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S MUIT
de Compliance Anticorrupção
mais efetivos?
MUITO
MUITOS
UITOS M
Carlos Mauro
Gabriel Cabral
Renato Capanema
Tânia Ramos
Muitos
Como as Ciências
Comportamentais
podem tornar
os programas
de Compliance
Anticorrupção mais
efetivos?
Autores
2
Renato Capanema, MA Tânia Ramos, PhD
Auditor federal e ex-Diretor de Promoção UX Researcher na Outsystems. PhD em
da Integridade e Cooperação Internacional Cognição Social pelo ISCTE e Universidade
da Controladoria-Geral da União - CGU. de Santa Barbara. Foi pesquisadora na
Diretor de Fiscalização na Câmara dos New York University. Publicou em vários
Deputados. Mestre Summa Cum Laude em jornais científicos, incluindo no Journal of
Estudos Anticorrupção pela International Experimental Social Psychology, Memory
Anti-Corruption Academy - IACA. Graduado & Cognition, Journal of Business Research,
em Relações Internacionais pela Universidade entre outros. Foi Diretora Executiva da
de Brasília (UNB) e em Direito pelo Centro CLOO Behavioral Insights Unit, onde liderou
Universitário de Brasília (UNICEUB). projetos nas áreas da integridade e corrupção,
Coordenou o Pró-Ética e trabalhou na aprendizagem corporativa e sustentabilidade.
regulamentação e implementação da Lei
Anticorrupção. Atuou como representante do
Brasil em diversos foros internacionais, como
OCDE, G20 e OEA.
3
Reconhecimentos
4
Leitura obrigatória para quem deseja Esta não é uma obra jurídica e com razão
realmente compreender as diferenças entre um de ser. O intuito é mergulhar o compilado
sistema de compliance clássico e um sistema regulatório do compliance na análise psíquica
de integridade efetivo, o livro humaniza todos do comportamento.
os dogmas e teorias que gravitam ao redor
Quando nos deparamos com a infinidade
das técnicas de proteção afeitas às empresas
de exemplos de situações-problema
e à Administração Pública contra os diversos
dispostas, entendemos que, para além de leis e
tipos de ilicitudes a que estão suscetíveis, algo
regulamentos, o compliance tem como foco as
atualmente essencial para a preservação da
pessoas, seres humanos complexos e sociáveis.
imagem, da reputação e até mesmo para a
Nesse sentido, é possível compreender
sobrevivência das organizações.
a abordagem do livro que utiliza como
As ilustrações concretas de situações do dia objeto de estudo o comportamento humano,
a dia trazidas pelos autores, com a utilização explorando os efeitos adversos que mecanis-
de uma linguagem simples, objetiva e mos de controle equivocados têm sobre as
amigável, modelam perfeitamente a feição dos pessoas que agem espontaneamente de forma
integrantes de um ente público ou privado e ética. Incentivos extrínsecos mal desenhados,
o tratamento específico que a cada um deles pensados para os “Poucos”, substituem a
deve ser dispensado — sistematizar, analisar motivação intrínseca dos “Muitos” e podem
a partir da ótica da economia comportamental impactar a cultura e os resultados das
e compreender o perfil psicológico dos organizações, problema que tenho verificado
“muitos”, dos “poucos” e dos “super honestos” em várias empresas.
(ou íntegros), sem jamais deixar de lado a
Ainda, o texto dispõe sobre aplicabilidade,
importância do exemplo dos líderes, é uma
abarcando evidências de estudos científicos,
tarefa que os autores desempenham com
e não somente, dando um passo à frente ao
maestria e imensa desenvoltura.
propor medidas para lidar com os problemas
Neste livro, sem qualquer sombra de dúvida, o apontados e garantir efetividade aos
leitor encontrará os caminhos que devem ser programas de compliance. Como afirmam
percorridos no cumprimento da árdua tarefa os autores, integridade é um desafio coletivo
de implementar e desenvolver a cultura de e os profissionais de compliance devem ver
integridade, merecendo destaque a moderna os colaboradores como aliados, não como
orientação na construção dos códigos de potenciais riscos nesse processo.
conduta ética e a utilização das técnicas
Valdir Moysés Simão
de “edutainment” que devem ser aplicadas
Ex-Ministro do Planejamento e da
nos indispensáveis treinamentos da força de
Controladoria-Geral da União, advogado e
trabalho.
consultor.
Os apontamentos trazidos pelos autores
certamente contribuirão para superar as
resistências dos céticos, os quais ainda não
compreenderam que vivemos uma nova era e
que a integridade é contagiosa, podendo ser
absorvida para gerar excelentes resultados
tanto para o setor público como para a
iniciativa privada.
O movimento pela integridade empresarial e
governamental e suas ondas vieram para ficar.
As letras marcantes e provocativas deste livro
são provas vivas disso!
Marcelo Zenkner
Diretor de Governança e Conformidade da
Petrobrás, Promotor de Justiça do Espírito
Santo.
5
Você sabe o que leva uma pessoa a ser Pela primeira vez um livro aborda a essência
desonesta? Ela já nasce assim? O meio que de um programa de compliance, a mudança de
ela vive influencia? Como governos, setor comportamento necessária para construção de
privado e sociedade civil devem agir para uma cultura de integridade.
atacar esse problema? Na obra “Muitos”,
A partir do momento em que se olha para o
os autores mergulham em todas essas
ser humano como um ser passível de erros, é
questões, desmistificando alguns mitos sobre
possível buscar melhorias nas medidas educa-
comportamentos desonestos e propondo uma
tivas e compreender como as empresas podem
nova abordagem para os famosos programas
aprimorar seus controles. Ao empoderar os
de compliance.
funcionários e também os profissionais de
O livro preenche uma lacuna no mercado Conformidade para refletir sobre sua conduta,
editorial brasileiro, uma vez que não se construímos programas mais robustos.
limita a conceituar temas relacionados ao
Roberta Codignoto
compliance, mas também estudar melhor
Sócia da Pró-Integridade e Conselheira da
os aspectos da cultura de integridade e
Comissão de Ética Pública.
ferramentas disponíveis para profissionais que
lidam com o assunto, além de propor soluções
para uma maior efetividade nas ações sobre
a matéria.
Rodrigo Fontenelle
Controlador-Geral do Estado de Minas Gerais,
Auditor da Controladoria-Geral da União
6
“Muitos” não é apenas um livro para ensinar A obra “Muitos” confere um marco no con-
como os profissionais de compliance podem texto dos temas ética e compliance, fazendo
se valer das ciências comportamentais para o leitor simplesmente parar um momento e
tornar seus programas mais efetivos. Esta refletir acerca de todas as melhores práticas
pequena joia trata da vida de todos nós, de de controles internos, treinamentos, políticas
quando enfrentamos dilemas morais e éticos institucionais etc. discutidas amplamente nos
muitas vezes perturbadores. Sofisticado inúmeros eventos diariamente.
em seus exemplos e com rica e atual base
A perspectiva comportamental do Programa
bibliográfica, “Muitos” é, também, um livro
de Integridade/Compliance, brilhantemente
acessível e prático. Faz-nos pensar na gestão
apresentada na obra, é o cerne de qualquer
e nas decisões corporativas, mas também
desafio relacionado a ESG – Environment,
em nossas próprias escolhas e decisões
Social and Corporate Governance
como humanos — afinal, as empresas, como
(Governança Ambiental, Social e Corporativa):
instituições, têm em si um tanto das ações
a efetividade das iniciativas propostas e
dos indivíduos que as constituem. Trata-se,
investimentos aplicados neste escopo, com o
assim, de um convite à reflexão filosófica
objetivo de trazer perenidade às empresas e
com aplicações concretas, ao qual os autores
entidades mundo afora.
acrescentaram um muito instigante twist de
ciências comportamentais. Se você pegou este A realidade é que de (quase) nada adiantam
livro em mãos, não o solte. “Muitos” é para regras detalhadas e robustas ferramentas, se
ser lido por todos nós o quanto antes. tudo isso não afetar o comportamento dos
integrantes da empresa de modo a engajá-los
Diogo R. Coutinho
no compromisso com os valores e princípios
Professor de Direito Econômico da
do Programa de Integridade/Compliance.
Universidade de São Paulo (USP).
“Muitos” oferece luz a esse fundamental
aspecto de um Programa que funciona de
verdade, presenteando o leitor com quebra
de paradigmas, sugestões comportamentais
práticas em todos os pilares de um Programa
de Integridade/Compliance e inúmeros
estudos que comprovam as abordagens.
O objetivo máximo de todo profissional de
Compliance deve ser a desnecessidade da
existência da sua área e do Programa em si,
o que será atingido quando todos compreen-
derem e praticarem a ética e o respeito às
regras de forma tão natural que controles e
políticas simplesmente não precisarão existir.
Hipotético?! “Muitos” nos mostra que há
formas reais de se chegar lá.
Marina Nicolosi
Advogada especializada em compliance e
investigações.
7
O livro vem para preencher uma lacuna Com linguagem acessível e didática, o
importante e traz insights comportamentais livro ”Muitos” convida todos os que se
brilhantes para a real efetividade dos dedicam a promover a integridade a voltarem
programas de integridade. Baseado nas sua atenção para as ciências comportamentais.
ciências comportamentais, o livro apresenta Repleto de exemplos, o livro traz uma
diversas soluções práticas e simples, que perspectiva que evidencia a necessidade de
podem ser adotadas no dia a dia das empresas. um compliance atento para as pessoas, que
Afinal, como já dizia John P. Kotter, professor foca menos em leis e regulamentos e mais
emérito da Harvard Business School, “a em ciências comportamentais, como forma
questão central nunca é estratégia, estrutura, de tornar os programas de compliance mais
cultura ou sistemas. O cerne da questão é efetivos.
sempre como mudar o comportamento das
É muito bom saber que as pessoas que se
pessoas”.
importam em aprimorar os programas de
Renata Rezende compliance e promover uma cultura de
Diretora de Integridade, Prevenção e Combate integridade agora podem contar com um rico
à Corrupção no município de Belo Horizonte, material, resultado de extensa pesquisa dos
auditora da Controladoria-Geral da União autores, que traz uma abordagem diferenciada
e eleva a discussão do tema. Trata-se de
uma referência no elo do compliance e
ciências comportamentais, no Brasil e no
exterior.
O livro “Muitos” é leitura obrigatória não
apenas para os profissionais de compliance,
mas também para executivos e todos
aqueles que buscam fomentar uma cultura de
integridade em suas organizações.
Carlos Ayres
Advogado especializado em compliance e
investigações.
8
O livro é uma valiosa contribuição aos profis- A obra “Muitos” traz uma abordagem nova
sionais de Compliance, por trazer os holofotes e inovadora, com respaldo nas ciências
para a questão do comportamento humano, comportamentais, de forma direta, simples,
essencial nos Programas de Compliance concisa e com diversos exemplos, que
efetivos, e muitas vezes negligenciada. Os incentiva o leitor a se questionar, refletir e
riscos vão além dos processos e sistemas. mudar estratégias
Pessoas, sua forma de agir e pensar, crenças e
para lidar no cotidiano com os personagens
valores, impõem desafios para o Compliance
Poucos e Muitos, entendendo a visão dos
Officer, e entender isso é o caminho para o
mesmos no que tange às suas ações certas
sucesso.
ou erradas, suportadas por vieses cognitivos,
Jefferson Kiyohara racionalizações, motivações ou oportunidades.
Diretor de Compliance da ICTS Protiviti
Marise Barreto
Gerente geral de Compliance da Petrobras
9
Agradecimentos
10
Ficha técnica
11
MUIT
Como as Ciências
Comportamentais podem
tornar os programas de
Compliance Anticorrupção
mais efetivos?
TOS
Carlos Mauro
Gabriel Cabral
Renato Capanema
Tânia Ramos Junho 2021
Sumário
14
72 3. Rumo a uma cultura 148 Considerações finais
de integridade
152 Glossário
3.1 Como se fazem as
coisas por aqui
3.2 O poder do líder
3.3 Tirando o Código
do papel
3.4 Não me fale
de Sócrates
3.5 O que os outros
fazem importa
104 4. A caixa de
ferramentas do
profissional de
compliance
4.1 Os três passos
de Abaroa
4.2 Os riscos da
análise de riscos
4.3 Como fazer o
programa de integridade
“pegar”?
4.4 Monitoramento
contínuo
15
Prefácio
16 Muitos
O livro começa com um feliz encontro de pessoas.
Em uma tarde típica de Brasília, com um sol de rachar, cansado,
depois de muitos voos na mesma semana, fiquei novamente
animado e cheio de energia. Em conversa com o Renato sobre os
rumos dos programas e políticas de compliance anticorrupção,
possivelmente não tão eficazes e eficientes como se imaginava,
chegamos à entusiasmante ideia de aproximar as aplicações das
Ciências Comportamentais à prática do compliance anticorrup-
ção no Brasil.
Pouco tempo depois, juntaram-se a nós o Gabriel e a Tânia,
igualmente motivados e interessados pelo tema. Esta equipe,
com dinâmicas diferentes ao longo do tempo, conseguiu colocar
em palavras um conjunto fundamental de conceitos, aplicações
e insights práticos com potencial de transformar como pensamos
os programas de compliance, introduzindo elementos cognitivos
e comportamentais nesse processo.
Com este livro, pretendemos ajudar os profissionais de
compliance a lidar com as dores típicas do dia a dia: “criei
um canal de denúncias, mas ninguém usa; implementei um
sistema de controle que parecia infalível, mas já descobriram
as brechas; ninguém parece levar muito a sério os treinamentos
de ética”. Se estamos falando em mudar comportamentos de
forma efetiva, faz todo sentido incluirmos o conhecimento das
Ciências Comportamentais ao que dizem os livros tradicionais
de compliance.
O timing não poderia ser mais interessante. Por um lado, as
Ciências Comportamentais vêm ganhando o mundo — prêmios
Nobel e publicações relevantes de grandes instituições multila-
terais, como OCDE, Banco Mundial, BID e Comissão Europeia.
Por outro lado, podemos observar uma mudança no mundo
do compliance anticorrupção. Os órgãos de fiscalização e os
próprios profissionais de compliance começam a exigir que os
programas sejam muito mais do que meras formalidades e que
sejam um meio para mudar comportamentos.
As Ciências Comportamentais trazem soluções novas para
problemas antigos e nos ajudam a entender por que muitas das
medidas de compliance que implementamos com a melhor
das intenções são, na verdade, armadilhas do ponto de vista
comportamental. Isso ocorre porque, como veremos ao longo do
livro, alguns dos nossos pressupostos sobre o comportamento
17 Prefácio
humano, mesmo aqueles que nos parecem intuitivos, podem ser
pouco realistas. As Ciências Comportamentais nos convidam
a pensar sobre por que podemos cometer desvios éticos sem
perceber e por que somos tão bons em criar justificativas para
nossos desvios. Mais importante, elas nos indicam o que pode-
mos implementar e mudar nos programas de compliance para
torná-los mais efetivos.
Carlos Mauro
Chief Scientific Officer, CLOO Behavior Insights Unit
18 Muitos
19 Prefácio
Introdução
20 Muitos
Tudo começou em 2013. Uma enorme indignação nas
ruas. A corrupção era o assunto do momento. Logo veio
a Lei Anticorrupção e a Lei de Organizações Criminosas.
Investigações, acordos de leniência, delações premiadas, Lava-
Jato. Era a primeira vez que as pessoas viam figuras importantes
sendo presas. Todos podiam ser responsabilizados, inclusive
as empresas. Responsabilidade objetiva, aplicação de multas,
dinheiro sendo recuperado do exterior. Ninguém mais parecia
estar acima da Lei.
Passados 7 anos, não há como negar que muita coisa mudou.
Quase todas as grandes empresas no Brasil já têm seu
departamento de compliance. Por todos os lados, observamos
procedimentos e controles surgindo para fazer com que as
pessoas “andem na linha”. Gestão de riscos, códigos de conduta,
treinamentos, due diligence, canais de denúncia, medidas disci-
plinares entraram de vez no dicionário corporativo. A legislação
e os regulamentos estão na ponta da língua dos profissionais de
compliance.
Avanços aconteceram, mas parece que falta algo. Toda vez que
falamos da efetividade dos programas de compliance, fica uma
dúvida se estamos fazendo da melhor forma possível. Qual a
métrica para sabermos se funciona ou não? Que garantia temos?
A verdade é que olhamos muito para o cumprimento de
requisitos legais e por vezes nos esquecemos do objetivo central,
da razão da existência dos programas de compliance: mudar
comportamentos. Esquecemos da integridade.
Não precisa ser assim. É possível conciliar compliance com
integridade. Se queremos mudanças efetivas, temos de voltar
nossa atenção para as pessoas, para o que dizem as ciências
comportamentais.
