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OS MUI

Como as Ciências Comportamentais


podem tornar os programas

S MUIT
de Compliance Anticorrupção
mais efetivos?

MUITO
MUITOS
UITOS M
Carlos Mauro
Gabriel Cabral
Renato Capanema
Tânia Ramos
Muitos

Como as Ciências
Comportamentais
podem tornar
os programas
de Compliance
Anticorrupção mais
efetivos?
Autores

Carlos Mauro, PhD Gabriel Cabral, MSc


Carlos é chief scientific officer da CLOO Behavioral Policy Advisor na CLOO -
Behavioral Insights Unit, professor convidado Behavioral Insights Unit; Graduado em
na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e na Direito pela UFRJ. Mestre em Direito pela
Porto Business School. Foi professor em regi- PUC-Rio. Foi professor substituto de Direito
me de dedicação exclusiva na Católica Porto na UFRJ (2017-2019). Publicou artigos
Business School, em Portugal. É formado em científicos em revistas com fator de impacto,
Economia, mestre em Administração Pública como o Journal of Experimental Social
e Governo, e doutor em Filosofia. Realizou Psychology, e capítulos de livros abordando a
o pós-doutoramento na Universidade do intersecção entre direito, políticas públicas e
Porto. Em 2015, foi visiting scholar (faculty) ciências comportamentais.
na Wharton School, na Universidade da
Pensilvânia, a convite da Professora Deborah
Small. Publicou artigos científicos em revistas
com fator de impacto, artigos de divulgação
científica e livros sobre aspectos científicos e/
ou filosóficos do comportamento humano, da
formação de juízos e da racionalidade.

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Renato Capanema, MA Tânia Ramos, PhD
Auditor federal e ex-Diretor de Promoção UX Researcher na Outsystems. PhD em
da Integridade e Cooperação Internacional Cognição Social pelo ISCTE e Universidade
da Controladoria-Geral da União - CGU. de Santa Barbara. Foi pesquisadora na
Diretor de Fiscalização na Câmara dos New York University. Publicou em vários
Deputados. Mestre Summa Cum Laude em jornais científicos, incluindo no Journal of
Estudos Anticorrupção pela International Experimental Social Psychology, Memory
Anti-Corruption Academy - IACA. Graduado & Cognition, Journal of Business Research,
em Relações Internacionais pela Universidade entre outros. Foi Diretora Executiva da
de Brasília (UNB) e em Direito pelo Centro CLOO Behavioral Insights Unit, onde liderou
Universitário de Brasília (UNICEUB). projetos nas áreas da integridade e corrupção,
Coordenou o Pró-Ética e trabalhou na aprendizagem corporativa e sustentabilidade.
regulamentação e implementação da Lei
Anticorrupção. Atuou como representante do
Brasil em diversos foros internacionais, como
OCDE, G20 e OEA.

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Reconhecimentos

Os autores explicitam de forma completa, O livro “Muitos” é uma grande novidade,


profunda e competente, a necessidade de por abordar um aspecto pouco discutido na
uma verdadeira “virada comportamental”, doutrina: a imensa maioria dos empregados
conforme denominam a mudança do foco e colaboradores das empresas (os Muitos)
para as pessoas e seu comportamento na é formada por pessoas honestas. Assim, os
organização e na vida, mais do que nas leis e Programas de Compliance e seus controles
nas próprias regras internas da autorregulação. devem ser pensados para esse público, e
não para aqueles mal-intencionados, que
Chamou-me a atenção, em particular, o
constituem a minoria dos profissionais (os
destaque dado à necessidade de ter-se em
Poucos).
mente a diferença entre os “Poucos” e os
“Muitos”, na construção dos mecanismos de A obra traz ideias criativas e práticas sobre
controle (lato sensu), aí incluídas as políticas como dirigir esforços para atrair ainda mais
de compliance e as medidas sancionatórias. E empregados e colaboradores para dar suporte
os riscos aí implícitos de chegar-se “ao pior ao Programa de Compliance, ao sentirem
dos mundos”, se esse cuidado não for tomado. que são parte integrante de um projeto de
integridade, muito mais do que simplesmente
Do mesmo modo, a importância de
vigiados e controlados.
perceber-se que as decisões humanas podem
ser tomadas, em cada caso, com maior ou Tenho certeza de que “MUITOS” será um
menor grau de atenção às suas diversas (e às grande sucesso e muito apreciado por trazer
vezes impensadas) implicações. E a diferença essa abordagem comportamental, adicional-
que isso pode fazer do ponto de vista ético. mente aos conceitos de Compliance.
Muito interessantes também, nesse mesmo
Rogéria Gieremek
contexto, os conceitos de “pontos cegos éticos”
Chief Compliance Officer do Grupo LATAM
e das “ladeiras escorregadias” (nas mudanças
Airlines
que se dão gradual e imperceptivelmente).
Por fim, eu destacaria a relevância do alerta
feito para a necessidade de uma abordagem
pluralista nos programas de compliance,
que leve em conta, dentre outras coisas, que
as pessoas têm diferentes motivações para
agirem de modo ético.
Jorge Hage Sobrinho
Ex-Ministro da Controladoria-Geral da União,
professor e consultor na área de compliance.

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Leitura obrigatória para quem deseja Esta não é uma obra jurídica e com razão
realmente compreender as diferenças entre um de ser. O intuito é mergulhar o compilado
sistema de compliance clássico e um sistema regulatório do compliance na análise psíquica
de integridade efetivo, o livro humaniza todos do comportamento.
os dogmas e teorias que gravitam ao redor
Quando nos deparamos com a infinidade
das técnicas de proteção afeitas às empresas
de exemplos de situações-problema
e à Administração Pública contra os diversos
dispostas, entendemos que, para além de leis e
tipos de ilicitudes a que estão suscetíveis, algo
regulamentos, o compliance tem como foco as
atualmente essencial para a preservação da
pessoas, seres humanos complexos e sociáveis.
imagem, da reputação e até mesmo para a
Nesse sentido, é possível compreender
sobrevivência das organizações.
a abordagem do livro que utiliza como
As ilustrações concretas de situações do dia objeto de estudo o comportamento humano,
a dia trazidas pelos autores, com a utilização explorando os efeitos adversos que mecanis-
de uma linguagem simples, objetiva e mos de controle equivocados têm sobre as
amigável, modelam perfeitamente a feição dos pessoas que agem espontaneamente de forma
integrantes de um ente público ou privado e ética. Incentivos extrínsecos mal desenhados,
o tratamento específico que a cada um deles pensados para os “Poucos”, substituem a
deve ser dispensado — sistematizar, analisar motivação intrínseca dos “Muitos” e podem
a partir da ótica da economia comportamental impactar a cultura e os resultados das
e compreender o perfil psicológico dos organizações, problema que tenho verificado
“muitos”, dos “poucos” e dos “super honestos” em várias empresas.
(ou íntegros), sem jamais deixar de lado a
Ainda, o texto dispõe sobre aplicabilidade,
importância do exemplo dos líderes, é uma
abarcando evidências de estudos científicos,
tarefa que os autores desempenham com
e não somente, dando um passo à frente ao
maestria e imensa desenvoltura.
propor medidas para lidar com os problemas
Neste livro, sem qualquer sombra de dúvida, o apontados e garantir efetividade aos
leitor encontrará os caminhos que devem ser programas de compliance. Como afirmam
percorridos no cumprimento da árdua tarefa os autores, integridade é um desafio coletivo
de implementar e desenvolver a cultura de e os profissionais de compliance devem ver
integridade, merecendo destaque a moderna os colaboradores como aliados, não como
orientação na construção dos códigos de potenciais riscos nesse processo. 
conduta ética e a utilização das técnicas
Valdir Moysés Simão
de “edutainment” que devem ser aplicadas
Ex-Ministro do Planejamento e da
nos indispensáveis treinamentos da força de
Controladoria-Geral da União, advogado e
trabalho.
consultor.
Os apontamentos trazidos pelos autores
certamente contribuirão para superar as
resistências dos céticos, os quais ainda não
compreenderam que vivemos uma nova era e
que a integridade é contagiosa, podendo ser
absorvida para gerar excelentes resultados
tanto para o setor público como para a
iniciativa privada.
O movimento pela integridade empresarial e
governamental e suas ondas vieram para ficar.
As letras marcantes e provocativas deste livro
são provas vivas disso!
Marcelo Zenkner
Diretor de Governança e Conformidade da
Petrobrás, Promotor de Justiça do Espírito
Santo.

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Você sabe o que leva uma pessoa a ser Pela primeira vez um livro aborda a essência
desonesta? Ela já nasce assim? O meio que de um programa de compliance, a mudança de
ela vive influencia? Como governos, setor comportamento necessária para construção de
privado e sociedade civil devem agir para uma cultura de integridade.
atacar esse problema? Na obra “Muitos”,
A partir do momento em que se olha para o
os autores mergulham em todas essas
ser humano como um ser passível de erros, é
questões, desmistificando alguns mitos sobre
possível buscar melhorias nas medidas educa-
comportamentos desonestos e propondo uma
tivas e compreender como as empresas podem
nova abordagem para os famosos programas
aprimorar seus controles. Ao empoderar os
de compliance. 
funcionários e também os profissionais de
O livro preenche uma lacuna no mercado Conformidade para refletir sobre sua conduta,
editorial brasileiro, uma vez que não se construímos programas mais robustos.
limita a conceituar temas relacionados ao
Roberta Codignoto
compliance, mas também estudar melhor
Sócia da Pró-Integridade e Conselheira da
os aspectos da cultura de integridade e
Comissão de Ética Pública.
ferramentas disponíveis para profissionais que
lidam com o assunto, além de propor soluções
para uma maior efetividade nas ações sobre
a matéria.
Rodrigo Fontenelle
Controlador-Geral do Estado de Minas Gerais,
Auditor da Controladoria-Geral da União

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“Muitos” não é apenas um livro para ensinar A obra “Muitos” confere um marco no con-
como os profissionais de compliance podem texto dos temas ética e compliance, fazendo
se valer das ciências comportamentais para o leitor simplesmente parar um momento e
tornar seus programas mais efetivos. Esta refletir acerca de todas as melhores práticas
pequena joia trata da vida de todos nós, de de controles internos, treinamentos, políticas
quando enfrentamos dilemas morais e éticos institucionais etc. discutidas amplamente nos
muitas vezes perturbadores. Sofisticado inúmeros eventos diariamente.
em seus exemplos e com rica e atual base
A perspectiva comportamental do Programa
bibliográfica, “Muitos” é, também, um livro
de Integridade/Compliance, brilhantemente
acessível e prático. Faz-nos pensar na gestão
apresentada na obra, é o cerne de qualquer
e nas decisões corporativas, mas também
desafio relacionado a ESG – Environment,
em nossas próprias escolhas e decisões
Social and Corporate Governance
como humanos — afinal, as empresas, como
(Governança Ambiental, Social e Corporativa):
instituições, têm em si um tanto das ações
a efetividade das iniciativas propostas e
dos indivíduos que as constituem. Trata-se,
investimentos aplicados neste escopo, com o
assim, de um convite à reflexão filosófica
objetivo de trazer perenidade às empresas e
com aplicações concretas, ao qual os autores
entidades mundo afora.
acrescentaram um muito instigante twist de
ciências comportamentais. Se você pegou este A realidade é que de (quase) nada adiantam
livro em mãos, não o solte. “Muitos” é para regras detalhadas e robustas ferramentas, se
ser lido por todos nós o quanto antes. tudo isso não afetar o comportamento dos
integrantes da empresa de modo a engajá-los
Diogo R. Coutinho
no compromisso com os valores e princípios
Professor de Direito Econômico da
do Programa de Integridade/Compliance.
Universidade de São Paulo (USP).
“Muitos” oferece luz a esse fundamental
aspecto de um Programa que funciona de
verdade, presenteando o leitor com quebra
de paradigmas, sugestões comportamentais
práticas em todos os pilares de um Programa
de Integridade/Compliance e inúmeros
estudos que comprovam as abordagens.
O objetivo máximo de todo profissional de
Compliance deve ser a desnecessidade da
existência da sua área e do Programa em si,
o que será atingido quando todos compreen-
derem e praticarem a ética e o respeito às
regras de forma tão natural que controles e
políticas simplesmente não precisarão existir.
Hipotético?! “Muitos” nos mostra que há
formas reais de se chegar lá.
Marina Nicolosi
Advogada especializada em compliance e
investigações.

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O livro vem para preencher uma lacuna Com linguagem acessível e didática, o
importante e traz insights comportamentais livro ”Muitos” convida todos os que se
brilhantes para a real efetividade dos dedicam a promover a integridade a voltarem
programas de integridade. Baseado nas sua atenção para as ciências comportamentais.
ciências comportamentais, o livro apresenta Repleto de exemplos, o livro traz uma
diversas soluções práticas e simples, que perspectiva que evidencia a necessidade de
podem ser adotadas no dia a dia das empresas. um compliance atento para as pessoas, que
Afinal, como já dizia John P. Kotter, professor foca menos em leis e regulamentos e mais
emérito da Harvard Business School, “a em ciências comportamentais, como forma
questão central nunca é estratégia, estrutura, de tornar os programas de compliance mais
cultura ou sistemas. O cerne da questão é efetivos.
sempre como mudar o comportamento das
É muito bom saber que as pessoas que se
pessoas”.
importam em aprimorar os programas de
Renata Rezende compliance e promover uma cultura de
Diretora de Integridade, Prevenção e Combate integridade agora podem contar com um rico
à Corrupção no município de Belo Horizonte, material, resultado de extensa pesquisa dos
auditora da Controladoria-Geral da União autores, que traz uma abordagem diferenciada
e eleva a discussão do tema. Trata-se de
uma referência no elo do compliance e
ciências comportamentais, no Brasil e no
exterior.
O livro “Muitos” é leitura obrigatória não
apenas para os profissionais de compliance,
mas também para executivos e todos
aqueles que buscam fomentar uma cultura de
integridade em suas organizações.
Carlos Ayres
Advogado especializado em compliance e
investigações.

