográfica, por franceses e ho-
landeses. Esse desejo de invadir e fazer uso de Natal viria a se repetir no futuro.
Dando um salto no tempo, vamos nos concentrar em Natal do pré-guerra, do início do século XX até 1940.
Na Lei Municipal do Natal número 4.932, de 30 de dezembro de 1997, encontramos esse registro: "O
relevo físico da cidade do Natal parece ter favorecido, de início, o seu isolamento em relação ao restante
do Estado, mas ao mesmo tempo sua situação geográfica privilegiada, como o ponto mais próximo da
Europa, permitia uma abertura para o mundo pelo mar. Esses aspectos influenciaram para que entras-
sem até as primeiras décadas do século XX, através do seu pequeno porto, produtos, pessoas e informa-
ções". Como vemos, mais uma vez a condição geográfica da cidade é merecedora de exaltação.
Registra ainda o documento que "até o final do século XIX, a expansão da cidade estava condicionada
às fontes de provimento de água, enquanto a ocupação e uso do seu solo seguiam a orientação do go-
verno, que concedia as parcelas de terras para serem exploradas".
Segundo Barros, no início do século XX, os planos urbanísticos possibilitaram a ampliação dos li-
mites da cidade. O primeiro deles, o Plano Urbanístico da Cidade, criado através da Resolução nº 15
de 30/12/1901, que criou a Cidade Nova, compreendendo os bairros do Tirol e Petrópolis, demarcou
e fez o alinhamento das avenidas projetadas, começando da atual avenida Deodoro da Fonseca à ave-
nida Campos Sales, incluindo seis ruas transversais e duas praças: Pedro Velho e Pio X. O plano foi
traçado pelo arquiteto Antônio Polidrelli. Em 1902, a instalação da Comissão das Obras do Porto im-

Fonte: Jaeci Emerenciano

Praça Pio X, hoje, a Catedral de Natal


Carnaval em tempo de guerra 28

Foto: Natal 400 anos

Avenida Deodoro dos anos 1930

pulsionou o povoamento do Ribeira.


Smith Júnior nos detalha esses primeiros esboços de planejamento urbano para Natal. Diz ele: "As duas
intervenções estatais que se destacaram no inicio do século XX como tentativas de planejamento urba-
no em Natal, foram a de autoria do agrimensor italiano Antonio Polidrelli, em 1901, que ampliou o esbo-
ço do primeiro plano, estabelecendo um traçado de oito avenidas paralelas, sendo cortadas por quator-
ze ruas, formando 60 quarteirões e abrindo a avenida Hermes da Fonseca; e o segundo marco foi o Plano
Geral de Sistematização da Cidade de Natal (1930), de autoria do arquiteto italiano Giacomo Palumbo. Esse
Plano visava o planejamento da cidade para uma população de até 100.000 habitantes, quando a popu-
lação de Natal na época totalizava 35.000 habitantes".
O Plano elaborado na gestão do prefeito Omar O'Grady introduziu o primeiro zoneamento da cidade
e a separação espacial das funções urbanas. Contemplou também o alargamento de vias e a abertura de
novas ruas na Cidade Alta e na Ribeira, além da criação de um bairro jardim, na zona conhecida como Limpa,
hoje, bairro Santos Reis.
Em 1935, o interventor Mário Câmara contratou o escritório Saturnino de Brito para elaborar um Plano
Geral de Obras, o qual introduziu alguns melhoramentos urbanos como: construção de edifícios públi-
cos e sociais, aeroporto, bairro residencial, estação conjunta para a estrada de ferro e avenida do contor-
no, projetos de abastecimento de água e tratamento de esgotos sanitários.
De acordo com Barros, "No inicio da década de 1940, a construção da Base Naval de Natal, localizada
Carnaval em tempo de guerra 29

no bairro do Alecrim, contribuiu para estimular o crescimento da cidade no sentido oeste, surgindo os
bairros das Quintas e Dix-Sept-Rosado".
Mais tarde, com a chegada da Segunda Grande Guerra, houve a implantação da Base Aérea de Parna-
mirim, que terminou sendo responsável pela consolidação do bairro do Tirol, além de contribuir para o
surgimento dos bairros de Lagoa Seca e Lagoa Nova.
Na visão de Ethiene Reis, morador do Tirol desde 1935, "antes da Grande Guerra, Natal começava pela
Ribeira e terminava por aqui, mais ou menos onde é 16º Regimento de Infantaria. Para lá, onde hoje é Can-
delária Ponta Negra, não tinha nada, tudo deserto", afirma.
Pery Lamartine destaca a importância da Segunda Grande Guerra para Natal, no que se refere à sua geo-
grafia: "Natal tinha cerca de 30 a 40 mil habitantes antes da guerra. A cidade terminava perto do Aero Clube.
Para se ter uma idéia, os bondes que faziam a linha para o Tirol, nem chegavam a ir lá. Paravam ali onde
hoje é a Associação Atlética Banco do Brasil-AABB, exceto quando tinha baile no Aero, que era uma vez
por mês. A última construção que tinha era o prédio do Aero Clube".
Diante dos depoimentos colhidos e das pesquisas feitas, vê-se claramente que a cidade do Natal do
pré-guerra não passava de uma grande vila, com carências peculiares a lugares desse porte. Sua infra-es-
trutura era débil e sua economia não apontava para perspectivas otimistas.
A cidade pacata e pequena, que "cresce sem querer e sem saber porquê", que, segundo contam, era
uma frase atribuída ao seu filho mais ilustre, o folclorista Luís da Câmara Cascudo, continuaria assim até

Foto: Acervo Clyde Smith, Jr.

Soldados americanos fazem compras a Alcides Araújo, proprietário da 'Casa Rio'


Carnaval em tempo de guerra 30

o início da Segunda Guerra Mundial. Foi então que sua geografia pesou como nunca no seu crescimento:
os americanos, mesmo antes de deflagrada a guerra, perceberam que Natal era a cidade das Américas mais
próxima da África. Ou seja, um lugar de grande valor estratégico na defesa do Atlântico Sul.
Sua proximidade com os continentes europeu e africano fez com que, desde a sua fundação, Natal
tenha sido sempre um lugar "cortejado" por povos de diferentes origens, que viam a cidade como um
perfeito trampolim entre os continentes.
A chegada da Segunda Guerra Mundial mudou radicalmente o perfil da cidade de Natal. A instalação
da base militar em Parnamirim provocou impactos econômicos e sociais na cidade, deixando evidente o
seu despreparo para absorver essa nova situação que se desenhava.
A chegada de grande contingente militar americano, que em alguns momentos chegou a cerca de 10
mil homens, demandou um aumento na quantidade de serviços nas áreas de construção, infra-estrutu-
ra urbana (transportes, hotéis e pensões) e abastecimento. Tal situação atrai, de imediato, a população
em razão da oferta de emprego civil e militar, além das oportunidades surgidas pela grande circulação de
dinheiro que ocorria na cidade.
Graças ao grande poder aquisitivo do povo americano, a Segunda Guerra trouxe benefícios à popula-
ção, que passou a conviver com uma moeda - o dólar -de grande lastro, respeitada em todo o mundo e
que viria e ser, depois da Guerra, adotada como referência na economia universal. Sobre esses momen-
tos, Guiomar Araújo, esposa do comerciante Alcides Araújo, então proprietário da Casa Rio, conta: "O pe-
ríodo da Guerra foi muito bom para o comércio. Além de os americanos gostarem muito de comprar nos-
sas mercadorias, o dinheiro passava de mão em mão. O americano gastava num bar, o dono bar compra-
va mercadoria para abastecer no mercado, o dono do mercado comprava ao agricultor ou criador e por
aí, ia". Via-se, então, que a circulação monetária trazia bens significativos à cidade e seu povo.
Se houve benefícios à sociedade como um todo, o impacto financeiro provocado pela presença ame-
ricana entre nós também trouxe ganhos individuais. Comerciantes, industriais, proprietários de imóveis
etc. Sobre isso, Smith Júnior relata: "Muitos natalenses ganharam dinheiro dos americanos durante a
guerra. Um dos primeiros foi a Amélia Machado, que era proprietária da maior parte das terras nas quais
a Base de Parnamirim foi construída. Um outro que obteve lucros foi Theodorico Bezerra, proprietário do
Grande Hotel, único hotel de Natal naquela época, hospedava os oficiais americanos, recebendo o paga-
mento em dólares".
Na obra desse historiador, encontramos a história do começo de um dos mais bem sucedidos empre-
sários potiguares. Vejamos: "Um judeu, Moisés Feldman, abriu uma loja na Ribeira, perto do cais do porto,
onde vendia relógios aos americanos. Seu negócio tornou-se tão lucrativo que contratou um emprega-
do, Nevaldo Rocha, que mais tarde tornou-se um rico empresário dono de uma cadeia de lojas, as Con-
fecções Guararapes". Com efeito, Nevaldo tornou-se um dos maiores empresários do ramo de vestuário
do país, criando uma grande cadeia de fábricas e lojas no Brasil e no exterior, as Lojas Riachuelo.
Por outro lado, a inviabilidade de importar produtos como hortaliças, legumes e aves, levou o coman-
Carnaval em tempo de guerra 31

Foto: Acervo Clyde Smith

o Grande Hotel, em Natal - 1942


Foto: Acervo Clyde Smith

O bonde, o meio de transporte popular da época

do militar norte-americano a articular, em Natal, a instalação de pequenas unidades de produção agríco-


la. Até aquele momento, a agricultura em Natal que ainda era dominada pela monocultura da cana-de-
açúcar e pela cultura de subsistência, passou a ter uma outra alternativa econômica fundamentada nos
pequenos produtores de hortifrutigranjeiros, contrastando com os latifúndios nas áreas rurais do agres-
te potiguar.
Como se antevia, os problemas básicos de uma comunidade que cresceu abruptamente e sem plane-
jamento, começaram a surgir, trazendo consigo uma espiral inflacionária. Clementino nos diz que "as res-
trições ao livre trânsito das mercadorias terminam por provocar uma crise de abastecimento. Os preços
dos gêneros de primeira necessidade, como carne, ovos, manteiga, banha, farinha de trigo, feijão, etc,
aumentam sensivelmente, tornando-se impossível a manutenção de pessoas de limitados recursos".
Carnaval em tempo de guerra 32

Com a Guerra, em Natal foram montadas bases naval e aérea, com a conseqüente chegada de
tropas militares, principalmente americanas. Por essa razão, o fluxo migratório é intensificado e
passa, rapidamente, a concentrar população civil e militar, trazendo, a reboque, a especulação
imobiliária urbana.
A seca implacável que assolava o Rio Grande do Norte fez com que Natal fosse invadida por favelados,
com maior incidência, em 1942. A migração contribuiu para que a cidade praticamente dobrasse sua po-
pulação em dez anos: de 55.000 habitantes em 1940, atinge o número de 103.000 habitantes em 1950,
segundo dados do IBGE. O impulso que Natal conheceu na sua urbanização, no período da Segunda Guer-
ra e, depois do seu final, representou um novo momento no processo de crescimento populacional e no
processo de expansão do seu espaço urbano.
Com o fim da guerra e a retirada das tropas estadunidenses, ao problema do aumento populacional
adiciona-se uma crise generalizada provocada pelo desemprego. As tradicionais frentes de trabalho são
iniciadas, mas não conseguem resolver a crise social que começava a se fazer sentir.
Sobre o período pós-guerra, Smith Junior relata que "o término da Guerra e a ausência de uma polí-
tica agrícola que beneficiasse os pequenos agricultores influenciaram para que essa atividade econômi-
ca passasse para as mãos de setores da classe média e da burguesia natalense, de modo que as granjas
e pequenas propriedades que ainda se encontram no entorno da cidade são uma herança da redefini-
ção espacial desse período".
Os dias de ouro de 1942 e 1943 não mais se repetiriam. O comércio de Natal foi o primeiro segmento
a ter uma prova disso. Embora o abastecimento da Base americana praticamente não dependesse de des-
pesas feitas em Natal, o soldo das suas tropas eram gastos com entretenimento e compras de lembran-
ças, que o próprio governo dos EUA se encarregava de transportar.
A economia da cidade começa a sentir os efeitos negativos com a saída do contingente americano.
Natal voltava a viver da sua própria produção e de seu próprio mercado consumidor. O registro de Cle-
mentino evidencia isso. "O rebaixamento do nível de transações se faz notar em todos os setores da ati-
vidade comercial. Os fregueses estão escasseando e ninguém sabe se com a marcha da guerra a popula-
ção adventícia de Natal terminará por desaparecer".
Vê-se, dessa forma, que o que ocorria era um clima de falso progresso - transitório e efêmero - já que,
com a ausência do incremento financeiro proporcionado pelos americanos, a cidade entrou numa verda-
deira crise social, com o aumento da mendicância, de jovens desocupados, da prostituição e o surgimen-
to de um grande número de crianças e adolescentes delinqüentes. Tais registros chegaram a um estágio
tal, que passaram a preocupar as autoridades e a segmentos da hierarquia da Igreja Católica.
A cidade veio, aos poucos, retomando seu ritmo a partir de renovação da exploração de produtos agrí-
colas - cana-de-açúcar, algodão, sisal -, e o surgimento da scheelita, um minério com excepcional aceita-
ção no mercado exterior.
Carnaval em tempo de guerra 33