Nossa publicação surge desta necessidade: mostrar como os
profissionais de compliance podem incorporar as ciências
comportamentais para tornar os programas mais efetivos.
No primeiro capítulo, falamos de alguns dos mitos comuns que
fundamentam a criação dos programas. Por exemplo, que a
desonestidade é um problema apenas de pessoas mal intencio-
nadas — as chamadas “maçãs podres”. Ou que as pessoas fazem
cálculos de custos e benefícios a todo momento para decidir se
vão ser éticas.
21 Introdução
No capítulo seguinte, começamos a apresentar como seria “a
cara” de um programa baseado nas ciências comportamentais —
como uma pequena mudança na forma de pensar pode fazer uma
enorme diferença. Propomos uma “virada comportamental” na
forma de trabalhar o compliance, com maior atenção à ciência e
maior abertura para testes. E para erros.
Nos últimos capítulos, explicamos como os profissionais podem
incorporar as ciências comportamentais no seu dia a dia para
fazer o programa “pegar” na organização. Nós nos baseamos no
que dizem décadas de estudos científicos sobre o comportamento
humano para indicar formas de aprimorar alguns pilares dos
programas de compliance.
Ao falar da cultura organizacional, mostramos como tornar
mais persuasivos os treinamentos, os códigos de conduta e as
comunicações internas, e como podemos transmitir melhor o
compromisso da alta direção da organização.
Na parte das medidas de integridade, falamos dos cuidados
necessários do ponto de vista comportamental para colocar o
programa para funcionar — da análise de riscos ao monitora-
mento contínuo.
Tudo sob uma perspectiva diferente da que estamos acostuma-
dos: um compliance com foco nas pessoas, que fala menos de
leis e regulamentos e mais de comportamentos e das ciências
comportamentais. Uma abordagem direcionada a promover
comportamentos éticos de forma efetiva e sustentável.
Uma abordagem pluralista, pensada também para pessoas
comuns — os Muitos, como eu e você —, tomando decisões no
dia a dia corrido das organizações. Os Muitos que se consideram
honestos, mas que muitas vezes cometem deslizes éticos, seja
porque estão distraídos, seja porque são criativos.
Os Muitos que costumam ser deixados de lado, mas deveriam es-
tar no centro de um programa de compliance realmente efetivo.
22 Muitos
23 Introdução
1. Os mitos
sobre o
comportamento
desonesto
24 Muitos
1.1 O crime compensa
26 Muitos
para informar e conscientizar as pessoas sobre o que precisam
fazer para agir de forma íntegra.
Entretanto, de nada adianta conceber os comportamentos antiéti-
cos de maneira simplificada se essa concepção não é realista do
ponto de vista psicológico. Se olharmos uma segunda vez para
como as coisas são, fica fácil notar que a integridade é mais do
que uma questão econômica. Vejamos.
O primeiro passo é abrirmos a janela e olharmos para a rua. Se
a desonestidade tivesse a ver apenas com custos e benefícios,
veríamos crimes sendo cometidos por toda parte. As carteiras
teriam fechaduras e todas as lojas teriam grades. Apertos de mão,
contratos “de honra” e compromissos firmados verbalmente não
fariam nenhum sentido. Não vivemos num mundo assim.
O que podemos ver é que grande parte das pessoas age de
forma ética, mesmo quando não tem ninguém olhando.
Vizinhos deixam a chave uns com outros, os colegas de tra-
balho deixam seus pertences no escritório e amigos aceitam
promessas informais de pagamento, entre muitos outros
exemplos. As pessoas parecem ser desonestas surpreen-
dentemente poucas vezes tendo em conta as oportunidades
que têm.
Além disso, esta visão do ser humano como essencialmente
oportunista e egoísta é contrariada pela alta frequência de
comportamentos pró-sociais na sociedade, mesmo em certas
situações em que esses comportamentos implicam prejuízo
pessoal2. Sem contar com o fato de que essa forma de pensar
pressupõe que as pessoas têm tempo e disposição para ficar
fazendo cálculos sobre cada uma das coisas que fazem durante o
dia3. O que não é realista.
A verdade é que não exibimos a racionalidade idealizada pela
Teoria da Escolha Racional. Não tomamos decisões como um
homo economicus. É mais realista entender que grande parte
das decisões sensíveis do ponto de vista ético ocorrem de forma
rápida, automática e permeadas por processos cognitivos incons-
cientes. Voltaremos a este tópico no item seguinte.
Lembra do exemplo sobre estacionar na calçada? Pense agora
que você fez um cálculo rápido e decidiu quebrar as regras. Pela
perspectiva tradicional, a história acaba aí. A decisão foi tomada
28 Muitos
Afinal, uma vez que grande parte das nossas decisões é
realizada de forma rápida, automática e inconsciente, peque-
nas mudanças no contexto decisional têm tudo para fazer a
diferença. Integridade não tem a ver apenas com calcular
custos e benefícios. E isso muda tudo.
30 Muitos
atos desonestos continuariam ocorrendo. E muito. Mesmo os
grandes escândalos de corrupção.
Além disso, você ficaria surpreso ao ver que muitas das pessoas
que você achou que teriam desaparecido continuam por aí. Sim,
até mesmo aquela pessoa que você sabe que já fez, e ainda faz,
todo tipo de desvio ético. Até mesmo alguns daqueles corruptos
que estavam nas capas dos jornais.
A verdade é que a nossa perspectiva pode influenciar nossa
percepção sobre um comportamento. Uma mesma ação pode ser
entendida de forma diferente por quem fez e por quem está de
fora observando.
Ao saber que alguém cometeu um desvio ético, costumamos
fazer referências às suas características para explicar as causas
do seu comportamento. Dizemos que se trata de uma “pessoa
desonesta” ou que é o “tipo de pessoa” que comete desvios. Não
que se trata de uma pessoa honesta que pode ter cometido um
deslize. É o que psicólogos sociais chamam de a assimetria de
perspectiva entre ator e observador (p. 153).
Por exemplo, lembra daquela pessoa que fechou você no trânsito
outro dia? Provável que você tenha pensado rapidamente que
ela é uma pessoa sem educação ou uma péssima motorista. Mas
quando você fechou uma pessoa em outra ocasião, você prova-
velmente achou que foi por uma desatenção ou um azar — não
que você é uma pessoa sem educação ou um mau motorista.
No caso do erro do outro, pareceu que foi um erro causado pelo
tipo de pessoa que ela é. Por características internas à pessoa,
como sua personalidade ou seu caráter. No caso do nosso erro,
ainda que muito similar, temos maior facilidade para achar que
foram por causas externas, algo relacionado ao contexto.
Com os comportamentos antiéticos não é diferente. Tendemos
a explicar os desvios das outras pessoas (ex.: não preencher
corretamente um relatório) como se fosse uma prova do seu
caráter desonesto. Temos dificuldades para lembrar do papel
de fatores situacionais ao darmos sentido aos comportamentos
dos outros.
A pessoa pode ter esquecido — um lembrete teria resolvido —;
pode ter sido uma distração de um dia cheio — destacar alguns
pontos no relatório poderia ter ajudado a pessoa a se concentrar
32 Muitos
MUITOS POUCOS
34 Muitos
Funciona como uma conversa, uma negociação interna, em
que a pessoa se convence de que seu comportamento não é
tão ruim assim. E somos bons nisso, especialmente para o que
entendemos como sendo desvios de menor importância. Quanto
mais a pessoa perceber o que está fazendo como algo pequeno
(ex.: deixar de declarar alguns reais de um relatório), mais fácil
será criar boas justificativas e menor será a necessidade de
ser criativo7.
Trata-se de um equilíbrio complicado entre se beneficiar dos
atos desonestos o mínimo suficiente para não comprometer uma
autoimagem positiva. Não por acaso, nos estudos realizados por
cientistas comportamentais, as pessoas costumam se beneficiar
da desonestidade, mas só um pouquinho8.
Já ouviu falar do experimento das matrizes9? É um experimento
engenhoso que nos leva a compreender algumas dinâmicas do
comportamento desonesto dos Muitos. Dan Ariely e colegas
ofereceram a alunos de graduação do MIT a possibilidade de
ganhar até 10 dólares para participar de um estudo. Neste estudo,
os participantes deveriam tentar acertar o maior número de
questões, de um total de 20. A cada resposta correta, receberiam
50 cents. Logo, se acertassem tudo, receberiam 10 dólares; se
acertassem 8, receberiam 4 dólares. E assim por diante.
As questões eram fáceis: marcar o par de quadradinhos que
somados dão 10 em cada matriz (Ex.: 4.81 + 5.19), mas precisa-
vam ser respondidas em 5 minutos.
Na condição em que as respostas eram checadas — as pessoas
sabiam que seriam descobertas se trapaceassem — os participan-
tes acertaram em média 3.4 questões. Tendo essa referência do
quanto as pessoas acertavam, os pesquisadores resolveram dar
aos participantes a chance de trapacear.
Criaram, então, uma condição na qual outros participantes
sabiam que as respostas não seriam checadas — os participantes
poderiam triturar suas folhas de respostas e simplesmente
informar seus acertos. A média de acertos subiu para 6.1 —
receberam, em média, 1 dólar a mais que os participantes do
outro grupo.
Reparem, eles não reportaram ter acertado as 20 questões, o que
seria esperado se as pessoas estivessem fazendo apenas uma
análise de custo-benefício. De fato, ao longo dos experimentos
36 Muitos
Tabela 1. Mecanismos psicológicos de racionalização e desengajamento moral
Justificação moral Justificar um com- “Tenho que jogar duro: meus funcionários
portamento desonesto dependem de mim”
com base em algum
“Faço tudo o que for necessário para
propósito superior.
defender os interesses da empresa”
Desvalorização Minimizar as “Que mal faz ter pego 100 reais? Essa
ou distorção das consequências dos atos empresa fatura milhões”
consequências desonestos.
“Ninguém vai reparar a falta deste
equipamento”.
Licença moral (p. Dar para si mesmo uma “Eu sempre cumpro as minhas respon-
156) licença para cometer sabilidades, mereço tirar algum tipo de
um ato desonesto em benefício próprio”.
razão de ter feito ações
“Sei que sou um funcionário exemplar,
corretas ou pró-sociais
posso fazer uma coisa errada só dessa vez”
recentemente13.
38 Muitos
todos os lados. Falta espaço para decisões tomadas com a
atenção que merecem.
Isso se torna um problema porque decisões que tomamos com
menor grau de consciência e atenção tendem a aumentar a
chance de sermos desonestos19. Precisamos de maior autocontro-
le para agir de forma honesta do que de forma desonesta20.
Os Muitos também podem agir de forma desonesta porque
não perceberam sinceramente que estavam diante de um
dilema ético, que estavam fazendo algo errado. Nesses casos,
sequer chegaram a pensar que era preciso racionalizar
alguma coisa. Esses são os pontos cegos éticos21 (ethical
blind spots). Como os pontos cegos no trânsito, estão ali, são
perigosos e precisamos nos esforçar para conseguir vê-los.
Alguns pontos cegos são criados pelos nossos vieses. Em parti-
cular, pela forma que distorcemos nossa percepção da realidade,
sem perceber, para torná-la mais conveniente22 — os chamados
self-serving biases (p. 158). Ainda que não possamos perceber,
tendemos a achar que somos mais objetivos e imparciais do que
realmente somos em nossas avaliações23. Os outros podem ser
enviesados, injustos e parciais, mas nós não.
Esses vieses nos ajudam a entender, por exemplo, por que é
possível acharmos genuinamente que um parente ou um amigo
é a pessoa mais competente para um cargo que acabou de
abrir. Mesmo quando não são. Pode ter parecido uma avaliação
objetiva, mas não foi. É o tipo de coisa que está óbvio para
todos, mas que não conseguimos perceber por conta própria.
Outros pontos cegos que precisamos ter cuidado surgem da
dificuldade que temos para perceber mudanças que ocorrem de
forma gradual. Tendemos a ter maior dificuldade para identificar
quebras de integridade em nós mesmos24 e nos outros25 que
se desenvolvem lentamente no tempo, em vez de uma forma
abrupta — como numa “ladeira escorregadia” (slippery slope),
em que começamos a escorregar lentamente e quando percebe-
mos já estamos lá embaixo .
No interessante e didático documentário “(Dis)honesty: The
truth about lies”26, Dan Ariely relata uma série de casos reais de
pessoas que se envolveram em grandes casos de corrupção. Em
comum, os casos mostram a escalada sutil da desonestidade no
ambiente de trabalho ao longo do tempo. Um processo lento que
40 Muitos
1.3 Quanto mais controle,
melhor
42 Muitos
seus filhos. O estudo mostrou o efeito contrário do esperado.
Nas creches em que os responsáveis deveriam pagar multas,
os atrasos aumentaram. Multar as pessoas colocou um “preço”
em uma atividade que não deveria ter preço. Não foi um preço
suficientemente alto.
Aqui vale uma ressalva. Não seria razoável, ou mesmo legalmen-
te possível, colocar um preço (ex.: multas) elevado que, de fato,
conseguisse dissuadir os pais. Antes, os pais tentavam realmente
não atrasar, mas quando a multa foi instituída, passaram a tratar
os atrasos como um “serviço” que tinha um preço definido.
A multa lhes facilitou a vida — deixaram de ver os atrasos
como um problema ético e passaram a vê-lo como uma simples
transação comercial.
O que podemos fazer então? Esse é um quebra-cabeça difícil de
montar. As peças parecem não encaixar. Vejamos.
Por um lado, a ausência de controle parece funcionar bem para
os Muitos — os que não precisam de controle, mas dá espaço
para que os Poucos se aproveitem dessa brecha para cometer
desvios impunemente. Por outro lado, a presença de controle
efetivo parece funcionar bem para dissuadir os desvios dos
Poucos — os que precisam de controle, mas têm o efeito colate-
ral de diminuir a motivação intrínseca dos Muitos.
A solução é criarmos “mecanismos de controle que não se
pareçam com mecanismos de controle”. Isto é, que consigamos
aproveitar a parte boa dos mecanismos de controle sobre o
comportamento dos Poucos, mas sem os efeitos colaterais sobre
os Muitos. Voltaremos a esse ponto no tópico 4.3.
Poucos Muitos
Efetividade de políticas Pode ser alta, mas requer um Pode ser baixa. Os
tradicionais de integridade alto investimento, constância mecanismos de controle
e adaptação permanente podem criar um ambiente
dos incentivos (ex. controle, de desconfiança e diminuir a
recompensas e punições). motivação intrínseca. Além
de permitir mais oportunida-
des para racionalização.
44 Muitos
Notas do Capítulo 1 8. BERSOFF, D. M. Why 15. HSEE, C. K.; YU, F.;
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v. 6, p. 77-81, 2015.
46 Muitos
47 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto
2. Compliance
com foco nas
pessoas
48 Muitos
2.1 Os desafios do
profissional de compliance
50 Muitos
O mínimo em relação ao todo que poderiam desviar, que é o
máximo para que não se sintam mal.
Os programas de compliance devem ser pensados também
— e principalmente — para os Muitos. É uma questão de
estratégia e planejamento, de pensar qual a melhor forma de
alocar os recursos à disposição.
Primeiro, os desvios dos Muitos, quando consideramos de modo
agregado, podem constituir prejuízos maiores do que os desvios
dos Poucos. Afinal, milhares de pequenos desvios somados são
superiores a alguns poucos desvios de milhares de reais. Esse é o
grande perigo para as organizações. Não podemos nos esquecer
disso.
Segundo, a abordagem de “caça às bruxas” — com o foco nos
Poucos — costuma ser extremamente onerosa. É muito caro
implementar sistemas cada vez mais sofisticados para cobrir
todas as brechas. Sem contar com os grandes custos de manuten-
ção. Afinal, é preciso atualizar os sistemas cada vez que um novo
esquema de desvios é descoberto.
Para piorar, o orçamento — ou melhor, a falta dele — é um
grande desafio dos profissionais de compliance. Se o orçamento
é limitado, nada mais razoável do que direcionar mais recursos
para as áreas finalísticas da organização. Os argumentos a
favor do compliance têm peso, mas dificilmente superam as
necessidades latentes das outras áreas. Resta ao profissional de
compliance fazer muito com pouco.
Considere o seguinte exemplo hipotético: A CEO de uma
empresa de brinquedos está fazendo as contas para decidir como
alocar os recursos para o próximo semestre. Para saber onde
vale à pena colocar mais dinheiro, ela convida os chefes de
diferentes áreas para que mostrem seus resultados. O chefe da
linha de produção diz que substituiu alguns dos equipamentos
por máquinas mais modernas e aumentou em 30% a eficiência
da fábrica. O chefe do setor de publicidade relata que as novas
ações de divulgação aumentaram as vendas em 15%.
