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" Eu o vi… Eu o conheci, ele estava lá.

O vazio silencioso, marcado apenas pelo eco das


gotas que escorriam de seus olhos, fixos em mim… estáticos, como se me lessem. Naquele
momento eu não sabia, nem entendia, mas apenas uma palavra, pulsava em meu interior…
MEDO. "

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Já era noite daquela madrugada, os flashs vem e vão em minha cabeça, novamente o
mesmo pesadelo, a correria de um homem e uma mulher, pelas estradas aguadas, rasas,
próximos do arredor de Cazisky, eu só ouvia os passos, e os batimentos que ecoavam
pelos meus ouvidos, eu não podia sentir, eu não podia me mexer, eu era apenas um enfeite
nós braços da mulher, e o único ponto que meus olhos alcançavam era a pupila vibrante,
amarelada e anfíbia em cima dela. Sempre é nesse momento, no momento que esse "olho"
lacrimeja, e a gota caí sobre o centro da minha testa, que eu desperto. Eu já nem conto
mais, já fazem meses, anos, desde que eu tenho alguma consciência vivida da minha
infância, que o mesmo sonho se repete, noite após noite, e cada vez, menos sentido ele faz
pra mim.

Eu me levanto, meus olhos encontram a janela aberta, escorrendo para dentro do pequeno
quarto, os primeiros raios de sol da manhã, já é dia, já é o sétimo dia, do décimo mês do
ano, meu décimo sexto ano, meu aniversário. O tempo já não passa mais tão rápido, depois
que eles se foram, meus amigos, saindo da nossa cidade, para tentar algo a mais em
outra… só desejo que eles, Mariana e Thuller, tenham sorte em seu caminho. Eles já são
maiores de idade, vão saber se cuidar, mas eu… eu tenho que ficar aqui, assistindo a água
rasa correr por debaixo dos casebres e pontes da nossa cidade, quase que numa
imensidão inacabável de tempo.

São 16 anos da mesma rotina, acordar e ir ajudar minha avó, a única que me resta, a única
que eu lembro de restar. Eu não conheço meus pais, só sei que ambos não moram comigo,
e estão por aí, em algum lugar, e por mais que eu pergunte, a repetição de Dona Perka, é
sempre a mesma — " Um dia você irá ver, que tudo que você procura, nem sempre é o que
precisa saber " — A mesma ladainha, num tom de aviso, preocupada comigo.

Mas depois de tantos anos, sendo atormentada por isso, pelos sonhos, e por ver além do
que o normal, eu já deixei de ser uma criança faz tempo, e por mais que aqui, não seja lá o
lugar mais perigoso do mundo, eu sei bem cuidar de mim… Ela é minha avó né… mesmo
assim, a preocupação vai sempre existir.

Falando nisso, cada vez mais aquilo, as visões vem e vão, parece que a medida que o
sonho se intensifica, mais elas surgem, e cada vez são mais confusas. Isso tudo começou
ainda aos meus 4 anos, eu era bem nova, quando passeando com minha avó, a imagem de
uma lâmina escorrendo o líquido vermelho apareceu em minha mente, era como se eu
visse, sentisse o pesar da energia do que ocorreu… eu era nova ainda, não sabia, mas o
sentimento apenas me fez chorar, era como se eu sentisse o pesar, o corte em mim, a dor
que aquela mulher… aquela, pessoa sofreu. Isso é o que mais se repete, não são apenas
os sonhos, com eles eu já tô acostumada, mas as visões, os flashs de cada uma delas, é o
que mais me persegue.
Bom… o passado nem sempre pode ser esquecido, mas não é só lá que o peso, e angústia
é reunida. Hoje o dia foi estranho sabe, meus passos foram bem mais lentos do que
geralmente são, eu demorei bem mais para fazer as coisas que normalmente faço, parecia
que… eu não sei, só tava, diferente, principalmente por aquilo… não, é só coisa da minha
cabeça, não é preciso saber disso. Só saiba que, eu estou bem, hoje eu comecei a seguir
seus conselhos, eu não posso confiar apenas em meus olhos, e em meu corpo… seu
presente fora bem vindo, os tridentes são os mais difíceis de manusear, mas eu irei
aprender, a Lâmina maior, ela é linda, reluzente, e a mais fácil de dominar, eu honrei o que
você me ensinou Gaspar, e provarei, que a domino tão bem quanto você. Por hoje, é só
mestre… se você tiver desejado feliz aniversário para mim até esse ponto. Bom, obrigada.