As negociações
2.1
Fonte: Fundação Getúlio Vargas

Em 1943, o Presidente norte- americano Roosevelt visita a Base de Natal

C
onsiderando-se a certa nebulosidade que circunda o trâmite do Brasil no conflito da Segunda
Guerra Mundial, esta obra tem, também, como objetivo, contribuir para preencher algumas lacu-
nas de uma história que ainda está sob estudos, principalmente pela dificuldade de acesso a uma
grande parte dos arquivos diplomáticos brasileiros daquele período, cujos conteúdos trariam à tona as
discussões e os verdadeiros motivos que levaram o Brasil a participar do conflito.
O interesse americano já pronunciava antes mesmo do começo da Segunda Grande Guerra, como nos
diz Pedreira: "As negociações entre os governos brasileiro e norte-americano que tiveram início logo após
as primeiras hostilidades na Europa - a Conferência de Lima, em 1938 e os acordos em Washington, assi-
nados a partir de 1939 - fortaleceram o comprometimento entre os dois países para a eventualidade de
uma guerra".
Com o seu desenrolar, a guerra começou a ultrapassar os limites da Europa e a preocupar o mundo
como um todo. No Brasil, país de índole pacífica, cultor da política de boa vizinhança e sem qualquer pre-
tensão expansionista, o conflito no Velho Continente parecia longínqua. Afinal, havia um oceano a nos
Carnaval em tempo de guerra 34

Fonte: Fundação Getúlio Vargas

Assinatura do Acordo Comercial Brasil - EUA. Roosevelt, sentado, é cumprimentado pelo Mi-
nistro da Fazenda Souza Costa. Ao centro Osvaldo Aranha, então Embaixador do Brasil nos EUA

separar, o que parecia ser mais do que suficiente para manter a guerra distante do nosso cotidiano.
Por ironia, essa singular condição geográfica foi o fator que nos levou a participar da Segunda Guerra
Mundial. Os americanos, extremamente preocupados com a defesa do Atlântico Sul, precisavam de um
ponto de apoio para barrar eventuais investidas nazistas. Não existia, nas Américas, um lugar estrategi-
camente melhor para a implantação de uma base militar do que Natal.
Começava, então, um período de negociações entre os dois governos. O Brasil, na qualidade de de-
tentor do pretendido, podia fazer barganhas, valorizando o território que se impunha como de funda-
mental importância para os Estados Unidos.
A guerra vinha tomando proporções cada vez maiores e já não havia mais dúvidas de que os
americanos precisavam com a máxima urgência de Natal. Tal necessidade chegou ao ponto de o prin-
cipal mandatário americano ter se deslocado até Natal, como consta no trabalho coordenado por Car-
los Noberto Freire: "Quando o presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt se encontra-
va em Marrocos, solicitou ao almirante Jonas Ingram para marcar um encontro com Getúlio Vargas, pre-
sidente do Brasil, na Cidade do Natal. Acertada a reunião, todas as providências foram tomadas em si-
gilo". E, dessa forma, Natal serviu de fórum para o encontro dos dois líderes, cuja operacionalização é
encontrada ainda na obra de Freire: "O presidente Getúlio Vargas chegou a Natal no dia 27 de janeiro
de 1943, acompanhado de sua comitiva. Ficou alojado no Destróier Jouett. Na manhã do outro dia, dois
Carnaval em tempo de guerra 35

Fonte: Fundação Getúlio Vargas


aviões trouxeram o presidente dos Estados
Unidos, Roosevelt, e sua comitiva ".
A importância de Natal alcançou tamanha di-
mensão, que as autoridades brasileiras e ameri-
canas mantiveram esse encontro sob o mais
completo segredo. Temia-se que, se tal infor-
mação chegasse aos ouvidos nazistas, as conse-
qüências poderiam ser terríveis, já que era curta
a distância entre Natal e Dakar, no Senegal, norte
da África. Porém, segundo Freire, tal sigilo não
foi bem visto pelas autoridades locais, já que
nem o governador do Estado estava a par do es-
tava para acontecer: "As autoridades brasileiras
sediadas em Natal não foram informadas das
ilustres presenças, causando um mal-estar. O
governante potiguar Rafael Fernandes foi con-
vidado para comparecer à base sozinho. Che-
gando lá é que soube da novidade".
Sobre o encontro em si, a Freire registra: Getúlio e Roosevelt em Natal
"Depois, Getúlio Vargas e Roosevelt, acompa-
nhados de Rafael Fernandes, cumpriram um programa de inspeções: base de hidroaviões, Parnamirim
e os quartéis brasileiros do exército e da aeronáutica. À noite, Vargas e Roosevelt participaram da Con-
ferência de Natal' que, segundo o historiador Smith Júnior, "girou em torno de interesses mútuos e
laços de amizades entre seus países, a prevenção de um possível e perigoso ataque dirigido de Dakar
para o hemisfério ocidental, e o apoio do Brasil aos objetivos de guerra de Roosevelt. No dia seguinte,
o presidente americano voou para Trinidad e Vargas voltou ao Rio acompanhado pelo almirante Ingram
e pelo general Wash".
Conforme podemos enxergar, a visita de Roosevelt não foi apenas de cortesia. Desse encontro saiu a
decisão de o Brasil entrar na guerra, com a conseqüente cessão do aeroporto de Parnamirim para que fosse
montada uma base americana.
Para que se possa ter idéia do interesse americano, cabe ressaltar alguns "acordos" firmados entre os
dois países, como a concessão de um crédito de 100 milhões de dólares através da Lei de Empréstimo e
Arrendamento, a venda de 14 navios por 2.500.000 dólares - com o Brasil pagando apenas 850.000 dó-
lares em dinheiro e o resto sendo financiado pelo Banco de Importação e Exportação dos Estados Unidos
- e, o maior deles, um vultoso financiamento para a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda,
no litoral fluminense.
Carnaval em tempo de guerra 36

Fonte: Fundação Getúlio Vargas


Um outro fato que demonstra o valor
de Natal para os Estados Unidos, foi a
vinda o cineasta Walt Disney ao Brasil.
A viagem deveria ter como justificativa
a procura de novos talentos e a busca
de inspiração para futuras produções. No
entanto, pode-se identificar motivações
políticas no programa que o visitante
cumpriu. Entre apresentações, pales-
tras, exibições de filmes, jantares e re-
cepções, o "embaixador da boa vizi-
nhança" se avistou, em duas ocasiões,
com Lourival Fontes, diretor do Depar-
tamento de Imprensa e Propaganda
(DIP).
O primeiro encontro aconteceu no
Cassino da Urca, ocasião em que foi
oferecido um jantar, seguido de show
especial para o convidado, com Russo
do Pandeiro e Linda Batista. O segundo
foi bem mais solene, uma conferência A Política de Boa Vizinhança de Roosevelt, trouxe ao
sobre a solidariedade continental, rea- Brasil diversos artistas norte-americanos. Na foto, Walt
Disney, à esquerda e Osvaldo Aranha, à direita.
lizada no Palácio Tiradentes.
Acerca da vinda de Walt Disney ao
Brasil, e sua agenda, Leite nos diz: "Contudo, o ponto alto da visita foi a reunião com o presidente Var-
gas, ocasião em que Disney falou sobre os princípios que norteavam a boa vizinhança e a disposição das
autoridades americanas em estreitar os laços de amizade com o Brasil".
Ora, fica evidente que os tais "laços de amizade" eram feitos por puro interesse do governo america-
no. Leite prossegue: "Como consta no relatório de viagem, ao contrário do que se poderia prever, o pre-
sidente brasileiro mostrou-se receptivo às suas manifestações. Tal receptividade animou o governo Roo-
sevelt, pois demonstrou a disposição de Vargas em cooperar para o sucesso dos projetos que pretendia
desenvolver no país, entre eles a construção de uma base naval no litoral brasileiro (base que futuramen-
te seria em Natal), vital para os interesses estratégicos de segurança dos Estados Unidos".
Dessa forma, não restava, portanto, qualquer dúvida sobre o que o futuro reservava para Natal. A
pequena vila tomava ares de grande importância naqueles tempos de conflito, passando a ser trata-
da como de vital importância para a segurança da maior potência mundial. Restava-lhe assim, cum-
Carnaval em tempo de guerra 37

Os americanos e os
hábitos do natalense
2.2
Fonte: zanesville.com

Propaganda da Coca-Cola, refrigerante que era a feição dos EUA

prir o seu papel dentro da História.

A
vinda das forças americanas para Natal se deu ainda antes de fechados os acordos diplomáti-
cos. De forma disfarçada, os pousos e decolagens feitos por aeronaves americanas no aeropor-
to de Parnamirim começaram por volta de junho de 1941.
Sobre essa discreta chegada, Pinto relata que no "dia 26 desse mesmo mês, é assinalada, em Parnamirim,
a passagem dos primeiros aviões de guerra dos Estados Unidos camuflados de transportes comerciais. Diri-
giam-se à Ilha de Ascensão, de onde passavam à Bathurst, no Gâmbia, imediações de Dakar. Nada mais que
um lance discreto sobre o tabuleiro atlântico, visando estancar, na hora precisa, a irresistível vocação de su-
cessos do III Reich".
Com o acirramento da guerra e a presença das divisões alemãs no norte da África, mais crescia a preo-
cupação dos aliados com relação a uma possível investida das forças nazistas à América do Sul, e, por sua
localização, Natal seria a "ponte" ideal para uma provável invasão. Natal, definitivamente, estava no fogo
Carnaval em tempo de guerra 38

Foto: Acervo Clyde Smith, Jr.


cruzado e passou, por isso, a merecer grande atenção dos
Estados Unidos, maior potência das Américas.
Assim, dentro dessa forma ainda disfarçada, o Brasil,
através do Decreto 3.642, de 25 de julho de 1941, permi-
tiu que a Panair do Brasil, subsidiária da Pan American
World Airways System, começasse a aparelhar o aeropor-
to de Parnamirim, de maneira que pudesse receber aviões
de grande porte.
A partir de então, começou a chegada dos americanos
a Natal. Apesar de discretamente vestidos como técnicos,
os militares norte-americanos logo despertaram a atenção
da população natalense. Primeiro, pela etnia, louros, altos,
até então praticamente desconhecida pelos nativos. Em
segundo lugar, pelo crescente contingente de forasteiros
Soldados americanos em
que passaram a fazer parte do cotidiano da cidade. "negociação" com um natalense
Como não poderia deixar de ser, a cidade do Natal
modificou-se de maneira muito significativa com a presença do grande número de militares estrangei-
ros aqui sediados. Natal perdia aos poucos suas características de cidade pequena. Seus habitantes que
até então levavam uma vida modesta e tranqüila, passaram a fazer parte de um local que passou a tomar,
inclusive, um aspecto cosmopolita, com a passagem pela cidade de pessoas de outras nacionalidades,
com direito a figuras importantes, como D. Francis J. Spellman (arcebispo de Nova York), Bernard (prín-
cipe da Holanda), Higinio Morringo (presidente do Paraguai), Sra. Franklin D. Roosevelt (Primeira-dama
dos Estados Unidos), Sr. Noel Cherles (embaixador do Reino Unido no Brasil), a madame Chiang Kai Chek
(primeira-dama de Formosa), T. V. Soong, ministro das Relações Exteriores da China, os atores Humph-
rey Bogart, Clark Gable, o músico Glenn Miller, o cantor Al Johnson,
entre outras personalidades.
Surgiram associações recreativas como, por exemplo, os 'Clubes 50'.
Tanto o Aero Clube como igualmente o Clube Hípico foram alugados
com o objetivo de realizar bailes. A finalidade principal, certamente, era
promover uma maior integração dos militares norte-americanos com a
população natalense. Houve, por causa disso, uma invasão de ritmos es-
trangeiros: rumba,"conga,"bolero.
A influência norte-americana se fez sentir também na linguagem,
com a introdução de algumas palavras e expressões inglesas, exempli-
ficadas por Smith Junior: "change money" (troque dinheiro), "drink beer"
Chesterfield, (beba cerveja), "give me a cigarrette" (dê-me um cigarro), "blackout"
o cigarro da moda
Carnaval em tempo de guerra 39

Foto: CD Natal 400 anos

Anna Eleonor Roosevelt, primeira-dama dos EUA, participa de solenidade em Parnamirim

(blecaute), ente outras.