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O livro é uma valiosa contribuição aos profis- A obra “Muitos” traz uma abordagem nova
sionais de Compliance, por trazer os holofotes e inovadora, com respaldo nas ciências
para a questão do comportamento humano, comportamentais, de forma direta, simples,
essencial nos Programas de Compliance concisa e com diversos exemplos, que
efetivos, e muitas vezes negligenciada. Os incentiva o leitor a se questionar, refletir e
riscos vão além dos processos e sistemas. mudar estratégias
Pessoas, sua forma de agir e pensar, crenças e
para lidar no cotidiano com os personagens
valores, impõem desafios para o Compliance
Poucos e Muitos, entendendo a visão dos
Officer, e entender isso é o caminho para o
mesmos no que tange às suas ações certas
sucesso.
ou erradas, suportadas por vieses cognitivos,
Jefferson Kiyohara racionalizações, motivações ou oportunidades.
Diretor de Compliance da ICTS Protiviti
Marise Barreto
Gerente geral de Compliance da Petrobras

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Agradecimentos

O livro Muitos é o resultado da contribuição


de muitas pessoas. Desde as primeiras etapas
do processo em 2018, quando imergimos
na literatura científica e realizamos muitas
reuniões de brainstorming, tivemos a ajuda e o
apoio imprescindível de diversas pessoas.
Agradecemos às pessoas que nos ajudaram
com os primeiros manuscritos do livro: ao
André Pinto, ao Vasco Brazão, à Alessandra
Fontana e à Diana Orghian pela ajuda na
pesquisa bibliográfica inicial e nos debates
sobre a organização dos capítulos e tópicos
do livro.
Agradecemos a todas as pessoas que fizeram
comentários e sugestões para o aperfei-
çoamento da versão final do livro: Antenor
Madruga, Carlos Ayres, Diogo Coutinho,
Jefferson Kiyohara, Jorge Hage, Letícia Sugai,
Marcelo Zenker, Marina Nicolosi, Marise
Barreto, Renata Rezende, Reynaldo Goto,
Roberta Codignoto, Roberto Di Cillo, Rodrigo
Fontenelle, Rogéria Gieremek e Valdir Simão.
Agradecemos também ao Fernando Quintino
pela contribuição no desenvolvimento do
projeto e ao Pedro Saad, da Editora Brasileira,
pelas diversas reuniões e insights valiosos.
Por fim, gostaríamos de agradecer aos nossos
familiares, amigas e amigos pelo suporte,
compreensão e força para seguir no processo
de pesquisa e desenvolvimento, especialmente
nessa fase tão dura de pandemia da COVID-19
e de isolamento social.

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Ficha técnica

Direção executiva Pedro Fernandes Saad


Julio Mariutti
Texto Carlos Mauro
Gabriel Cabral
Renato Capanema
Tânia Ramos
Edição e design Estúdio Lógos
Revisão Valdilene Zanette Nunes
Impressão e acabamento Ipsis Gráfica e Editora
Produtora Editora Brasileira de Arte e Cultura Ltda
Produção executiva Bianca Blum
Gabriela Santos
Juliana Dantas
Letícia Bueno
Lucas Santos
Mariane Soares
Marina Passos
Assistentes editoriais Ana Merola
Gabriela Dantas
Marcos Munari

11
MUIT
Como as Ciências
Comportamentais podem
tornar os programas de
Compliance Anticorrupção
mais efetivos?
TOS
Carlos Mauro
Gabriel Cabral
Renato Capanema
Tânia Ramos Junho 2021
Sumário

16 Prefácio 24 1. Os mitos sobre


o comportamento
20 Introdução
desonesto
1.1 O crime compensa
1.2 O problema são as
“maçãs podres”
1.3 Quanto mais
controle, melhor
48 2. Compliance com foco
nas pessoas
2.1 Os desafios
do profissional de
compliance
2.2 Uma virada
comportamental
2.3 Testar é melhor
que remediar

14
72 3. Rumo a uma cultura 148 Considerações finais
de integridade
152 Glossário
3.1 Como se fazem as
coisas por aqui
3.2 O poder do líder
3.3 Tirando o Código
do papel
3.4 Não me fale
de Sócrates
3.5 O que os outros
fazem importa
104 4. A caixa de
ferramentas do
profissional de
compliance
4.1 Os três passos
de Abaroa
4.2 Os riscos da
análise de riscos
4.3 Como fazer o
programa de integridade
“pegar”?
4.4 Monitoramento
contínuo

15
Prefácio

16 Muitos
O livro começa com um feliz encontro de pessoas.
Em uma tarde típica de Brasília, com um sol de rachar, cansado,
depois de muitos voos na mesma semana, fiquei novamente
animado e cheio de energia. Em conversa com o Renato sobre os
rumos dos programas e políticas de compliance anticorrupção,
possivelmente não tão eficazes e eficientes como se imaginava,
chegamos à entusiasmante ideia de aproximar as aplicações das
Ciências Comportamentais à prática do compliance anticorrup-
ção no Brasil.
Pouco tempo depois, juntaram-se a nós o Gabriel e a Tânia,
igualmente motivados e interessados pelo tema. Esta equipe,
com dinâmicas diferentes ao longo do tempo, conseguiu colocar
em palavras um conjunto fundamental de conceitos, aplicações
e insights práticos com potencial de transformar como pensamos
os programas de compliance, introduzindo elementos cognitivos
e comportamentais nesse processo.
Com este livro, pretendemos ajudar os profissionais de
compliance a lidar com as dores típicas do dia a dia: “criei
um canal de denúncias, mas ninguém usa; implementei um
sistema de controle que parecia infalível, mas já descobriram
as brechas; ninguém parece levar muito a sério os treinamentos
de ética”. Se estamos falando em mudar comportamentos de
forma efetiva, faz todo sentido incluirmos o conhecimento das
Ciências Comportamentais ao que dizem os livros tradicionais
de compliance.
O timing não poderia ser mais interessante. Por um lado, as
Ciências Comportamentais vêm ganhando o mundo — prêmios
Nobel e publicações relevantes de grandes instituições multila-
terais, como OCDE, Banco Mundial, BID e Comissão Europeia.
Por outro lado, podemos observar uma mudança no mundo
do compliance anticorrupção. Os órgãos de fiscalização e os
próprios profissionais de compliance começam a exigir que os
programas sejam muito mais do que meras formalidades e que
sejam um meio para mudar comportamentos.
As Ciências Comportamentais trazem soluções novas para
problemas antigos e nos ajudam a entender por que muitas das
medidas de compliance que implementamos com a melhor
das intenções são, na verdade, armadilhas do ponto de vista
comportamental. Isso ocorre porque, como veremos ao longo do
livro, alguns dos nossos pressupostos sobre o comportamento

17 Prefácio
humano, mesmo aqueles que nos parecem intuitivos, podem ser
pouco realistas. As Ciências Comportamentais nos convidam
a pensar sobre por que podemos cometer desvios éticos sem
perceber e por que somos tão bons em criar justificativas para
nossos desvios. Mais importante, elas nos indicam o que pode-
mos implementar e mudar nos programas de compliance para
torná-los mais efetivos.
Carlos Mauro
Chief Scientific Officer, CLOO Behavior Insights Unit

18 Muitos
19 Prefácio
Introdução

20 Muitos
Tudo começou em 2013. Uma enorme indignação nas
ruas. A corrupção era o assunto do momento. Logo veio
a Lei Anticorrupção e a Lei de Organizações Criminosas.
Investigações, acordos de leniência, delações premiadas, Lava-
Jato. Era a primeira vez que as pessoas viam figuras importantes
sendo presas. Todos podiam ser responsabilizados, inclusive
as empresas. Responsabilidade objetiva, aplicação de multas,
dinheiro sendo recuperado do exterior. Ninguém mais parecia
estar acima da Lei.
Passados 7 anos, não há como negar que muita coisa mudou.
Quase todas as grandes empresas no Brasil já têm seu
departamento de compliance. Por todos os lados, observamos
procedimentos e controles surgindo para fazer com que as
pessoas “andem na linha”. Gestão de riscos, códigos de conduta,
treinamentos, due diligence, canais de denúncia, medidas disci-
plinares entraram de vez no dicionário corporativo. A legislação
e os regulamentos estão na ponta da língua dos profissionais de
compliance.
Avanços aconteceram, mas parece que falta algo. Toda vez que
falamos da efetividade dos programas de compliance, fica uma
dúvida se estamos fazendo da melhor forma possível. Qual a
métrica para sabermos se funciona ou não? Que garantia temos?
A verdade é que olhamos muito para o cumprimento de
requisitos legais e por vezes nos esquecemos do objetivo central,
da razão da existência dos programas de compliance: mudar
comportamentos. Esquecemos da integridade.
Não precisa ser assim. É possível conciliar compliance com
integridade. Se queremos mudanças efetivas, temos de voltar
nossa atenção para as pessoas, para o que dizem as ciências
comportamentais.
Nossa publicação surge desta necessidade: mostrar como os
profissionais de compliance podem incorporar as ciências
comportamentais para tornar os programas mais efetivos.
No primeiro capítulo, falamos de alguns dos mitos comuns que
fundamentam a criação dos programas. Por exemplo, que a
desonestidade é um problema apenas de pessoas mal intencio-
nadas — as chamadas “maçãs podres”. Ou que as pessoas fazem
cálculos de custos e benefícios a todo momento para decidir se
vão ser éticas.

21 Introdução
No capítulo seguinte, começamos a apresentar como seria “a
cara” de um programa baseado nas ciências comportamentais —
como uma pequena mudança na forma de pensar pode fazer uma
enorme diferença. Propomos uma “virada comportamental” na
forma de trabalhar o compliance, com maior atenção à ciência e
maior abertura para testes. E para erros.
Nos últimos capítulos, explicamos como os profissionais podem
incorporar as ciências comportamentais no seu dia a dia para
fazer o programa “pegar” na organização. Nós nos baseamos no
que dizem décadas de estudos científicos sobre o comportamento
humano para indicar formas de aprimorar alguns pilares dos
programas de compliance.
Ao falar da cultura organizacional, mostramos como tornar
mais persuasivos os treinamentos, os códigos de conduta e as
comunicações internas, e como podemos transmitir melhor o
compromisso da alta direção da organização.
Na parte das medidas de integridade, falamos dos cuidados
necessários do ponto de vista comportamental para colocar o
programa para funcionar — da análise de riscos ao monitora-
mento contínuo.
Tudo sob uma perspectiva diferente da que estamos acostuma-
dos: um compliance com foco nas pessoas, que fala menos de
leis e regulamentos e mais de comportamentos e das ciências
comportamentais. Uma abordagem direcionada a promover
comportamentos éticos de forma efetiva e sustentável.
Uma abordagem pluralista, pensada também para pessoas
comuns — os Muitos, como eu e você —, tomando decisões no
dia a dia corrido das organizações. Os Muitos que se consideram
honestos, mas que muitas vezes cometem deslizes éticos, seja
porque estão distraídos, seja porque são criativos.
Os Muitos que costumam ser deixados de lado, mas deveriam es-
tar no centro de um programa de compliance realmente efetivo.

22 Muitos
23 Introdução
1. Os mitos
sobre o
comportamento
desonesto

24 Muitos
1.1 O crime compensa

Uma reunião importante começa em 5 minutos e você ainda


está procurando uma vaga nos arredores. Não vai dar tempo. Ao
lado do lugar aonde você precisa ir, há um espaço vazio sobre
a calçada. Não tem como deixar de ver a placa dizendo que é
proibido estacionar. Uma tentação.
Você começa a pensar sobre o que fazer — “Bom, será uma
reunião rápida. São só alguns papéis. Provavelmente não vai
dar tempo de alguém vir aqui me multar. Também duvido que a
multa seja muito grande”.
Uma rápida checada na internet e descobre que o valor da multa
não assusta. Também não custa nada as pessoas se espremerem
um pouco por alguns minutos. A calçada nem fica tão cheia
nesse horário. Você conclui — “Enfim, ainda que tudo dê errado,
os problemas serão compensados pelo que vou conseguir na
reunião”. A conta fechou.
Se repararmos com atenção, os nossos pensamentos sobre
cumprir ou não as regras parecem ter suas bases em cálculos de
custos e de benefícios. Qual é a chance de ser pego? Qual é o
tamanho do prejuízo se eu for pego (ex.: multa, prisão)? E, claro,
qual é o tamanho do benefício para assumir esses riscos todos?
Tudo muito simples, direto e lógico.
Esse raciocínio parece funcionar bem para decifrarmos casos de
comportamentos antiéticos. Basta lembrarmos de alguns exem-
plos famosos ou envolvendo pessoas próximas. Conseguimos
imaginar suas razões. Umas vezes parecem ter a ver com
aproveitar uma oportunidade incrível — atividades antiéticas
normalmente têm altos retornos —; outras vezes com o fato de
ser um investimento seguro, de baixo risco — a “percepção de

25 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


impunidade” de que tanto se fala. Parece que seguem uma regra:
vale à pena agir de forma antiética sempre que os benefícios
superarem os custos.
No fim das contas, a integridade parece ser melhor explicada
como se fosse uma questão exclusivamente econômica. As
pessoas pensam no que podem ganhar e depois diminuem o que
podem perder. Se o saldo for positivo, agir de forma antiética é a
melhor decisão. O quebra-cabeça parece completo.
Essa nossa intuição está, de fato, em linha com os pressupostos
utilizados por economistas neoclássicos (ver p. 154). Um
exemplo é o argumento de Gary Becker, vencedor do Nobel de
Economia em 1992, em “Crime and Punishment: An Economic
Approach”1, um clássico. Para Becker, descumprir as regras pode
ser a decisão mais racional em alguns contextos.
Depende do que está em jogo e se há um saldo positivo nesta
equação. De um lado, existem os potenciais ganhos econômicos
com os desvios; de outro, os custos da ação, que devem ser
subtraídos desses ganhos. Esses custos são operacionalizados
em nossas cabeças, por exemplo, a partir das probabilidades
de sermos apanhados e do tamanho da punição (ex.: multa,
encarceramento, danos reputacionais etc.). O crime compensa
— é a decisão racional a ser tomada — se o saldo for (i) positivo
e (ii) superior às opções alternativas de ganhos no mercado
de trabalho.
A percepção de que as pessoas lidam com questões de integri-
dade como se fossem questões meramente econômicas pode ser
também bastante conveniente. Esses pressupostos nos permitem
criar modelos preditivos simples e elegantes sobre como as
pessoas vão reagir a políticas públicas e organizacionais de
compliance anticorrupção.
Ao assumir esses pressupostos, temos maior facilidade para
explicar o problema dos comportamentos antiéticos e pensar
nas soluções.
O quebra-cabeça fica mais simples. Basta pensar no que
produzirá mais efeitos no comportamento do homem econômico
(homo economicus, p. 155). Por um lado, temos de aumentar os
custos da ação: investir nos mecanismos de detecção e endurecer
a punição de desvios, bem como criar sistemas de controle que
não deem brechas. Por outro lado, temos de criar campanhas