Chega a vez do chefe da área de compliance. No lugar de
gráficos e projeções, vemos a descrição de diversas medidas
implementadas nos últimos meses para prevenir e detectar
fraudes e corrupção, como novas diretrizes para avaliar a due
52 Muitos
Como fazer? São dois passos importantes que veremos nos
tópicos seguintes. Primeiro, temos de entender melhor o que
precisamos fazer para mudar comportamentos de forma eficaz.
Depois, como conseguir comprovar essas mudanças.
54 Muitos
comportamentais sabem que pode mudar a forma como fazemos
as coisas?
Primeiro, sabem que muitas vezes nossas ideias sobre que
medidas podem funcionar estão enviesadas. Que os nossos
vieses cognitivos (p. 158) podem nos levar a erros de uma
forma sistemática e previsível. Erros que poderiam ser evitados,
mas que são difíceis de perceber por conta própria.
Por exemplo, podemos achar que um novo sistema para prevenir
fraudes que estamos pensando em implementar será um grande
sucesso (otimismo excessivo, p. 157) e que poderá ser imple-
mentado rapidamente, coisa de duas semanas (falácia do plane-
jamento, p. 154). Duas semanas depois, só dores de cabeça e
prazos adiados. Mas o projeto, que agora já se sabe que é ruim,
continua. Afinal, já se investiu demais para que possa desistir da
ideia (falácia dos custos afundados, p. 155). Parece familiar?
Pior, ainda que nos sejam apresentadas informações que
demonstrem esses furos no projeto, vamos tender a dar maior
peso e buscar apenas o que confirma nossa crença inicial de que
se trata de um projeto promissor (viés da confirmação, p. 158).
Vieses como esses podem estar fazendo com que más ideias
pareçam boas.
E o interessante é que, por mais que vivenciemos dificuldades,
no fim do dia vamos achar que em geral nossas ideias são muito
boas, porque apenas nos lembramos de um ou dois exemplos
similares de sucesso que estão mais frescos em nossa memória.
Talvez porque negligenciamos o fato de que esses e outros casos
de sucesso são, na verdade, uma exceção à regra — veremos
esses dois pontos no tópico 4.2 ao falar de gestão de risco.
Por isso é sempre importante duvidarmos um pouco — como
costumam fazer os cientistas comportamentais — das nossas
compreensões das coisas e de nossas apostas sobre o futuro.
Segundo, dão maior atenção ao que dizem os estudos científicos.
Sabem que estudos publicados em revistas científicas tendem a
ser realizados com maior rigor metodológico (ex.: protocolos,
desenhos experimentais, revisão por pares etc.) e, por isso, são
mais confiáveis.
Mais importante: que as teorias científicas são sistematicamente
colocadas à prova por outros cientistas. É comum no meio
científico que pares estejam sempre revendo os dados e tentando
56 Muitos
pensamos para resolver qualquer desafio nas organizações
costumam se repetir?
Quer ver só? Imagine que você é um profissional de compliance
contratado por uma empresa que presta serviços de energia
para resolver o seguinte problema: os funcionários têm cobrado
uma “taxa” a mais — que vai direto para o bolso deles — para
acelerar serviços que já foram pagos à empresa . Como resolve-
mos esse problema?
Geralmente, pensamos em uma das três opções que apresentare-
mos a seguir — ou em alguma combinação entre elas.
A primeira delas é criar um conjunto de normas internas que
deixem claro que tipo de atividade não será tolerada, como
fazem os códigos de conduta ética. Essas normas geralmente
vêm acompanhadas de mecanismos de fiscalização e punição
para os desvios — os chamados atos de comando e controle.
Quanto mais eficazes em detectar desvios e duros em punir os
desviantes, melhor.
Entretanto, de nada adiantam as regras se não forem bem comu-
nicadas. Não podemos esquecer de comunicar o que se espera
dos funcionários de uma forma clara para todos. Pode ser que
muitos cometam esses desvios por não saberem que se trata de
um problema ético grave. Quanto mais treinamentos, instruções
e exercícios, melhor.
Por fim, podemos tentar solucionar o problema pela via dos
incentivos. Em vez de pensarmos em dissuadir os desvios com
punições, podemos tornar a alternativa ética mais vantajosa que a
antiética. Fazer com que a honestidade compense. Por exemplo,
pode ser criado um sistema de bonificações para quem segue as
regras. Quanto mais “lucrativo” for seguir as regras, melhor.
Essas são as ferramentas tradicionais: os atos de comando e
controle, as medidas de conscientização e informação e as
mudanças de incentivos econômicos. São o tipo de soluções que
os gestores normalmente têm à disposição para resolver todo
tipo de problemas nas organizações.
São medidas que podem até ser algumas vezes eficazes para
resolver os desafios nas organizações. Porém, grande parte das
vezes acabam sendo soluções pouco eficientes — alto custo para
poucos resultados.
Os Nudges
Na capa do livro Nudge, podemos ver uma mãe elefante empur-
rando seu filhote para que ele consiga ficar de pé — até que o
filhote eventualmente continue de pé sem precisar de ajuda. Sua
atuação foi um leve e sutil empurrãozinho, algo que o filhote
poderá nem ter notado.
Assim como fez a mãe elefante, as organizações e os governos
podem dar o empurrãozinho que falta para que as pessoas se
comportem da maneira que seja mais benéfica para elas e para
toda a sociedade. No lugar da tromba da mãe elefante que dá o
58 Muitos
empurrãozinho, podemos realizar alterações sutis no contexto
de decisão, sem retirar necessariamente opções de escolha e a
liberdade das pessoas.
São o tipo de coisa que costumamos julgar como irrelevantes,
mas que podem fazer toda a diferença. Pode ser, por exemplo, a
troca de uma palavra por outra em um comunicado do código de
ética ou uma mudança no horário de envio de um formulário de
compliance. Às vezes, basta um pequeno lembrete para conse-
guirmos uma mudança significativa de comportamentos.
Como explicam Thaler e Sunstein em Nudge:
“um nudge (...) é qualquer aspecto da arquitetura da decisão que
altera o comportamento das pessoas de forma previsível e sem
proibir nenhuma opção ou alterar significativamente os incen-
tivos econômicos. Para contar como um nudge, a intervenção
precisa ser simples e fácil de evitar” (2012, p.6).
Podemos não estar cientes deles, mas estão em toda parte. Ainda
que não conheçam nada sobre nudges, gestores e policymakers
os criam aos montes, todos os dias. Fazem isso, por exemplo,
na forma como estruturam um formulário ou como dispõem as
mesas no escritório.
Não por acaso, quando tomadores de decisão começam a
entender melhor sobre o nudging, sentem como se tivessem
despertado para uma nova forma de ver as coisas. Passam a
olhar a mesma situação de forma diferente, com mais atenção
aos detalhes que podem estar influenciando os comportamentos.
Coisas que não pareciam importantes, começam a chamar a
atenção.
É verdade que às vezes podemos pensar sobre a importância de
mudanças sutis no enquadramento de mensagens, nos efeitos da
ordem dos parágrafos ou de mudanças em uma ou outra palavra
no texto. Temos esse tipo de intuição de vez em quando. A
diferença do nudging é que se sugere que isso seja feito de forma
sistemática e com resultados previsíveis.
Talvez o exemplo mais famoso e simbólico de um nudge seja
a mudança da opção padrão (opção default). A opção padrão é
aquela selecionada caso não se faça nada, a que será escolhida
com o mínimo esforço possível. Esta técnica tem por base nossa
tendência à inércia45 diante de decisões difíceis ou que conside-
ramos chatas.
60 Muitos
forma no comportamento das pessoas. Mesmo sem essa inten-
ção, somos todos arquitetos de decisão sempre que planejamos
alguma intervenção ou fazemos alguma alteração no contexto
que as pessoas tomam decisões. Por isso é tão importante
conhecer os muitos fatores cognitivos e comportamentais que
podem influenciar a tomada de decisão.
A verdade é que há opções muito interessantes fora do “mundo
tradicional” que podem auxiliar o profissional de compliance —
e os nudges são um bom exemplo disso. Mostraremos de modo
prático como podem ser utilizados para promover a integridade
no tópico 4.3.
Nudges podem dar muito certo, desde que sejam criados
com base nas ciências comportamentais47 e testados —
testados direito.
62 Muitos
Se tivermos resultados ruins, não tem problema. Os prejuízos
serão pequenos porque ficarão restritos a uma pequena amostra.
Se os resultados forem bons, ótimo! Fizemos uma descoberta
importante e podemos escalar seus efeitos para todos.
Às vezes, não se trata de avaliar se um projeto todo é bom ou
ruim, mas pequenas nuances do que se pensou inicialmente. Por
exemplo, o que será que funciona melhor para um treinamento
de compliance, exercícios individuais ou em grupo? Será que
se for tudo digital as pessoas ficarão mais distraídas? Melhor
treinamentos a cada 6 meses ou talvez a cada 2 meses? Essas
nuances também podem ser avaliadas em estudos prévios à
implementação.
A opção mais adequada é a que demonstra os melhores
resultados com base em critérios objetivos, ainda que não tenha
sido a opção inicialmente considerada como a mais promissora
por todos. Por exemplo, pode ser que todo mundo ache que os
treinamentos devam ser feitos a cada 2 meses, mas que os dados
mostrem que nada se perde se forem feitos a cada 6 meses.
Todo processo ganha: maior objetividade — menos vieses — na
tomada de decisão; maior segurança e confiança sobre os resulta-
dos; e maior eficiência — de tempo e dinheiro — para descobrir
as medidas mais efetivas, o que vai funcionar na prática.
Mas isso é factível para se fazer no dia a dia corrido das
organizações? Afinal, fazer estudos e experimentos parece coisa
para cientistas.
Quando pensamos em experimentos, podemos imaginar pessoas
com jalecos brancos e frascos com borbulhas coloridas. É
comum acharmos importante fazer testes de forma sistemática,
mas ainda assim parece uma ideia distante da realidade das
organizações. Não precisa ser assim. Apesar de não ser algo
trivial, dá para fazer e costuma valer à pena no final.
Considere a seguinte situação hipotética: Uma grande rede
de fast food suspeita de desvios que chegam aos milhares de
reais na compra de insumos nas lojas. Depois de uma longa
investigação, os profissionais de compliance descobrem esque-
mas de notas fiscais falsas em várias filiais. Os envolvidos são
prontamente demitidos. É hora de pensar o que fazer para que
esses problemas não ocorram mais.
64 Muitos
No nosso exemplo, um experimento poderia ter sido feito para
sabermos se o novo sistema foi a causa do aumento da inte-
gridade no setor de compras — e para que possamos descartar
explicações alternativas.
Nos experimentos, distribuímos as pessoas (ou outras unidades)
de forma aleatória pelos grupos — alguns receberão interven-
ções e um grupo não receberá.
O grupo que não recebe a intervenção é chamado grupo de
controle. Esse grupo é fundamental, pois serve de contraste
para sabermos se as mudanças ocorreram por causa das
intervenções ou se ocorreram por outro(s) fator(es), externo(s) às
intervenções.
A comparação entre as mudanças observadas nos grupos de
intervenção e no grupo de controle vai nos permitir afirmar
com confiança que a mudança foi devida apenas à intervenção,
nada mais.
Voltando ao nosso exemplo hipotético, poderíamos ter feito o
seguinte49 para avaliar se o sistema de controle robusto pensado
originalmente — sem a aplicação das ciências comportamentais
— pela equipe de compliance funcionou. Primeiro, definimos a
amostra. Podem ser 150 lojas da rede fast food com característi-
cas similares (ex.: quantidade de colaboradores parecida, apenas
as dentro de centros comerciais ou shoppings etc.). Então, dividi-
mos a amostra em dois grupos de forma aleatória: 75 lojas farão
parte do grupo de intervenção; 75 do grupo de controle. Nas
lojas do grupo de intervenção, implementamos o novo sistema;
nas outras lojas, não fazemos nada.
A partir daí, comparamos os resultados entre os grupos ao longo
de alguns meses com base em critérios objetivos. Se desco-
brimos que, ao fim do estudo, apenas as filiais que receberam
o novo sistema tiveram redução do problema das notas fiscais
falsas, temos uma demonstração confiável — e convincente —
de que o sistema fez o que prometeu, que foi efetivo em promo-
ver comportamentos mais íntegros. É o resultado o qual quem
implementou o sistema gostaria de ver, mas que nem sempre
ocorre. Depois disso, será possível escalar com segurança o novo
sistema para todas as lojas.
Pode acontecer de descobrimos meses depois que as 150 lojas
tiveram resultados positivos parecidos. Isso indica que o sistema
As 6 fases
Falamos muito até aqui sobre a importância de se fazer testes
e da importância do rigor metodológico. Porém, não podemos
esquecer que os testes são a fase final de um processo. Antes
de testar as intervenções de forma rigorosa, precisamos decidir
que intervenções serão feitas. Aqui também ajuda se tivermos
um método.
Fica mais fácil quando dividimos o processo todo em 6 fases.
São elas: (i) a definição do desafio; (ii) diagnóstico dos “gargalos
comportamentais”; (iii) mapeamento dos fatores cognitivos e
comportamentais; (iv) o desenho das intervenções comporta-
mentais; (v) os testes e (vi) iterações e escalada dos resultados.
Vamos ver uma por uma.
Definir o desafio — Sem novidades aqui. Antes de tudo, é
preciso estar claro que dores que a organização quer resolver.
Que tipo de comportamentos específicos estão acontecendo,
mas não deveriam? Que tipo de ações as pessoas deveriam estar
fazendo, mas quase ninguém faz? Pode ser um código de ética
que ninguém lê, um canal de denúncias que ninguém acessa ou
relatório de compliance que ninguém preenche direito.
Diagnóstico dos “gargalos comportamentais” — Antes de
pensar nas soluções, precisamos de um diagnóstico preciso dos
problemas. Essa é a parte que caracterizamos de forma detalhada
como o comportamento indesejado ocorre atualmente. A ideia é
responder perguntas como: (i) Quem está realizando o compor-
tamento? (ii) Em qual contexto o indivíduo está inserido? (iii)
Qual é o processo de tomada de decisão? É preciso ver o que
está acontecendo de perto. Às vezes, pode ser necessária uma
66 Muitos
visita in loco: conversar com algumas pessoas, fazer pesquisa
quantitativa e/ou qualitativa; outras vezes, basta ter acesso a
certos dados ou aos materiais utilizados.
Mapeamento dos fatores cognitivos e comportamentais — Com
o diagnóstico comportamental em mãos, é hora de responder
outras perguntas: (iv) Que fatores da arquitetura da decisão
podem influenciar a tomada de decisão? (v) Que fatores
cognitivos e comportamentais são relevantes nesse contexto?
Esse é o momento de consultar artigos científicos, white papers e
experiências prévias para buscar as respostas e saídas para o pro-
blema. Diversos modelos de mudança comportamental podem
ser utilizados, como, por exemplo, o BASIC51 da OCDE.
Desenho das intervenções comportamentais — Mapeados os
fatores cognitivos e comportamentais, é hora de pensar nas
soluções, de decidir o que podemos fazer. Essa é a fase de
seleção das medidas mais promissoras a serem testadas. O
mapeamento prévio dos gargalos comportamentais embasará
quais intervenções podem ser utilizadas. Pode ser o caso de
pensarmos em criar um nudge (ex.: a ordem de alguns parágrafo,
lembretes, simplificação na escrita, sinalizações, mudanças no
timing de comunicações, entre outros); ou de utilizar algumas
ferramentas tradicionais — sempre com o cuidado de adaptar
a medida à realidade cognitiva e comportamental das pessoas
(ex.: a reformulação de um conjunto de treinamentos ou de um
sistema de controle que não tem funcionado bem). Depende
de cada caso.
Testes — Como temos falado desde o começo deste tópico,
precisamos testar boas ideias. Há diferentes formas de fazer a
avaliação de impacto das intervenções, das mais simples às mais
complexas. Isto é, das que podemos ter maior ou menor confian-
ça nos resultados do ponto de vista estatístico. O “padrão ouro”52
são os RCTs (Randomized Controlled Trial), muito utilizados
no meio médico em razão do seu alto grau de confiabilidade
para inferir relação de causalidade entre os efeitos encontrados
e as intervenções. São chamados assim porque têm um grupo
de controle e um ou mais grupos de tratamento, e porque a
distribuição das unidades (ex.: pessoas, lojas etc.) pelos grupos
é feita de forma aleatorizada, como no exemplo hipotético que
falamos da rede de fast food.
Intervenção
População elegível
Sem
intervenção
Grupo de controle
68 Muitos
69 2. Compliance com foco nas pessoas
Notas do Capítulo 2 41. Para mais informações 48. GRAF LAMBSDORFF,
sobre aplicação das ciências J. Preventing corruption
36. HUHTALA, M.; comportamentais a políticas by promoting trust:
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72 Muitos
3.1 Como se fazem as
coisas por aqui
Os dois sistemas
Podemos pensar na cultura organizacional como uma realidade
composta por dois sistemas distintos e complementares55.