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Hoje aconteceu denovo, não o sonho, mas aquilo que eu citei na carta anterior. Você não
deve estar entendo nada, eu sei… tudo começou na semana passada mesmo, no dia do
meu aniversário, pairando sobre uma fresta em meu armário, pupilas amarelas me
encaravam, pareciam me observar, estudar minha alma, foi só uma fração de segundos e
depois, quando eu pisquei, nada tava ali, por isso que não falei nada, por isso que sequer
mencionei, mas hoje… hoje eu estava no banho quando ocorreu novamente, as gotas
caiam sobre meu corpo, mas na mesma fração de segundos, parecia que elas caiam
lentamente, como se cada gota ecoasse pelo ambiente, como se um ímã puxasse minha
percepção, eu encarei o espaço em que a água escoava, lá estava ele novamente, o
mesmo olho, a mesma expressão, a mesma angústia e ansiedade em meu corpo, mas tudo
passou, quando o grito que proferi pudera ser ouvido pela vovó que veio correndo me
ajudar.

Eu não contei pra ela Gaspar, talvez seja só coincidência, mas eu sinto que isso ainda vai
perdurar bastante ainda. Eu vou usar seus ensinamentos para trabalhar minha mente, não
posso fortalecer apenas meu corpo. Falando nisso, hoje eu conversei com a vovó, ela me
prometeu começar meus ensinos nas habilidades dela de leitura, ela disse que isso poderia
afinar meus pensamentos e acabar meus pesadelos. Espero que ela tenha razão.

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Lá estava ele denovo e denovo… já fazem meses Gaspar, meses desses olhos me
perseguindo, meses da mesma sensação de angústia que só cresce em meu corpo, eu já
não consigo mais respirar normalmente, parece que ele está em cada lugar, em cada fresta
que eu encaro, ele está sempre lá… ele está sempre me observando… ele me dá medo
Mestre, eu já não sei mais o que pode acontecer, antes era apenas flashes, sensações,
agora parece que cada vez mais ele se aproxima… eu não entendo, mas eu talvez deva
contar para a vovó, ela sabe das lendas de Cazisky, talvez tenha algo que ela decida me
contar… no mais, te deixo com um desenho, que fiz dele… talvez, isso te ajude a entender
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Hoje eu tive um sonho diferente… já não fora mais com aquele casal, eu estava diante da
imensidão escura, andando sobre minha própria sombra, tudo estava preto, eu só
conseguia enxergar a mim mesma, andando sem rumo na Escuridão, foi quando as gotas
infernais começaram a cair, mas o olho não estava lá, não estava em nenhum canto, de
súbito o meu olho começou a coçar, meus dois olhos começaram a coçar, e cada vez que
eu os massegava, minhas pupilas perdiam o foco, depois as cores, e por fim o escuro…
dois segundos, foi o que eu pensei, me iludindo se tinha acabado, eu me vi, eu vi meu rosto,
eu estava com os olhos brancos, sem vida, com um símbolo em meu rosto, e um sussuro
beijou meus ouvidos — Ele espreita, ele caminha, você enxerga, e logo tudo desaparece…
Ele vai embora, com o que tirou de você — Eu acho que é um aviso Mestre, a angústia está
como nunca esteve dentro de mim, o que quer que me persiga, está perto.