As moças passaram a agir com mais autonomia tendo incorporado modos e modismos americanos. Com
a conivência das mães, que assumiram um novo comportamento, muitas começaram a fumar (Chesterfield
era a marca predileta) e a beber "Cuba Libre", uma mistura de rum com coca-cola.
Interessante lembrar que do entrosamento entre americanos e jovens natalenses resultaram alguns
casamentos. Dessa mistura de raças, a historiadora Flávia Pedreira, que acertadamente chamou de 'Chi-
clete eu Misturo com Banana', faz o seguinte relato: "Consultando-se os cartórios da cidade, pode-se ver
que a quantidade de casamentos entre estrangeiros e brasileiras nesse período foi bastante expressiva;
entre os anos de 1942 e 1946, houve um acréscimo nos registros de nomes em línguas estrangeiras e
principalmente em inglês, como por exemplo: David Eugene Reynolds e Josefa Miranda Reynolds, Darci
Hoffmann e Eva Baraúna Moura Hoffmann, Frank Willian Knabb e Thais Vieira Knabb, entre outros".
Mas nem tudo era um mar de rosas. Se, por um lado, o relacionamento entre os americanos e moças na-
talenses fluía dentro de grande harmonia, ocorria o oposto com a população masculina local. As disputas pelas
damas comumente terminavam em brigas que só paravam com a chegada das polícias brasileira e america-
na. Vale a pena registrar que nem só pelas "moças de família" os desentendimentos aconteciam. Na zona do
baixo meretrício, localizada no bairro da Ribeira, não era diferente. Principalmente no Wonder Bar, o mais fa-
moso ponto de encontro local, as querelas advindas pelas preferências das prostitutas levavam a brigas e con-
fusões, com algumas, inclusive, chegando a sérias conseqüências. "Aqui foi assassinado um americano, que
não era militar, mas um embarcadiço, sujeito que trabalha em navios estrangeiros", conta Pedreira.
Essas diferenças perdurariam por bem mais tempo, sendo motivo de grandes preocupações, princi-
Carnaval em tempo de guerra 40

Foto: Acervo Clyde Smith, Jr. Fonte: www.dhe.de

Soldado americano bebendo no Wonder Bar General Einsehower

palmente para o governo americano, que, diante da sua necessidade, procuravam encontrar formas de
um convívio entre os dois povos. Encontramos na obra Trampolim para a vitória, de Smith Júnior um de-
poimento do General Dwight Eisenhower, Comandante Supremo das Forças Aliadas, que sintetiza o valor
de Natal: “Tive muita satisfação de pisar no solo no qual tanto pensei durante a guerra. Natal teve, como
todos sabem, uma influência decisiva na guerra, possibilitando às Nações Unidas as principais condições
para alcançar seus objetivos".
Em decorrência da guerra e, diante da impossibilidade, naquele momento, de se fazer translado de
corpos, 146 americanos foram sepultados no Cemitério do Alecrim. Segundo Smith Júnior "no dia 10
de abril de 1947, um navio da Marinha americana chegou sob a missão denominada "Glory Operation"
para remover os corpos dos soldados americanos [...] Cada tumba tinha uma inscrição onde se lia
"Morto próximo a Natal em serviço ativo". Os restos mortais dos americanos foram devolvidos aos Es-
tados Unidos". De acordo com o historiador "o corpo de um militar americano permaneceu enterrado
em Natal. Era o sargento Thomas N. Browning, do "22 Army Air Force Weather Squadron". Segundo Smith
Júnior "também estava enterrada no Cemitério do Alecrim a tripulação de um C-47 da Royal Air Force
(Força Aérea Britânica que caiu nas proximidades de Açu, no Rio Grande do Norte. [...] dois eram ingle-
ses e um australiano. [ ...] Por alguma razão, suas famílias concordaram que seus corpos permaneces-
sem no Cemitério do Alecrim".
E assim, Natal passou de uma pequena cidade sem importância, localizada no nordeste do Brasil para
ser conhecida por pessoas de todo o mundo, tendo desempenhado um papel preponderante no mais
amplo e sangrento conflito já registrado na História.
Carnaval em tempo de guerra 41

Foto: Álbum de família

Maria Boa, a dama da noite


2.3

U
ma figura que entrou para a história de Natal não tinha estudos, não freqüentava os eventos so-
ciais, nem tampouco tinha amigas dentro da sociedade natalense daquela época. Pelo contrá-
rio. A paraibana Maria Barros da Silva, ou, simplesmente Maria Boa, era a proprietária do cabaré
que se tornou passagem obrigatória dentro da iniciação sexual da vida dos homens natalenses. A fama
do seu night club ultrapassava as fronteiras do Rio Grande do Norte, não sendo estranho para qualquer
potiguar chegar em outros estados e ouvir a pergunta: "É lá que tem o Maria Boa?".
Demonstrando grande visão negocial, Maria inaugurou sua casa no período da Segunda Guerra, apro-
veitando o imenso fluxo de soldados registrado na época. Resguardada por uma verdadeira muralha,
Carnaval em tempo de guerra 42

‘Foto: História do 5º Grupamento de Aviação - 1947-1956

Uma réplica do avião B-25 com o nome de Maria Boa

Maria fazia questão de manter seu negócio longe de olhos indiscretos. Seu dancing nada ficava a dever
às grandes casas do gênero, seja no Brasil ou fora dele. A boa qualidade era uma das exigências de sua
proprietária. Da escolha das meninas à sua arquitetura, podia-se sentir sua interferência.
Flávio Silva, no seu trabalho Natal na Segunda Guerra Mundial: influência americana e prostituição fe-
minina conta que "cercada por muros altíssimos, iguais às fortalezas de guardar donzelas nos tempos me-
dievais, protegida dos olhares indiscretos e sombreada por enormes mangueiras, a boate de Maria Boa,
principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, estava para a boêmia local e internacional assim como
o Maracanã está para o futebol mundial".
Torres Neto, no blog almadobeco.blgspot.com, veículo produzido pela confraria do Beco da Lama , re-
gistra em seu artigo 'A primeira dama de Natal', o trajeto de Maria de Oliveira Barros: "Tornou-se conhe-
cida como Maria Boa. Mesmo com pouco estudo ela despertou o gosto por música, cinema e leitura. O
seu estabelecimento era o refúgio aos homens da cidade, com residência fixa ou, simplesmente, de pas-
sagem por Natal. Jovens, militares e figurões acolhiam-se envoltos as carnes mornas das meninas de
Dona Maria. Muitas mães de família tiveram que amargar, em silêncio, a presença de Maria Boa no imagi-
nário de seus maridos em uma época de evidente repressão sexual".
Como vimos, na ausência de um cotidiano sexual adotado pela juventude de hoje, os cabarés eram os
destinos daqueles que, ou estavam iniciando a vida sexual, ou eram apenas boêmios que adentravam pela
noite, com uma evidente predileção pelo casarão da rua Padre Pinto, o de Maria Boa.
Com a vinda dos americanos na época da Grande Guerra, o nome de Maria Boa começou a ser conhe-

9
Tendo sua construção iniciada em 06 de janeiro de 1598, foi marco colonizador e ponto de apoio para a conquista do Rio Grande, a começar pela expulsão dos france-
ses já com suas naus fundeadas no estuário do Potengi e primeiro núcleo que deu origem à cidade do Natal, fundada no ano seguinte, em 25 de dezembro de 1599.
Carnaval em tempo de guerra 43

cido em outros idiomas. Os soldados logo passaram a ser assíduos do cabaré e, para homenagear a dona
daquele autêntico paraíso, resolveram envidar esforços no sentido de pintar uma imagem dela nos fa-
mosos B-25 que cruzavam os céus do mundo. "Quem custou a acreditar neste fato foi a própria Maria.
Até que alguns tenentes decidiram levá-la até à linha de estacionamento dos B-25 logo após o jantar para
não despertar a atenção dos curiosos. Ela constatou o fato. As lágrimas verteram de seus olhos quando
viu à sua frente, pintada ao lado do número 5079, a inscrição 'Maria Boa'", relata Torres Neto.
O fim da guerra foi o começo do verdadeiro reinado de Maria Boa. Respeitada por todos, já que
suas atitudes eram extremamente reservadas e, porque não dizer, respeitosas, era assediada por onde
passava. Sua companhia significava status para quem tivesse a honra de desfrutá-la. Homens de famílias
tradicionais se ofereciam para estar ao seu lado em eventos.
Segundo Torres Neto, "Eliade Pimentel, no artigo 'E o carnaval ficou na memória' destaca a presença
de Maria Barros nos carnavais de Natal:
"Lá pela década de 50, os desfiles passaram a acontecer na avenida Deodoro da Fonseca. Maria Boa
desfilava com Antônio Farache em carros conversíveis".
Sobre a participação de Maria Boa no carnaval de Natal, o jornalista Ticiano Duarte, na edição do 'Diário
de Natal', de 12 de março de 1995, conta que "nos carnavais de rua (era na avenida Rio Branco com a rua
João Pessoa) havia um corso e ela aparecia com a meninas fantasiadas, desfilando. Vez por outra, um boê-
mio desfilava no carro ao lado das meninas, para escândalo geral da cidade"
Embora fosse uma mulher que lidasse com a prostituição, Maria Boa não era vista como se pertences-
se àquele mundo. Seu comportamento extremamente discreto, aliado à sua classe, fazia com que ela tran-
sitasse normalmente na sociedade natalense.
O agente de viagens Pery Lamartine relembra a chegada de Maria Boa a Natal "A paraibana Maria Barros
da Silva chegou a Natal ainda mocinha. Contam que um figurão importante "mexeu" com ela, o que fez com
que ela começasse a fazer "programas". Depois alugou a casa da rua Padre Pinto para montar seu negócio.
Com o sucesso, terminou por adquiri-la em definitivo. A casa pertencia ao espólio de Nelson Faria". Sobre o
seu estilo, ele comenta: "Era uma senhora extramente fina, de linha. Talvez porque sua casa era freqüenta-
da por homens que faziam parte da fina flor da nossa sociedade, ela tenha assimilado essas atitudes". Ele
lembra que, além de prostitutas, Maria Boa tinha um cozinha privilegiada: "Interessante lembrar que lá foi o
primeiro lugar a vender galeto assado. Antes só se conhecia frango caipira, que se cozinhava".
Sobre essa lendária figura, lembra-se o dentista Odilon Garcia "Maria Boa era uma mulher elegante. Vendo-
a andar pelas ruas, ninguém era capaz de dizer que ela era dona de um cabaré".
Márcio de Lima Dantas, em seu artigo Retratos e silêncios de Maria Boa, publicado no jornal eletrônico
www.natalpress.com, fala sobre a sobriedade dessa figura: "Todo mundo sabe que Maria Boa, antiga cafe-
tina e proprietária de um reputado bordel da cidade, "o Cabaré de Maria Boa", não gostava de ser fotogra-
fada, tampouco dava entrevistas. Difundiu-se a informação que era um artifício para proteger sua família,
sobretudo as netas, estudantes em colégios de classe média da cidade, bem como uma maneira de res-
Carnaval em tempo de guerra 44

Foto: Álbum de família


guardar os nomes da sua importan-
te clientela, constituída de homens
"de boa família".
Mais uma vez a classe de Maria
Boa é exaltada, conforme registra
Márcio Dantas no site acima citado:
"Mulher distinta e discreta, depois
de ataviada pelas aias, nas antoló-
gicas noites licenciosas, a abades-
sa permanecia na sua cela. Quan-
do tomava conhecimento de al-
guém importante no Salão, dirigia-
se solenemente, e com grande po-
lidez, reverenciava o visitante: po-
lítico, industrial, fazendeiro".
Sua inteligência também é re-
verenciada pelo escritor: "Astucio-
samente se fez conhecer por
"Maria", o antropônimo mais
comum no universo feminino, ge-
nérico e pouco dado a divagações
semióticas. Ironicamente é o nome
da mãe de Jesus... Quem não tinha
conhecimento no Estado de uma
proprietária de um requintado lu-
panar, e que se chamava Maria, a Na foto, Maria com uma lança- perfume Rodouro
Boa? O mito, da constituição do
éter, era aspirado por todos,
preenchendo necessidades, ocupando lugares no espírito, imprimindo fantasias nos adolescentes, des-
pertando em jovens mulheres as aventuras da carne, engendrando adultérios imaginários. Integrava,
assim, o patrimônio individual e coletivo. Era necessária a existência dessa cortesã, lacrada num parado-
xal anonimato: todos sabiam da sua existência, entretanto, não era vista por quase ninguém. Consagrou-
se, sem que fosse necessário conciliar-se em demasia com o modus vivendi, contrário à sua própria forma
de ganhar a vida".
Aurino Araújo, no O Poti, de 28 de março de 1995, fala sobre o prestígio de Maria Boa e destaca que
"Sua história merece ser escrita um dia, até mesmo porque, por trás daquilo tudo, reinava a figura discre-
Carnaval em tempo de guerra 45