O primeiro é o sistema formal de cultura. Esse sistema é
formado pelas regras, códigos e as diretrizes da alta liderança.
74 Muitos
É o que se espera das pessoas em razão da organização da
qual fazem parte e que representam. Está ligado a instituições,
não a pessoas.
Para perceber como as normas formais desse sistema funcionam
na prática, basta observar como as pessoas se comportam em
reuniões que envolvam várias equipes ou que contem com a
participação da alta liderança da organização.
As pessoas têm cuidado com o que vão falar. É preciso buscar
as palavras e usar os argumentos adequados. Todos se esforçam
para “vestir a camisa” dos valores da organização — fala-se
muito em integridade, ética e responsabilidades. Essa é a “cara”
da cultura formal.
Finda a reunião, todos podem relaxar e voltar às suas atividades.
As normas da organização saem de cena para dar lugar às
normas que valem para cada um dos grupos que compõem a
organização — os microssistemas informais de cultura.
Diferente do sistema formal, os microssistemas informais são
relativamente independentes entre si dentro de uma mesma
organização. O que vale são as normas partilhadas de maneira
informal por um grupo limitado de pessoas, o que elas costumam
tratar como aceitável ou tolerável, ainda que não esteja escrito
em nenhum lugar.
Podemos acabar descobrindo que há uma grande diferença entre
os padrões éticos entre equipes que trabalham poucos metros
uma da outra. Por exemplo, pode ser que a equipe que trabalha
no atendimento ao consumidor mantenha um ambiente íntegro
de trabalho, alinhado com as diretrizes formais da organização.
Mas, na sala ao lado, não podemos falar o mesmo em relação à
equipe de contabilidade.
Apesar de essas normas não estarem escritas em lugar algum,
não deixam de também ser fáceis de identificar. As evidências
do que vale para cada grupo estão por toda parte — como um
colega reage ao descobrir que o outro cometeu algum pequeno
desvio ético ou o que faz a chefia imediata ao descobrir o
que aconteceu.
O problema surge quando as normas informais de alguns grupos
internos são diferentes das normas formais da organização.
76 Muitos
Tabela 3. Sistemas formais e microssistemas informais da
cultura ética58
78 Muitos
Os líderes servem como um ponto de referência para todos na
organização. São poucas pessoas, mas com grande influência
sobre o comportamento de muitos. Por isso, os líderes — mais
do que qualquer um — precisam ser percebidos por todos como
um exemplo de integridade.
Repare que falamos de percepção. Esse é um ponto importante.
80 Muitos
comportamento dos membros dos seus times em comparação
com o grupo de controle (líderes “inativos”). Nas equipes em
que os líderes pediram para que as pessoas mentissem, os segui-
dores mentiram mais. Nas equipes em que os líderes reforçaram
a importância da honestidade, os seguidores mentiram menos.
Por isso é tão importante que os líderes não apenas deem o
exemplo e sejam percebidos como pessoas honestas, mas que
demonstrem publicamente seu apoio ao programa, seja com
palavras, seja com ações. Por exemplo, que tal ir além de um
statement genérico de apoio e participar de algumas sessões de
treinamentos do programa junto com todos?
Um esforço que pode ser pequeno para poucas pessoas, mas que
pode fazer uma enorme diferença para muitos. Essa aproximação
pode ser boa para aumentar os laços de confiança63 e colabo-
ração entre líderes e colaboradores. Lembra que falamos dos
problemas de se criar um clima de desconfiança na organização
no tópico 1.3?
Além disso, com uma comunicação mais estreita e transparente,
os colaboradores — e também os líderes — podem se sentir
mais seguros para falar de questões éticas abertamente: tirar
dúvidas, pedir conselhos, compartilhar suas dificuldades e
reportar mais problemas.
Os colaboradores vão retribuir esse tratamento com comporta-
mentos positivos para a organização64 — além de terem maior
dificuldade para racionalizar desvios contra uma organização
que os faz sentir acolhidos, ouvidos e respeitados65.
82 Muitos
Ao lado dos princípios e regras gerais, apresentamos soluções
concretas para os dilemas éticos que as equipes enfrentarão
nas suas atividades cotidianas. Junto com as proibições
gerais, deixamos claro os comportamentos específicos que
não serão tolerados.
Se queremos que o código sirva como um guia para os colabora-
dores, precisamos transformar o abstrato em concreto, palavras
louváveis e bonitas em uma lista de comportamentos específicos.
Como fazer?
Precisamos realizar um exercício de redução comportamental (p.
157). Isto é, “reduzir” ideias abstratas sobre integridade a um
conjunto de comportamentos concretos e relevantes.
Por exemplo, se o código não ajuda nada ao falar em “rela-
cionamento íntegro com a Administração Pública”, temos de
decompor esse princípio em comportamentos.
Imagine que se trata de uma organização que tem contratos com
o governo para manutenção de prédios. Sabemos que há uma
reunião semanal entre os gestores públicos e os colaboradores da
empresa para tratar de questões sensíveis do ponto de vista ético,
como compras de materiais e renovação dos contratos.
Sabemos também que os colaboradores que participam dessa
reunião não podem tratar, sugerir ou aceitar aditivos aos contra-
tos sem que haja comprovação de todos os serviços prestados.
Pronto! Já temos algo — um comportamento específico e
relevante — com que podemos trabalhar. Hora de passar isso
para o código.
Dessa forma, os colaboradores podem não apenas identificar
os dilemas éticos mais facilmente — evitando o problema dos
pontos cegos éticos —; como também saber qual a (única)
forma correta de agir — diminuindo o espaço para que possam
racionalizar seus desvios.
E como identificar esses dilemas? Ninguém saberá melhor do
que os próprios colaboradores da organização. Por exemplo,
por quais situações passam diariamente os profissionais que
trabalham com seguros de carros? Difícil que os profissionais de
compliance saibam de todas.
Com a lista criada em conjunto com os colaboradores, é hora
de determinar quais as respostas apropriadas para cada situação.
84 Muitos
de e-mails de outros clientes — o colaborador começa a pensar
que não deve ter problema “agilizar” o pedido.
Afinal, o código fala de “respeitar as leis” — e isso não deve
ser contra nenhuma lei até onde eu saiba — e tratar os clientes
“bem” — e o filho do chefe também é um cliente. Pronto.
Problema resolvido.
O que poderia ter sido feito de forma diferente? Simples. Se
sabemos — pelo menos suspeitamos — que essa é uma questão
recorrente, precisamos colocar no código de forma simples, clara
e direta.
Poderia ser algo mais ou menos assim: “Os colaboradores do
departamento de reclamações não podem jamais: (...) - aceitar
pedidos para ‘passar na frente’ ou ‘agilizar’ pedidos de algum
colega de trabalho nem de qualquer familiar (ex.: filhos, irmãos
etc.) de um colega de trabalho. Esse comportamento não será
tolerado nem por uma vez. Se tiver qualquer dúvida ou se sentir
pressionado por um colega ou chefe para fazer isso, você deve
passar a situação imediatamente para o setor de compliance”.
Terceiro: temos de ter cuidado para não normalizar69 o compor-
tamento antiético.
Reparou que fizemos questão de deixar claro que o comporta-
mento não será tolerado nem uma vezinha? Pode parecer algo
sem sentido, que estamos apenas afirmando o “óbvio”. Não é
bem assim.
Precisamos ter atenção com a mensagem que passamos sobre o
que as pessoas não devem fazer para evitar cair em uma armadi-
lha comportamental. Precisamos escrever com clareza e detalhes,
mas sem esquecer de fazer a ressalva de que o que estamos
descrevendo é incomum e reprovável — e que não será tolerado
nem uma vezinha. Essa ressalva pode parecer desnecessária, já
que é tão óbvia. Porém, isso faz uma grande diferença do ponto
de vista comportamental.
Por exemplo, se damos detalhes sobre um tipo de fraude que é
típica em um determinado segmento econômico (ex.: seguros),
e que os colaboradores devem estar atentos para essa situação,
temos de sempre deixar claro que não se trata de algo aceitável.
O que queremos evitar é que fique subentendido que se trata de
algo normal, algo que todos fazem.
86 Muitos
Em casos como esses, também podemos direcionar a atenção
para mudança de tendências — para as chamadas normas sociais
dinâmicas70 (p. 156). Voltaremos ao assunto das normas sociais
no último tópico deste capítulo.
Quarto: vale a pena reforçar para as pessoas que elas são
pessoas desonestas ao praticar atos desonestos.
Podemos dificultar as racionalizações com alguns pequenos
ajustes no enquadramento das comunicações do código de
ética.
Se sabemos que as pessoas utilizam os mecanismos de racio-
nalização para preservar sua autoimagem, uma solução é atacar
o problema na sua raiz. Isto é, chamar atenção para o impacto
negativo dos atos antiéticos sobre a autoimagem das pessoas.
Fica mais difícil criar justificativas convincentes se deixarmos
clara a associação entre as ações e as pessoas.
Por exemplo, será que faz diferença trocarmos a palavra “trapa-
ça” (a ação) por “trapaceiros” (as pessoas) em um comunicado?
Temos evidências de que sim.
Vejamos o que ocorreu neste estudo71: Os pesquisadores abor-
daram pessoas para participar de uma pesquisa. Os participantes
recebiam instruções similares, porém com uma diferença.
Metade dos participantes lia uma versão das instruções em que
se falava do problema de se trapacear (foco na ação) na pesquisa;
outra metade lia uma versão da instrução que falava do problema
dos trapaceiros (foco nas pessoas).
Metade recebeu esta instrução:
“Estamos interessados em saber o quão comum é a trapaça
(cheating is) na faculdade. Nós vamos jogar um jogo para que
possamos determinar a taxa aproximada de trapaças (rate of
cheating) como um todo, de forma que será impossível sabermos
se você está trapaceando (cheating)”
Outra metade recebeu esta versão da instrução:
“Estamos interessados em saber o quão comum são os trapacei-
ros (cheaters are) na faculdade. Nós vamos jogar um jogo para
que possamos determinar o número de trapaceiros (number of
cheaters) como um todo, de forma que será impossível sabermos
se você é um trapaceiro (a cheater)”.
88 Muitos
3.4 Não me fale de
Sócrates
90 Muitos
Quanto mais significado damos àquilo que aprendemos, usando
nossas próprias palavras e fazendo associações com o que
conhecemos de perto, mais conexões vamos estabelecer em
nosso cérebro sobre aquela atividade78 e mais fácil será reter
aquelas informações.
Sistemas de pontos podem ser interessantes — especialmente
para pessoas mais competitivas79 —, desde que a distância entre
primeiros e últimos colocados nunca seja muito grande. Assim,
ninguém fica desmotivado por achar que nunca chegará ao topo.
Que tal deixar por último as atividades que valem mais pontos?
92 Muitos
— e pedir para que as pessoas identifiquem os dilemas éticos
que passaram despercebidos pelos personagens.
Lembra que falamos que os exercícios não devem ser muito
fáceis? Uma boa ideia é pensar em uma estória um pouco mais
complexa e misturar situações em que o personagem agiu de
forma correta com situações que agiu de maneira questionável.
Por exemplo, podemos contar sobre o dia de um profissional
que trabalha com telemarketing. Dentre as dezenas de atividades
descritas, podemos adicionar algumas ações reprováveis no
meio, mas sem chamar a atenção.
Pode ser aquela coisinha feita logo antes do intervalo para o
almoço ou em meio a várias outras atividades e distrações.
Coisas que o personagem da história teria notado se tivesse
parado para pensar um pouco. Afinal, é assim que ocorrem as
coisas no mundo real. Não há avisos nem muita preparação.
Quando se percebe — ou recebe alguma advertência —, já
aconteceu. Já é tarde.
Antecipação
É importante que os treinamentos tenham atividades que levem
os participantes a antecipar a experiência das situações de
tentação81. Quanto mais verossímil, melhor. A ideia é fazer
simulações interativas que levem os participantes a experimentar
por alguns momentos como é viver uma situação “real” em que
são tentados a cometer desvios.
O tipo de coisa que é impossível de antecipar em treinamentos
teóricos ou rodas de debates sobre dilemas éticos. A verdade é
que aspectos teóricos, sem expressão concreta no dia a dia do
participante, costumam não valer muito no momento em que a
tentação é real, na hora que está acontecendo.
Para entender esse ponto, precisamos relembrar de uma distinção
importante que fizemos no tópico 1.2. Lembra que falamos dos
dois “eus” dentro de nós: o Eu que deveríamos ser (should self)
e o Eu que quer (want self)? Quem planeja é o nosso Eu que
deveríamos ser — prudente, previdente; mas no momento em
que a tentação aparece, o Eu que quer — impulsivo, imediatista
— assume o comando.
Um faz os planos de ano novo para parar de fumar; o outro
é o que aceita um cigarro no intervalo antes de uma reunião
importante82. Um se imagina fazendo dieta no almoço seguinte, o
94 Muitos
fazer. No lugar do que é o mais correto, começa a valer o que é
mais imediato.
Metacognição
A verdade é que temos grande chance de resistir às tentações se
conseguirmos parar para pensar — um exercício de metacog-
nição (p. 156) — sobre o que estamos fazendo. Porém, isso é
uma coisa muito difícil de fazer por conta própria, especialmente
no ambiente típico de muita pressa e pressão das organizações.
Se ninguém chamar sua atenção e pedir para você parar um
pouco, o mais provável é que você só se dê conta do que fez
horas depois — talvez cheio de arrependimentos. Os treina-
mentos podem ajudar as pessoas a serem seus próprios “amigos
sensatos”, a pessoa que vai pedir para que elas parem por um
momento e reflitam sobre o que estão pensando em fazer.
São as estratégias de metacognição85. Em comum, pedem para
que as pessoas parem um pouco e reflitam sobre o que estão
fazendo. Uma forma de devolvermos as rédeas para o nosso Eu
que deveríamos ser, o que costuma ser o mais íntegro, para os
momentos em que podemos cair na tentação.
Por exemplo, uma estratégia de metacognição interessante é
pedir às pessoas em momentos-chave para que se perguntem se
poderiam contar — integralmente — o que pretendem fazer para
seus colegas. Só o fato de parar para refletir um pouco antes de
decisões importantes já pode fazer a diferença.
Por isso é tão importante auxiliar as pessoas a criarem um plano
de ação86 para esses momentos, para que consigam se lembrar
de parar para refletir quando for preciso. Ao criar — e exercitar
— esses planos em um ambiente controlado como o de um
treinamento, fica mais fácil de lembrar o que fazer no momento
que surgir a tentação.
Esses planos podem seguir a estrutura da técnica chamada de
intenções de implementação (p. 155). Um exercício simples,
mas poderoso. Quanto mais automatizado estiver o plano de
ação, melhor. Mais facilmente vamos conseguir identificar os
gatilhos que podem nos levar a desvios éticos. Tem de ser o tipo
de coisa que a pessoa consiga lembrar sem muito esforço, em
meio a várias distrações e pressões do dia a dia nas organizações.
96 Muitos
desonesta na frente de todos e sem sofrer nenhuma penalidade
ou advertência por isso.
Nessa condição, de fato, o grau de desonestidade do grupo que
testemunhou o desonesto descarado aumentou muito. Porém,
é interessante notar que esse aumento só ocorreu nos casos em
que o desonesto descarado usava a camisa da faculdade onde era
realizado o estudo (Carnegie Mellon). Isto é, no caso em que os
participantes achavam que se tratava de um dos seus colegas,
alguém de dentro “do grupo” (in-group). Na condição em que o
desonesto descarado estava usando a camisa de outra universida-
de (Pittsburgh), alguém de fora do grupo (out-group), o nível de
desonestidade foi bem menor.
O poder do “time” exemplifica muito bem a importância das
normas sociais. Saber usá-las a favor da organização pode
faciliar — e muito — a missão dos profissionais de compliance.
Afinal, somos influenciados pelas normas vigentes no nosso
ambiente de trabalho, pelo que nossos colegas mais próximos
estão fazendo89.
98 Muitos
Grande parte das vezes, basta esclarecer o que a maioria
está fazendo. É comum termos uma impressão equivocada
sobre as normas sociais vigentes em determinado ambiente.
Podemos achar que estamos agindo de acordo com a maio-
ria, mas estamos, na verdade, sendo influenciados por uma
minoria “barulhenta”.
Por exemplo, podemos achar que ninguém costuma preencher os
formulários enviados pela equipe de compliance com atenção,
porque vimos alguns colegas fazendo isso. Mas isso pode ser
um engano — e cabe aos profissionais de compliance mostrar o
porquê. Que tal deixar exposto na parte de cima do formulário
algo como “96% dos colaboradores do setor preenchem todo o
formulário corretamente”.