26 Muitos
para informar e conscientizar as pessoas sobre o que precisam
fazer para agir de forma íntegra.
Entretanto, de nada adianta conceber os comportamentos antiéti-
cos de maneira simplificada se essa concepção não é realista do
ponto de vista psicológico. Se olharmos uma segunda vez para
como as coisas são, fica fácil notar que a integridade é mais do
que uma questão econômica. Vejamos.
O primeiro passo é abrirmos a janela e olharmos para a rua. Se
a desonestidade tivesse a ver apenas com custos e benefícios,
veríamos crimes sendo cometidos por toda parte. As carteiras
teriam fechaduras e todas as lojas teriam grades. Apertos de mão,
contratos “de honra” e compromissos firmados verbalmente não
fariam nenhum sentido. Não vivemos num mundo assim.
O que podemos ver é que grande parte das pessoas age de
forma ética, mesmo quando não tem ninguém olhando.
Vizinhos deixam a chave uns com outros, os colegas de tra-
balho deixam seus pertences no escritório e amigos aceitam
promessas informais de pagamento, entre muitos outros
exemplos. As pessoas parecem ser desonestas surpreen-
dentemente poucas vezes tendo em conta as oportunidades
que têm.
Além disso, esta visão do ser humano como essencialmente
oportunista e egoísta é contrariada pela alta frequência de
comportamentos pró-sociais na sociedade, mesmo em certas
situações em que esses comportamentos implicam prejuízo
pessoal2. Sem contar com o fato de que essa forma de pensar
pressupõe que as pessoas têm tempo e disposição para ficar
fazendo cálculos sobre cada uma das coisas que fazem durante o
dia3. O que não é realista.
A verdade é que não exibimos a racionalidade idealizada pela
Teoria da Escolha Racional. Não tomamos decisões como um
homo economicus. É mais realista entender que grande parte
das decisões sensíveis do ponto de vista ético ocorrem de forma
rápida, automática e permeadas por processos cognitivos incons-
cientes. Voltaremos a este tópico no item seguinte.
Lembra do exemplo sobre estacionar na calçada? Pense agora
que você fez um cálculo rápido e decidiu quebrar as regras. Pela
perspectiva tradicional, a história acaba aí. A decisão foi tomada

27 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


porque você compreendeu que os benefícios eram superiores
aos custos.
Pode até ser que grande parte das pessoas estacione na calçada,
mas não sem antes sentir emoções negativas. A história não
para por aí. Hesitamos até estacionar, por vezes intensamente, e
algumas vezes mudamos de ideia. Depois de estacionar, é muito
provável que venha a culpa — “eu não sou o tipo de pessoa que
faz isso”.
Parece claro que peças importantes estão faltando nesse quebra-
-cabeça. São aspectos relevantes dos comportamentos antiéticos
que escapam da nossa análise mais apressada. Não agimos às
vezes de forma antiética apenas porque compensa.
O preço a pagar por assumir essa visão simplificada da reali-
dade cognitiva e comportamental é alto. Se criamos políticas
partindo de um pressuposto pouco realista e limitado, a
consequência não poderia ser outra: a ineficácia sistemática
das medidas tradicionalmente utilizadas nos programas de
compliance anticorrupção.
Pensamos muitas vezes que as regras e incentivos criados pelos
programas de compliance serão suficientes para impedir ou
suprimir comportamentos desonestos. Isso só seria verdade se
as pessoas tomassem decisões sempre de forma calculista e
oportunista. O que não é o caso. Uma boa estrutura de regras e
incentivos é um elemento muito importante, mas não é suficiente
para a construção de programas compliance mais efetivos.
Qual é a peça que está faltando nesse quebra-cabeça?
Décadas de evidências das ciências comportamentais (p. 153),
em particular da área da ética comportamental (p. 154),
indicam a peça que faltava — uma concepção mais realista sobre
o comportamento humano
Uma concepção mais realista adiciona elementos ao quebra-
-cabeça dos comportamentos antiéticos. Por exemplo, além dos
custos externos da ação (ex.: danos materiais e reputacionais),
temos de considerar também os custos internos (ex.: psicoló-
gicos) e os fatores relacionados ao contexto em que as pessoas
tomam as decisões — o que Thaler e Sunstein chamaram de a
arquitetura da decisão (p. 153) no conhecido Nudge4.

28 Muitos
Afinal, uma vez que grande parte das nossas decisões é
realizada de forma rápida, automática e inconsciente, peque-
nas mudanças no contexto decisional têm tudo para fazer a
diferença. Integridade não tem a ver apenas com calcular
custos e benefícios. E isso muda tudo.

29 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


1.2 O problema são as
“maçãs podres”

Já imaginou se todas as pessoas desonestas simplesmente


desaparecessem? Se, como em um passe de mágica, sumissem
todos aqueles que agem sistematicamente de forma antiética,
buscando sempre brechas para conseguir vantagens pessoais,
sem ter aparentemente nenhum problema com isso?
Estamos falando daquele tipo de pessoa que aparece em um
vídeo às gargalhadas depois de ter combinado como desviar
milhões do orçamento de um hospital de um pequeno município.
Tudo isso comendo lagostas em um restaurante chique. Também
daquele colega sem escrúpulos que está sempre armando para se
promover na organização.
Enfim, já imaginou um mundo em que conseguíssemos nos
livrar de cada uma das “maçãs podres” que contaminam nossa
sociedade?
Podemos imaginar que os programas de compliance teriam
uma cara bem diferente nesse mundo. Os canais de denúncia
poderiam ser desligados por falta de uso. Os mecanismos de
controle poderiam ser afrouxados. As investigações internas não
seriam mais necessárias, porque não haveria mais desvios para
se investigar.
Sem as “maçãs podres” por perto, teríamos solucionado o
problema da integridade na nossa sociedade e não seria preciso
mais pensar sobre medidas de integridade, certo?
Não, infelizmente, não.
Por mais que seja difícil de acreditar, o mais provável é que as
coisas continuassem muito parecidas com o que são hoje. Os

30 Muitos
atos desonestos continuariam ocorrendo. E muito. Mesmo os
grandes escândalos de corrupção.
Além disso, você ficaria surpreso ao ver que muitas das pessoas
que você achou que teriam desaparecido continuam por aí. Sim,
até mesmo aquela pessoa que você sabe que já fez, e ainda faz,
todo tipo de desvio ético. Até mesmo alguns daqueles corruptos
que estavam nas capas dos jornais.
A verdade é que a nossa perspectiva pode influenciar nossa
percepção sobre um comportamento. Uma mesma ação pode ser
entendida de forma diferente por quem fez e por quem está de
fora observando.
Ao saber que alguém cometeu um desvio ético, costumamos
fazer referências às suas características para explicar as causas
do seu comportamento. Dizemos que se trata de uma “pessoa
desonesta” ou que é o “tipo de pessoa” que comete desvios. Não
que se trata de uma pessoa honesta que pode ter cometido um
deslize. É o que psicólogos sociais chamam de a assimetria de
perspectiva entre ator e observador (p. 153).
Por exemplo, lembra daquela pessoa que fechou você no trânsito
outro dia? Provável que você tenha pensado rapidamente que
ela é uma pessoa sem educação ou uma péssima motorista. Mas
quando você fechou uma pessoa em outra ocasião, você prova-
velmente achou que foi por uma desatenção ou um azar — não
que você é uma pessoa sem educação ou um mau motorista.
No caso do erro do outro, pareceu que foi um erro causado pelo
tipo de pessoa que ela é. Por características internas à pessoa,
como sua personalidade ou seu caráter. No caso do nosso erro,
ainda que muito similar, temos maior facilidade para achar que
foram por causas externas, algo relacionado ao contexto.
Com os comportamentos antiéticos não é diferente. Tendemos
a explicar os desvios das outras pessoas (ex.: não preencher
corretamente um relatório) como se fosse uma prova do seu
caráter desonesto. Temos dificuldades para lembrar do papel
de fatores situacionais ao darmos sentido aos comportamentos
dos outros.
A pessoa pode ter esquecido — um lembrete teria resolvido —;
pode ter sido uma distração de um dia cheio — destacar alguns
pontos no relatório poderia ter ajudado a pessoa a se concentrar

31 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


—; ou podem ter havido dificuldades genuínas para compreender
o que precisava ser feito — o relatório podia ser simplificado.
Não estamos negando que existam “maçãs podres” na sociedade,
como aquelas figuras caricatas que mencionamos. Existem
pessoas que vão agir de forma desonesta sempre que tiverem
uma oportunidade, que vão deixar princípios éticos de lado para
conseguir vantagens pessoais, que não se importam em olhar no
espelho e “ver” uma pessoa desonesta no reflexo.
Não sabemos se elas de fato dão gargalhadas de prazer quando
fazem algo errado. Mas não há como ignorar que essas pessoas
existem e estão por aí tentando achar brechas para se beneficiar
com as fragilidades dos sistemas de integridade.
O problema é que muitas vezes os programas de compliance se
preocupam apenas com essa minoria de pessoas. E deixam de se
preocupar com os outros, com a maioria das pessoas.
Como veremos, pessoas comuns que se consideram honestas,
como eu e você, também podem cometer atos desonestos — e
o fazem o tempo todo — e ser protagonistas de escândalos
de corrupção.

Os Muitos também erram. E muito.


Os programas de compliance e as leis5 costumam dar toda
atenção aos Poucos (Pouca motivação intrínseca, Oportunistas
quase sempre, Usam todas as brechas, Calculistas, Obtêm toda
atenção, Sabem que são desonestos), e se esquecem dos Muitos
(Motivação intrínseca alta, Usualmente honestos, Inventam
justificativas, Têm dificuldades de perceber dilemas éticos,
Oportunistas ocasionais e Se veem como honestos) que também
cometem desvios éticos o tempo todo.
Esses dois personagens que criamos serão muito utilizados ao
longo da publicação, por isso vale a pena reforçar:

32 Muitos
MUITOS POUCOS

M otivação intrínseca alta P ouca motivação intrínseca


U sualmente honestos O portunistas quase sempre
I nventam justificativas U sam todas as brechas
T êm dificuldades de perceber dilemas éticos C alculistas
O portunistas ocasionais O btêm toda atenção
S e veem como honestos S abem que são desonestos

Se queremos um programa de compliance efetivo em mudar


comportamentos, não podemos deixar de considerar também
os Muitos.
Precisamos criar uma abordagem pluralista que nos permita
conciliar as medidas que já utilizamos para dissuadir os Poucos
(ex.: punições, fiscalização, controles, dar informações) com
outras medidas que funcionem para prevenir que os Muitos
cometam desvios.
Essa não é uma tarefa fácil. Os Poucos e Muitos têm motivações
diferentes para agir de forma ética — e uma medida que criamos
pensando em um pode ter o efeito oposto no outro.
Por isso, o primeiro passo para conseguirmos pensar em uma
abordagem pluralista para os programas de compliance é conhe-
cer melhor o que levam as pessoas comuns, os Muitos, a agir de
forma desonesta.
Os Muitos podem agir de forma desonesta em duas situações:
Primeiro, nas situações em que identificam um dilema ético,
mas conseguem justificar seus atos — passados ou futuros —
utilizando mecanismos de racionalização. Conseguem conciliar
o que deveria ser inconciliável: percebem-se como pessoas
honestas, mesmo realizando atos desonestos, às vezes até
participando de grandes esquemas de desvios. O exemplo típico
são as pessoas que se sentem de alguma forma injustiçadas por
terem sido pegas cometendo um desvio.
Segundo, nas situações em que sequer chegaram a identificar o
dilema ético. Fazem algo errado, mas não conseguem perceber
na hora. São os nossos pontos cegos éticos. Atos que deveriam
ser percebidos como errados do ponto de vista ético, mas que

33 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


são tratados com normalidade, como algo banal. Nesse caso, o
exemplo típico são pessoas que se sentem genuinamente surpre-
sas ou confusas depois de terem sido pegas.
Nas duas situações, como veremos em detalhes a seguir, de
pouco adianta mais punição, fiscalização ou mesmo simplesmen-
te dar mais informação.
Os Muitos realmente merecem nossa atenção.

No fim do dia, todos dormem tranquilos


Quem já baixou filmes, músicas ou livros de forma ilegal?
Provavelmente muitos. Quantos começaram a se achar pessoas
desonestas depois de ter feito isso? Provavelmente quase
ninguém. Bom, é fácil pensar em boas justificativas. Que tal: “os
produtores do filme querem que as pessoas vejam seus filmes”
ou “a arte não deve ser comercializada”. Ou ainda: “eu vou
comprar depois, se gostar”. E por aí vai.
Por que isso ocorre?
Antes ou depois de fazermos algo (ex.: uma ação desonesta) que
conflita com nossa autoimagem6 (ex.: sou honesto), entramos em
um estado de dissonância cognitiva (p. 154). Isto é, criamos um
desencontro incômodo entre uma crença que temos sobre nós
mesmos e a ação que realizamos. É um mal-estar que precisa
ser resolvido — e rapidamente. Para resolver, é preciso voltar ao
estado de consonância entre crença e ação.
A partir daí, existem dois caminhos. Às vezes, as pessoas esco-
lhem o mais difícil: deixar de fazer ou reparar o ato desonesto e
abrir mão das vantagens. Outras vezes, seguem o caminho mais
fácil. Continuam se beneficiando com o que sabem estar errado,
mas se utilizam de mecanismos de racionalização para tornar o
que é errado em algo aceitável e justificado. Isto é, dão uma nova
interpretação às ações de forma a torná-las compatíveis com sua
autoimagem positiva.
Os mecanismos de racionalização são manobras psicológicas
que têm como função dissolver esse conflito e proteger a
autoimagem. O resultado é que as pessoas utilizam esses
mecanismos o tempo todo para justificar seus desvios e não
se sentirem incomodadas com isso.