Foto: Álbum de família


ta e influentemente poderosa de
D. Maria Oliveira Barros, que ava-
lisava títulos nos bancos para al-
guns figurões locais ".
No jornal O Poti, de 12 de
março de 1995, na matéria cujo tí-
tulo era 'Natal perde seu mais fa-
moso bordel', do repórter Rober-
to Medeiros, encontramos depoi-
mentos significativos sobre Maria.
O primeiro, do jornalista e escritor
Ticiano Duarte: "Eu conheci Maria
Boa nos idos de 1950. Rapaz
jovem, entrei lá pela primeira vez
em 1950. A boate já funcionava
desde a época da Guerra e era o
grande cabaré de Natal, que não
tinha outras boates ou restauran-
tes funcionando até tarde da
noite. Como não havia a liberda-
de sexual de hoje, era nos cabarés
que se descobria e se fazia sexo.
Maria Boa era uma casa luxuosa,
freqüentada por mulheres bonitas
que moravam lá. Todas eram se-
lecionadas por D. Maria e algumas
Maria fantasiada para o carnaval
delas vinham de fora".
Em seguida, o poeta, es-
critor e boêmio João Bosco Lopes, diz bem-humorado: "Havia mais reunião de deputados em Maria Boa
do que na Assembléia". Ainda no mesmo exemplar, o jornalista e publicitário Cassiano Arruda escreve um
depoimento intitulado 'Uma reportagem difícil de fazer'. Nela, ele relata um causo do qual participou jun-
tamente com João Machado e Roberval Pinheiro, radialistas da então Rádio Cabugi. Na cobertura de um
carnaval, a unidade móvel da Cabugi foi fazer um flash ao vivo direto do Maria Boa. João Machado, com
toda sua irreverência, pergunta a Roberval, o comandante da equipe: "Robinho, quem disse que o me-
lhor carnaval é no América ou no Aero Clube? O melhor carnaval é aqui, de onde estamos falando. Pelo
menos não falta mulher, não é, Cassiano?"
Carnaval em tempo de guerra 46

Torres Neto cita o jornalista Agnelo Alves quando escreveu o artigo "A Natal que governei e o 3º Milê-
nio", que coloca o cabaré de Maria Boa como ponto de referência geográfica para informar sobre as suas
obras quando prefeito de Natal. "[...] desobstruir para crescer. Alargar para trafegar. Conversei com os ar-
quitetos João Maurício Miranda e Daniel Holanda. Como fazer? Lancei o desafio. Sem a contra-partida de
nenhum pagamento, os dois me apresentaram o esboço da solução, surgindo daí o primeiro Plano Viá-
rio de Natal com a primeira estação metropolitana da cidade. Asfaltar a Hermes da Fonseca até o contor-
no com a Praça Aristófanes Fernandes, seguindo daí em linha reta até a Duque de Caxias. Ponto um. As-
faltar a Duque de Caxias, subindo pela Junqueira Aires, via Praça das Mães, pegando a lateral por trás do
Tribunal de Justiça (hoje OAB) até a Praça André de Albuquerque, prosseguindo pela Praça das Laranjei-
ras, Padre Pinto, sobrando em Maria Boa para sair na lateral do cemitério, já no Alecrim, ou numa primei-
ra etapa prosseguir pela Padre Pinto até o Baldo e aí tomar o rumo do Alecrim.[...]"
Maria Boa também era usada como referência em "histórias" contadas nas esquinas, como essa,
intitulada "Eu, hein?", que diz que um velho coronel, fazendeiro na cidade de Nísia Floresta, tinha um único
filho. Esse um tanto quanto "afetado" era alvo de comentários dos amigos do coronel. Sempre que tinham
uma oportunidade, os amigos lembravam ao coronel que "esse meninão, já com 20 anos e nunca foi visto
com uma namorada...", "que o menino é assim, que o menino é assado...", "Abra o olho, Coronel!!!" Ao
que o coronel respondia "que nada, meu filho é muito macho! E se puxar a mim, dá três sem tirar de den-
tro!" E pra provar aos amigos, levou o rapaz no cabaré de Maria Boa na semana seguinte. Logicamente,
os amigos foram juntos. E lá chegando, o coronel tratou logo de arranjar uma rapariga novinha pro filho,
que com cara de "nem te ligo", foi arrastado pelas mãos, corredor adentro do cabaré de Maria Boa, de sau-
dosa lembrança, pela rapariguinha assanhada. O coronel e os amigos ficaram bebendo no salão e o coro-
nel não parava de se vangloriar: - "Eu não disse, meu 'minino' não bate-fofo não...O "caba" é macho, sim
sinhô!"
Uma hora mais tarde, lá vem o rapaz, com a mesma cara de "nem te ligo", andando com aquele tre-
jeito de baitôla, e o pai indagando: - "E aí, meu filho, o que é que achou?" E o rapaz respondeu (com a voz
mais afetada que o normal): "Eu, hein?!? Num vi nada demais! Essa tal "tabaca" só tem fama!!!!".
No dia 22 de julho de 1977, à 1h da manhã, morre Maria de Oliveira Barros, vítima de um aciden-
te vascular cerebral (AVC). A edição do 'Diário de Natal', de dia 23 de julho de 1977 estampava a seguin-
te manchete: "Morre a Dama das Camélias". No velório, teve uma cena descrita pelo repórter Klecius Hen-
rique, que define o desejo de anonimato da família. "O enterro foi acompanhado por cerca de 100 pes-
soas, entre amigos e familiares. O Diário não teve acesso ao velório. "Não vou deixar que façam fotos da
minha mãe", disse, enfática, Gerda de Oliveira Barros, filha de Maria de Oliveira Barros".
Apesar de tantos momentos marcantes durante a sua vida, Maria Boa eternizou-se após a sua morte.
Torres Neto lembra que "Maria Barros é citada no filme For All - O Trampolim da Vitória. O mesmo foi ven-
cedor do Festival de Gramado em 1997, com os prêmios de melhor filme brasileiro, melhor filme do júri
popular, melhor roteiro, melhor direção de arte e melhor trilha sonora de filme brasileiro, de Luiz Carlos
Carnaval em tempo de guerra 47

Lacerda e Buza Ferraz. O filme retrata a cidade do Natal, em 1943, quando a base americana de Parnami-
rim Field, a maior fora dos Estados Unidos, recebe 15 mil soldados, que vão se juntar aos 40 mil habitan-
tes da cidade". Dessa forma, Maria Boa entra, definitivamente, para a História de Natal.
Ainda na década de 1970, o cabaré de Maria Boa mantinha sua fama. Aldaliphal Cintra, então es-
tudante do Colégio Marista era freqüentador do local. Hoje, vagueando pelas ruas, embora a bebida lhe
tenha enevoado um pouco as lembranças, aquelas do Maria Boa, segundo ele, permanecem guardadas.
"Era um sonho. A gente tomava banho, trocava de roupa, passava o melhor perfume e ia pro Maria Boa.
Depois de receber a permissão de entrar de um segurança que ficava numa guarita, a gente parava o carro
sob as frondosas mangueiras e íamos em busca das sonhadas meninas. Lá, me lembro bem, tinha duas
escadas. Uma, que ficava na lateral, era para todo mundo, e outra, que ficava na frente, era reservada para
os grande clientes, feitos por políticos, profissionais liberais, empresários, etc. Nessa parte Vip, tinha uma
espécie de varanda na qual Maria desfrutava com seus amigos alguns drinks. Severino, o garçon, nunca
olhava com bons olhos para aquela turma de jovens. Claro, ninguém tinha dinheiro para esbanjar. Mas,
às vezes, quando aparecia um dinheiro a mais, esse era reservado para gastar no Maria Boa.
De posse do dinheiro, vinha o segundo momento que era a escolha da mulher. Coisa difícil, já que cada
uma era melhor do que a outra. Tomada a decisão, vinha a terceira etapa: quarto normal ou suíte? Bem,
aí dependia de quanto se tinha e da disposição. À direita da entrada ficavam os corredores dos aparta-
mentos. De um lado, os quartos normais, que tinham uma pia, um sabonete e uma toalha e ventilador.
Nas suítes, tinha ar-condicionado, chuveiro e uma série de mordomias. Podia até pedir um Rum e uma
Coca direto para o quarto. Uma glória."
Depois dos "trabalhos" o rapaz mudava de status. "Esse aí já "atuou" no Maria Boa!" Era um diferencia-
do. Hoje, só tenho essas lembranças, nada mais", finalizou Cintra.
Por um período, o cabaré agonizou. Sem a presença de sua eterna dona, foi perdendo o prestí-
gio até que, para a tristeza dos boêmios e saudosistas, cerrou suas portas definitivamente em 15 de
março de 1995.
Hoje, Natal não tem cabarés e os muitos turistas que nos visitam sequer sabem da existência de
Maria Boa. Pouco importa a falta de cuidados do poder público com nossa memória. O fato é que, com
absoluta certeza, aquela grande casa da rua Padre Pinto continua viva dentro das lembranças de tantos
que foram contemporâneos de uma época ímpar da nossa história.
Carnaval em tempo de guerra 48

Capítulo III
Foto: Acervo Guiomar Araújo

Natal entre confetes,


serpentinas e lança-perfume
3

O
carnaval chegou a Natal ainda no século XIX, logo depois do seu desembarque no Rio de Janeiro.
À luz das pesquisas feitas por Anchieta Fernandes e descritas no Suplemento "Nós do RN', veicu-
lado no jornal 'A República', em fevereiro de 2005, vê-se que os folguedos tinham como marca
registrada sua irreverência, sem distinção social ou cultural entre os foliões, ocasião na qual jogava-se água
suja e farinha nas pessoas, brincadeira da qual gostava de participar o próprio Imperador Dom Pedro I.
Prosseguindo, Fernandes diz "aqui, no Rio Grande do Norte, nem mesmo o juiz de Direito, o tabelião
e o vigário da paróquia de São José do Mipibu, no Agreste, foram poupados de um banho de cuia d'água
em 1886".
49
Carnaval em tempo de guerra

Cabe salientar que essa forma de diversão era


característica do carnaval europeu, o chamado

Foto: Acervo do Frei Carmelo


"entrudo". Como as autoridades julgaram abu-
sivas as atitudes dos foliões, resolveram dar um
basta, proibindo as brincadeiras feitas com água,
tinta ou massa.
Começava, a partir de início do século XX, a nascer o carnaval propriamente
brasileiro, com a fundação de blocos que percorriam as ruas das cidades, o uso
de papéis picados - confetes -, além de água limpa e perfumada. E foi como uma
brincadeira que podemos chamar de civilizada que o carnaval foi se solidifican-
do no Rio Grande do Norte.
Natal, rapidamente aderiu ao movimento, tendo sua população passado a
fazer parte das folias. Blocos, troças, papangus, começaram a compor a fisio-
Uma lança-perfume
nomia do carnaval. Fernandes destaca esse momento, já pleno de irreverência:
Rodouro
"Em Natal, destacaram-se, entre outros, o bloco Maxixeiras, cujos integrantes
usavam roupas berrantes e cestas cheias de verduras, frutas e flores. Desfilavam de madrugada, acordan-
do a cidade com o estribilho "plantei maxixe, nasceu quiabo, minha gente venha ver, venha ver que
diabo!"
Continuando nessa viagem, ele continua: "Surgiram também 'Os Jandaias', que editavam um jornal-
zinho chamado Diário Oficial; 'O Cão Jaraguá', fundado por um grupo de maçons". De acordo com Fer-
nandes, até os mais letrados não deixaram por menos e se entregaram à alegria: "tinha o 'Divisão Bran-
ca', criado pelo poeta Ferreira Itajubá, que também era desenhista e inovou colocando carros alegóricos
no seu bloco".
Aconteceu em 1909 o primeiro desfile em carro alegórico, quando a menina Zuleide Barreto, filha do
Capitão-Doutor Maximiano Barreto, percorreu as ruas da Natal em homenagem ao jornal A República, órgão
que cobria a festa, numa inovação que encantou os espectadores.
A Barbearia Quincó, situada na rua 13 de Maio, atual Princesa Isabel, era o ponto de encontro da socie-
dade natalense, que para lá se dirigia para comprar os artefatos do carnaval: fantasias e adereços, bisna-
gas, confetes, etc.
À medida que o tempo passava, o carnaval vinha passando por modificações, ou "modernizações". Pri-
meiro, em 1922, ocorreu a transferência dos desfiles da rua da Palha, hoje Vigário Bartolomeu, na Cida-
de Alta, para a avenida Tavares de Lira, na Ribeira. Com essa mudança, outras viriam para marcar defini-
tivamente o carnaval. A mais importante delas mereceu o registro de Fernandes: "Teve início, então, o
desfile de automóveis sem capota ou de capotas arriadas, lotados de foliões, que jogavam, de um carro
para outro, jatos finos de lança-perfume - das marcas Vlan, Rigoletto, Rodouro, Rodo Metálico e Colom-
bina, produzidas pela Rhodia e vendidas em bisnagas de vidro ou metal numa loja que se chamava Vian-
Carnaval em tempo de guerra 50