Não é para mentir sobre os dados nem inventar nada, mas
mostrar às pessoas a realidade. Muitas vezes, o que falta para
mudar comportamentos é simplesmente atualizar a percepção
que as pessoas têm sobre as normas sociais vigentes. Isto é,
sobre o que a maioria está, de fato, fazendo.
É o que podemos ver em diversas políticas públicas implemen-
tadas por todo mundo. Por exemplo, um estudo95 realizado pelo
Banco Mundial em parceria com a autoridade fiscal britânica
(HMRC) testou o impacto de diferentes mensagens que transmi-
tiam normas sociais descritivas e injuntivas para que as pessoas
pagassem seus impostos de renda (income tax) em atraso.
Por exemplo, “Nove em cada dez pessoas pagam seu imposto em
tempo. Você faz parte atualmente de uma minoria muito pequena
de pessoas que ainda não nos pagaram” ou esta que transmite
normas injuntivas: “Nove em cada dez pessoas concordam
que todo mundo no Reino Unido deve pagar seus impostos em
tempo”. Ambas tiveram resultados positivos.
Porém, quando a maioria das pessoas age de forma errada,
esclarecer as normas sociais vigentes pode ser um tiro que sai
pela culatra. O problema é que as pessoas tendem a ajustar seu
comportamento ao da maioria, seja ele positivo ou negativo. É
o “efeito bumerangue” que explicamos no tópico 3.3. Como
vimos, não devemos mencionar que a maioria está fazendo algo
errado, nem para criticar.
100 Muitos
Notas do Capítulo 3 58. Adaptado de TREVINO, 64. TREVINO, L.
L. K.; NELSON, K. A. K.; WEAVER, G. R.
53. Para uma discussão mais Managing business ethics: Organizational justice and
alargada sobre o conceito Straight talk about how to ethics program” follow-
de cultura no âmbito das do it right. New York: John -through”: Influences on em-
ciências cognitivas, suge- Wiley & Sons, 2016. ployees’ harmful and helpful
rimos o seguinte artigo: behavior. Business Ethics
PRINZ, J. (2020); Culture 59. BRASIL. Ministério Quarterly, Cambridge,
and Cognitive Science. The da Transparência e v.11, n. 4, p. 651-671, 2001.;
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União, Set. 2018. Disponível
54. GROYSBERG, B; LEE, em: https://repositorio.cgu. 65. AMBROSE, M. L.;
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56. SIMÃO, V.; Emerging Leadership SHENHAV, A. OLIVOLA,
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102 Muitos
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104 Muitos
4.1 Os três passos de
Abaroa
106 Muitos
de ter a disposição — e os recursos — para arcar com custos
crescentes e que não podem ser interrompidos.
Isso ocorre porque, como veremos no tópico seguinte, a mudan-
ça de incentivos torna o comportamento das pessoas dependente
da manutenção e constante atualização dos incentivos. Um
pequeno descuido e tudo desmorona.
Foi o que aconteceu no nosso exemplo de La Paz. As medidas de
Abaroa tiveram impacto, em especial no curto prazo. Os prefei-
tos que sucederam Abaroa, no entanto, não tiveram a disposição
necessária para continuar com as medidas. Os procedimentos
não foram revisados e atualizados. As medidas ficaram obsoletas
e caíram em desuso. Em poucos anos, a corrupção voltou a
níveis semelhantes aos evidenciados em 1985.
E agora, o que deu errado?
Faltou monitoramento. Faltou avaliar periodicamente se tudo
estava saindo conforme o planejado. Ainda que o diagnóstico e a
estratégia de Abaroa pudessem ser promissores em um primeiro
momento, a manutenção dos efeitos positivos conseguidos
dependia de atenção permanente.
Os três passos de Abaroa nos dizem muito sobre a imple-
mentação dos programas de compliance nas organizações.
Temos de estar atentos: (i) aos riscos da análise de riscos;
(ii) às armadilhas comportamentais ao decidir que medidas
implementar e (iii) ao monitoramento contínuo das medidas
implementadas, mesmo das medidas que deram muito certo
de início.
Os desafios que Abaroa enfrentou em 1985 em La Paz são
semelhantes aos enfrentados por muitos profissionais de com-
pliance em suas organizações. Com uma diferença: hoje, quase
4 décadas depois, temos novas ferramentas e o conhecimento
sobre as aplicações das ciências comportamentais que ele
não tinha à época. Podemos fazer diferente e não cometer os
mesmos erros.
108 Muitos
Tudo indica que não. Os riscos — e até mesmo as consequências
caso o problema seja descoberto — são claramente distintos,
assim como as medidas adequadas para mitigá-los. Identificar
adequadamente os riscos é central para definir estratégias
efetivas de ação. Sem uma análise de riscos, a chance de gastar-
mos tempo e recursos à toa é muito grande.
Até aqui, nenhuma novidade. A importância da análise de riscos
é ressaltada em praticamente todos os eventos e manuais sobre
compliance. O Decreto97 que regulamentou a Lei Anticorrupção98
no governo federal, inclusive, não poderia ser mais claro com
relação a esse ponto: “O programa de integridade deve ser
estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as característi-
cas e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica (...)”.
Somos lembrados a todo momento sobre a necessidade de
avaliar os riscos e aprendemos um dicionário de termos: Nível de
risco, Impacto, Probabilidade, Apetite ao risco, Resposta ao risco
etc. A ideia é que se fizermos o dever de casa vamos ter um bom
diagnóstico. Será?
Sabemos o que deve ser feito e como deve ser feito, mas pouco
se fala sobre o que pode dar errado.
Ocorre que tem algo que costuma faltar nos manuais: muitos
dos nossos julgamentos sobre riscos podem estar permeados
por diversos vieses cognitivos. Aí que mora o perigo. Esses
vieses podem ocorrer de forma automática e inconsciente e
nos levar, muitas vezes sem que possamos perceber, a análi-
ses incorretas sobre os riscos de integridade na organização.
Vejamos. O grau de risco é determinado por um cálculo que
leva em consideração o impacto e a probabilidade de um evento
indesejado. Determinar o impacto costuma ser a parte mais fácil.
Afinal, conseguimos calcular questões como impacto financeiro
ou valores esperados de danos reputacionais ou materiais de
forma objetiva.
O problema maior está na probabilidade.
Isso porque nossa avaliação da probabilidade é, em geral, basea-
da em critérios subjetivos. Está ligada ao que nos parece o mais
razoável e coerente e tem por base nossas intuições e opiniões
pessoais — um “prato cheio” para os nossos vieses cognitivos.
110 Muitos
Muitas vezes substituímos de modo inconsciente uma pergunta
complexa — “qual a probabilidade de termos um colega afasta-
do por corrupção?” — por uma pergunta mais simples e fácil de
responder — “quão facilmente consigo lembrar de um exemplo
de um colega afastado por corrupção?”. É a chamada heurística
da disponibilidade (p. 155).
É o que explica porque ficamos com medo de andar de avião nos
dias seguintes a um grande acidente ou porque tantas pessoas
acham que os políticos são corruptos.
Além disso, nossas emoções acabam influenciando como avalia-
mos probabilidades e riscos100. Funciona assim: se uma atividade
nos causa emoções positivas, tendemos a achar que seus riscos
são baixos; se nos causam emoções negativas, tendemos a achar
que seus riscos são altos — a chamada heurística do afeto101.
Assim, se vivenciamos alguma situação que nos gerou fortes
emoções negativas, como no exemplo do colega afastado, vamos
achar que a chance de voltar a ocorrer é grande102. Mas isso não
é verdade. As chances de ocorrer outro episódio será a mesma
— nada mais que um caso isolado, independente do quanto isso
comoveu as pessoas.
Um interessante experimento mostra o quanto as emoções
mexem com a nossa avaliação de probabilidades. Em um estu-
do103, um grupo de participantes foi perguntado sobre o quanto
estariam dispostos a pagar para evitar 1% de chance de levar
um choque elétrico doloroso. O outro grupo deveria responder
quanto estariam dispostos a pagar para evitar 99% de chance de
levar o mesmo choque.
Em média, os participantes do primeiro grupo disseram que
estariam dispostos a pagar $7 para evitar o risco, enquanto que
no segundo grupo o valor médio foi de $10.
Uma diferença no sentido esperado — risco maior, valor maior,
mas não na magnitude esperada. Afinal, existe uma diferença
gritante entre as chances de levar o choque entre dois cenários
— 1 e 99% — que não se refletiu na diferença dos valores
que as pessoas estariam dispostas a pagar — $7 e $10. O que
deveríamos esperar eram valores bem menores para o grupo de
risco menor, o que não aconteceu.
Por que isso ocorreu? Os valores pagos para evitar um risco
quase inexistente e um quase certo foram tão próximos porque
112 Muitos
Tabela 2. Checklist de perguntas para detectar enviesamentos na
avaliação de riscos (adaptado)
As 7 perguntas
3. Influência do que está mais As recomendações do grupo têm por base apenas exemplos
fresco na memória recentes e impactantes? Como vimos no exemplo da
empresa B, as pessoas podem dar uma atenção especial a
eventos que tenham acontecido recentemente e que estão
frescos na memória — ainda que sejam pouco relevantes ou
casos isolados. A solução aqui é que todos se esforcem para
também trazer exemplos menos conhecidos e comentados.
4. Viés da confirmação Foram consideradas outras opções? Uma vez que o grupo
identifique o que parece ser uma boa ideia, a tendência é que
as pessoas apenas busquem, interpretem e se lembrem de
informações que dão suporte a essa ideia. Por isso é preciso
estar atento para saber se as pessoas também estão tentando
dar atenção a possíveis evidências que vão de encontro à
ideia que parece a mais promissora.
114 Muitos
4.3 Como fazer o programa
de integridade “pegar”?
116 Muitos
Segundo, temos de começar a pensar como cientistas comporta-
mentais na hora de decidir a respeito das medidas de integridade:
sabermos que muitas vezes as pessoas não vão reagir às medidas
como se fossem pessoas super racionais ou como se tivessem
atenção ilimitada. Isto é, começarmos a trocar os “ses” por uma
perspectiva mais realista sobre como as pessoas comuns —
emocionais, distraídas e facilmente confusas — vão responder às
medidas no meio do caos que é o dia a dia nas organizações.
Foi o que fizemos em relação ao fomento de uma cultura de
integridade no capítulo 3. É o que faremos agora em relação
aos instrumentos dos programas de compliance para detecção e
punição dos desvios éticos.
Por exemplo, como resolver o problema daquele canal de denún-
cias que custou caro, mas ninguém utiliza? Ou do novo sistema
de controles que parece servir apenas para atiçar a criatividade
das pessoas para criar meios cada vez mais sofisticados de
burlar as regras?
Nos 5 tópicos a seguir, vamos explicar o que podemos fazer
para que diversas medidas relevantes do programa “peguem”
na organização.
118 Muitos
mas podemos diminuir seus efeitos colaterais sobre a motivação
dos Muitos.
Para visualizar como podemos fazer isso na prática, temos antes
de entender que há dois tipos de motivação: a intrínseca e a
extrínseca.
A motivação intrínseca109 é aquela que “vem de dentro”. É o que
nos motiva a fazer algumas coisas porque achamos interessante
ou importante. Por exemplo, cuidar dos nossos filhos, aprender
a tocar violão ou sermos pessoas honestas. São atividades que
nos motivam ainda que não nos tragam vantagens econômicas
ou reputacionais — o tipo de coisa que continuamos fazendo
mesmo quando não tem ninguém olhando.
Por outro lado, existem atividades que as pessoas não acham
interessantes ou importantes por si só. Precisam de incentivos
que “vêm de fora”, como recompensas e punições — de mais
motivação extrínseca. É o caso das comissões para motivar
vendedores ou dos valores pagos por hora extra para motivar as
pessoas a ficarem além do horário.
Se sabemos que a grande maioria das pessoas — os Muitos —
são intrinsecamente motivadas para agir de forma ética110, por
que não somar a isso os incentivos extrínsecos? Assim, podem
ficar duplamente motivadas. Vão agir honestamente porque
acham importante e porque vão ser recompensadas — ou deixar
de ser punidas — por isso. Une-se o útil ao agradável.
Essa é uma combinação que faz sentido de um ponto de vista
lógico. É, inclusive, o raciocínio comum nas organizações.
Porém, é uma opção arriscada do ponto de vista comportamen-
tal. É um bom exemplo de uma armadilha comportamental que
pode ser evitada.
Achamos que quanto mais motivações, melhor. Isso é verdade,
porém, apenas quando pensamos em dar mais incentivos
extrínsecos para atividades para as quais as pessoas possuem
pouca ou nenhuma motivação intrínseca. Por exemplo, aumentar
o valor pago por horas extras de trabalho em atividades que os
colaboradores não estão intrinsecamente motivados, mas não
para motivar as pessoas a agir de forma ética.
Os incentivos extrínsecos não “combinam” muito bem com a
motivação intrínseca das pessoas. Lembra que falamos do efeito
de crowd out da motivação intrínseca no tópico 1.3? É como se
120 Muitos
A mesma ideia se aplica quando criamos incentivos para fazer
com que as pessoas ajam de forma honesta. Até podemos
conseguir obrigar as pessoas a agir de forma honesta com
recompensas, ameaças e controle por algum tempo — pouco
tempo. Porém, pagando um preço bem alto: deixamos um
comportamento que elas fariam por conta própria dependente da
manutenção e revisão constante desses incentivos.
Não costuma ser viável para as organizações por ser muito
custoso, tampouco viável para os colaboradores, que passam
a viver em um ambiente de desconfiança e em que se sentem
controlados.
O que podemos fazer? Se queremos mudar comportamentos
de forma eficaz e sustentável, sem gastar tanto ou atrapalhar
muito a vida das pessoas, o primeiro passo é sabermos que
chaves mudar.
No lugar de pensarmos em como regular mais eficazmente “de
fora” com incentivos, podemos pensar em autorregulação. Isto
é, de que forma podemos ajudar as pessoas a criarem estratégias
efetivas para superar os obstáculos comportamentais que as
atrapalham a agir de forma mais honesta no dia a dia. No lugar
de motivar por controle e incentivos, podemos dar suporte para a
motivação intrínseca que os Muitos já têm.
Dessa forma, podemos criar um ciclo virtuoso de motivação,
bem-estar e performance, o que pode ser observado em estudos
em diversas áreas, como compliance de regras de segurança
no trabalho111.
Os psicólogos Edward Deci and Richard Ryan, proponentes
da Teoria da Autodeterminação (Self-determination theory)112,
mostram-nos um caminho promissor. Se queremos que as pes-
soas estejam intrinsecamente motivadas para agir de forma ética,
devemos nos perguntar se os mecanismos de controle que temos
em mente estão nutrindo suas necessidades psicológicas funda-
mentais de autonomia, competência e conexão (relatedness).
Em outras palavras, se os mecanismos de controle forem
percebidos (i) apenas como uma política da organização, (ii)
algo muito difícil ou complicado ou (iii) como algo que ninguém
parece ligar ou levar muito a sério, as pessoas vão perder o
interesse genuíno — e sua motivação intrínseca — para seguir
as regras.
122 Muitos
honestidade). Vai fazer com que se sintam competentes, mas sem
tirar sua motivação intrínseca.
Terceiro, a conexão (relatedness). Parte do que nos mantém
intrinsecamente motivados em algumas atividades é poder
interagir e nos conectar com outras pessoas que estão fazendo
o mesmo. Não basta ser autônomo e pouco complicado, tem de
ser uma atividade social. É o que nos faz buscar clubes, grupos
e associações de atividades de que gostamos — das coisas que
fazemos mesmo sem precisar de incentivos extrínsecos.
Ajuda se conseguirmos fazer com que os colaboradores vejam
os profissionais de compliance como partes de um mesmo time.
Algumas dicas podem ajudar.
Primeiro, não podemos nos esquecer de que a integridade é um
desafio coletivo — seja na casa das pessoas, nos governos ou nas
empresas — e que só pode ser vencido com a ajuda de todos.
Profissionais de compliance podem começar a ver os colabora-
dores como aliados, não como potenciais riscos, nesse processo.
É uma forma diferente de ver as coisas. No lugar de falar em
ética como uma responsabilidade exclusiva do departamento de
compliance, podemos promover uma percepção de responsa-
bilidade compartilhada por todos na organização. Profissionais
de compliance podem sempre se comunicar falando em “nós”
ao falar sobre o que as pessoas devem fazer — em vez de “eles
precisam” ou que os “colaboradores devem”, podem começar a
falar que “devemos todos” ou que “nós precisamos”.
Segundo, podemos deixar sempre claro para as pessoas o que a
maioria está fazendo. Lembra que falamos do papel das normas
sociais no tópico 3.5? A ideia aqui é a mesma, porém aplicada
ao desenho e à comunicação dos mecanismos de controle. O
importante é que os colaboradores não tenham dúvidas de que
seus colegas também estão levando a sério — e aprovando — os
mecanismos de controle.