34 Muitos
Funciona como uma conversa, uma negociação interna, em
que a pessoa se convence de que seu comportamento não é
tão ruim assim. E somos bons nisso, especialmente para o que
entendemos como sendo desvios de menor importância. Quanto
mais a pessoa perceber o que está fazendo como algo pequeno
(ex.: deixar de declarar alguns reais de um relatório), mais fácil
será criar boas justificativas e menor será a necessidade de
ser criativo7.
Trata-se de um equilíbrio complicado entre se beneficiar dos
atos desonestos o mínimo suficiente para não comprometer uma
autoimagem positiva. Não por acaso, nos estudos realizados por
cientistas comportamentais, as pessoas costumam se beneficiar
da desonestidade, mas só um pouquinho8.
Já ouviu falar do experimento das matrizes9? É um experimento
engenhoso que nos leva a compreender algumas dinâmicas do
comportamento desonesto dos Muitos. Dan Ariely e colegas
ofereceram a alunos de graduação do MIT a possibilidade de
ganhar até 10 dólares para participar de um estudo. Neste estudo,
os participantes deveriam tentar acertar o maior número de
questões, de um total de 20. A cada resposta correta, receberiam
50 cents. Logo, se acertassem tudo, receberiam 10 dólares; se
acertassem 8, receberiam 4 dólares. E assim por diante.
As questões eram fáceis: marcar o par de quadradinhos que
somados dão 10 em cada matriz (Ex.: 4.81 + 5.19), mas precisa-
vam ser respondidas em 5 minutos.
Na condição em que as respostas eram checadas — as pessoas
sabiam que seriam descobertas se trapaceassem — os participan-
tes acertaram em média 3.4 questões. Tendo essa referência do
quanto as pessoas acertavam, os pesquisadores resolveram dar
aos participantes a chance de trapacear.
Criaram, então, uma condição na qual outros participantes
sabiam que as respostas não seriam checadas — os participantes
poderiam triturar suas folhas de respostas e simplesmente
informar seus acertos. A média de acertos subiu para 6.1 —
receberam, em média, 1 dólar a mais que os participantes do
outro grupo.
Reparem, eles não reportaram ter acertado as 20 questões, o que
seria esperado se as pessoas estivessem fazendo apenas uma
análise de custo-benefício. De fato, ao longo dos experimentos

35 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


realizados no estudo, apenas 5 (0.6%) dos 791 participantes que
poderiam trapacear reportaram ter acertado as 20 matrizes. Os
participantes que tiveram oportunidade para trapacear fizeram
isso, mas só um pouco — indicaram algumas questões a mais do
que realmente tinham acertado.
E se os pesquisadores tivessem oferecido mais dinheiro aos
participantes?
Também é interessante notar que quando os pesquisadores
ofereceram valores 4 vezes maiores (ex: 2 dólares por acerto),
a quantidade de desonestidade dos participantes até diminuiu
um pouco. O que faz todo sentido quando começamos a pensar
na desonestidade não como uma questão de prós e contras, mas
como uma questão do quanto conseguimos racionalizar nossos
desvios. Afinal, é muito mais fácil criar boas justificativas e
continuar a nos ver como boas pessoas depois de tirar alguns
poucos cents dos pesquisadores do que dezenas de dólares10.
O que será que os participantes pensaram para sair de “consciên-
cia limpa” depois de terem sido desonestos com os pesquisado-
res? As possibilidades são muitas.
Alguns autores têm definido diferentes tipos de processos de
racionalização e alertado para nossa capacidade de desengaja-
mento moral. Na Tabela 1, apresentamos alguns destes processos
e pensamentos ilustrativos. A tabela é uma adaptação de um
artigo seminal11 do psicólogo social Albert Bandura, com a
adição do ponto da “licença moral”.

36 Muitos
Tabela 1. Mecanismos psicológicos de racionalização e desengajamento moral

Mecanismo Definição Pensamentos Ilustrativos

Justificação moral Justificar um com- “Tenho que jogar duro: meus funcionários
portamento desonesto dependem de mim”
com base em algum
“Faço tudo o que for necessário para
propósito superior.
defender os interesses da empresa”

Linguagem Encobrir um ato “Precisamos resolver o problema”


eufemística imoral com linguagem
“Então, vou te pagar um cafezinho”
eufemística, muitas
vezes metafórica12.

Comparação Comparar um ato “Menti um pouco na minha declaração de


vantajosa desonesto com um outro impostos, mas isso não é nada comparado
ainda pior. com os políticos que roubam milhões”
“Levar papel do trabalho para usar na
minha impressora é fichinha perto do que
fazem meus colegas”

Deslocamento da Atribuir a responsa- “Só estou seguindo ordens”


responsabilidade bilidade a pessoas de
“Se meu chefe fizesse o trabalho direito,
hierarquia superior.
isso não seria necessário”

Difusão da Distribuir a responsabi- “Fui fazendo desta forma e ninguém me


responsabilidade lidade por cada membro interrompeu”
de um grupo.
“Essas são as regras do jogo: eu apenas
sigo”

Desvalorização Minimizar as “Que mal faz ter pego 100 reais? Essa
ou distorção das consequências dos atos empresa fatura milhões”
consequências desonestos.
“Ninguém vai reparar a falta deste
equipamento”.

Culpabilização da Atribuir a culpa às “Se ele não me tratasse da forma como me


vítima vítimas. tratou, isto não aconteceria”
“Mereceram ser roubados já que não
tomaram as precauções necessárias”

Altruísmo a favor Argumentar que o ato “Só estou mostrando as fragilidades do


dos outros. desonesto vai beneficiar sistema para que eles possam ajustar”
também outras pessoas.
“É tudo para para dar melhores condições à
minha família”

Licença moral (p. Dar para si mesmo uma “Eu sempre cumpro as minhas respon-
156) licença para cometer sabilidades, mereço tirar algum tipo de
um ato desonesto em benefício próprio”.
razão de ter feito ações
“Sei que sou um funcionário exemplar,
corretas ou pró-sociais
posso fazer uma coisa errada só dessa vez”
recentemente13.

37 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


O que os olhos não veem o coração não sente
Imaginem um funcionário público recebendo um ingresso de
cortesia para um show de uma banda que é fã. Quem ofereceu o
ingresso foi um amigo, representante de uma empresa que tem
negócios com o governo. O ingresso vem em boa hora — ele
pensa. Está muito difícil achar para comprar. Quem tem amigos,
tem tudo.
Por que é mais fácil aceitar um ingresso para um show que vale
300 reais do que três notas de 100 reais? Ou por que em outro
experimento14 com as matrizes, os participantes foram mais
desonestos quando recebiam tokens15 dos pesquisadores — que
depois poderiam trocar por dinheiro — em vez de dinheiro vivo?
Trata-se do mesmo valor, mas o dinheiro vivo parece provocar
algum tipo de alerta moral que os ingressos não fazem. A
distância psicológica16 com que percebemos um mesmo valor
em dinheiro, do mais abstrato — tokens, presentes, bitcoins ou
transferências bancárias — ao mais concreto, pode fazer toda
diferença do ponto de vista comportamental.
Para compreender como isso é possível, precisamos entender
que nossa atenção é limitada e grande parte das nossas decisões
diárias ocorrem sem estarmos completamente atentos ao que
fazemos. Você pode estar agora segurando um copo ou mexendo
no seu rosto, mas só percebeu agora que comentamos.
Afinal, já imaginou o quão cansativo seria estarmos cientes de
tudo que está acontecendo e pensando ativamente sobre cada
ação que realizamos ou decisão que tomamos? Muitas decisões
que tomamos são rápidas e automáticas. Já ouviu falar dos
Sistemas 1 e 2 (p. 158)?
Utilizamos um conjunto de atalhos mentais — as heurísticas (p.
155) — como se fossem “regrinhas” inconscientes para resol-
ver questões complexas rapidamente. Para não termos de levar
tudo em consideração, o que levaria muito tempo, e para não
precisarmos recolher uma infinidade de informações, desen-
volvemos as heurísticas17 — centrais nas tomadas de decisão
cotidianas —, facilitando e simplificando todo o processo.
Vivemos grande parte do tempo nas organizações e este
ambiente não costuma ajudar. O normal são pessoas com pressa,
estressadas18, sob pressão por resultados e com distrações por

38 Muitos
todos os lados. Falta espaço para decisões tomadas com a
atenção que merecem.
Isso se torna um problema porque decisões que tomamos com
menor grau de consciência e atenção tendem a aumentar a
chance de sermos desonestos19. Precisamos de maior autocontro-
le para agir de forma honesta do que de forma desonesta20.
Os Muitos também podem agir de forma desonesta porque
não perceberam sinceramente que estavam diante de um
dilema ético, que estavam fazendo algo errado. Nesses casos,
sequer chegaram a pensar que era preciso racionalizar
alguma coisa. Esses são os pontos cegos éticos21 (ethical
blind spots). Como os pontos cegos no trânsito, estão ali, são
perigosos e precisamos nos esforçar para conseguir vê-los.
Alguns pontos cegos são criados pelos nossos vieses. Em parti-
cular, pela forma que distorcemos nossa percepção da realidade,
sem perceber, para torná-la mais conveniente22 — os chamados
self-serving biases (p. 158). Ainda que não possamos perceber,
tendemos a achar que somos mais objetivos e imparciais do que
realmente somos em nossas avaliações23. Os outros podem ser
enviesados, injustos e parciais, mas nós não.
Esses vieses nos ajudam a entender, por exemplo, por que é
possível acharmos genuinamente que um parente ou um amigo
é a pessoa mais competente para um cargo que acabou de
abrir. Mesmo quando não são. Pode ter parecido uma avaliação
objetiva, mas não foi. É o tipo de coisa que está óbvio para
todos, mas que não conseguimos perceber por conta própria.
Outros pontos cegos que precisamos ter cuidado surgem da
dificuldade que temos para perceber mudanças que ocorrem de
forma gradual. Tendemos a ter maior dificuldade para identificar
quebras de integridade em nós mesmos24 e nos outros25 que
se desenvolvem lentamente no tempo, em vez de uma forma
abrupta — como numa “ladeira escorregadia” (slippery slope),
em que começamos a escorregar lentamente e quando percebe-
mos já estamos lá embaixo .
No interessante e didático documentário “(Dis)honesty: The
truth about lies”26, Dan Ariely relata uma série de casos reais de
pessoas que se envolveram em grandes casos de corrupção. Em
comum, os casos mostram a escalada sutil da desonestidade no
ambiente de trabalho ao longo do tempo. Um processo lento que

39 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


começa com pequenas e inocentes transgressões cotidianas e
termina em grandes esquemas de fraude. Quando a pessoa deu
por si, já era um grande criminoso e não tinha como voltar.
Uma terceira fonte de pontos cegos éticos é a nossa incapacidade
de entender a força das tentações no momento em que elas ocor-
rem. É como se houvesse dois “eus” dentro de cada um de nós:
o Eu que deveríamos ser (should self) e o Eu que quer (want
self). No momento em que pensamos sobre desonestidade, nosso
primeiro eu está no comando: somos prudentes, previdentes e
honestos. Não acreditamos, honestamente, que vamos sucumbir
a uma tentação.
Porém, no momento em que a tentação ocorre, o nosso outro eu
toma as rédeas da situação. Esse é impulsivo e imediatista — e
pode ser desonesto. Somos um quando respondemos sobre
dilemas éticos hipotéticos e outro quando estamos diante de um
dilema ético real. É por isso que aulas sobre ética, com nomes de
filósofos e princípios éticos abstratos, não costumam ser eficazes
para alterar comportamentos. A verdade é que é muito difícil
antecipar o quão visceral será a tentação de agir desonestamente
no momento em que esses dilemas ocorrem (hot state)27
Se queremos programas de integridade efetivos, precisamos
incluir os Muitos na hora de pensar sobre as medidas de
compliance. Muitas vezes, o que funciona para os Poucos — por
exemplo, mais controle, sanções e fiscalização — pode não ser
uma boa ideia para os Muitos.

40 Muitos
1.3 Quanto mais controle,
melhor

Os programas de integridade às vezes se parecem com um plano


de guerra. O inimigo são os Poucos. Os profissionais de com-
pliance precisam pensar estrategicamente para combater esse
inimigo: antecipar cada movimento — mais controle — e não
dar espaço para que consigam escapar — treinamentos para que
não possam argumentar que não sabiam. Não precisa ser assim.
O problema é que ao fechar o cerco contra os Poucos, atingimos
todos. Acabamos por tratar todos com desconfiança28, mesmo
quem não merece. O pode ter consequências negativas sobre a
motivação e performance dos Muitos.
Podemos acabar no pior dos mundos: criamos medidas
duras o suficiente para afetar negativamente quem já
seguiria as regras, mas não duras o suficiente para dissuadir
quem pretende quebrar as regras.
Ao implementar mais controle, fiscalização e punições, criamos
encargos (ex.: restrições, burocracia, relatórios etc.) que podem
custar caro para a organização e que poderiam ser dispensados
para a grande maioria das pessoas.
Pior, controle excessivo pode aumentar as chances de que
os Muitos ajam de forma desonesta. Isso ocorre porque a
adição de sistemas de controle pode diminuir a motivação
intrínseca29 (p.156) que as pessoas tinham para agir de
forma honesta antes de existir o sistema. Isto é, o que sempre
foi feito em razão de um dever moral — porque era o certo a
ser feito — pode começar a ser relativizado.
Ao adicionar incentivos extrínsecos (ex.: controle, penalizações
e recompensas) para motivar as pessoas a agir de forma ética,
podemos retirar30 parte da motivação intrínseca que as pessoas