Foto: Acervo Guiomar Araújo

na & Cia".
Essas manifestações ficaram conhecidas como "corso". Natal ganhava, assim, mais uma inovação no
seu carnaval. O confete, a serpentina e o lança-perfume, foram os três elementos que cooperaram para
o maior êxito dos corsos que deram vida ao carnaval de rua. E neste, as batalhas de confete e serpentina
constituíam o momento culminante. A moda do corso, iniciada timidamente logo após a chegada dos pri-
meiros automóveis, atingiria seus momentos de glória entre as décadas de 1920 e 1940.
Conta-nos Fernandes que, "o trajeto geral-
Foto: autor desconhecido
mente era feito entre o obelisco às margens
do rio Potengi até o coreto da Praça José da
Penha, de onde se iniciava o percurso de volta".
Sobre o corso, relata Lamartine: "Os blocos
eram formados pelas famílias da sociedade.
Elas alugavam caminhões, decoravam e, todos
fantasiados, iam brincar o carnaval".
Ao final da década de 1920, mais precisa-
mente em 29 de dezembro de 1928, foi inau-
gurado aquele que seria o grande ponto de
Inauguração do Aero Clube, em 29 de dezembro
encontro da sociedade, o Aero Clube, que veio de 1928
Carnaval em tempo de guerra 51

Foto: Álbum de família


a ter grandes influências no nosso
carnaval.
Chegando ao final da década de
1930, entraram em cena os bailes
carnavalescos, que eram realiza-
dos nos clubes sociais e no Teatro
Carlos Gomes, hoje Teatro Alberto
Maranhão.
Interessante lembrar que esses
bailes, com o passar do tempo, se
tornaram um diferencial no carna-
Os "assaltos" faziam parte do carnaval
val de Natal em relação às outras ca-
Foto: Acervo Guiomar Araújo
pitais do Nordeste. Tanto era, que,
até meados da década de 1980, a
cidade se enchia de visitantes que
vinham participar do "carnaval de
clube" de Natal.
Uma outra característica do car-
naval natalense era os chamados
'blocos de elite', nos quais rapazes
e moças se fantasiavam e desfila-
vam em cima de alegorias, normal-
mente puxadas por tratores. O de-
talhe pitoresco desses blocos eram O ator Raul Cortez participa de um baile em Natal
'assaltos', quando figuras da socie-
Foto: Álbum de família
dade, previamente avisados, ti-
nham suas residências invadidas
pelos componentes, sendo tradi-
ção que se servisse bebidas e co-
midas aos foliões.
A jornalista Juliana Braz, na re-
portagem Ápice e declínio da folia
de rua publicada na Tribuna do
Norte, de 26 de fevereiro de 2006,
registra o relato da psicóloga Elza
Dutra, que nos fins dos anos 1960
Integrantes do bloco Jardim da Infância
Carnaval em tempo de guerra 52

e começo de 1970 comemorou os bailes nos clubes e nos blocos de elite, chama quem deseja participar
de retiros para vir a Natal nos carnavais dos últimos tempos. "Há muitos anos não se tem mais festas com
amigos para comemorar, não celebra a cultura local nem é dado valor a isso, se quiser tem que ir para Sal-
vador ou Recife", retrata ela.
Nos fins dos anos 1960 existiam vários blocos, como o Ynrra, Kings, Jardim de Infância, que só parti-
cipavam amigos, geralmente conhecidos na sociedade, para fazer os assaltos nas casas e se divertir no
carnaval local que, segundo Elza, eram muito mais animados. "Alugávamos caminhões, enfeitados por
alegorias de carnaval, encomendávamos fantasias iguais, e íamos para diferentes locais na cidade, para
as casas de conhecidos onde fazíamos os assaltos, éramos recebidos pelas famílias com bebidas, comi-
das e música. No último dia, após o bloco, o destino era o Grande Ponto e ainda pela noite os bailes com
bandas de carnaval", relata a psicóloga.
Esses blocos de elite perduraram ainda até a década de 1980, muito fracos, mas ainda com participa-
ção. Continuando a matéria, Elza acredita que o carnaval chegou a atual decadência com o surgimento
do trio elétrico, que chamou grande número da população a outros carnavais e ao surgimento do Carna-
tal. "Ele veio preencher o carnaval de rua, mas não é a mesma coisa. Os blocos daquela época eram para
grupos fechados, com cerca de 30 pessoas, com as mesmas fantasias, mas era algo mais livre, domésti-
co, próximo, onde se firmavam amizades, não como no Carnatal, que tem três mil pessoas e é aquele tu-
multo", explica Elza".
Essa rotina do nosso carnaval foi brutalmente quebrada nas prévias do carnaval de 1984, quando os
integrantes do bloco 'Puxa-Saco', que naquele momento caminhavam a pé na direção da Cidade Alta, foram
atropelados por um ônibus sem freios, causando 22 mortes e ferimentos entre os foliões. Em razão do
trauma causado, o carnaval de rua de Natal foi se extinguindo.
Carnaval em tempo de guerra 53

Foto: Grupo de Estudos em Documentação (RS)

A população apoiava a entrada do Brasil na Grande Guerra

O carnaval em tempo de guerra


3.1

C
orria o ano de 1943. O mundo quase por inteiro estava em guerra. O Brasil, que até então man-
tinha-se de certa forma neutro, decide, contando com o apoio popular, declarar guerra ao Eixo,
bloco formado por Alemanha, Itália e Japão.
Sob o comando do general Mascarenhas de Moraes, as tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
são enviadas para a Itália, dando sua contribuição aos aliados na luta contra o nazismo.
Porém, afora as preocupações com o conflito, um outro fato incomodava em muito o povo brasilei-
ro: e o carnaval, como será? Essa pergunta rondava as cabeças de muitos foliões em todo o Brasil. A dú-
vida era mais sentida na Capital Federal, Rio de Janeiro. Inúmeros artigos eram veiculados na imprensa
carioca contrários à realização do carnaval. Muitos achavam que carnaval e guerra não combinavam.
Quem não concordava muito com isso eram os sambistas cariocas. Como exemplo, João de Barro e
Carnaval em tempo de guerra 54

Foto: Grupo de Estudos em Documentação (RS)

Pracinhas brasileiros na tomada de Monte Castelo (Itália)

Alberto Ribeiro compuseram uma marcha fazendo troça de Adolf Hitler, intitulada Adolfito mata-mouros,
de 1943 (www.cliohistoria.hpg.ig.com.br).
A los toros,
A los toros,
A los toros, Adolfito mata-mouros (bis).
Adolfito bigodinho era um toureiro
Que dizia que vencia o mundo inteiro
E num touro que morava em certa ilha
Quis espetar sua bandarilha.
Mas o touro não gostou da patuscada
Pregou-lhe uma chifrada.
Tadinho do rapaz!
E agora o Adolfito, caracoles,
Soprado pelos foles,
Perdeu o seu cartaz."
Em Natal, ainda em junho de 1942, percebia-se que a cidade se preparava para participar de forma mais
ativa no conflito mundial do que o resto do país, o que, de certa forma, seria um impedimento para a rea-
lização das folias de Momo. O anúncio da construção de uma base naval apontava para esse caminho, como
Carnaval em tempo de guerra 55

podemos ver em reportagem publicada no jornal A República, em 13 de junho 1942: "Inspirado por certo
nesta compreensão realísticas das nossas necessidades mais prementes, que a situação internacional
tem agravado cada vez mais foi que o governo resolveu instalar bases navais ou por outras palavras, nú-
cleos de elementos vitais espalhados em pontos apropriados da costa, onde os navios possam ser abri-
gados, reparados, reabastecidos".
Natal, sem que sua população percebesse, começava a respirar os ares da Grande Guerra. A reporta-
gem do jornal ainda diz: "A primeira dessas bases está sendo instalada em Natal, no Rio Grande do Norte,
ponto estratégico de primeira ordem e porto de escala natural das linhas de comunicações marítimas e
aéreas com a Europa e a América do Norte".
Entretanto, mesmo com a entrada no Brasil na Segunda Grande Guerra, em 22 de agosto de 1942, e a
utilização de Natal pelos Estados Unidos como base aérea, o que nos colocava no meio do acontecimen-
to, não houve grandes manifestações por parte das autoridades visando proibir o carnaval de 1943. O que
se pode constatar é que existiam rumores quanto ao fato. Isso pode ser identificado na matéria que segue,
no mesmo jornal, em 16 de fevereiro de 1943, quando o fato do não acontecimento do carnaval era tra-
tado com desdém e bom humor: "Apesar dos pesares sempre teremos carnaval! Não vá o leitor pensar
que essa frase foi inventada de última hora por seu humilde servo e criado, obrigado. Nada disso nem da-
quilo. Ela surgiu espontânea e natural como um olho d'água (sem referência a...) dos lábios do Ioiô Cão
Jaraguá, ao saber o veterano folião que poderíamos render mais uma vez as homenagens de todo mere-
cidas a Momo e Baco. Tinha graça, realmente, que os boateiros vencessem. Era de ver a super-colossal e
muito unida família carnavalesca passar os três dias gordos em branca nuvem! A vida sem carnaval é um
carnaval sem vida". Esse era o espírito do folião natalense para o carnaval.
Pery Lamartine reforça: "Em momento algum houve manifestações de impedimento para o carnaval
em razão da guerra. Tudo correu normalmente".
A imprensa, em meio às notícias da guerra, reservava, ainda que timidamente, espaços destinados às
notas sobre o carnaval que se aproximava.
Como exemplo, havia no jornalismo natalense, mais especificamente no diário A República, um pro-
fissional que assinava a coluna Na sociedade e no lar, apenas como Danilo (provável pseudônimo de Ader-
bal de França), que escreveu o artigo intitulado A Espera:

A espera...
O grito de Carnaval soou nos ângulos da cidade. A febre da folia está subindo em
palpitações desusadas... Os blocos rodam pelas ruas, os clubes se reabrem para o
esplendor da grande festa esperada. Rompendo a penumbra da hora que passa,
Momo devassa com os olhos brilhantes e profundos a terra onde há um ano des-
ceu com(...) sua corte e embriagou de prazer a toda sua gente... E o seu poder vem
invadir de novo o recato, a virtude, a tranqüilidade, o pensamento, os sonhos...
Carnaval em tempo de guerra 56