Por fim, se queremos que as pessoas se sintam conectadas,
precisamos pensar em como criar um clima de confiança. Essa
não é uma tarefa fácil. Confiança é o tipo de coisa difícil de
construir e muito fácil de destruir. Pode demorar um tempo até
que as pessoas se sintam seguras para tirar dúvidas ou contar que
cometeram alguns erros.
124 Muitos
Dois olhos às vezes veem melhor do que quatro
O diagnóstico da avaliação de riscos não deixa dúvidas: é
questão de tempo até termos problemas ligados aos processos
licitatórios com o governo.
A interação entre colaboradores e funcionários públicos é
necessária, mas perigosa. Faz parte tirar dúvidas, confirmar
informações, saber se é preciso complementar alguma coisa e
buscar alternativas. Porém, daí para a conversa mudar de tom
falta muito pouco.
Basta que um colaborador disposto a fazer de tudo para garantir
um contrato encontre do outro lado do balcão um funcionário
público disposto a cooperar em troca de alguma vantagem. Um
risco enorme para todos: para o colaborador, para o funcionário
público e para a empresa contratada.
Difícil pensar no que podemos fazer para evitar que isso ocorra.
A primeira ideia que nos vem à cabeça é incluir mais pessoas
nessas interações. Ter uma segunda pessoa para supervisionar é
uma forma de constranger e limitar as possibilidades de quem
pretende fazer algo errado. As pessoas vão se sentir “vigiadas”
e pensar duas vezes antes de fazer algo errado. No mínimo, vão
ter um trabalho muito maior para conseguir levar adiante seus
planos, o que já ajuda.
Melhor ainda se a mesma ideia for implementada do outro lado
do balcão. Provável que os riscos sejam menores se as interações
forem realizadas por duplas — melhor ainda se fossem trios, e
assim por diante. Afinal, corromper duas pessoas vai ser sempre
mais arriscado e custoso do que corromper apenas uma119.
Não por acaso costumamos pensar em adicionar supervisores
para as operações sensíveis do ponto de vista ético, sejam inte-
rações com funcionários públicos ou operações que envolvam
valores elevados. Algumas atividades mais arriscadas devem ser
realizadas por, pelo menos, duas pessoas. Só para garantir.
Esse é o chamado princípio dos “quatro olhos”, sempre muito
lembrado na hora de estruturar um programa de compliance.
O princípio dos “quatro olhos” é muito intuitivo. É aí que
mora o perigo. Quando olhamos para o que mostram as evi-
dências científicas, vamos perceber que incluir mais “olhos”
nas interações pode gerar mais problemas que soluções.
126 Muitos
o passar do tempo, ainda que sem perceber, mais lenientes (to
turn a blind eye) e cúmplices com desvios éticos125.
Isso significa que devemos parar de incluir mais pessoas em
decisões importantes para evitar desvios éticos?
Não, de forma alguma. O problema não é o trabalho em grupo
em si, mas alguns riscos comportamentais que vêm “junto com o
pacote”. O lado bom é que esses riscos podem ser minimizados
se tomarmos alguns cuidados.
Primeiro, não podemos medir esforços para ressaltar a responsa-
bilidade individual de cada membro do grupo. Uma boa estraté-
gia é atribuir responsabilidades específicas para cada um dentro
do processo de tomada de decisão. Podemos também dar alguns
“empurrõezinhos”, os nudges, como lembretes e compromissos
para relembrar as pessoas da sua responsabilidade individual.
Falaremos sobre esses “empurrõezinhos” ao fim do tópico 4.3.
Segundo, sempre que possível, podemos promover o rodízio dos
supervisores. De preferência, feito por sorteio e de forma anôni-
ma para que os colaboradores não tenham como saber com quem
trabalharão em seguida. Dessa forma, não damos tempo para
que supervisores e supervisionados possam desenvolver relações
de lealdade e reciprocidade mútua e conseguimos minimizar os
efeitos colaterais dessa aproximação.
128 Muitos
Pode ser que um colaborador já tenha recebido propinas várias
vezes nos últimos meses sem ter sido pego. Sua percepção vai
ser provavelmente que o risco percebido é de praticamente
zero126, ainda que o risco real tenha aumentado consideravel-
mente. Ou que tenha ouvido a história de um colega que teve
de fazer uma viagem a trabalho, mas que na verdade foi punido
por ser pego recebendo propina e o processo corria em sigilo. As
possibilidades são muitas.
Pior, mesmo que ele tenha sido pego uma vez e sofrido uma pu-
nição nesse tempo, isso não garante que atualizará sua percepção
de risco para cima. Mais fácil ocorrer o oposto disso em razão de
um viés cognitivo conhecido como a falácia do apostador.
O nome dado ao viés já diz muito. Imagine que você jogou um
dado de 6 lados duas vezes e nas duas saiu o número 2. Qual a
chance de sair o número 2 uma terceira vez? Parece improvável,
certo? Na verdade, as chances de sair uma terceira vez são
idênticas às da primeira vez, por volta de 16%.
Um conjunto de estudos com criminosos condenados127 indica
que a experiência de ser pego uma vez faz com que concluam
que é menos provável que tenham o “azar” de serem pegos
novamente. É como se tivessem “gastado” toda sua má sorte na
primeira vez — a mesma ideia que nos leva a achar que não é
possível cair o número 2 uma terceira vez. É aqui que erramos
em nossas apostas.
Mas isso tudo se resolve se conseguimos passar para as pessoas
o número real das chances de serem pegos, certo? Essa também
pode ser uma ideia perigosa.
Lembra que dissemos que as chances de auditoria passaram
de 1% para 7%? Em termos de alocação de recursos e dos
riscos reais, esse é um aumento gigante. Porém, em termos da
percepção das pessoas, poderá continuar parecendo um risco
insignificante. Afinal, cada um provavelmente pensará que é
mais cuidadoso e mais esperto que os outros e que não entrará
para as estatísticas negativas128.
Uma aposta muito ruim que muitas pessoas vão fazer.
Para termos uma ideia, alguns estudos de criminologia apontam
que percepção de risco tem que ser de pelo menos 30% para
dissuadir as pessoas129. Isto é, quando as pessoas acham que
poderão ser pegas na segunda ou terceira tentativa, começam
130 Muitos
Vamos nos colocar no lugar de um denunciante por um instante.
O colega de trabalho está envolvido em um esquema de corrup-
ção. O mais justo seria denunciar, fazer a verdade prevalecer.
Mas que tipo de pessoa entrega o colega? Possivelmente alguém
em quem não podemos confiar, um traidor.
Eis o dilema enfrentado pelo denunciante: ser justo (fair) ou
leal? O que é mais importante?
Essa é uma escolha muito difícil. Primeiro, porque não parece
existir uma resposta objetivamente melhor. Os dois valores são
importantes e podem ser percebidos como corretos do ponto de
vista moral.
O denunciante pode entender que agiu de forma correta nas
situações em que foi imparcial e “promoveu a justiça”, fazendo
a denúncia. E também pode sentir que age de forma correta
quando opta por ser leal com os seus colegas ou mesmo quando
procura proteger a reputação da instituição que representa, não
denunciando.
Apesar de os dois caminhos poderem ser percebidos como
corretos pelo denunciante, é inegável que para a organização
o melhor é que a denúncia ocorra. Afinal, desvios éticos são
difíceis de descobrir e costumam escapar pelas brechas dos
sistemas de controle. O protagonismo no descobrimento de
irregularidades tem de ser das denúncias, não dos mecanismos
de controle. Basta ver como os grandes casos de corrupção
costumam ser descobertos.
A verdade é que essa não precisa ser uma decisão tão difícil para
o denunciante. Podemos aliviar o peso dessa decisão e ajudar as
pessoas a sentirem-se mais confortáveis para denunciar.
Se sabemos que as pessoas vão enfrentar esse dilema sempre
que souberem de algum desvio feito por um colega, temos de
pensar em como ajudar as pessoas a pensarem mais pelo lado
da justiça quando estiverem pensando sobre fazer denúncias.
Para isso, podemos ir além das estratégias para ressaltar a
importância da justiça em treinamentos e comunicados internos
e pensar em mudanças no enquadramento do canal de denúncias.
O estímulo certo tem de estar lá, na hora certa, quando as
pessoas estiverem olhando para a tela do computador e pensando
se devem ou não denunciar alguém da sua equipe.
132 Muitos
injustiças, favoritismos, discriminação e segregação. Enfim, o
que sirva para que as pessoas possam relembrar da importância
de ser justo na hora de tomar a decisão.
Uma pequena diferença de enquadramento, mas que pode fazer
uma enorme diferença para fazer o canal de denúncias “pegar”.
134 Muitos
O empurrãozinho nesse caso pode ser um lembrete ético
colocado no lugar e momento certos. Algo que consigamos
perceber mesmo em meio às distrações do dia a dia.
É melhor evitar lembretes muito genéricos ou ambíguos sempre
que possível. Quanto mais específico e claro for o lembrete,
mais difícil será que as pessoas consigam utilizar mecanismos
de racionalização para justificar seus atos, como comentamos no
tópico 1.2.
Os lembretes podem ter diversas formas e nem sempre precisam
parecer com os lembretes que utilizamos no dia a dia, como uma
uma frase exclamativa e óbvia (ex.: seja uma pessoa honesta!) ou
uma imagem sugestiva.
Pode ser uma pergunta. Por exemplo, os pesquisadores pediram
em um estudo141 para que os participantes fizessem um teste de
memória antes de uma atividade em que teriam oportunidades
de trapacear. Metade dos participantes teve de tentar lembrar do
nome de 10 livros que haviam lido no colégio; outra metade teve
que tentar lembrar dos Dez Mandamentos.
Só houve evidências de desonestidade no primeiro grupo. Tentar
lembrar dos Dez Mandamentos acabou servindo como um
lembrete ético, um “empurrãozinho” mesmo para quem não era
religioso.
É um ótimo exemplo de um lembrete ético para ser utilizado em
um estudo, mas uma ideia pouco prática — até sensível em razão
da proteção da liberdade religiosa dos colaboradores — para
servir como intervenção comportamental em uma organização.
Porém, é útil para nos dar algumas ideias interessantes. Que tal
um pop-up que aparece antes de pessoas começarem a preencher
um relatório com essa pergunta: “Você acha importante ser uma
pessoa honesta?”.
Os lembretes éticos também podem ser mensagens de agrade-
cimento. Em outro estudo142, a inclusão de uma mensagem de
agradecimento pela honestidade foi o suficiente para duplicar o
valor médio pago por jornais colocados em caixas de venda de
rua que não tinham nenhum controle para impedir que as pessoas
pegassem o produto sem pagar — as chamadas honesty boxes. O
mesmo que não aconteceu com mensagens com tom ameaçador.
Veja os exemplos das frases abaixo:
Ético “Este jornal custa €0.60. Obrigado por ser honesto.” €0.383
Visibilidade (VIsibility)
Têm vezes que as pessoas agem de forma desonesta porque têm
uma percepção — normalmente falsa — de que ninguém está
“de olho” no que estão fazendo. Sabem que o que pretendem
fazer é errado e que os outros também acham errado, mas
subestimam o fato de que seus colegas e supervisores vão
perceber. Nossa ilusão de anonimidade pode ser um perigo.
Vejamos esses dois exemplos. Os participantes de um estudo143
trapacearam mais quando participaram de uma atividade em
uma sala com iluminação fraca em comparação com outro grupo
que fez a mesma atividade em uma sala bem iluminada. No
mesmo sentido, consumidores pagaram quase três mais vezes
pelo cafezinho quando havia a imagem de olhos acima de uma
honesty box do que quando havia uma imagem de flores144.
Uma iluminação mais forte ou imagens de olhos faz as pessoas
perceberem, ainda que de forma inconsciente, que a reputação
deles está em jogo145, que alguém pode estar observando.
Podemos replicar essa ideia criando nudges que aumentem a
percepção de que os outros estão vendo o que você está fazendo.
Pode ser diminuir a altura das divisórias de escritório, aproximar
as mesas ou trocar paredes maciças por paredes de vidro. Pode
ser criar formas de feedback regulares entre os integrantes de
uma mesma equipe. Enfim, o que possa servir em cada contexto
para lembrar as pessoas que seus colegas estão “de olho”.
136 Muitos
Autoengajamento (SElf-engagement)
Há contextos em que as pessoas agem de forma desonesta
porque não conseguem fazer a ligação entre o ato que estão
realizando e seus valores éticos.
É o que falamos no tópico 1.2, quando explicamos a diferença
entre o nosso Eu que deveríamos ser — prudente e previdente —
e o Eu que quer —impulsivo e imediatista.
Que empurrãozinho podemos dar para fazer com que o
primeiro Eu continue nas rédeas no momento em que surgem as
tentações?
Uma estratégia é permitir que o nosso Eu prudente possa tomar
decisões agora que vão vincular as ações do Eu impulsivo no
futuro. Dá pra fazer isso com a construção de compromissos
baseados nas ciências comportamentais. Isto é, compromissos
que sirvam para fazer com que as pessoas queiram ser — e
parecer — consistentes com o que tenham dito anteriormente.
Um tipo de compromisso bem diferente do que estamos
acostumados: daquelas dezenas de páginas sobre pontos
genéricos de compliance com um espaço para assinatura ao
final — do tipo que a pessoa assina sem achar que precisa ler.
Para ser eficaz em alterar comportamentos, os compromissos
têm de ter uma “cara” um pouco diferente.
Primeiro, precisam ser específicos146. É a mesma ideia do que
falamos no tópico sobre os lembretes. Se utilizarmos linguagem
abstrata ou ambígua, as pessoas vão acabar achando formas de
racionalizar para não enquadrar suas ações como um desvio
ético.
Assim, melhor que pensarmos em compromissos genéricos
como “ser honesto” ou “agir de forma idônea”, é dar nome
aos “bois”. Por exemplo: “Eu me comprometo a não oferecer
qualquer tipo de presente ou vantagem a agente público respon-
sável por tomar decisões que possam beneficiar a empresa”.
Segundo, têm de ser feitos a partir de uma escolha ativa147 das
pessoas. Algo que decidiram fazer por conta própria porque
estão convencidos, não por se sentirem pressionados por qual-
quer razão. Para dar certo, o compromisso tem de ser como uma
“herança” que o nosso Eu que deveríamos ser escolheu deixar,
de forma livre e consciente, para o nosso Eu que quer.
CARTÃO DE COMPROMISSO
Eu me comprometo a não
oferecer qualquer tipo de
presente ou vantagem a
agente público responsável
por tomar decisões que
possam beneficiar a empresa.
Foto
Assinatura
138 Muitos
Essas intervenções podem ser o empurrãozinho que faltava
para que as pessoas se comportem de forma ética — para fazer
o programa de integridade “pegar”. Podem gerar mudanças
significativas no comportamento das pessoas por uma fração do
custo e tempo necessários de outras opções tradicionais — como
os mecanismos de controle e as campanhas de conscientização.
Porém, fazer o programa “pegar” não é o fim. Lembra do que
aconteceu com os planos do Abaroa que vimos no tópico 4.1?
De nada adianta ter todo esse trabalho para mapear os riscos e
fazer o programa “pegar” se não ficarmos atentos para fazer os
ajustes quando necessário para que continue funcionando com o
passar do tempo.
140 Muitos
possibilitam a prevenção, detecção e remediação de atos lesivos
previstos” (2018, p. 26). A ideia, portanto, não é apenas checar
se os procedimentos estão lá, mas se, de fato, têm sido efetivos.
A tendência é clara: cada vez mais as organizações vão precisar
demonstrar a efetividade dos programas como requisito para
participar de licitações ou firmar contratos com órgãos públicos.
O Distrito Federal152, o Rio de Janeiro153 e o Mato Grosso154 já
têm legislações nesse sentido.
Para isso precisamos testar. Testar o máximo que conseguirmos
e sempre tentar utilizar desenhos experimentais confiáveis.
Lembra que comentamos dos RCTs no tópico 2.3? O objetivo
é conseguirmos mostrar que houve mudanças reais de compor-
tamentos e que fizemos os ajustes necessários para manter os
resultados positivos ao longo do tempo.
Afinal, não é porque uma medida funcionou bem por um tempo
que vai continuar funcionando da mesma forma para sempre. Os
contextos mudam, dentro e fora das organizações, e variáveis
importantes para o bom funcionamento de certas medidas podem
deixar de existir.
Por exemplo, um sistema de controles que funcionava bem para
as pessoas trabalhando em escritórios próximos umas das outras
pode não funcionar para pessoas trabalhando em home office.
Ou pode ser que a própria medida precise de uma “reciclagem”
porque as pessoas já se adaptaram a ela, como o caso de um
lembrete que ninguém mais presta atenção.