41 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


tinham antes desses incentivos — efeito conhecido como
crowding out (p. 153).
Os incentivos colocam um “preço” em uma coisa que não deve-
ria ser precificada, algo que se faria por uma questão de prin-
cípios. Em razão desta “precificação”, pessoas intrinsecamente
motivadas para agir de forma ética podem começar a perceber as
questões de integridade não mais por uma perspectiva ética, mas
como se fossem decisões econômicas de ponderação entre prós e
contras, de business31.
O que antes as pessoas fariam porque era o certo a ser feito,
com ou sem um sistema de controles, agora passa a ser feito na
medida em que seja o mais vantajoso ou menos desvantajoso
para a pessoa32.
Não por acaso, diversos estudos recentes33 mostram um efeito,
no mínimo, curioso. Em experimentos em que os participantes
têm a possibilidade de trapacear, o índice de desonestidade
costuma ser maior quando há controle fraco (ex.: baixa chance
de o participante ser pego trapaceando e penalidades brandas
para quem for pego) do que na ausência total de controle
(nenhuma chance de ser pego e nenhuma penalidade).
Incentivos extrínsecos têm seu papel para aumentar a motivação
das pessoas, mas não funcionam bem para motivar qualquer tipo
de atividade. O que funciona para motivar vendedores a vender
mais não é o mesmo que funciona para motivar os vendedores a
não enganarem seus clientes.
A verdade é que os Muitos já têm “dentro de si” os elementos
necessários para agir de forma ética. E, às vezes, quando criamos
sistemas de incentivos para que não se desviem do caminho
ético, acabamos atrapalhando mais do que ajudando.
Não é que a adição de incentivos extrínsecos (ex.: controle,
recompensas e penalizações) vão se somar à motivação
intrínseca que as pessoas já têm e deixá-las ainda mais
motivadas para agir de forma desonesta. Os incentivos,
na verdade, vão acabar por substituir ou tomar o lugar da
motivação intrínseca que as pessoas tinham34.
Vejamos este exemplo: Em um estudo realizado em 1998 em
creches em Israel35, os pesquisadores queriam testar se adicionar
pequenas multas resolveria um problema enfrentado pelas
creches causado por pais e mães que se atrasavam para buscar

42 Muitos
seus filhos. O estudo mostrou o efeito contrário do esperado.
Nas creches em que os responsáveis deveriam pagar multas,
os atrasos aumentaram. Multar as pessoas colocou um “preço”
em uma atividade que não deveria ter preço. Não foi um preço
suficientemente alto.
Aqui vale uma ressalva. Não seria razoável, ou mesmo legalmen-
te possível, colocar um preço (ex.: multas) elevado que, de fato,
conseguisse dissuadir os pais. Antes, os pais tentavam realmente
não atrasar, mas quando a multa foi instituída, passaram a tratar
os atrasos como um “serviço” que tinha um preço definido.
A multa lhes facilitou a vida — deixaram de ver os atrasos
como um problema ético e passaram a vê-lo como uma simples
transação comercial.
O que podemos fazer então? Esse é um quebra-cabeça difícil de
montar. As peças parecem não encaixar. Vejamos.
Por um lado, a ausência de controle parece funcionar bem para
os Muitos — os que não precisam de controle, mas dá espaço
para que os Poucos se aproveitem dessa brecha para cometer
desvios impunemente. Por outro lado, a presença de controle
efetivo parece funcionar bem para dissuadir os desvios dos
Poucos — os que precisam de controle, mas têm o efeito colate-
ral de diminuir a motivação intrínseca dos Muitos.
A solução é criarmos “mecanismos de controle que não se
pareçam com mecanismos de controle”. Isto é, que consigamos
aproveitar a parte boa dos mecanismos de controle sobre o
comportamento dos Poucos, mas sem os efeitos colaterais sobre
os Muitos. Voltaremos a esse ponto no tópico 4.3.

Uma Abordagem Pluralista


Como podemos ver com esse exemplo dos mecanismos de
controle, se quisermos desenvolver um programa efetivo, tere-
mos de achar um ponto de equilíbrio. Uma forma de atuação dos
profissionais de compliance que concilie o fato de que as pessoas
têm diferentes motivações para agir de forma ética e ciente de
que medidas que funcionam para alguns podem acabar sendo
bastante contraproducentes para outros.
Precisamos de um programa de compliance voltado não apenas
para dissuadir os desvios dos Poucos, mas também dos Muitos.
Isto é, de uma abordagem pluralista de promoção da integridade,

43 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


criada com base em décadas de evidências das ciências compor-
tamentais. O que significa ter alguns cuidados na aplicação das
medidas tradicionais (ex.: controle, fiscalização, punição, gestão
de riscos, treinamentos etc.) e também abrir espaço para novas
ideias.
A seguir, na Tabela 2, mostramos resumidamente os fatores que
o profissional deve levar em consideração ao criar políticas de
compliance.
Tabela 2: Uma abordagem pluralista de promoção da
integridade.

Poucos Muitos

Grau de motivação Baixo  Alto


intrínseca para agir
eticamente

Razões para agir de forma Cálculos de prós e contras. Mecanismos de racionaliza-


desonesta ção. Percebe o dilema ético
Decisão econômica, não de e racionaliza.
princípios.
Pontos cegos éticos
Processos automáticos. Não
percebe o dilema ético.

Atenção das políticas Alta Baixa


tradicionais de integridade

Efetividade de políticas Pode ser alta, mas requer um Pode ser baixa. Os
tradicionais de integridade alto investimento, constância mecanismos de controle
e adaptação permanente podem criar um ambiente
dos incentivos (ex. controle, de desconfiança e diminuir a
recompensas e punições). motivação intrínseca. Além
de permitir mais oportunida-
des para racionalização.

Medidas que funcionam  Controle, fiscalização e Antecipar as racionalizações


punição. mais comuns. Diminuir
ambiguidades. Técnicas de
debiasing.
Nudges (lembretes e
compromissos).

44 Muitos
Notas do Capítulo 1 8. BERSOFF, D. M. Why 15. HSEE, C. K.; YU, F.;
Good People Sometimes ZHANG, J.; ZHANG, Y.
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45 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto


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46 Muitos
47 1. Os mitos sobre o comportamento desonesto
2. Compliance
com foco nas
pessoas

48 Muitos
2.1 Os desafios do
profissional de compliance

A vida dos profissionais de compliance não costuma ser fácil.


Precisam cuidar para que os colaboradores se mantenham
íntegros e respeitem as regras, mas sem que isso atrapalhe muito
o trabalho. O desafio é manter — ao mesmo tempo — as pessoas
na linha e motivadas. No fim do dia, ainda precisam convencer
seus chefes de que vale à pena continuar investindo no programa.
Nos relatórios, há sempre novidades sobre o que foi feito: novos
procedimentos e o número de treinamentos realizados. Tudo
parece conforme o exigido pela legislação. Há políticas especí-
ficas para licitações e o código de conduta ética está disponível
para todos os colaboradores. Além de um software de análise de
riscos de última geração. Tudo parece estar em dia.
Já reparou como falamos pouco sobre comportamentos? Os
treinamentos tiveram impacto no comportamento das pessoas?
As políticas, os códigos, os mecanismos de controle fizeram
diferença? Se o objetivo do programa é guiar comportamentos,
isso não deveria constar nos relatórios?
Compliance deveria ser sobre tornar a organização mais íntegra,
mas acaba sendo sobre cumprir uma longa checklist de formali-
dades. É possível fazer diferente.
Pensar no compliance com foco na mudança de comporta-
mentos pode ser um grande desafio, mas é necessário. Só
assim podemos avaliar o que está sendo feito para além do
cumprimento dos requisitos mínimos da legislação. Será
que os investimentos fazem sentido? Os custos do programa
estão valendo à pena? É importante saber se o programa
realmente funciona.
Como vimos, os Muitos podem agir — e agem com frequência
— de forma antiética. Mas costumamos prestar atenção quase
exclusivamente aos Poucos. Tentamos criar sistemas de controle

49 2. Compliance com foco nas pessoas


cada vez mais sofisticados e infalíveis para fechar todas as
brechas possíveis, mas sem muito sucesso. Em poucas semanas,
as pessoas aprendem a burlar o novo sistema e os problemas
voltam.
Uma guerra que já começa fadada ao fracasso. E mesmo que se
tenham vitórias aqui e ali, às vezes até duradouras, não valem
à pena no longo prazo em razão dos prejuízos causados a todos
para perseguir alguns poucos.
Precisamos de uma abordagem pluralista dos programas com-
pliance, uma que também inclua políticas para os Muitos.
Neste momento, você pode estar se perguntando: Não podemos
simplesmente identificar quem são os Poucos e nos livrar deles?
Isso tornaria o trabalho muito mais fácil. Seria curioso termos
esses poderes, mas esta realidade por enquanto está restrita aos
livros de ficção.
Entretanto, temos uma informação valiosa. Sempre que fazemos
algum estudo em que damos a oportunidade de as pessoas agi-
rem de forma desonesta, percebemos um padrão. Há sempre uma
minoria — os Poucos — que tenta se beneficiar ao máximo da
desonestidade. Uns poucos que vão desviar o máximo possível,
aproveitando cada brecha enquanto acharem que vale à pena.
São pessoas que vão precisar sempre de controle, fiscalização e
punições para andar na linha.
No outro extremo, há uma minoria de pessoas super honestas
que não vai se beneficiar de forma alguma — nada — desde que
percebam que estão diante de uma questão ética, que identifi-
quem que existe uma resposta correta e uma errada.
Esses dois grupos estão nos opostos em relação à motivação para
agir de forma honesta. De um lado, temos um grupo de pessoas
sem motivação intrínseca — só resta a motivação extrínseca
— para agir de forma honesta. Por outro lado, há pessoas com
muita motivação intrínseca para agir de forma honesta. São
poucas. Para elas, não existe espaço para negociar seus princí-
pios éticos, nem uma vírgula.
A grande maioria das pessoas, entretanto, está entre os extre-
mos — são os Muitos. Praticam atos desonestos casualmente,
às vezes porque não perceberam nada de errado; outras vezes
porque conseguiram justificar seus desvios éticos. Vão se bene-
ficiar da honestidade de vez em quando, mas só um pouquinho.

50 Muitos
O mínimo em relação ao todo que poderiam desviar, que é o
máximo para que não se sintam mal.
Os programas de compliance devem ser pensados também
— e principalmente — para os Muitos. É uma questão de
estratégia e planejamento, de pensar qual a melhor forma de
alocar os recursos à disposição.
Primeiro, os desvios dos Muitos, quando consideramos de modo
agregado, podem constituir prejuízos maiores do que os desvios
dos Poucos. Afinal, milhares de pequenos desvios somados são
superiores a alguns poucos desvios de milhares de reais. Esse é o
grande perigo para as organizações. Não podemos nos esquecer
disso.
Segundo, a abordagem de “caça às bruxas” — com o foco nos
Poucos — costuma ser extremamente onerosa. É muito caro
implementar sistemas cada vez mais sofisticados para cobrir
todas as brechas. Sem contar com os grandes custos de manuten-
ção. Afinal, é preciso atualizar os sistemas cada vez que um novo
esquema de desvios é descoberto.
Para piorar, o orçamento — ou melhor, a falta dele — é um
grande desafio dos profissionais de compliance. Se o orçamento
é limitado, nada mais razoável do que direcionar mais recursos
para as áreas finalísticas da organização. Os argumentos a
favor do compliance têm peso, mas dificilmente superam as
necessidades latentes das outras áreas. Resta ao profissional de
compliance fazer muito com pouco.
Considere o seguinte exemplo hipotético: A CEO de uma
empresa de brinquedos está fazendo as contas para decidir como
alocar os recursos para o próximo semestre. Para saber onde
vale à pena colocar mais dinheiro, ela convida os chefes de
diferentes áreas para que mostrem seus resultados. O chefe da
linha de produção diz que substituiu alguns dos equipamentos
por máquinas mais modernas e aumentou em 30% a eficiência
da fábrica. O chefe do setor de publicidade relata que as novas
ações de divulgação aumentaram as vendas em 15%.
Chega a vez do chefe da área de compliance. No lugar de
gráficos e projeções, vemos a descrição de diversas medidas
implementadas nos últimos meses para prevenir e detectar
fraudes e corrupção, como novas diretrizes para avaliar a due

51 2. Compliance com foco nas pessoas


diligence de terceiros e um novo canal denúncia que garante
segurança e anonimato para os denunciantes.
Note que o chefe da área de compliance foi o único que
justificou seu trabalho enumerando as medidas realizadas.
Diferentemente dos chefes dos outros setores, não trouxe
métricas que permitissem a comparação entre o cenário anterior
e atual, nem conseguiu mostrar que medidas implementadas
tiveram resultados que justificassem os investimentos.
O chefe de compliance poderia argumentar, com razão, que
um ambiente íntegro na organização impacta positivamente na
motivação36, performance37 e bem-estar38 dos colaboradores. Mas
como demonstrar isso em números?
Assim chegamos ao desafio mais crítico da vida dos profissio-
nais de compliance: provar que o programa tem resultados, que
funciona. Passar para os órgãos públicos fiscalizadores e para
parceiros privados a confiança de que o programa não existe
apenas no papel pode ser o diferencial para conseguir contratos
de alto valor com outras empresas ou para viabilizar negócios
com o setor público.
Vale lembrar que alguns estados aprovaram recentemente
legislações exigindo que empresas que celebrem contratos
públicos — normalmente de alto valor — implementem progra-
mas efetivos de compliance. Rio de Janeiro, Distrito Federal e
Mato Grosso são exemplos de unidades da federação que têm
normas nesse sentido.
Além disso, demonstrar que o programa funciona é requisito
para redução da multa — de 20% para até 0,1% do faturamento
bruto anual — em razão da condenação em um Processo
Administrativo de Responsabilização (PAR). A Portaria da
Controladoria-Geral da União (CGU) Nº 909/2015 e o Manual
Prático da CGU de Avaliação de Integridade em PAR trazem de
forma explícita a necessidade de ir além das formalidades, da
mera descrição do que foi feito: é preciso comprovar a efetivida-
de do programa.
Argumentar que o programa está rodando bem porque atende
às exigências mínimas da legislação não é mais suficiente. É
importante — e será cada vez mais — demonstrar que o progra-
ma é capaz de promover comportamentos íntegros de verdade,
que faz diferença.

52 Muitos
Como fazer? São dois passos importantes que veremos nos
tópicos seguintes. Primeiro, temos de entender melhor o que
precisamos fazer para mudar comportamentos de forma eficaz.
Depois, como conseguir comprovar essas mudanças.