Foto: Jaecy Emerenciano

Prévia no Aero Clube

Um outro sinal de que as autoridades não iriam interferir no carnaval, pode ser visto nas regras por
elas impostas, que nada mais eram de que meros avisos, o que deixava àqueles que gostavam da folia
ainda mais animados para o período que se avizinhava. Um desses avisos, publicado em A República, edi-
ção de 25 de fevereiro de 1943, tinha esse título: O licenciamento de clubes, blocos e ranchos carnava-
lescos. Tudo não passava de um aviso aos organizadores: "Solicita-se a atenção dos responsáveis pelos
clubes, blocos e ranchos carnavalescos para os editais do Departamento Estadual de Imprensa e Propa-
ganda e da Polícia Civil, publicado em edições anteriores da A República.
Ao que tudo indica, talvez por vivermos no governo de Vargas, com características ditatoriais, e no pe-
ríodo guerra, as autoridades exigiam o cumprimento das determinações, ameaçando aqueles que o fi-
zessem com o alijamento das festividades. Vejamos o restante do aviso: "Na conformidade dos referidos
editais, nenhum clube, bloco ou rancho carnavalesco poderá fazer qualquer apresentação sem a neces-
sária autorização, licença prévia e aprovação do respectivo programa pelo Departamento Estadual de Im-
prensa e Propaganda (D.E.I.P.)".
Se, por um lado, afora esses arroubos de autoritarismo, as autoridades estavam, vamos dizer, coni-
ventes com a realização do carnaval, por parte dos clubes parecia que nada de anormal acontecia, pois
Carnaval em tempo de guerra 57

em nada se via qualquer diferença nas suas rotinas pertinentes aos preparativos momescos, deixando a
nítida impressão de que tudo iria correr normalmente.
O Aero Clube, freqüentado pela fina flor da sociedade natalense, tratou de promover as prévias car-
navalescas. Em A República, de 26 de fevereiro de 1943, encontramos essa convocação: "Festa de ama-
nhã no Aero Clube. Conforme vem sendo noticiado, o Aero Clube realizará amanhã, às 21 horas, o últi-
mo assalto carnavalesco da presente temporada".
Como vemos, o termo "assalto" já era utilizado para designar uma festa carnavalesca isolada, uma
manifestação que perdurou durante muitos ano no carnaval de Natal, quando grupos de foliões cos-
tumavam "assaltar" as casas dos amigos para beber, comer e brincar. Continuando: "A aludida festi-
vidade contará com a colaboração do Centro Esportivo Feminino e da Associação Feminina de Atle-
tismo, o que constituirá, sem dúvida, fator de sucesso". Vê-se, então, que havia por parte da popula-
ção todo um engajamento em torno do carnaval. Finalizando, a nota alerta: "Os associados ingressa-
rão com o recibo número 2".
No Teatro Carlos Gomes, hoje Teatro Alberto Maranhão, tudo estava caminhando para mais uma tem-
porada carnavalesca. Tudo estava sendo organizado para o carnaval. A exemplo do Aero, o Teatro Carlos
Gomes também fazia suas prévias, abrindo seus suntuosos salões para os seguidores de Momo.
A República, de 28 de fevereiro de 1943, estampava o convite: "Vesperal dançante no Teatro Carlos
Gomes". Como já dissemos, havia toda uma mobilização da sociedade em torno das festas. Dentre aque-
les que contribuíam para o sucesso das festas, alguns se destacavam, de acordo com a informação en-
contrada no jornal: "O prof. Alcides Cico, inegavelmente um dos grandes animadores do carnaval em
nossa terra, iniciou ontem a temporada carnavalesca no Teatro Carlos Gomes, proporcionando aos nu-
merosos freqüentadores das sua reuniões dançantes um animado baile que teve início às 20 horas, pro-
longando-se até cerca das 24 horas". Pelo horário do final da festa, deduzimos que os costumes tradicio-
nais prevaleciam sobre os festejos.
As únicas notícias que poderiam ter um caráter restritivo ao período não passavam de simples ajustes
de conduta, como, por exemplo, na "Nota oficial da secretaria do Aero Clube", veiculada no jornal A Re-
pública, de 03 de março de 1943, que dizia: "A secretaria do Aero Clube torna público mais uma vez que
as mesas reservadas para o carnaval cujo pagamento não for efetuado até hoje às 17 horas, serão consi-
deradas disponíveis e, portanto, vendidas". Dessa forma, quem não pagar ficará de fora do carnaval. Com
a intenção de dar um maior brilhantismo às festividades, o Aero Clube deixava uma reserva estratégica
para àqueles que quisessem se associar à agremiação e, assim, brincar o carnaval. Ainda na nota: "Outros-
sim esclarece a secretaria que as últimas propostas de sócios serão aceitas na reunião extraordinária de
amanhã, não sendo permitida qualquer exceção para o ingresso nos bailes de carnaval a pessoas que não
pertençam ao quadro social do clube".
As autoridades também adotavam as últimas providências para o carnaval, emitindo avisos com rela-
ção aos prazos a serem cumpridos pelas agremiações. Na edição do dia 04 de março de 1943, A Repúbli-
Carnaval em tempo de guerra 58

Foto: Acervo Eliane Tinoco

As regras eram fielmente cumpridas

ca trazia o seguinte: "Encerra-se hoje o prazo para a concessão de licenças aos blocos carnavalescos". A
lei tinha que ser cumprida: "No Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda será encerrado, hoje,
o prazo para a concessão de alvarás de licença para a exibição de blocos, ranchos e clubes durante os dias
do próximo carnaval".
Por sua vez, os clubes também adotavam suas medidas disciplinares, a partir da indumentária a ser
utilizada pelos foliões. Um aviso publicado em A República, de 05 de março de 1943, informava: "Para os
bailes carnavalescos a diretoria do Aero Clube tomou as seguintes providências que serão tornadas pú-
blicas para conhecimentos dos srs. Sócios: a) baile de amanhã será a rigor, branco permitido; b) Será in-
tegralmente observado o que dispõe a legislação relativamente ao ingresso de menores em festas notur-
nas; c)Só será permitido o ingresso de sócios, nenhuma exceção podendo haver relativamente a essa pro-
videncia; d) O ingresso será mediante a apresentação do recibo número 2".
Pelo que parece, até mesmo na capital federal, local onde surgiram vozes contra a realização do
carnaval, a folia contracenou com a guerra, como podemos ver nessa nota transcrita da A República, de 04
de março de 1943: "Colabore na luta contra o Eixo mesmo dançando. Esse título nos dá a impressão de
que esse chamado à população nada mais era do que uma justificativa para que o carnaval acontecesse.
Ora, quem realmente se preocupa com a guerra, não vai brincar carnaval, e sim vai às igrejas, rezar por tan-
Carnaval em tempo de guerra 59

Foto: www.natal.rn.gov.br

Construção do Teatro Carlos Gomes


tos que sofrem nos campos de batalha ou por familiares que estão no "front". Do programa do 'Carnaval
da Vitória', consta a realização de bailes no Clube Caiçaras, no Rio, "em benefício das nossas obrigações de
guerra". Uma incoerência sem tamanho!
Nos clubes, em Natal, os preparativos para a realização dos bailes corriam normalmente, indiferentes às
mazelas da guerra. Embora não fosse um clube, o Teatro Carlos Gomes também promovia eventos carna-
valescos. Já que vamos falar desse teatro, vamos abrir um espaço para contar um pouco da sua história.
No início do século passado, a Ribeira despontava como o principal centro cultural e comercial da ci-
dade. O teatro da Praça Augusto Severo surgia então como um marco de progresso. Sua construção teve
início em 1898, obedecendo planta do engenheiro José de Berredo, no Governo Ferreira Chaves, sob a
direção do Major Theodósio Paiva.
O Teatro Carlos Gomes conservou a forma de chalé até 1910, quando foi reconstruído por Herculano
Ramos. Esse arquiteto pouco aproveitou da estrutura anterior do Teatro, acrescentando-lhe linhas e ele-
mentos das tendências arquitetônicas do final do século XIX.
Localizado isoladamente defronte a uma praça, o teatro ostenta em sua fachada uma versão provin-
ciana do estilo eclético. Seu partido arquitetônico é semelhante aos dos grandes teatros do Brasil, com
parte interna e estrutura metálica independente das paredes externas de alvenaria.
Cinco portões de ferro fundidos em Paris dão passagem ao vestíbulo que antecede o pátio. Ao alto,
na fachada, efígies de uma górgona e de um palhaço fazem as vezes das tradicionais máscaras da Tragé-
Carnaval em tempo de guerra 60

Foto: Acervo Guiomar Araújo

Os animados carnavais de outrora

dia e da Comédia, respectivamente. No tímpano, vê-se a lira simbolizando a música e, no vértice do fron-
tão, 'A Arte', escultura de bronze de Mathurin Moreau, conservada desde a inauguração do Teatro em 1940.
Entre 1959 e 1960, o edifício sofreu grande reforma, quando foi então reforçada a estrutura metáli-
ca. Na ocasião, foi refeita a decoração dos interiores, com sancas de iluminação, novo plafond de gesso
e muitas outras novidades, que alteraram substancialmente sua aparência interna.
A denominação de Teatro Carlos Gomes foi mantida até agosto de 1957, quando ocorreu a mudan-
ça para Alberto Maranhão, uma justa homenagem ao grande protetor e incentivador da cultura do Rio
Grande do Norte. Em outubro do mesmo ano, foi inaugurada a inscrição do nome Alberto Maranhão,
no frontão do prédio.
Voltando ao carnaval de 1943, em nota publicada na edição de A República de 06 de março de 1943,
sábado de carnaval, vemos o chamado: "Grande Baile Carnavalesco no Teatro Carlos Gomes". Como dis-
semos, o Teatro passava por adaptações para o carnaval: "Especialmente decorado para os grandes bai-
les da temporada carnavalesca, o Teatro Carlos Gomes estará aberto desde hoje para os seus inúmeros
freqüentadores". O trabalho quase obstinado do seu dirigente merecia registro: "O seu diretor, professor
Alcides Cico, como tem feito nos anos anteriores, ornamentou caprichosamente o seu amplo salão, com
o intuito de tornar mais uma vez o Teatro Carlos Gomes um dos pontos de maior atração do carnaval deste
ano". Os investimentos foram feitos, com o objetivo de proporcionar noites de grande animação, tudo
no mais perfeito capricho: "Foi contratada uma orquestra que executará as melhores composições car-
navalescas, havendo também um perfeito serviço de bar".
A cidade entrava definitivamente no clima do carnaval. Muito embora, anos depois, o carnaval de
Carnaval em tempo de guerra 61

Foto: Jaeci Emerenciano

Fachada do Aero Clube na década de 1930

Natal fosse animado ao som de frevos, marchas e hinos compostos por compositores da terra, a folia na-
talense dependia das músicas "importadas" do Rio de Janeiro. Dessa forma, até livro com as letras das
principais músicas carnavalescas tocadas no Brasil, era colocado à venda para atualizar o folião. É o que
nos diz A República, de 04 de março de 1943: "Já se encontra à venda nesta capital o livro "Marchas e Sam-
bas para o Carnaval de 1943, edição de 'A Modinha' , do Rio de Janeiro, organizado por Ângelo Delaltre.
Aí estão reunidas as letras das marchas, sambas, maracatus, frevos, etc., até agora gravados em discos
Victor , Columbia e Odeon, e que maior sucesso estão alcançando em todo o país".
Interessante notar que havia exclusividade na comercialização dos exemplares em Natal. Complemen-
ta a nota: "O livro em apreço foi recebido pela Livraria Internacional, do sr. João Rodrigues Barbosa, situa-
da à av. Tavares de Lira, 43, (em frente ao bar Cova da Onça) onde se encontra à venda".
Se os clubes se preparavam para o reinado de Momo, assim também procederam os blocos, as troças
e tribos de índios, com o total apoio e participação da sociedade.
Na edição de 07 de março de 1943, de A República, encontramos relato de um bloco composto so-
mente por damas da sociedade. 'As Granfinas de Natal'. "As sedutoras pupilas do impagável Virgílio Soa-
res de Oliveira pretendem dar uma nota de distinção ao carnaval". Nesse momento, encontramos indí-
cios de que estávamos em guerra "Trajando, apesar da crise, pelos últimos figurinos, elegantes e bonitas
de fazer dó, as granfinas também possuem uma voz que não inveja a das sirenas, digo sereias. As últi-
mas novidades em sambas, marchas e outras coisas do carnaval, serão pelas garotas cantadas durante os
festejos a Momo, de um modo que só se vendo e ouvindo para acreditar".
A irreverência e o bom humor se faziam sentir na saída do bloco 'Urso Branco'. Na edição de 07 de
março de 1943, de A República, encontramos: "Vamos ter "ursada" de novo... Mais dos tempos o Pólo Norte
Carnaval em tempo de guerra 62