O ponto é: não adianta acertar uma vez e parar por aí. É preciso
acompanhar regularmente se os resultados positivos persistem
no tempo.
Lembra que falamos das 6 fases para o desenvolvimento,
implementação e avaliação de novas medidas no final do tópico
2.3? São elas: (i) a definição do desafio, (ii) o diagnóstico dos
“gargalos comportamentais”, (iii) o mapeamento dos fatores
cognitivos, comportamentais e contextuais, (iv) o desenho das
iniciativas e intervenções, (v) os testes e (vi) a mensuração dos
resultados. Essas são as fases importantes para que possamos
implementar medidas efetivas de compliance e comprovar sua
efetividade.
142 Muitos
143 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance
Notas do Capítulo 4 104. KAHNEMAN, D.; 111. MANGANELLI, L.;
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social psychology, London, BÜHREN, C.; QIN, H. experiences. Journal of
v. 126, n. 4, p. 531-537, Group decision making in Research in Crime and
1986. a corruption experiment: Delinquency, New York,
China and Germany v. 32, n. 3, p. , 251–286,
116. WARD, A. BRENNER, compared. Jahrbücher für 1995.; PIQUERO, A. R.;
L. Accentuate the negative: Nationalökonomie und POGARSKY, G. Beyond
The positive effects of Statistik, Germany, v. 235, n. Stafford and Warr’s
negative acknowledgment. 2, p. 207-227, 2015. reconceptualization of deter-
Psychological Science, rence: Personal and vicarious
Washington, v. 17, n. 122. YOU, J. S. (2018). experiences, impulsivity, and
11, p. 959-962, 2006.; Trust and corruption. In: offending behavior. Journal
EIN-GAR, D.; SHIV, B.; USLANER, E. M. (Ed.) The of Research in Crime and
TORMALA, Z. L. (2012). Oxford handbook of social Delinquency, New York, v.
When blemishing leads to and political trust. Oxford: 39, n. 2, p. 153–186, 2002.;
blossoming: The positive Oxford University Press, POGARSKY, G.; PIQUERO,
effect of negative informa- 2018. p. 473-496. A. R. Can punishment
tion. Journal of Consumer encourage offending?
Research, Oxford, v. 38, 123. BEHNK, S.; HAO, Investigating the “resetting”
n. 5, p. 846-859, 2012.; L. REUBEN, E. Partners effect. Journal of Research in
DIMITROVA, N. G.; VAN in crime: Diffusion of Crime and Delinquency, New
HOOFT, E. A.; VAN DYCK, responsibility in antisocial York, v. 40, n. 1, p. 95-120,
C. GROENEWEGEN, P. behaviors. Discussion Paper 2003.; POGARSKY, G.;
Trust EM: Leader Error Series, Germany, IZA n. KIM, K.; PATERNOSTER,
Handling, Follower Trust, 11031, 2017. R. Perceptual change in
and the Mediating Role of the National Youth Survey:
Warmth and Competence. 124. SORAPERRA, I.; Lessons for deterrence theory
Academy of Management WEISEL, O.; KOCHAVI, and offender decision‐ma-
Proceedings, New York, v. S.; LEIB, M.; SHALEV, king. Justice Quarterly,
2016, n. 1, 2016. H.; SHALVI, S.The bad London, v. 22, n. 1, p.
consequences of teamwork. 1-29, 2005; KLECK, G.;
117. EFFRON, D. A.; Economics Letters, BARNES, J. C. Deterrence
CONWAY, P. When virtue Amsterdam, v. 160, p. 12-15, and macro-level perceptions
leads to villainy: Advances 2017. of punishment risks: Is
in research on moral self-li- there a “collective wisdom”?
censing. Current Opinion in 125. GRAF Crime & Delinquency,
Psychology, Washington, v. LAMBSDORFF, J. New York, v. 59, n. 7, p.
6, p. 32-35, 2015. Behavioral and experimental 1006-1035, 2013.
economics as a guidance to
118. O’KEEFE, D. J. How to anticorruption. In: SERRA, 128. ALICKE, M. D.;
handle opposing arguments D.; WANTCHEKON, L. GOVORUN, O. (2005).
in persuasive messages: (Ed.) New advances in The Better-Than-Average
A meta-analytic review experimental research on Effect. In: ALICKE, M.
of the effects of one-sided corruption. Research in D.; DUNNING, D. A.;
and two-sided messages. Experimental Economics, KRUEGER, J. I. (Eds.), The
Annals of the International United Kingdom, v. 15, p. Self in Social Judgment.
Communication 279-300, 2012. United Kingdom: Psychology
Association, London, v. 22, Press, 2005. p. 85-106.
n. 1, p. 209-249, 1999.
146 Muitos
150. PEER, Eyal;
FELDMAN, Yuval.
Honesty pledges for the
behaviorally-based regulation
of dishonesty. Journal of
European Public Policy,
1 jun. 2021, p. 1-21.
Disponível em: https://ssrn.
com/abstract=3615743
148 Muitos
Esta é uma publicação com o foco nos comportamentos.
Falamos o mínimo possível sobre leis e regulamentos e o máxi-
mo possível sobre como promover comportamentos íntegros nas
organizações.
Nosso objetivo foi mostrar como os profissionais de compliance
podem incorporar o conhecimento das últimas décadas de
estudos científicos sobre o comportamento humano para tornar
os programas de compliance anticorrupção mais efetivos.
Como vimos, muitas vezes as evidências científicas nos indicam
caminhos diferentes daqueles que estamos acostumados. O que
pode ser a razão de tantas medidas de compliance não gerarem
os efeitos esperados nas organizações, apesar de estarem de
acordo com a legislação e os manuais.
Nosso objetivo não foi apenas trazer evidências de estudos
científicos, mas também muito da mentalidade científica; propor
uma cultura de experimentação para os programas de complian-
ce anticorrupção.
Importante ressaltar que a nossa ideia não é a de que os profis-
sionais de compliance troquem uma checklist por outra. Não é
para presumir que as ciências comportamentais vão funcionar
como um toque de mágica.
É importante termos profissionais cada vez mais desconfiados
de suas ideias — mesmo aquelas mais intuitivas — a respeito do
que vai funcionar e que confiem mais no que mostram os dados,
sejam aqueles que vêm de estudos científicos ou dos que vêm de
estudos realizados na organização.
Foi uma trilha cheia de novas soluções para problemas antigos.
Propusemos trazer os Muitos para o centro do programa.
Abordamos tópicos tradicionais, como treinamentos e sistemas
de controle, sob uma perspectiva nova e inovadora — com base
no que dizem as ciências comportamentais.
No capítulo 1, falamos de alguns mitos que estão na base dos
programas de compliance. Explicamos que a desonestidade não
é apenas um problema de uns Poucos desonestos. Pelo contrário,
é também — e principalmente — um problema dos Muitos que
se consideram honestos e cometem deslizes de vez em quando.
Às vezes, porque não foram capazes de identificar que estavam
diante de um dilema ético — os pontos cegos éticos. Outras
150 Muitos
151 Considerações finais
Glossário
152 Muitos
Para saber mais:
Arquitetura da Decisão
MAURO, C. Indisciplinar a disciplinaridade: o
A arquitetura da decisão é a forma como os que são, afinal, as Ciências Comportamentais?
diversos fatores do contexto decisional que Estado da Arte, Estadão. São Paulo, 30 jul.
podem influenciar a tomada de decisão estão 2020. Disponível em: https://estadodaarte.
dispostos. Por exemplo, a ordem dos pará- estadao.com.br/indisciplinar-disciplina-
grafos de um comunicado interno, a distância ridade-o-concreto-2. Acesso em: 20 set.
entre as cadeiras de um auditório ou o tempo 2020.; MAURO, C. A ignorância é quase
em que as pessoas vão receber algum lembrete sempre protagonista: o que são, afinal, as
importante. Pensar como um arquiteto da Ciências Comportamentais? Estadão. São
decisão é ter a noção de que esses fatores Paulo, 30 ago. 2020. Disponível em: https://
podem ser alterados de forma intencional com estadodaarte.estadao.com.br/ignorancia-cien-
o objetivo de influenciar o comportamento das cias-comportamentais-concreto/ Acesso em
pessoas em uma determinada direção. 20 set. 2020.
Para saber mais: THALER, R. H.;
Crowding out da motivação intrínseca
SUNSTEIN, C. R.; BALZ, J. P. Choice
architecture. In: SHAFIR, E. The behavioral O efeito de crowding out ou “expulsão” da
foundations of public policy, United States, motivação intrínseca ocorre nas situações
Princeton University Press, 2013. p. 428-439. em que fornecemos incentivos extrínsecos
(ex.: dinheiro) para que as pessoas façam
Assimetria entre a perspectiva do ator e uma atividade para a qual elas já estão
observador intrinsecamente motivadas, seja porque acham
a atividade interessante ou relevante. Por
Podemos perceber a ação de alguém por
exemplo, estudar um assunto interessante (ex.:
duas perspectivas diferentes: como um
astronomia), ter um hobby, doar sangue ou
observador ou como o ator da ação. Essa
ser uma pessoa honesta. Em vez de a pessoa
dualidade permite que duas pessoas possam
ficar duplamente motivada, os incentivos
ter percepções significativamente diferentes
extrínsecos podem diminuir a motivação
sobre um mesmo comportamento em razão
intrínseca que as pessoas tinham e tornar o
da sua perspectiva. Tradicionalmente, a
comportamento dependente da manutenção
assimetria é retratada de uma forma simplista
dos incentivos.
de que as pessoas atribuem suas falhas (ex.:
chegar atrasado) a causas externas (ex.: Para saber mais: FREY, B. S.;
trânsito) e a uma falha similar de outra pessoa OBERHOLZER-GEE, F. The cost of
a causas internas (ex.: pessoa irresponsável). price incentives: An empirical analysis of
Hoje sabemos que as explicações para a motivation crowding-out. The American
assimetria são mais complexas do que uma economic review, Pittsburgh, v. 87, n. 4, p.
dicotomia entre situação vs. pessoa e que são, 746-755, 1997.
na verdade, pelo menos três assimetrias que
contribuem para esse fenômeno. Dilema do “exibido” (braggart’s dilemma)
Para saber mais: MALLE, B. F.; KNOBE, J. O dilema do “exibido” surge para as pessoas
M.; NELSON, S. E. Actor-observer asymme- que praticam um ato moralmente louvável
tries in explanations of behavior: New answers (ex.: uma doação para caridade) e estão
to an old question. Journal of personality pensando se devem divulgar seu ato e receber
and social psychology, Washington, v. 93, n. os créditos pela ação. Por um lado, contar é
4, p. , 491-514, 2007. arriscado, pois os outros podem achar que
a pessoa só fez o ato para se autopromover
Ciências comportamentais e não por razões genuinamente altruístas.
Por outro lado, se não contar, não receberá
As ciências comportamentais formam um
os benefícios reputacionais nem terá a
campo multidisciplinar que reúne áreas di-
oportunidade de influenciar para que outras
versas como a Psicologia Social, a Psicologia
pessoas façam o mesmo.
Cognitiva, a Economia Comportamental,
a Ética Comportamental, a Sociologia e a Para saber mais: Berman, J. Z., Levine, E. E.,
Neurociência. Cientistas comportamentais Barasch, A., & Small, D. A. The Braggart’s
produzem — e aplicam — estudos com o dilemma: On the social rewards and penalties
objetivo de descrever que fatores cognitivos e of advertising prosocial behavior. Journal of
contextuais influenciam a tomada de decisão Marketing Research, New York, v. 52, n. 1,
dos agentes “reais” (não idealizados). p. 90-104, 2015.
153 Glossário
Dissonância cognitiva Ética Comportamental (behavioral ethics)
A dissonância cognitiva é o desconforto A Ética Comportamental estuda os
psicológico que sentimos quando agimos de fatores cognitivos e contextuais que levam
forma contrária à crença que temos sobre nós as pessoas a tomarem decisões éticas. Em
mesmos. Por exemplo, quando nos percebe- comum, a Economia Comportamental e a
mos como pessoas honestas, mas pagamos Ética Comportamental estudam vieses que
uma pequena propina para que o guarda de ocorrem quase sempre de forma inconsciente
trânsito nos libere de uma multa. Esse conflito na tomada de decisão. A diferença é que,
interno é resolvido quando recuperamos a enquanto a Economia Comportamental
consonância entre crença e ato, o que pode foca nos vieses que nos atrapalham a tomar
ser feito de diversas formas: podemos mudar decisões mais benéficas para nós mesmos e
nossa ação (ex.: devolver o dinheiro e receber que não atendam a parâmetros de lógica e
a multa) ou racionalizar nosso comportamento racionalidade, a Ética Comportamental mostra
para torná-lo mais aceitável (ex.: “é uma coisa como temos de superar os vieses ligados ao
que todo mundo faz” ou “guardas de trânsito nosso autointeresse (self-serving biases) que
deveriam receber mais mesmo”). nos atrapalham a identificar dilemas éticos e
nos levam a racionalizar nossos desvios.
Para saber mais: FESTINGER, L. A theory
of cognitive dissonance. Stanford: Stanford Para saber mais: BAZERMAN, M. H.; GINO,
University Press, 1957. F. Behavioral ethics: Toward a deeper unders-
tanding of moral judgment and dishonesty.
Economistas neoclássicos Annual Review of Law and Social Science,
United States, v. 8, p. 85-104, 2012.
Os economistas neoclássicos partem de um
conjunto de pressupostos bem definidos
Experimentos
sobre o comportamento humano para
produzir análises e modelos preditivos. Nos experimentos, as unidades de análise
Dentre os pressupostos, podemos destacar: (pessoas, grupos, lojas etc.) são divididas
que os indivíduos buscam sempre maximizar de forma aleatória, de modo que algumas
sua utilidade (rational maximizers); que recebem a intervenção e outras não. O grupo
as pessoas têm acesso às informações que não recebeu a intervenção é chamado de
necessárias e suficientes para a tomada de grupo de controle. Ocorre que nem sempre
decisão (informações completas) e que têm é possível dividir as pessoas em grupos de
preferências estáveis com relações transitivas. forma aleatória por razões éticas, práticas ou
mesmo legais. Nesses casos, podemos fazer
Para saber mais: BECKER, G. S. The
quasi-experimentos (ou quase-experimentos).
economic approach to human behavior.
Estudos quasi-experimentais muitas vezes
Chicago: University of Chicago press, 1976.
utilizam um desenho “pré-pós”, em que
comparamos a diferença entre antes e depois
Efeito bumerangue
da intervenção; ou utilizam um grupo de
Ocorre quando uma medida direcionada para controle que foi selecionado em razão da sua
reduzir um comportamento indesejado acaba semelhança com os grupos que receberão a
por aumentá-lo. O efeito bumerangue pode intervenção.
acontecer por diversas razões. Por exemplo,
Para saber mais: BRYMAN, A. Social
pode ser que uma peça de comunicação acabe
research methods. Oxford: Oxford University
deixando implícito que o comportamento
Press, 2016.
indesejado é comum ou que utilize uma
linguagem autoritária, o que faz com que as
Falácia do planejamento
pessoas sintam como uma limitação da sua
liberdade e resistam ao pedido (reatância Tendemos a subestimar o tempo que vamos
psicológica). demorar para finalizar uma tarefa. Isso ocorre
porque tendemos a não lembrar dos problemas
Para saber mais: SCHULTZ, P. W.; NOLAN,
que aconteceram das outras vezes que
J. M.; CIALDINI, R. B.; GOLDSTEIN, N.
fizemos atividades similares. Esquecemos que
J.; GRISKEVICIUS, V. The constructive,
acontecem coisas como acordarmos um dia
destructive, and reconstructive power of social
mais indisposto, que a internet às vezes cai ou
norms. Psychological Science, Washington, v.
que um parente pode sempre ligar precisando
18, n. 5, p. 429-434, 2007.
de ajuda. É como se tivéssemos toda vez
planejando uma tarefa pela primeira vez e
acreditando que tudo vai dar certo.