53 2. Compliance com foco nas pessoas


2.2 Uma virada
comportamental

Estamos começando a pensar cada vez mais como cientistas


comportamentais. Vivemos uma época sem precedentes em que
cientistas comportamentais trabalham lado a lado com tomado-
res de decisão em empresas e governos. E isso está ocorrendo
por toda parte.
Está em publicações recentes de grandes organizações mul-
tilaterais, como a OCDE39, o BID40 e o Banco Mundial41. Por
exemplo, já ouviu falar da publicação recente da OCDE dedi-
cada à aplicação das ciências comportamentais à integridade42?
Consultorias têm sido criadas e treinamentos têm sido realizados
em empresas e governos em todo mundo. Uma rápida olhada nos
sites das grandes organizações e é fácil perceber as mudanças.
Desde que Thaler e Sunstein escreveram Nudge em 2008, muita
coisa mudou. É possível que você já tenha ouvido falar em
termos como nudge (p. 156) ou arquitetura da decisão nos
corredores de empresas ou da prefeitura da sua cidade. Talvez
até de alguns conceitos que podem soar estranhos à primeira
vista, como o paternalismo libertário (p. 157). Todo um novo
vocabulário vêm sendo construído e difundido-se.
Podemos observar de forma cada vez mais clara uma “virada
comportamental” na forma como gestores e policymakers
decidem sobre questões importantes em organizações públicas
e privadas.

O “olhar” dos cientistas comportamentais


Mas o que muda na prática? O que os gestores que conhecem
as ciências comportamentais ou que trabalham como cientistas

54 Muitos
comportamentais sabem que pode mudar a forma como fazemos
as coisas?
Primeiro, sabem que muitas vezes nossas ideias sobre que
medidas podem funcionar estão enviesadas. Que os nossos
vieses cognitivos (p. 158) podem nos levar a erros de uma
forma sistemática e previsível. Erros que poderiam ser evitados,
mas que são difíceis de perceber por conta própria.
Por exemplo, podemos achar que um novo sistema para prevenir
fraudes que estamos pensando em implementar será um grande
sucesso (otimismo excessivo, p. 157) e que poderá ser imple-
mentado rapidamente, coisa de duas semanas (falácia do plane-
jamento, p. 154). Duas semanas depois, só dores de cabeça e
prazos adiados. Mas o projeto, que agora já se sabe que é ruim,
continua. Afinal, já se investiu demais para que possa desistir da
ideia (falácia dos custos afundados, p. 155). Parece familiar?
Pior, ainda que nos sejam apresentadas informações que
demonstrem esses furos no projeto, vamos tender a dar maior
peso e buscar apenas o que confirma nossa crença inicial de que
se trata de um projeto promissor (viés da confirmação, p. 158).
Vieses como esses podem estar fazendo com que más ideias
pareçam boas.
E o interessante é que, por mais que vivenciemos dificuldades,
no fim do dia vamos achar que em geral nossas ideias são muito
boas, porque apenas nos lembramos de um ou dois exemplos
similares de sucesso que estão mais frescos em nossa memória.
Talvez porque negligenciamos o fato de que esses e outros casos
de sucesso são, na verdade, uma exceção à regra — veremos
esses dois pontos no tópico 4.2 ao falar de gestão de risco.
Por isso é sempre importante duvidarmos um pouco — como
costumam fazer os cientistas comportamentais — das nossas
compreensões das coisas e de nossas apostas sobre o futuro.
Segundo, dão maior atenção ao que dizem os estudos científicos.
Sabem que estudos publicados em revistas científicas tendem a
ser realizados com maior rigor metodológico (ex.: protocolos,
desenhos experimentais, revisão por pares etc.) e, por isso, são
mais confiáveis.
Mais importante: que as teorias científicas são sistematicamente
colocadas à prova por outros cientistas. É comum no meio
científico que pares estejam sempre revendo os dados e tentando

55 2. Compliance com foco nas pessoas


refutar as descobertas e conclusões de seus colegas. O que nos
permite ter maior segurança e confiança.
Terceiro, são adeptos de uma cultura de experimentação.
Isto é, sabem que é preciso testar as ideias e medir os resul-
tados para saber o que funciona. E que isso deve ser feito de
forma sistemática.
É um caminho diferente — e mais rápido — para se chegar
aos acertos: no lugar de fazer um grande esforço (ex.: reuniões,
brainstorms, relatórios etc.) para tentar implementar uma ideia
que pareça excelente e ter confiança “cega” que acertou, pro-
põe-se descobrir o que dá certo por meio de testes controlados e
realizados em escala reduzida. Os erros têm um papel fundamen-
tal neste processo.
Funciona assim: realizamos um estudo com uma amostra peque-
na para testar um conjunto de ideias promissoras. Por exemplo,
podem ser três ideias para aumentar a adesão dos colaboradores
aos canais de denúncia.
Feito o estudo, podemos descobrir — com maior segurança
— qual das ideias é, de fato, a melhor entre as três. A partir
daí há duas opções: implementar logo essa ideia para todos ou
fazer uma nova rodada de experimentos para testar possíveis
aprimoramentos.
As outras duas ideias que não se mostraram tão promissoras na
prática podem ser descartadas — ou também passar por uma
nova rodada para testar aprimoramentos. Os resultados nulos
que produziram (ex. não aumentando o número de denúncias)
não são tão problemáticos porque ficam restritos a um pequeno
grupo de pessoas. Explicaremos melhor sobre como realizar
esses testes no tópico seguinte.

É possível fazer diferente


Talvez o “pulo do gato” da virada comportamental seja enten-
dermos que não é preciso jogar fora tudo o que foi feito. Muitas
vezes, pequenos ajustes nas ferramentas tradicionais podem ser
suficientes. Outras vezes, o caminho passa por adicionar novas
ferramentas desenvolvidas por cientistas comportamentais.
Antes de avançar, vamos esclarecer o que estamos chamando
de ferramentas tradicionais. Já reparou que as soluções que

56 Muitos
pensamos para resolver qualquer desafio nas organizações
costumam se repetir?
Quer ver só? Imagine que você é um profissional de compliance
contratado por uma empresa que presta serviços de energia
para resolver o seguinte problema: os funcionários têm cobrado
uma “taxa” a mais — que vai direto para o bolso deles — para
acelerar serviços que já foram pagos à empresa . Como resolve-
mos esse problema?
Geralmente, pensamos em uma das três opções que apresentare-
mos a seguir — ou em alguma combinação entre elas.
A primeira delas é criar um conjunto de normas internas que
deixem claro que tipo de atividade não será tolerada, como
fazem os códigos de conduta ética. Essas normas geralmente
vêm acompanhadas de mecanismos de fiscalização e punição
para os desvios — os chamados atos de comando e controle.
Quanto mais eficazes em detectar desvios e duros em punir os
desviantes, melhor.
Entretanto, de nada adiantam as regras se não forem bem comu-
nicadas. Não podemos esquecer de comunicar o que se espera
dos funcionários de uma forma clara para todos. Pode ser que
muitos cometam esses desvios por não saberem que se trata de
um problema ético grave. Quanto mais treinamentos, instruções
e exercícios, melhor.
Por fim, podemos tentar solucionar o problema pela via dos
incentivos. Em vez de pensarmos em dissuadir os desvios com
punições, podemos tornar a alternativa ética mais vantajosa que a
antiética. Fazer com que a honestidade compense. Por exemplo,
pode ser criado um sistema de bonificações para quem segue as
regras. Quanto mais “lucrativo” for seguir as regras, melhor.
Essas são as ferramentas tradicionais: os atos de comando e
controle, as medidas de conscientização e informação e as
mudanças de incentivos econômicos. São o tipo de soluções que
os gestores normalmente têm à disposição para resolver todo
tipo de problemas nas organizações.
São medidas que podem até ser algumas vezes eficazes para
resolver os desafios nas organizações. Porém, grande parte das
vezes acabam sendo soluções pouco eficientes — alto custo para
poucos resultados.

57 2. Compliance com foco nas pessoas


Isso ocorre porque as ferramentas tradicionais têm em comum o
fato de serem elaboradas tendo em mente um tipo de pessoa que
é difícil de achar.
Partem do pressuposto de que as pessoas decidem de forma
calculista o tempo todo e que não têm limitações na sua capaci-
dade de prestar atenção e de processar informações. São feitas
pensando na figura idealizada do “homem econômico”, como
falamos no tópico 1.1, não de pessoas comuns tomando decisões
no dia a dia. Aí que está o problema.
Um quadro mais realista seria pensar em medidas direcionadas
a pessoas que têm pouco tempo para decidir sobre questões
complexas, que são facilmente distraídas e que têm uma capaci-
dade limitada para processar muitas informações.
A verdade é que as pessoas nem sempre respondem de forma
consistente a alterações de incentivos43 e os sistemas de controles
podem diminuir nossa motivação intrínseca, como falamos
no tópico 1.3. Além disso, temos dificuldades para assimilar
grandes quantidades de informação44.
É preciso ajustar as ferramentas tradicionais à nossa realidade
cognitiva e comportamental. Falaremos desses ajustes nos
capítulos seguintes.
Além dos ajustes necessários às medidas tradicionais, há
espaço também para novas ideias que nos ajudem a mudar
comportamentos. Novas opções que vão complementar — e
completar — a caixa de ferramentas à disposição dos profissio-
nais de compliance.
Hora de falar dos nudges.

Os Nudges
Na capa do livro Nudge, podemos ver uma mãe elefante empur-
rando seu filhote para que ele consiga ficar de pé — até que o
filhote eventualmente continue de pé sem precisar de ajuda. Sua
atuação foi um leve e sutil empurrãozinho, algo que o filhote
poderá nem ter notado.
Assim como fez a mãe elefante, as organizações e os governos
podem dar o empurrãozinho que falta para que as pessoas se
comportem da maneira que seja mais benéfica para elas e para
toda a sociedade. No lugar da tromba da mãe elefante que dá o

58 Muitos
empurrãozinho, podemos realizar alterações sutis no contexto
de decisão, sem retirar necessariamente opções de escolha e a
liberdade das pessoas.
São o tipo de coisa que costumamos julgar como irrelevantes,
mas que podem fazer toda a diferença. Pode ser, por exemplo, a
troca de uma palavra por outra em um comunicado do código de
ética ou uma mudança no horário de envio de um formulário de
compliance. Às vezes, basta um pequeno lembrete para conse-
guirmos uma mudança significativa de comportamentos.
Como explicam Thaler e Sunstein em Nudge:
“um nudge (...) é qualquer aspecto da arquitetura da decisão que
altera o comportamento das pessoas de forma previsível e sem
proibir nenhuma opção ou alterar significativamente os incen-
tivos econômicos. Para contar como um nudge, a intervenção
precisa ser simples e fácil de evitar” (2012, p.6).
Podemos não estar cientes deles, mas estão em toda parte. Ainda
que não conheçam nada sobre nudges, gestores e policymakers
os criam aos montes, todos os dias. Fazem isso, por exemplo,
na forma como estruturam um formulário ou como dispõem as
mesas no escritório.
Não por acaso, quando tomadores de decisão começam a
entender melhor sobre o nudging, sentem como se tivessem
despertado para uma nova forma de ver as coisas. Passam a
olhar a mesma situação de forma diferente, com mais atenção
aos detalhes que podem estar influenciando os comportamentos.
Coisas que não pareciam importantes, começam a chamar a
atenção.
É verdade que às vezes podemos pensar sobre a importância de
mudanças sutis no enquadramento de mensagens, nos efeitos da
ordem dos parágrafos ou de mudanças em uma ou outra palavra
no texto. Temos esse tipo de intuição de vez em quando. A
diferença do nudging é que se sugere que isso seja feito de forma
sistemática e com resultados previsíveis.
Talvez o exemplo mais famoso e simbólico de um nudge seja
a mudança da opção padrão (opção default). A opção padrão é
aquela selecionada caso não se faça nada, a que será escolhida
com o mínimo esforço possível. Esta técnica tem por base nossa
tendência à inércia45 diante de decisões difíceis ou que conside-
ramos chatas.

59 2. Compliance com foco nas pessoas


Já ouviu falar do estudo sobre nudging e doação de órgãos?
Vamos pensar por um momento: Como é possível que a porcen-
tagem de consentimentos para doação de órgãos (no início dos
anos 2000) fosse de apenas 12% na Alemanha, enquanto que na
Áustria a mesma taxa passasse dos 99%? Estranho. Afinal, são
países próximos cultural e geograficamente. O mesmo padrão
foi encontrado em outros países, como entre Dinamarca (4,5%) e
Suécia (85,9%). O que explica esses resultados?
Johnson e Goldstein46 notaram que a discrepância entre os países
se devia a um aspecto sutil do contexto de decisão — um nudge
que fez toda a diferença. A solução para o mistério estava em um
detalhe nos formulários de consentimento.
Nos países com altas taxas de consentimento, o formulário que
as pessoas preenchiam era opt-out. Isto é, marcar o quadradinho
significava optar por não doar. Se a pessoa não marcasse nada —
permanecesse inerte —, assumia-se que queria doar seus órgãos.
Por outro lado, nos países com baixos índices de consentimento,
o formulário era opt-in, o contrário. Para se tornar doador, as
pessoas precisavam marcar o quadradinho.
Um resultado a princípio muito intrigante. Agora, não mais.
Fica fácil de entender — e evitar esse problema — quando
conhecemos melhor como tomamos decisões no dia a dia. Se
sabemos que as pessoas tendem a preferir não decidir ativamente
quando estão diante de questões difíceis, a diferença entre opt-in
e opt-out pode significar milhares de vidas salvas.
A grande diferença entre intervenções convencionais e as com-
portamentais, como os nudges, são os diferentes pressupostos
que estão em jogo. Quem planeja nudges parte de pressupostos
muito bem estabelecidos nas últimas décadas pelas ciências
comportamentais sobre os limites da capacidade de raciocínio,
atenção e autocontrole das pessoas.
Os nudges são intervenções pensadas para os agentes “reais”,
pessoas comuns tomando decisões cotidianas — pessoas
como eu e você, cheias de pressa e sempre pressionadas, que
não conseguem processar muitas informações e são facilmen-
te distraídas por detalhes irrelevantes.
Como dizem Thaler e Sunstein em Nudge, “A regra de ouro é
assumir que ‘tudo tem importância’” (2012, p. 3). Cada pequeno
detalhe da arquitetura da decisão pode interferir de alguma

60 Muitos
forma no comportamento das pessoas. Mesmo sem essa inten-
ção, somos todos arquitetos de decisão sempre que planejamos
alguma intervenção ou fazemos alguma alteração no contexto
que as pessoas tomam decisões. Por isso é tão importante
conhecer os muitos fatores cognitivos e comportamentais que
podem influenciar a tomada de decisão.
A verdade é que há opções muito interessantes fora do “mundo
tradicional” que podem auxiliar o profissional de compliance —
e os nudges são um bom exemplo disso. Mostraremos de modo
prático como podem ser utilizados para promover a integridade
no tópico 4.3.
Nudges podem dar muito certo, desde que sejam criados
com base nas ciências comportamentais47 e testados —
testados direito.