Foto: www.dh.net
nos envia uma leva desses bi-
charôcos que, felizmente, são
tão inofensivos como aquilo com
caju, segundo afirmações do
Amaro Marques, arrendatário dos
referidos animais. Os ursos, in-
formou-nos dito cavalheiro, são
muito bem ensinados, dançam
maravilhosamente e até cantam,
tudo isso acompanhados por
uma orquestra pra lá de boa".
Sobre o bloco 'Os Vitoriosos',
percebe-se, de forma clara, que Praça Kennedy, o centro do Grande Ponto
a imprensa local fazia questão
de omitir que estávamos em
pleno período de guerra mundial. "Convém esclarecer que não se trata de veteranos da guerra dos trin-
ta ou dos cem anos. Esse nome de vitoriosos é para fazer raiva a muita gente. Sim, porque o pessoal às
ordens de Francisco Montalverne de Almeida, jura e bate fé que sairá triunfante no carnaval de 1943, haja
o que houver e custe o que custar. É o que vermos e fazemos votos que assim seja, pois temos informa-
ção de que a turma está mesmo afinada".
Na República, também de 07 de março de 1943, vemos uma muito bem humorada referência à tribo
"Índios Potiguares", quando até seu organizador passava a ser chamado de nome indígena: "Iderval Paiva,
um autêntico pajé, reuniu o conselho-chefe guerreiro de sua ferocíssima tribo numa sessão secreta, não
se faz isso muito tempo. O que é, o que não é? Era a dolorosa interrogação que pairava na estratosfera.
Tratava-se, em verdade e apenasmente, dos Índios Potiguares tomarem mais uma vez parte no carnaval,
o que farão durantes os três dias que seguem, ao som de suas canções guerreiras". Pena que não encon-
tremos registros sobre essas "canções guerreiras". Seria contra os alemães?".
Ainda na mesma edição da República,, sai a nota: "Pega no Arranco. Pela denominação, esse seria o
bloco que teria como principal característica a irreverência, espalhando a alegria por onde passava. A
turma do seu João Inácio de Barros, Zaca Seabra e de muitos outros da gandaia, vai dar sorte. Ora se vai...
Ainda na sexta-feira o Pega no Arranco pegou e arrancou de com força, do seu barracão, percorrendo ao
som de uma orquestra do outro mundo milhares de becos e travessas da nossa babilônica cidade". Segue,
no mesmo relato, uma crítica ao comércio da época "O seu sucesso no presente carnaval é inegável, é tão
certo como nunca mais comprar carne de sol nas feiras".
No bloco chamado A Cobra que Mordeu o Belo ficam algumas interrogações "Vocês conheceram o Belo?
Não? Muito menos nós... Sempre ouvimos dizer, porém, que Belo costuma gabar-se dizendo que era cu-
Carnaval em tempo de guerra 63

rado contra veneno de qualquer raça de cobra. Mas, um dia... não houve jeito. Belo foi mordiscado por
uma papa-ovo (cobra que não tem veneno) e teve tanto medo que de medo morreu. Essa a história que
desde os tempos de cueiros ouvimos contar..." O Belo existiu, ou é folclore?
E essa cobra que mordeu o belo, é ela que vai sair no carnaval, ou seria uma pessoa fantasiada de
cobra? Prosseguindo no relato, "pois bem, a Cobra que Mordeu Belo vai sair durante o carnaval, de
cabresto e suspensório, sob o controle do domador Luiz Morais. Ninguém se assuste por isso. A
cobra é inofensiva e apenas quer divertir-se, divertindo ao mesmo tempo a população natalense
que não tem nada a ver com o infeliz Belo..."
E assim, no dia 06 de março de 1943, sábado, tivemos o nosso primeiro carnaval em período de guer-
ra. A imprensa cobriu a noite de abertura dos festejos nos clubes da capital.
O Aero Clube é exaltado pela imprensa como o melhor clube da capital, no qual aconteciam as gran-
des festas e cujo acesso só era permitido àqueles de alta patente social, conforme relata 'A República', de
07 de março de 1943: "O Aero Clube não é apenas o centro das reuniões elegantes da cidade. É tanto mais
do que isso. É clube tradição e ali, como se sabe, o carnaval marca seu êxito culminante. Tem sido todos
os anos e ontem foi o que se viu: muito entusiasmo, distinção e alegria". Pelo que parece, foi mais uma
noitada de pleno sucesso nos salões do clube: "Já está, pois, fora de dúvida, que a nota de relevo desses
quatro dias (o primeiro já ficou atrás) será dado mais uma vez pelo Aero Clube. Relevante a preocupação
com a qualidade musical dos eventos; "Duas excelentes orquestras estão animando as danças e o núme-
ro fantástico de foliões que encheram ontem e continuarão a encher os salões do elegante clube do Tirol".
Sobre o carnaval no Brasil Clube, já que era uma agremiação não muito falada, não encontramos mui-
tos registros sobre as festividades. Segundo A República, de 07 de março de 1943, entretanto, tudo leva
a crer que foram cheias de sucesso: "Desde ontem o simpático clube do Tirol abriu os seus salões, dando
assim começo a temporada de bailes que organizou o tenente Francisco Solano Cardoso para festejar o
carnaval deste ano. A decoração do Brasil Clube foi realizada a capricho, tendo reforçada sua iluminação.
A orquestra contratada especialmente para essa finalidade é ótima, em tudo se auspiciando esplendidas
as noites dançantes daquele sodalício".
Já no Teatro Carlos Gomes, apesar do esforço do professor Alcides Cico, a freqüência parece ter sido
baixa: "Os tradicionais bailes carnavalescos do Teatro Carlos Gomes tiveram início ontem, sendo regular
a concorrência àquela casa de diversões. Até terça-feira os mesmos continuarão, sendo de esperar que
em nada fiquem a dever em brilhantismo aos dos anos anteriores". Mais uma vez percebemos que a im-
prensa exaltava o trabalho do seu dirigente: "O Teatro está magnificamente decorado e o professor Alci-
des Cicco contratou para os bailes uma orquestrar verdadeiramente excelente, que muito irá contribuir
para maior animação dessas reuniões dançantes", noticia o jornal.
Para aqueles que não podiam participar do carnaval nos corsos ou em blocos, existia uma alter-
nativa, que era simplesmente brincar na rua, ao som de músicas que vinham de alto falantes colocados
em postes espalhados pelas avenidas. Esse era, efetivamente, o autêntico carnaval de rua. A República,
Carnaval em tempo de guerra 64

de 07 de março de 1943, mostra que "Por determinação da comissão encarregada dos festejos carnava-
lescos, o Serviço de Alto Falantes da cidade irradiará, a exemplo de anos anteriores, através de vários
transmissores instalados na avenida Rio Branco, as últimas novidades carnavalescas de 1943, em sam-
bas, marchas, frevos-canções, etc. As irradiações tiveram início ontem".
Sobre esse assunto, Pery Lamartine discorda, no que se refere a quem tenha tomado as provi-
dências, ao afirmar que esse serviço de alto falantes era feito por um particular. Ele diz: "Luiz Romão, que
era uma grande banca de vender jornais e revistas lá na Ribeira, na Tavares de Lira, ele instalou um siste-
ma de alto falante aqui em Natal, lá na Ribeira, mas as bocas dos alto-falantes eram na Rio Branco. Em
cada esquina da Rio Branco, tinha uma boca daquela. Ele tocava os frevos de Recife naqueles discos de
78 rotações e o povo a dançar, a marcar passo. Esse era o carnaval".
Acerca do corso, o dentista Odilon Garcia relembra o encantamento daqueles momentos. Ele busca
na memória aquelas imagens e nos relata: "Era uma coisa linda. Os carros, todos com as capotas arriadas,
moças e rapazes sentados nas carrocerias jogando confetes e serpentinas uns nos outros. Os carros quase
que ficavam presos um no outro pelas serpentinas. Pelo descrito, a "azaração" já corria solta naquela época:
"Os rapazes mais afoitos subiam nos estribos para chegar até às moças para jogar confete ou lança-per-
fume. Ele lembra de um detalhe importante da nossa cidade: "Era um espetáculo. Tudo acontecia ali, no
Grande Ponto , nas ruas Rio Branco, Princesa Isabel, Ulisses Caldas e Deodoro da Fonseca".
Com relação à participação dos americanos no nosso carnaval, Odilon Garcia diz: "Eles brincavam no
Grande Ponto, mas quando dava oito, nove horas, eles iam embora. Tinha a MP- Military Police (Polícia Mi-
litar) deles que não brincava em serviço. Levavam todos de volta para a Base".
Realmente, não existem registros significativos sobre a presença dos americanos nos festejos em Natal
do primeiro carnaval acontecido quando o Brasil se encontrava na Segunda Guerra. É pertinente a obser-
vação de Garcia no tocante à repressão sofrida pelos soldados americanos por suas patrulhas. Mas, po-
demos ver em Smith Júnior, que outros fatores podem ter contribuído para essa pálida participação dos
estrangeiros no nosso carnaval.
Um deles e, talvez o mais importante, era a falta de bom relacionamento entre os homens natalenses
e as tropas, apesar do trabalho desenvolvido pelas autoridades. "Todavia, o espírito da boa vontade não
estava presente apenas nas paradas e jantares, mas vinha, também, de um esforço consciente da parte
dos americanos em cooperar com o Brasil sob qualquer circunstância". Incidentes surgiram, alguns com
repercussão, como esse, relatado por Smith Júnior: "Um exemplo disto foi mostrado quando cinco ofi-
ciais brasileiros foram retirados de um avião americano, no nordeste do Brasil, a caminho do Rio de Ja-
neiro porque suas prioridades eram inferiores às de cinco praças americanos". Fica evidenciado um total
desprezo pela hierarquia militar, favorecendo os Estados Unidos.
Foi necessária a rápida intervenção de autoridades americanas para que os ânimos não se exaltassem.

11
O Grande Ponto ficou conhecido como sendo o local de encontro de profissionais liberais, intelectuais, estudantes e funcionários públicos. Eles se reuniam
em grupos, principalmente no cruzamento das hoje rua João Pessoa e avenida Rio Branco, na Cidade Alta.
Carnaval em tempo de guerra 65

Smith Júnior continua relatando o episódio: "Um sério desentendimento teria surgido se o General Woo-
ten não tivesse agido imediatamente. Ele colocou os oficiais brasileiros a bordo do próximo avião rumo
ao sul e ordenou que fosse dada alta prioridade aos passageiros brasileiros no percurso entre Natal e Rio
de Janeiro, Como forma de evitar furos problemas "Ele ordenou, posteriormente, que em nenhuma cir-
cunstância os brasileiros deveriam ser desembarcados durante seus percursos sem sua autorização".
Um outro registro, encontrado também em Smith Júnior deixa claro o cerceamento dos soldados ame-
ricanos: "Felizmente, durante as comemorações, não houve incidentes entre soldados americanos e bra-
sileiros. Isto, em parte, foi devido ao fato de que os soldados americanos, no Brasil, tiveram muito pou-
cas oportunidades de participar de danças e bebedeiras". Continuando, Smith Júnior deixa transparente
essa falta de cordialidade: "O relacionamento entre brasileiros e americanos, em 1945, era, de certo modo
difícil. O chefe de Polícia recusou-se a colaborar com assuntos pertinentes a criminosos presos dentro dos
limites da Base". Apesar do registro ser feito ao ano de 1945, deduz-se, facilmente que, há dois anos, as
coisas deveriam seguir esse mesmo ritmo.
O maior sintoma dos cuidados das autoridades americanas com os subordinados, no que se refere ao
comportamento em Natal ocorreu, como narra Smith Júnior, quando um oficial de nome William J. O'-
Sullivan, foi à Corte Marcial porque embriagou-se no Grande Hotel e provocou incidentes.
Esse fatos, agregados às inúmeras confusões acontecidas na zona do baixo meretrício, nos deixa enxer-
gar que essa tímida participação americana na folia momesca não passou de proibição por parte do coman-
do americano.
As poucas evidências de que estávamos em plena guerra, e que Natal abrigava a maior base america-
na fora dos Estados Unidos, eram claras. O povo se entregou à folia como nos anos anteriores, sem dar
bolas para a guerra. Apenas a programação da Rádio Educadora, na seção de Artes e Diversões de A Re-
pública, de 03 de março de 1943, por exemplo, trazia algo que lembrava suas presenças. Às 12h15 e 12h50
constava 'Ritmos da América', momento feito somente com músicas norte-americanas.
Uma outra breve passagem que lembrava o período de guerra foi a realização da Festa da Harmo-
nia, em benefício da Cruz Vermelha, organizado pela Comissão de Damas, no Teatro Carlos Gomes: "Den-
tro do maior entusiasmo prosseguem os festejos comemorativos do primeiro aniversário da fundação da
filial da Cruz Vermelha. Conforme vem sendo noticiado, será realizada hoje a "Festa da Harmonia", orga-
nização da Comissão de Damas e à cuja frente se encontram as senhoras Palmyra Wanderley e Alba Aze-
vedo e que ainda conta com a cooperação dos maestros Maurilo Lira e Valdemar de Almeida e do Grêmio
Dramático de Natal". Essa transcrição do jornal A República, de 04 de março de1943, reforça, mais uma
vez, que existia uma grande participação da sociedade nos acontecimentos daquela época.
Parecia que Natal não estava no meio de uma batalha de alcance mundial. Os jornais estampavam
manchetes com notícias da guerra, mas pouco ou quase nada era comentado sobre a presença america-
na em Natal, bem como sua importância de ordem estratégica no conflito.
Carnaval em tempo de guerra 66