Minha avó, finalmente me respondeu algumas perguntas, mudando um pouco de assunto,


ela me falou um pouco sobre meus sonhos… desde pequena eu tenho essas visões, para
ela sempre foi algo que os antigos, assim como ela chama, me deram. E que o casal que eu
vejo em meus pesadelos constantes, são meus país. Eles me deixaram sobre cuidado de
minha avó quando mais nova, ela não sabe o porquê, ninguém sabe o porquê. Só resta
mais algum tempo para mim poder sair daqui, e ir atrás disso. Mas antes, quero entender o
que me espera… finalizando, hoje eu dominei sua Quinta técnica, a espada já não é mais
confusa para mim, nem mesmo as Sais. Eu irei te superar mestre haha, como você sempre
disse…

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Eu acordei, o tempo estava diferente hoje, não tinha sol, não tinha som em minha casa, eu
estava sozinha. Em condições normais, eu sequer me importaria, mas agora, com os olhos
me observando, eu já não sei mais…

Eu andei pela casa, o começo dessa manhã, nada havia acontecido, a tarde eu escutei
alguns Susurros, vozes de diferentes locais da casa, todos confusos, eu não conseguia
distinguir o que falavam — Opa, eu ouvi uma batida, espere um pouco mestre, pode ser
minha avó…

Não… não… ele chegou, ele está aqui. Ele… Mestre, os olhos me seguiram, eles estão aqui, eu sinto eles aqui, eles estão me
olhando… Eu o vi, eu o conheci, não era a minha avó. Ele estava lá, parado sobre a sala… eu sinto que ele está vindo atrás
de mim… eu estou escrevendo com pressa, já não sei mais quando tempo tenho, já não sei mais que tempo tenho… Se esse
for meu fim. Adeus, Mestre.
Ele levou… a promessa, os susssuros estavam certo… ele levou. Já não mais escrevo com
tanta veemência, meus olhos se apagaram… eu encarei, o vazio torturante dos olhos
brancos, que lacrimejavam, e cada gota que caia ecoava sobre meus ouvidos. Eu estava
estática, parada… o medo pulsava em minha mente, a insanidade me tocava, eu sentia
quase o abraço da minha morte quando ele me encarou, os olhos queimando os meus com
o brilho intenso, eu não conseguia parar de olhar, do fundo dos dois orifícios
esbranquiçados, a luz tomou conta de minha visão… se minha letra está horrível, desculpa,
eu tenho que me acostumar com isso… com esse sentido novo, consigo perceber que não
é só minhas visões agora… tem mais coisa Mestre, tem muito mais coisas.

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Já é madrugada quando você receber isso, é descortês eu sei, mas aqui já escrevo em uma
noite também. Me desculpe lhe acordar provávelmente a essa hora, hoje eu ouvi um Urutau
cantar, e cruzei 3 árvores mortas em meu caminho para a casa, consegui sentir suas auras
e detectar os detalhes da morte, a aura da morte. A mesma aura presente até… até no
sonho que tive. O seu chapéu, banhado de sangue, com as palavras " Eu te amo… sempre
" gravadas com seu sangue… Mestre, eu estou preocupada… por favor, me responde ou
serei obrigada a ir atrás das camadas fundas da sociedade, eles me ajudarão a achar você.

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Já faz dias, você disse que estava ocupado eu sei, mas hoje já tenho idade suficiente para
ir embora. Usarei sua lâmina para me guiar Mestre, e meus poderes para enxergar. Eu
descobrirei o que aconteceu com meus pais, com você… eu prometo encontra-lo e vê-lo.

Hoje já não sou mais a menina de trança que você conhecia, meu manto negro e meu veu,
definem meu olhar, a espada minha proteção, e meus dons, meu caminho… ainda sinto a
sensação de angústia, ainda sinto os olhos, mas eles estão menores, estão longes, mas
estarei pronta, caso se aproximem denovo.

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