61 2. Compliance com foco nas pessoas


2.3 Testar é melhor que
remediar

Sempre que possível, faça testes.


Uma das grandes lições das ciências comportamentais é que
mesmo ideias que parecem fazer muito sentido de início — e
que todos parecem concordar — podem dar errado. Na dúvida,
melhor desconfiarmos um pouco das nossas ideias, mesmo
daquelas que parecem ser muito boas.
Podemos citar como exemplos os sistemas de controle muito
rígidos, que comentamos no tópico 1.3, ou os treinamentos que
tentam passar o máximo de informação possível, que comenta-
remos no capítulo seguinte. Parecem ser boas ideias a princípio
— e todos provavelmente vão concordar com isso —, mas são
opções muito arriscadas do ponto de vista comportamental.
Isso ocorre porque a realidade costuma ser mais complexa do
que somos capazes de antecipar. Análises, brainstorms e pro-
jeções têm suas limitações. Não podemos esquecer que grande
parte das nossas decisões — mesmo as tomadas em grupo, como
veremos no tópico 4.2 — é permeada por vieses que muitas
vezes nos levam a decisões distantes daquelas que entendemos
como as mais racionais.
Mesmo equipes com experiência e competência podem ser pegas
de surpresa com coisas que não saem como esperado. Ainda que
se tente pensar em cada possível variável que possa vir a influen-
ciar o comportamento, que se gaste toda energia e tempo para
planejar uma intervenção perfeita, nunca parece ser o suficiente
para evitar surpresas. Quase sempre é preciso fazer adaptações e
resolver problemas que surgem de última hora.
Por isso é tão importante testar. E testar o quanto antes em uma
escala reduzida. Assim, conseguimos o melhor dos mundos.

62 Muitos
Se tivermos resultados ruins, não tem problema. Os prejuízos
serão pequenos porque ficarão restritos a uma pequena amostra.
Se os resultados forem bons, ótimo! Fizemos uma descoberta
importante e podemos escalar seus efeitos para todos.
Às vezes, não se trata de avaliar se um projeto todo é bom ou
ruim, mas pequenas nuances do que se pensou inicialmente. Por
exemplo, o que será que funciona melhor para um treinamento
de compliance, exercícios individuais ou em grupo? Será que
se for tudo digital as pessoas ficarão mais distraídas? Melhor
treinamentos a cada 6 meses ou talvez a cada 2 meses? Essas
nuances também podem ser avaliadas em estudos prévios à
implementação.
A opção mais adequada é a que demonstra os melhores
resultados com base em critérios objetivos, ainda que não tenha
sido a opção inicialmente considerada como a mais promissora
por todos. Por exemplo, pode ser que todo mundo ache que os
treinamentos devam ser feitos a cada 2 meses, mas que os dados
mostrem que nada se perde se forem feitos a cada 6 meses.
Todo processo ganha: maior objetividade — menos vieses — na
tomada de decisão; maior segurança e confiança sobre os resulta-
dos; e maior eficiência — de tempo e dinheiro — para descobrir
as medidas mais efetivas, o que vai funcionar na prática.
Mas isso é factível para se fazer no dia a dia corrido das
organizações? Afinal, fazer estudos e experimentos parece coisa
para cientistas.
Quando pensamos em experimentos, podemos imaginar pessoas
com jalecos brancos e frascos com borbulhas coloridas. É
comum acharmos importante fazer testes de forma sistemática,
mas ainda assim parece uma ideia distante da realidade das
organizações. Não precisa ser assim. Apesar de não ser algo
trivial, dá para fazer e costuma valer à pena no final.
Considere a seguinte situação hipotética: Uma grande rede
de fast food suspeita de desvios que chegam aos milhares de
reais na compra de insumos nas lojas. Depois de uma longa
investigação, os profissionais de compliance descobrem esque-
mas de notas fiscais falsas em várias filiais. Os envolvidos são
prontamente demitidos. É hora de pensar o que fazer para que
esses problemas não ocorram mais.

63 2. Compliance com foco nas pessoas


Depois de muita deliberação, fica decidido que é preciso imple-
mentar um sistema de controle robusto em todas as filiais para
evitar que esse tipo de situação volte a ocorrer. Dentre outras
medidas, o sistema prevê que todas as decisões de compra devam
ser revistas por, pelo menos, mais uma pessoa da equipe. Meses
depois, as coisas parecem ter melhorado. Ainda há evidências de
desvios, mas nada como se via no passado.
O sistema foi um sucesso, certo? Pode ser que não. Pode
ter sido, na verdade, um enorme desperdício de recursos.
Reparem só.
A melhora pode ter sido causada por uma infinidade de outras
causas. Não podemos esquecer que a adição do sistema
de controle é uma variável dentre tantas outras que podem
contribuir para a diminuição dos desvios. É possível que as
mudanças ocorressem ainda que nenhum sistema novo fosse
implementado.
Pode ser que todos estejam temporariamente receosos com as
demissões, um efeito que acabará em poucos meses ou que as
pessoas tenham encontrado uma forma diferente para continuar
cometendo desvios; podem ser mudanças nas empresas que
fornecem os produtos. Esta lista não tem fim.
Pior, pode ser também que, na verdade, o sistema esteja pro-
movendo comportamentos antiéticos. Esteja atrapalhando mais
do que ajudando. Afinal, temos boas razões para desconfiar dos
chamados sistemas dos “4 olhos”. Temos evidências das ciências
comportamentais de que esse sistema pode diminuir a responsa-
bilidade individual e aumentar os comportamentos antiéticos48.
Falaremos melhor sobre esse ponto no tópico 4.3.
Como saber se o sistema fez, pelo menos em parte, o que
prometeu? Como saber que não foi qualquer outra variável que
confundiu (p. 157) a interpretação que podemos ter sobre as
mudanças? Uma boa solução é fazer experimentos (p. 154).
Mas, no fim das contas, o que são experimentos?
Experimentos são a forma mais confiável que temos para saber
se uma intervenção teve os efeitos esperados. São a ferramenta
por excelência para que possamos descobrir se há relação de
causalidade entre uma intervenção e as mudanças observadas; se
a intervenção cumpriu, de fato, o prometido.

64 Muitos
No nosso exemplo, um experimento poderia ter sido feito para
sabermos se o novo sistema foi a causa do aumento da inte-
gridade no setor de compras — e para que possamos descartar
explicações alternativas.
Nos experimentos, distribuímos as pessoas (ou outras unidades)
de forma aleatória pelos grupos — alguns receberão interven-
ções e um grupo não receberá.
O grupo que não recebe a intervenção é chamado grupo de
controle. Esse grupo é fundamental, pois serve de contraste
para sabermos se as mudanças ocorreram por causa das
intervenções ou se ocorreram por outro(s) fator(es), externo(s) às
intervenções.
A comparação entre as mudanças observadas nos grupos de
intervenção e no grupo de controle vai nos permitir afirmar
com confiança que a mudança foi devida apenas à intervenção,
nada mais.
Voltando ao nosso exemplo hipotético, poderíamos ter feito o
seguinte49 para avaliar se o sistema de controle robusto pensado
originalmente — sem a aplicação das ciências comportamentais
— pela equipe de compliance funcionou. Primeiro, definimos a
amostra. Podem ser 150 lojas da rede fast food com característi-
cas similares (ex.: quantidade de colaboradores parecida, apenas
as dentro de centros comerciais ou shoppings etc.). Então, dividi-
mos a amostra em dois grupos de forma aleatória: 75 lojas farão
parte do grupo de intervenção; 75 do grupo de controle. Nas
lojas do grupo de intervenção, implementamos o novo sistema;
nas outras lojas, não fazemos nada.
A partir daí, comparamos os resultados entre os grupos ao longo
de alguns meses com base em critérios objetivos. Se desco-
brimos que, ao fim do estudo, apenas as filiais que receberam
o novo sistema tiveram redução do problema das notas fiscais
falsas, temos uma demonstração confiável — e convincente —
de que o sistema fez o que prometeu, que foi efetivo em promo-
ver comportamentos mais íntegros. É o resultado o qual quem
implementou o sistema gostaria de ver, mas que nem sempre
ocorre. Depois disso, será possível escalar com segurança o novo
sistema para todas as lojas.
Pode acontecer de descobrimos meses depois que as 150 lojas
tiveram resultados positivos parecidos. Isso indica que o sistema

65 2. Compliance com foco nas pessoas


não fez diferença. Ou ainda pode acontecer que os resultados
foram positivos apenas para as filiais do grupo de controle.
Nesse caso, o sistema teve o resultado oposto do esperado. O
sistema não só não funcionou, como ainda atrapalhou.
Realizar experimentos — ou desenhos alternativos50 que indi-
quem de modo confiável os resultados das medidas (ex.: pre-post
design) — não é tarefa simples, mas também não é um “bicho de
sete cabeças”. Para já, o importante é entendermos que dá para
fazer testes nas organizações e que essa é uma opção que vale
à pena. É a forma mais rápida, eficiente e segura de promover
mudanças efetivas de comportamento.

As 6 fases
Falamos muito até aqui sobre a importância de se fazer testes
e da importância do rigor metodológico. Porém, não podemos
esquecer que os testes são a fase final de um processo. Antes
de testar as intervenções de forma rigorosa, precisamos decidir
que intervenções serão feitas. Aqui também ajuda se tivermos
um método.
Fica mais fácil quando dividimos o processo todo em 6 fases.
São elas: (i) a definição do desafio; (ii) diagnóstico dos “gargalos
comportamentais”; (iii) mapeamento dos fatores cognitivos e
comportamentais; (iv) o desenho das intervenções comporta-
mentais; (v) os testes e (vi) iterações e escalada dos resultados.
Vamos ver uma por uma.
Definir o desafio — Sem novidades aqui. Antes de tudo, é
preciso estar claro que dores que a organização quer resolver.
Que tipo de comportamentos específicos estão acontecendo,
mas não deveriam? Que tipo de ações as pessoas deveriam estar
fazendo, mas quase ninguém faz? Pode ser um código de ética
que ninguém lê, um canal de denúncias que ninguém acessa ou
relatório de compliance que ninguém preenche direito.
Diagnóstico dos “gargalos comportamentais” — Antes de
pensar nas soluções, precisamos de um diagnóstico preciso dos
problemas. Essa é a parte que caracterizamos de forma detalhada
como o comportamento indesejado ocorre atualmente. A ideia é
responder perguntas como: (i) Quem está realizando o compor-
tamento? (ii) Em qual contexto o indivíduo está inserido? (iii)
Qual é o processo de tomada de decisão? É preciso ver o que
está acontecendo de perto. Às vezes, pode ser necessária uma

66 Muitos
visita in loco: conversar com algumas pessoas, fazer pesquisa
quantitativa e/ou qualitativa; outras vezes, basta ter acesso a
certos dados ou aos materiais utilizados.
Mapeamento dos fatores cognitivos e comportamentais — Com
o diagnóstico comportamental em mãos, é hora de responder
outras perguntas: (iv) Que fatores da arquitetura da decisão
podem influenciar a tomada de decisão? (v) Que fatores
cognitivos e comportamentais são relevantes nesse contexto?
Esse é o momento de consultar artigos científicos, white papers e
experiências prévias para buscar as respostas e saídas para o pro-
blema. Diversos modelos de mudança comportamental podem
ser utilizados, como, por exemplo, o BASIC51 da OCDE.
Desenho das intervenções comportamentais — Mapeados os
fatores cognitivos e comportamentais, é hora de pensar nas
soluções, de decidir o que podemos fazer. Essa é a fase de
seleção das medidas mais promissoras a serem testadas. O
mapeamento prévio dos gargalos comportamentais embasará
quais intervenções podem ser utilizadas. Pode ser o caso de
pensarmos em criar um nudge (ex.: a ordem de alguns parágrafo,
lembretes, simplificação na escrita, sinalizações, mudanças no
timing de comunicações, entre outros); ou de utilizar algumas
ferramentas tradicionais — sempre com o cuidado de adaptar
a medida à realidade cognitiva e comportamental das pessoas
(ex.: a reformulação de um conjunto de treinamentos ou de um
sistema de controle que não tem funcionado bem). Depende
de cada caso.
Testes — Como temos falado desde o começo deste tópico,
precisamos testar boas ideias. Há diferentes formas de fazer a
avaliação de impacto das intervenções, das mais simples às mais
complexas. Isto é, das que podemos ter maior ou menor confian-
ça nos resultados do ponto de vista estatístico. O “padrão ouro”52
são os RCTs (Randomized Controlled Trial), muito utilizados
no meio médico em razão do seu alto grau de confiabilidade
para inferir relação de causalidade entre os efeitos encontrados
e as intervenções. São chamados assim porque têm um grupo
de controle e um ou mais grupos de tratamento, e porque a
distribuição das unidades (ex.: pessoas, lojas etc.) pelos grupos
é feita de forma aleatorizada, como no exemplo hipotético que
falamos da rede de fast food.

67 2. Compliance com foco nas pessoas


Grupo de tratamento

Intervenção

População elegível
Sem
intervenção

Grupo de controle

Melhora Sem melhora

Escalada dos resultados — Os testes foram feitos e já temos os


dados em mãos. Hora de decidir o que fazer com esses resul-
tados. Funciona assim: deixamos as medidas que não tiveram
bons resultados de lado e escalamos a que teve os melhores
resultados. A partir daqui temos de treinar as equipes, criar os
processos e procedimentos necessários para escalar a inter-
venção e fornecer um conjunto de recomendações para futuras
interações — novas rodadas de desenhos e testes para possíveis
aprimoramentos das intervenções escaladas.