Chiclete eu misturo com banana, de Flávia Pedreira

Zé Areia com soldados americanos no carnaval de 1943

Zé Areia, o ícone de uma época


3.2

E
m meio às mazelas proporcionadas pela guerra, José Antônio Areias Filho, ou simplesmente Zé Areia,
certamente foi o único potiguar a servir e se servir diretamente aos e dos oficiais americanos na
cidade. Humorista nato e dotado de uma capacidade de improviso que lhe permitia sempre uma
Carnaval em tempo de guerra 67

resposta na "ponta da língua", o barbeiro Zé angariava amigos com facilidade. Além de barbeiro e boêmio,
chegou a acumular as funções de vendedor de rifas, rei momo e outras mais, todas exercidas com o seu
espírito peculiar e inesquecível.
Acerca desse folclórico cidadão, Pery Lamartine diz: "Zé Areia era uma figura muito interessante. Era
meio chegado a tomar "umas". Irreverente todo, vivia pela Ribeira (um bairro de Natal) a dizer pilhérias
com todo mundo e a turma gozava muito e gostava muito dele".
Zé Areia é uma personagem lendária de Natal. Poeta repentista, nos deixou em 31 de janeiro de 1972
e até hoje assegura inúmeros relatos, provenientes do seu espírito arguto. Amigo de Café Filho , também
potiguar, usou seu prestígio para, inclusive, viajar para Dakar, capital do Senegal, na África, onde tratou
dos cabelos e barbas de boa parte dos soldados americanos que iam combater os exércitos de Hitler.
Por ocasião da estadia de soldados americanos em Natal, conta-se que Areia chegou a vender uma es-
pécie de urubu para um dos seus oficiais como se papagaio fosse. O caso teve intensa repercussão, exi-
gindo mesmo uma intervenção diplomática que lhe aplacasse a ousadia. O escritor Paulo Augusto, ven-
cedor do Prêmio Literário Câmara Cascudo com o ensaio O Bufão de Natal, sobre a vida de Zé Areia, acres-
centa: "Durante a época da Segunda Guerra ele simbolizava um misto de resistência e, ao mesmo tempo,
um brincalhão. Ele era um clown" (almadobeco.blogspot.com).
Em Sátiras e Epigramas de Zé Areia, de Veríssimo de Melo, encontramos várias passagens engraçadas
que bem ilustram o temperamento do poeta. Em uma delas, Paulo Leandro encontra Zé Areia na Ribeira e,
recém-chegado do Amazonas, relata ao amigo como passava os seus dias nas selvas: "Vivo muito feliz na
selva. Minha ocupação é matar onças. Mato uma na segunda, vendo na terça. Na quinta, mato outra e
vendo na sexta. Por que você não faz como eu e vai trabalhar também no Amazonas?" Com a rapidez que
lhe era peculiar, Zé Areia fulminou logo e disse: "Homem, matar onça já é difícil... E logo em dia marcado!..."
Ainda na obra de Veríssimo, encontramos outros episódios hilários, conforme podemos conferir:
"Certa vez, Zé Areia vendeu um papagaio completamente cego a um americano. No dia seguinte, foi pro-
curado pelo Cônsul americano, juntamente com o soldado, a vítima. O Cônsul declarou que "o papagaio
que ele vendera era cego! Um absurdo. Não prestava". Zé Areia teve esta saída genial, ele disse: "Espere:
o senhor quer papagaio prá falar ou prá levar pro cinema?..."
Sobre venda de papagaios para americanos, há uma memorável passagem do nosso herói. Ele vendeu
um papagaio muito novo, que tinha até uma ferida na cabeça. Para cobrir o ferimento, ele colou um selo
postal. Como o americano estranhasse, ele foi rápido: "Com este selo, ele já está pronto para passar pela
alfândega. Fiscalização muito exigente!"
Além das glosas líricas, Zé Areia glosava outros gêneros. Quando Raimundo Cavalcanti de Barros,
escrivão e grande amigo de Zé Areia, regressou da Europa, inventaram várias estórias safadas com ele.
Deram, a propósito, um mote a Zé Areia:

12
Advogado, nascido em Natal, Rio Grande do Norte, em 3 de fevereiro de 1899, assumiu a presidência da República com o suicídio de Getúlio Vargas, em 24
de agosto de 1954, permanecendo até 08.11.1955. Faleceu no Rio de Janeiro em 20 de fevereiro de 1970.
Carnaval em tempo de guerra 68

MOTE Pra dar sem ninguém saber


Raimundo foi à Europa Raimundo foi à Europa.
E voltou falando inglês. Dinheiro ele não poupa
Quando chega a sua vez.
Porisso, com sensatez,
GLOSA Fez tudo que pretendia.
Nunca deu o ás de copa, Conheceu o que queria
não conhecia o prazer... E voltou falando inglês.

Conta-se também de Zé Areia, - embora se atribua igualmente a Renato Caldas, poeta nascido em Açu
(RN) - o que ele disse num ônibus super-lotado. Bateu na campainha e exclamou: "Parem para saltar um corno!"
Houve uma risadaria geral. Ele desceu calmamente e, já do lado de fora, gritou "Agora podem levar o resto!"
Entrando no restaurante de D. Zefinha, nas Rocas, um bairro de Natal, Zé Areia pediu uma galinha as-
sada. Veio o prato e ele ia começar a comer. Mas, num gesto fidalgo, ofereceu-o à dona da casa, nestes
termos: "Vamos comer uma galinha, dona Zefinha?" A mulher, mal-humorada, respondeu bruscamente
"Não gosto de galinha.". Zé não perdeu a oportunidade e completou: "Isso é que é uma classe desunida!"
Ainda nas Rocas, reencontrando um amigo que lá morava, Zé Areia disse: "Eu hoje vou almoçar e jantar
com você". O homem respondeu zangado: "Na minha casa não entra corno!" Zé Areia indagou: "E você
dorme na rua?"
Difícil encontrar uma personalidade natalense que não conhecesse Zé Areia e que, por conta disso, não
tenha sido alvo de suas brincadeiras. Conta-se que um dia ele chegou na casa de Luiz Tavares, na praia,
com um calção tão curto, que o velho, pai de Luiz, reclamou: "Mas que calção danado de curto, Zé Areia!"
Ele disse: "E para o ano vai ser pior, eu venho é nu". "Por que?", indagou o velho. "Pra não sair de moda..."
Frequentador assíduo do Café São Luiz, então o point dos intelectuais de Natal, Zé Areia protago-
nizou um dos seus melhores momentos. Estava ele lá, Deus sabe se tomando café ou atrás de amigo para
tomar "uma de cana", quando chegou Luiz Cavalcanti, proprietário da Casa das Máquinas, loja que, ape-
sar do nome, vendia móveis e eletrodomésticos. Ao ver Zé Areia, Luiz disse: "Ô Zé, faz tempo que eu não
vejo um corno." Zé não contou conversa, pegou-o pelo braço, entrou no Café, ficou diante de um espe-
lho e soltou: "Pois olhe um. É aquele que está do meu lado...".
Como era amigo de Café Filho, que era no momento presidente da República, Zé Areia quis tirar
partido da situação, pedindo-lhe um emprego. Café recebeu-o e o encaminhou para um setor no qual,
segundo Café, o problema de Zé estaria resolvido. Chegando no local, Zé Areia foi informado que o pre-
sidente tinha deixado ordens para que ele fosse aproveitado em algum lugar. Ele apresentou-se: "Sou Zé
Areia, o amigo de Café Filho." O funcionário, muito solícito, disse-lhe: "Pois não. O senhor vai trabalhar
no Amazonas, como seringueiro". Ao saber da função que Café lhe designara, Zé não perdeu o jeito e dis-
parou: "Meu filho, diga a Café que quem tira leite de pau é buceta...".
Carnaval em tempo de guerra 69

Estava Zé Areia, na calçada da Tavares de Lira com a Dr. Barata, quando surgiu, pela Frei Miguelinho, o
enterro de um "anjinho". O caixãozinho azul vinha carregado por quatro crianças e mais uma meia dúzia
de pessoas acompanhando. Quando o caixão ia passando bem próximo, Zé Areia disse algo que nenhu-
ma outra pessoa do mundo poderia pensar, naquele momento, apontando: "Taí! Só bebia leite...".
Entrando numa peixada, nas Rocas, Zé Areia observou outros rapazes que discutiam sobre as melhores
partes do peixe. Ninguém dava importância a Zé Areia, por ser um freguês sabidamente pobre. Lá pras tan-
tas, um dos rapazes pediu a opinião dele sobre a parte do peixe que preferia. Improvisou esta quadrinha:
Embora tudo aconteça,
De valente não me gabo.
Do peixe quero a cabeça,
Da mulher, prefiro o rabo.
A dona da Peixada botou-o pra fora, pelo desrespeito.
Mas, apesar de brincalhão, Zé Areia tinha seus momentos de lirismo. A prova desse sentimento está
neste galanteio para uma loura que passava. A informação é de Osvaldo Lamartine Faria:
Vi pela primeira vez
Jóia que andava ao léu;
Encomenda que Deus fez
Aos ourives lá do céu.
Um dos melhores trocadilhos de Zé Areia foi aquele a respeito de dez dólares. Durante a guerra, ele
vendia também galinhas aos norte-americanos. A um soldado, Zé areia conseguiu vender uma por dez
dólares - o que era um furto, na época. A galinha custava quatro, cinco mil réis.
No dia seguinte, um dos cônsules foi procurar Zé Areia e fez a queixa: "Senhor vendeu galinha solda-
do por dez dólares?" Zé Areia contestou: "Não senhor, quando o americano chegou aqui, me perguntou:
"How much?" Eu indaguei: Tem dólares? Aí ele me deu uma nota de dez dólares pela galinha..."
Nem mesmo a passagem tempo lhe tirava o bom-humor. Brincava com própria existência, como
se ela fosse mais uma companheira. Nos últimos tempos de sua vida, já doente, Zé Areia andou pleitean-
do uma pensão do Governo do Estado. Como sua petição, durante meses, não tivera qualquer despacho,
ele mandou o seguinte recado ao Governador Mons. Walfredo Gurgel: "Monsenhor, mande pagar a pen-
são em meu favor, que eu prometo só viver mais uns dois anos!".
Na vida, Zé Areia foi a própria encarnação do personagem "Macunaíma" criado por Mário de Andrade.
Uma espécie de herói bandido e bem da gente. Depois que deixou seu ofício em uma barbearia na Ave-
nida Tavares de Lyra, ele virou uma espécie de cassino ambulante. Vendia loteria, jogo do bicho, rifa e
tudo o que fosse relacionado a jogo.
E foi dessa forma que Zé Areia introduziu-se na nossa história. É impossível alguém se reportar àque-
les tempos sem mencionar o nome de José Antônio Areias Filho, ou, o imortal personagem, Zé Areia.
Carnaval em tempo de guerra 70

A eterna esquina do continente


3.3

M
uito embora Natal não tenha dado continuidade ao desenvolvimento proporcionado pela Se-
gunda Guerra Mundial, sua situação geográfica continua a lhe colocar em destaque no cenário
mundial.É verdade. Não temos mais aviões de guerra que daqui partiam para as batalhas na Eu-
ropa e África, numa rotina frenética. Não temos mais, também, as ruas repletas de soldados estrangeiros
difundindo suas culturas e esbanjando dinheiro. Os tempos de Maria Boa e os cabarés se foram. Zé Areia
nada mais é do que um personagem de passado já longínquo. É a dinâmica da vida.
Mas, em compensação, Natal hoje é uma cidade que tem os melhores padrões de qualidade de
vida do Brasil. Temos o ar mais puro das Américas e uma costa repleta de praias de beleza ímpar. Aviões
repletos de estrangeiros continuam a pousar diariamente no aeroporto de Parnamirim. Não mais no ca-
minho da guerra. Muito pelo contrário. Eles agora vêm em busca de paz e admirar nossas belezas natu-
rais, notadamente nossa praias, com suas brancas dunas e de águas mornas. Eles vêm passar alguns dias
em companhia de um povo hospitaleiro, alegre, simples e se deliciar com nossa cozinha, feita à base de
frutos do mar, no melhor estilo potiguar.
As lembranças do período da guerra aos poucos vão se diluindo na medida em que aqueles que
vivenciaram a época vão partindo. Dessa forma, como natalenses, cumpre-nos o dever de reavivar mo-
mentos singulares da nossa história, eternizando-os e repassando-os às futuras gerações.
Carnaval em tempo de guerra 71

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ARAÚJO, Guiomar Pinheiro. Entrevista concedida a Minervino Wanderley em: 20 de janeiro de 2006.
REIS, Ethiene. Entrevista concedida a Minervino Wanderley em: 23 de janeiro de 2006.

LAMARTINE, Pery. Entrevista concedida a Minervino Wanderley em: 17 de agosto de 2006.

GARCIA, Odilon de Amorim. Entrevista concedida a Minervino Wanderley em: 12 de setembro de 2006.

CINTRA, Aldaliphal. Entrevista concedida a Minervino Wanderley em: 12 de outubro de 2006.

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