154 Muitos
Para saber mais: BUEHLER, R.; GRIFFIN,
Heurística da disponibilidade
D.; PEETZ, J. The planning fallacy:
Cognitive, motivational, and social origins. A heurística da disponibilidade é um
In: Zanna, & J. M. Olson (Eds.), Advances in atalho mental que utilizamos para avaliar a
experimental social psychology. United States: probabilidade ou a frequência de algo com
Academic Press, 2010. v. 43, p. 1-62. base na facilidade com que nos lembramos
desse algo. Funciona assim: consideramos
Falácia dos custos afundados (sunk cost) determinado evento mais frequente na medida
em que conseguimos lembrar mais facilmente
São os custos já realizados e irrecuperáveis.
de instâncias em que esse evento ocorreu. Por
Isto é, os custos que já “afundaram” e que
exemplo, as pessoas vão achar que acidentes
não vão trazer mais benefícios no futuro.
de aviões são eventos relativamente frequentes
Por serem irrecuperáveis, esses custos não
nas semanas seguintes de um acidente de
deveriam impactar nas decisões futuras. Por
avião que recebeu muita atenção midiática.
exemplo, se você está em um relacionamento
ruim, não deveria fazer diferença se ele Para saber mais: TVERSKY, A.;
dura uma semana ou dez anos. O tempo KAHNEMAN, D. Availability: A heuristic for
investido não tem como ser recuperado. É judging frequency and probability. Cognitive
um custo afundado. Porém, do ponto de vista psychology, Amsterdam, v. 5, n. 2, p.
comportamental, temos evidências de que 207-232, 1973.
as pessoas continuam investindo em uma
tarefa que não traz mais benefícios por terem “Homem econômico”
feito um investimento prévio significativo de
O “homem econômico” (homo economicus) é
esforço, tempo ou dinheiro.
o agente idealizado utilizado por economistas
Para saber mais: ARKES, H. R.; BLUMER, C. neoclássicos como referência para análises
The psychology of sunk cost. Organizational e modelos preditivos. O homem econômico
behavior and human decision processes, toma decisões de acordo com os pressupostos
Amsterdam, v. 35, n. 1, p. 124-140, 1985. da Teoria da Escolha Racional. Isto é, é um
indivíduo que vai buscar maximizar de sua
Heurísticas satisfação (utilidade) de forma autointeres-
sada; que toma decisões a partir de reflexão
As heurísticas são atalhos mentais que
e ponderação com o objetivo de encontrar a
utilizamos para formar juízos e tomar
decisão ótima e que tem preferências estáveis
decisões sobre questões complexas de forma
com relações transitivas.
rápida e com um mínimo esforço mental.
Utilizamos as heurísticas normalmente de Para saber mais: PERSKY, J. The ethology
forma inconsciente para substituir uma of homo economicus. Journal of Economic
questão difícil e complexa (ex.: calcular Perspectives, United States, v. 9, n. 2, p.
probabilidades e risco) por uma mais simples 221-231, 1995.
e acessível (ex.:o mais provável é o que está
mais disponível na nossa memória — a nossa Intenções de implementação (implementa-
heurística da disponibilidade). tion intentions)
Para saber mais: KAHNEMAN, D.; Há um conhecido gap entre nossas intenções
FREDERICK, S. (2002). Representativeness e comportamentos. Basta lembrarmos das
revisited: Attribute substitution in intuitive nossas resoluções de ano novo. Uma forma
judgment. In: GILOVICH, T.; GRIFFIN, eficaz de reduzir esse gap é por meio da
D.; KAHNEMAN (Eds). Heuristics and técnica das intenções de implementação.
biases: The psychology of intuitive judgment. A técnica consiste em criar um plano que
Cambridge: Cambridge University Press, nos ajude a identificar e neutralizar os
2002. P. 49- 81. gatilhos que nos levam a ter comportamentos
indesejados específicos. Por exemplo: “Se
ocorrer D (dilema — ex: “caso o fiscal do
contrato compartilhe comigo informações
sigilosas de outras empresas”), então farei A
(ação — ex.: “vou dizer educadamente que
não posso conversar sobre o assunto, pois
esse comportamento coloca em risco a minha
imparcialidade)”.
Para saber mais: GOLLWITZER, P. M.
Implementation intentions: Strong effects
of simple plans. American Psychologist,
Washington, v. 54,n. 7, p. 493–503, 1999.
155 Glossário
Na psicologia, em particular na linha da
Licença moral (self-licensing)
Self-Determination Theory, a diferença entre
Podemos nos dar um “passe-livre” de vez em motivação intrínseca e extrínseca é definida
quando para cometer atos errados e/ou imorais dentro de uma escala que vai da motivação
por acharmos que temos “crédito” por termos mais controlada até a mais autônoma, sendo a
feito recentemente, ou porque pretendemos motivação intrínseca a categoria de motivação
fazer em breve, atos certos e/ou morais. É mais autônoma. Psicólogos vêm demonstran-
o que nos permite fazer algumas coisas que do nas últimas décadas os efeitos danosos — o
sabemos erradas sem que isso nos faça nos chamado undermining effect — que as formas
sentirmos mal. Por exemplo, é mais fácil de motivação mais controladas têm sobre
quebrar a dieta depois de ter feito a matrícula a performance e bem-estar das pessoas.
na academia. No nosso livro, utilizaremos uma definição
de motivação intrínseca mais próxima da
Para saber mais: MERRITT, A. C.; EFFRON,
utilizada por psicólogos — empregamos
D. A.; MONIN, B. Moral self‐licensing:
motivação intrínseca como sinônimo de
When being good frees us to be bad. Social
motivação autônoma —, porém sem entrar nas
and personality psychology compass, New
nuances da taxonomia de motivações utilizada
Jersey, v. 4, n. 5, p. 344-357, 2010.
por psicólogos.
Metacognição
Normas sociais dinâmicas
Metacognição significa “pensar sobre o
As normas sociais dinâmicas se referem a
pensamento”. É o que fazemos quando
um comportamento que está sendo realizado
estamos atentos ao que estamos pensando.
por uma minoria crescente. Tendemos a nos
A metacognição pode ser muito útil para
conformar a estas normas porque prevemos
que possamos adotar estratégias para
que essa tendência crescente continuará e não
melhorar nossa capacidade de aprender, reter
queremos “ficar de fora”.
e compreender informações (ex.: quando nos
perguntamos se realmente entendemos algo Para saber mais: MORTENSEN, C. R.;
ou quando tentamos explicar para nós mesmos NEEL, R.; CIALDINI, R. B.; JAEGER,
o que acabamos de aprender), assim como C. M.; JACOBSON, R. P.Ringel, M. M.
para regular nossos próprios pensamentos. Trending norms: A lever for encouraging
Conseguir parar um pouco para refletir pode behaviors performed by the minority. Social
ser o diferencial para que deixemos de tomar Psychological and Personality Science, New
uma decisão de forma impulsiva e para York, v. 10, n. 2, p. 201-210, 2019.
neutralizar alguns de nossos vieses cognitivos.
Nudge
Para saber mais: METCALFE, J.;
SHIMAMURA, A. P. (Eds.) Metacognition: Um nudge é qualquer aspecto da arquite-
Knowing about knowing. Cambridge: MIT tura da decisão que influencia — ou dá um
Press, 1994. “empurrãozinho” — nas pessoas em direção a
algum tipo de comportamento de uma maneira
Motivação intrínseca previsível. Por exemplo, a disposição das
cadeiras em uma sala de aula ou a fonte das
A motivação intrínseca é um conceito
letras utilizada em um comunicado interno.
utilizado de formas diferentes por
Um nudge no sentido de uma intervenção
economistas e psicólogos. Na economia,
ou política (to nudge) ocorre quando damos
a motivação intrínseca é o que mantém as
esses empurrõezinhos de forma intencional
pessoas motivadas na ausência de incentivos
com o objetivo de alterar o comportamento
econômicos. Economistas vêm mostrando nas
das pessoas em determinado sentido que seja
últimas décadas que, em alguns contextos (ex.:
benéfico para elas e para a sociedade. Assim,
trabalho voluntário), adicionar recompensas
o nudge é uma alteração, geralmente pequena
ou multas para motivar as pessoas pode
e sutil, no contexto decisional que influencia
ter efeitos inesperados como diminuir o
o comportamento das pessoas sem proibir
comportamento que se pretendia promover
nenhuma opção ou alterar significativamente
— o chamado efeito de crowding-out da
os incentivos econômicos.
motivação intrínseca.
Para saber mais: SUNSTEIN, C. R.;
THALER, R. H. Nudge: Improving Decisions
About Health, Wealth and Happiness. New
York: Penguin Books, 2012.
156 Muitos
Otimismo excessivo Profecias autorrealizáveis (self-fulfilling
prophecies)
Tendemos a achar que somos, em média, aci-
ma da média. Mesmo quando nos deparamos As expectativas que temos sobre uma pessoa
com informação objetiva sobre riscos, temos — ou que temos sobre nós mesmos — podem
a tendência de superestimar as probabilidades nos levar a ter comportamentos que acabam
de eventos futuros positivos. Por exemplo, por confirmar essa expectativa, como se fosse
se descobrimos que metade das pessoas vão uma “profecia”. Por exemplo, se acreditamos
ter complicações com uma doença, achamos que um aluno não é bom em matemática, não
que vamos fazer parte dos que não terão vamos dar os mesmos exercícios que damos
problemas. Se sabemos que a maioria das para os alunos que achamos bons, o que vai
pessoas vai reprovar em uma prova, achamos acabar ajudando a “comprovar” nossa crença
que vamos fazer parte da minoria. inicial com o passar dos anos.
Para saber mais: SHAROT, T. The optimism Para saber mais: MADON, S.; JUSSIM, L.;
bias. Current biology, Amsterdam, v. 21, n. ECCLES, J. In search of the powerful self-ful-
23, p. 941-945, 2011. filling prophecy. Journal of Personality and
Social Psychology, Washington, v. 72, n. 4, p.
Paternalismo Libertário 791–809, 1997.
O paternalismo libertário é uma corrente
Reatância psicológica
político-filosófica que concilia duas ideias
que deveriam ser inconciliáveis: paternalismo A reatância psicológica ocorre quando nos
e liberalismo. A ideia é promover políticas sentimos compelidos a resistir a um pedido
públicas e organizacionais que conduzam ou a uma recomendação, ainda que seja algo
as pessoas em direções que vão promover bom para nós, por entendermos que se trata
seu bem-estar, como faria qualquer política de uma ameaça à nossa autonomia. É o que
paternalista, mas de uma forma que preserve costuma ocorrer quando recebemos um pedido
a liberdade de escolha. Por exemplo, dar um que mais se parece com uma ordem ou um
empurrãozinho (nudge) nas pessoas para que comunicado escrito em tom controlador (ex.:
façam boas escolhas (ex.: comer de forma “fique em casa”).
mais saudável, economizar dinheiro, lembrar
Para saber mais: STEINDL, C.; JONAS,
de tomar remédios etc.), mas sem proibir
E.; SITTENTHALER, S.; TRAUT-
ou tornar economicamente inviável as más
MATTAUSCH, E.; GREENBERG, J. (2015).
escolhas.
Understanding psychological reactance.
Para saber mais: SUNSTEIN, C. R.; Zeitschrift für Psychologie. Germany, v. 223,
THALER, R. H. Libertarian paternalism n. 4, p. 205-214, 2015.
is not an oxymoron. The University of
Chicago Law Review, Chicago, v. 70, n. 4, p. Redução Comportamental
1159-1202, 2003.
A redução comportamental é uma ferramenta
utilizada para identificar os comportamentos
Priming
específicos e relevantes que compõem uma
A técnica de priming consiste em apresentar política pública ou organizacional. A ideia é
um estímulo, geralmente sutil, com o objetivo decompor (ou reduzir) um desafio abstrato
de influenciar a resposta das pessoas a um (ex.: reduzir o desperdício de alimentos) em
estímulo subsequente. O priming funciona uma lista de comportamentos específicos (ex.:
pela ativação inconsciente de uma associação as pessoas se servem vs. são servidas; fazem
ou representação mental na memória das filas vs. marcam horário etc.).
pessoas logo antes que outro estímulo ou de
Para saber mais: OECD Tools and Ethics for
uma tarefa. Podem ser na forma de cheiros,
Applied Behavioural Insights: The BASIC
imagens, sons ou um pequeno texto.
Toolkit. Paris: OECD Publishing, 2019.
Para saber mais: DOYEN, S.; KLEIN, O.;
SIMONS, D. J.; CLEEREMANS, A. On the
other side of the mirror: Priming in cognitive
and social psychology. Social Cognition, New
York, v. 32, n. Supplement, p. 12-32, 2014.
157 Glossário
Self-serving biases (vieses de autobenefício) Vieses Cognitivos
Os self-serving biases funcionam como um Os vieses cognitivos são heurísticas que
filtro que nos faz interpretar a realidade de podem nos levar a decisões ruins em alguns
uma maneira mais favorável e conveniente. É contextos. Isto é, são algumas das “regrinhas”
como se tivéssemos um preconceito implícito mentais que utilizamos geralmente de forma
a nosso favor que nos ajuda a preservar nossa inconsciente, que nos ajudam a simplificar
autoestima. É o que nos faz perceber, por a tomada de decisão, mas que podem nos
exemplo, que nossos sucessos decorrem mais levar a decisões que vão de encontro a um
de nossas habilidades e esforços e que nossas determinado parâmetro de racionalidade e
falhas são mais culpa das circunstâncias lógica de forma sistemática e previsível,.
desfavoráveis ou do erro de outras pessoas.
Para saber mais: TVERSKY, A.;
Para saber mais: SHERRILL, M. Self-serving KAHNEMAN, D. Judgment under
bias. American Psychologist, Washington, v. uncertainty: Heuristics and biases. Science,
41, p. 954-969, 2007. United States, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131,
1974.
Sistemas 1 e 2
Viés da confirmação
A teoria do sistema duplo (dual-system) de
pensamento, muito utilizada na psicologia, O viés da confirmação é nossa tendência
afirma que temos duas “formas de pensar”: os de procurar, lembrar e dar maior crédito a
Sistemas 1 e 2. O Sistema 1 ocorre de forma informações que confirmam nossas crenças,
rápida, automática, inconsciente e não envolve atitudes e expectativas prévias. Por exemplo,
nenhum ou quase nenhum esforço mental. uma pessoa que seja cética em relação ao
Utilizamos para desempenhar tarefas que aquecimento global tenderá a fazer apenas
são familiares ou habituais. Está associado pesquisas (ex.: vídeos, fóruns online, revistas
às intuições e à experiência subjetiva de não etc.) que questionem as evidências científicas
pensar. O Sistema 2 ocorre de forma lenta, de- de que existe aquecimento global, além de
liberada, consciente e envolve grande esforço buscar conversar apenas sobre o assunto com
mental. Utilizamos para realizar tarefas outras pessoas que também sejam céticas.
que são novas ou difíceis. Está associado à
Para saber mais: NICKERSON, R. S.
reflexão e à experiência subjetiva de pensar.
Confirmation bias: A ubiquitous phenomenon
Para saber mais: STRACK, F.; DEUTSCH, in many guises. Review of general psycholo-
R. (2015). The duality of everyday life: gy, New York, v. 2, n. 2, p. 175-220, 1998.
Dual-process and dual system models in social
psychology. APA Handbook of Personality Viés de negligenciar a taxa-base (base rate
and Social Psychology, Washington, v. 1, p. neglect)
891-927, 2015.
Tendemos a negligenciar as informações
e estatísticas gerais e dar maior atenção
Variável que confundiu (confounding
aos exemplos específicos quando estamos pen-
variables)
sando sobre probabilidades. Por exemplo, qual
São variáveis que não estão consideradas as chances de você ganhar na loteria? Beira
no modelo preditivo, mas que podem estar a zero, mas quem aposta percebe que têm
influenciando o efeito (a variável dependente) chances bem maiores porque já ouviu falar de
que encontramos. Podem nos levar ao erro várias histórias de pessoas que ganharam.
de achar que existe relação causal entre duas
Para saber mais: BAR-HILLEL, M. The
variáveis que são apenas correlacionadas.
base-rate fallacy in probability judgments .
Por exemplo, podemos achar que o aumento
Acta Psychologica. Amsterdam, v. 44, n. 3, p.
dos controles foi o que causou a diminuição
211–233, 1980.
dos desvios éticos, porém essa diminuição é
devida por alguma outra variável que ninguém
achou que poderia ser relevante, como uma
mudança na disposição das mesas no local de
trabalho.
Para saber mais: GREENLAND, S.;
ROBINS, J. M.; PEARL, J. Confounding and
collapsibility in causal inference. Statistical
science, United States, v. 4, n. 1, p. 29-46,
1999.
158 Muitos
159 Glossário
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro,
SP, Brasil)
160
S MUITO
“(...) relevante o alerta feito para a necessidade de uma aborda-
gem pluralista nos programas de compliance, que leve em conta,
MUITOS
dentre outras coisas, que as pessoas têm diferentes motivações
para agirem de modo ético”.
Jorge Hage Sobrinho
Ex-Ministro da Controladoria-Geral da União, professor e
consultor na área de compliance.
UITOS M
de Justiça do Espírito Santo.
TOS M
por pessoas honestas”.
Rogéria Gieremek
Chief Compliance Officer do Grupo LATAM Airlines
OS MU
“Pela primeira vez um livro aborda a essência de um programa
de compliance, a mudança de comportamento necessária para
construção de uma cultura de integridade”.
Roberta Codignoto
Sócia da Pró-Integridade e Conselheira da Comissão de
Ética Pública.