68 Muitos
69 2. Compliance com foco nas pessoas
Notas do Capítulo 2 41. Para mais informações 48. GRAF LAMBSDORFF,
sobre aplicação das ciências J. Preventing corruption
36. HUHTALA, M.; comportamentais a políticas by promoting trust:
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multilevel study. Journal of
Business and Psychology, 42. OECD. Behavioural 49. Este exemplo é bastante
Washington, v. 30, n. 2, p. Insights for Public simplificado e existem
399-414, 2015. Integrity: Harnessing the questões logísticas, de
Human Factor to Counter desenho experimental e de
37. RIIVARI, E.; LÄMSÄ, Corruption, Paris: OECD inferência estatística que
A. M. Does it pay to be Public Governance Reviews, devem ser consideradas,
ethical? Examining the OECD Publishing, 2018. mas que aqui não foram por
relationship between razões editoriais. Sugerimos
organizations’ ethical 43. GNEEZY, U.; MEIER, como introdução as
culture and innovativeness. S.; Rey-Biel, P. When and seguintes leituras: DEATON,
Journal of Business Ethics, Why Incentives (Don’t) Work A.; CARTWRIGHT,
Washington, v. 124, n. 1, p. to Modify Behavior. Journal N. Understanding and
1-17, 2014. of Economic Perspectives, misunderstanding
United States, v. 25, n. 4, p. randomized controlled trials.
38. HUHTALA, M.; 191-210, 2011. Social Science & Medicine,
KAPTEIN, M.; FELDT, Amsterdam, v. 210, p. 2-21,
T. How perceived changes 44. EDMUNDS, A.; 2018.; BERTSIMAS, D.;
in the ethical culture of Morris, A. The problem JOHNSON, M. KALLUS, N.
organizations influence the of information overload The power of optimization
well-being of managers: in business organizations: over randomization in desig-
A two-year longitudinal a review of the literature. ning experiments involving
study. European Journal of International journal of small samples. Operations
Work and Organizational information management, Research, Massachusetts, v.
Psychology, London, Amsterdam, v. 20, n. 1, p. 63, n. 4, p. 868-876, 2015.;
v. 25, n. 3, p. 335-352, 17-28, 2000. GERBER, A. S.; GREEN,
2016.; HUHTALA, M.; D. P. Field experiments:
FELDT, T.; LÄMSÄ, A. M.; 45. GAL, D. A psycholo- Design, analysis, and
MAUNO, S. KINNUNEN, gical law of inertia and the interpretation New York,
U. Does the ethical culture illusion of loss aversion. London: W. W. Norton,
of organizations promote Judgment and Decision 2012.; GLENNERSTER, R.;
managers’ occupational Making, Washington, v. TAKAVARASHA, K. (2013).
well-being? Investigating 1, n. 1, p. 23–32, 2006.; Running randomized
indirect links via ethical SAMUELSON, W.; evaluations: A practical
strain. Journal of Business ZECKHAUSER, R. Status guide. Princeton: Princeton
Ethics, Washington, v. 101, quo bias in decision making. University Press, 2013.
n. 2, p. 231-247, 2011. Journal of Risk and
Uncertainty, Switzerland, v. 50. RAMOS, T.; Matos,
39. Para mais informações 1, n. 1, p. 7–59, 1988. J. RCTs Are Not (Always)
sobre aplicação das ciências the Answer. Behavioral
comportamentais a políticas 46. JOHNSON, E. J.; scientist. New York, 2018.
públicas na OCDE, acesse: GOLDSTEIN, D. G. Defaults Disponível em: https://
https://www.oecd.org/gov/ and Donation Decisions. behavioralscientist.org/rcts-
regulatory-policy/behaviou- Science. United States, v. -are-not-always-the-answer/.
ral-insights.htm. Acesso em 302, n. 5649, p. 1338-1339, Acesso em 20 out. 2020.
20 out. 2020. 2003.
51. OECD (2019), Tools
40. Para mais informações 47. SUNSTEIN, C. Nudges and Ethics for Applied
sobre aplicação das ciências that fail. Behavioural Public Behavioural Insights: The
comportamentais a políticas Policy, Cambridge, v. 1, n. 1, BASIC Toolkit. Paris: OECD
públicas no BID, acesse: p. 4-25, 2017. Publishing, 2019.
: https://www.iadb.org/en/
research-and-data/behavioral.
Acesso em 20 out. 2020.

70 Muitos
52. John, P. Improving
Causal Claims in Public
Policy through Randomized
Designs in the Field. Journal
of Comparative Policy
Analysis: Research and
Practice, London, v. 22, p.
1-17, 2020.

71 2. Compliance com foco nas pessoas


3. Rumo a uma
cultura de
integridade

72 Muitos
3.1 Como se fazem as
coisas por aqui

Falamos de cultura o tempo todo.


Está na fala de fechamento do congresso de vendedores: “temos
de promover uma cultura de vendas centrada no cliente”.
Podemos ouvir nos corredores de um encontro anual de conta-
dores: “o problema é a falta de uma cultura de responsabilidade
fiscal”. Quando o assunto é compliance, concluímos que “é
preciso criar uma cultura de integridade nas organizações”.
Cultura é o tipo de conceito que conseguimos entender intuiti-
vamente quando ouvimos alguém falando ou quando paramos
para pensar sobre o assunto. Parece expressar aqueles contextos
em que os problemas têm raízes tão profundas que não adianta
tentar resolvê-los com medidas simples e rápidas ou pequenos
remendos. Como os frutos de uma árvore envenenada, quando
as bases estão corrompidas, tudo que sair dali não poderá ser
aproveitado.
Sabemos que mudar a cultura é fundamental, é difícil ir além
disso. Na hora de tentar mudar a cultura, tudo aquilo que é
fácil de entender se torna difícil de operacionalizar. Será que
precisamos de novos comunicados internos? Uma declaração
pública dos gestores parece um bom começo. Será que ajuda
colocar sinalizações por toda parte? Será que temos de contratar
uma empresa para falar de cultura para os colaboradores?
Neste sentido, o primeiro grande desafio para mudar cultura é
saber o que mudar. Isto é, definir cultura em termos mais simples
e de uma forma que todo mundo entenda. Vamos começar por
esse desafio.
Você já percebeu como em alguns ambientes você se sente
confortável para fazer certas coisas e em outros não?

73 3. Rumo a uma cultura de integridade


Vamos supor que você seja uma pessoa muito extrovertida, que
goste de fazer piadas com todo mundo. Quando está sozinho
com seus amigos mais próximos, você provavelmente não
pensará duas vezes antes de fazer qualquer brincadeira — sim,
até aquela piada pesada. Já no trabalho, na fila do banco ou
dentro de instituições religiosas você ficará menos confortável
para utilizar todo o seu repertório de piadas. Por quê?
Porque a cultura é diferente em cada um desses ambientes.
Você é a mesma pessoa, mas parece ser pessoas diferentes a
depender do contexto que está inserido. Mais interessante, você
sente que precisa ser uma pessoa diferente sem que ninguém
precise dizer nada.
No fim das contas, você continua tendo autonomia para fazer o
que quiser, mas a cultura de cada ambiente vai te pressionando
para que faça o que é esperado de você. É como se existisse uma
força invisível poderosa constantemente pressionando para que
você se alinhe ao que os outros estão fazendo. O que todo mundo
faz passa a ser o que todo mundo deve fazer. Difícil de resistir.
A cultura, de um ponto de vista prático53, é a forma como
“se faz as coisas por aqui”. São os comportamentos aceitos e
esperados em determinado ambiente54.
É o tipo de coisa que se percebe rapidamente ao chegar a um
lugar novo. As dicas estão por toda a parte: olhares de aprovação
aqui, algumas pessoas que ficam desconfortáveis ali. É aquela
hesitação que você sente sem saber muito bem o porquê antes de
fazer algo diferente do que os outros estão fazendo.
O profissional de compliance tem de criar um ambiente onde
agir de forma antiética deixe qualquer um seriamente desconfor-
tável, como se tivesse violado uma norma importante do grupo
— e isso tudo sem que ninguém precise falar nada. Como fazer?
A resposta passa por alinhar formal e informal, instituições e
pessoas.

Os dois sistemas
Podemos pensar na cultura organizacional como uma realidade
composta por dois sistemas distintos e complementares55.
O primeiro é o sistema formal de cultura. Esse sistema é
formado pelas regras, códigos e as diretrizes da alta liderança.

74 Muitos
É o que se espera das pessoas em razão da organização da
qual fazem parte e que representam. Está ligado a instituições,
não a pessoas.
Para perceber como as normas formais desse sistema funcionam
na prática, basta observar como as pessoas se comportam em
reuniões que envolvam várias equipes ou que contem com a
participação da alta liderança da organização.
As pessoas têm cuidado com o que vão falar. É preciso buscar
as palavras e usar os argumentos adequados. Todos se esforçam
para “vestir a camisa” dos valores da organização — fala-se
muito em integridade, ética e responsabilidades. Essa é a “cara”
da cultura formal.
Finda a reunião, todos podem relaxar e voltar às suas atividades.
As normas da organização saem de cena para dar lugar às
normas que valem para cada um dos grupos que compõem a
organização — os microssistemas informais de cultura.
Diferente do sistema formal, os microssistemas informais são
relativamente independentes entre si dentro de uma mesma
organização. O que vale são as normas partilhadas de maneira
informal por um grupo limitado de pessoas, o que elas costumam
tratar como aceitável ou tolerável, ainda que não esteja escrito
em nenhum lugar.
Podemos acabar descobrindo que há uma grande diferença entre
os padrões éticos entre equipes que trabalham poucos metros
uma da outra. Por exemplo, pode ser que a equipe que trabalha
no atendimento ao consumidor mantenha um ambiente íntegro
de trabalho, alinhado com as diretrizes formais da organização.
Mas, na sala ao lado, não podemos falar o mesmo em relação à
equipe de contabilidade.
Apesar de essas normas não estarem escritas em lugar algum,
não deixam de também ser fáceis de identificar. As evidências
do que vale para cada grupo estão por toda parte — como um
colega reage ao descobrir que o outro cometeu algum pequeno
desvio ético ou o que faz a chefia imediata ao descobrir o
que aconteceu.
O problema surge quando as normas informais de alguns grupos
internos são diferentes das normas formais da organização.

75 3. Rumo a uma cultura de integridade


Não adiantam regras e códigos bem definidos — e líderes que
dêem o exemplo — se essas normas não valem dentro das
diversas equipes que compõem a organização.
Podemos ter conseguido criar um sistema formal impecável,
o que pode demorar algumas semanas — que todos saibam os
códigos de cor e tenham ouvido os discursos das lideranças com
atenção —, mas que isso não se reflita efetivamente em compor-
tamentos mais íntegros, o que pode demorar alguns anos56.
Não podemos esquecer que colegas de uma mesma equipe
geralmente têm mais coisas em comum entre si (ex.: moram
no mesmo bairro, torcem para o mesmo time etc.) e têm uma
relação mais próxima. Isto é, que geralmente fazem parte de um
mesmo grupo, do qual a alta liderança — ou a figura abstrata da
“organização” — está fora, o que faz toda diferença em termos
de influência social57.
Da mesma maneira, não adianta que as equipes estejam preocu-
padas com a integridade nas suas atividades se não observarem
essa mesma postura da alta liderança. Nesse caso, o programa de
compliance pode ser visto como algo “de fachada”, gerando um
ambiente de cinismo em relação às políticas de integridade.
Se queremos construir uma cultura de integridade na organiza-
ção, precisamos dos dois sistemas alinhados. Não adianta um
sem o outro.
Aí está o problema: o sistema formal costuma ficar com toda
atenção das políticas de compliance. Costumamos dedicar
os recursos disponíveis para criar e promover as diretrizes
formais da organização e não dar a mesma atenção para
saber se essas diretrizes estão sendo assimiladas pelas
pessoas — se estão chegando de fato nas rodas informais de
conversa das equipes.
Se queremos uma cultura de integridade real, precisamos que as
pessoas percebam as mesmas normas sociais vigentes ao olhar
para “cima” (ex.: lideranças) e para os “lados” (ex.: colegas).
Isto é, que as regras informais de cada pequena equipe se con-
fundam com as regras formais do programa de integridade.

76 Muitos
Tabela 3. Sistemas formais e microssistemas informais da
cultura ética58

Sistemas Formais Diretrizes da alta liderança;


Códigos de Conduta;
Treinamentos.
Eventos oficiais.

Microssistemas Informais Modelos locais (role models);


Comportamento de colegas próximos e
chefes imediatos;
Normas sociais;
Rodas de conversa informais.

Ao longo deste capítulo, falaremos sobre o que os profissionais


de compliance podem fazer para alinhar os dois sistemas e possi-
bilitar uma verdadeira mudança de cultura — e comportamentos
— na organização. O alinhamento é necessário para demonstrar
que a organização tem “condições de fomentar e manter uma
cultura de integridade”59, um dos três blocos de avaliação de um
programa efetivo de acordo com a Controladoria-Geral da União
(CGU).
Primeiro, abordaremos o papel do líder, “a cara” do sistema
formal de cultura na organização; em seguida, o que podemos
fazer em relação aos códigos de ética e aos treinamentos, os
principais meios de comunicação do sistema formal. Por fim,
falaremos do papel das normas sociais como uma ferramenta
para mudar a cultura dos microssistemas informais.

77 3. Rumo a uma cultura de integridade


3.2 O poder do líder

Imagine que você acabou de ser contratado pela empresa dos


seus sonhos. Você está animado para mostrar trabalho. É sua
grande oportunidade!
Nos primeiros dias, você começa a observar como as coisas
funcionam no novo ambiente. Tenta seguir todas as recomen-
dações dadas pelo seu chefe: “Aqui nesta empresa levamos o
compliance a sério!”. Uma primeira impressão forte e muito
esclarecedora.
Você entende o recado. Nem um centavo deixa de ser registrado,
nenhuma conta deixa de ser revisada. Todo cuidado é pouco
para evitar desvios. Até que um dia você acompanha seu chefe
em uma reunião e percebe que você é o único preocupado em
seguir as regras à risca. No meio do caminho, seu chefe compra
um presente atrasado de aniversário do filho e pede para faturar a
conta em nome da organização.
Será que o que você presenciou mudará suas ações daqui em
diante na organização? Provavelmente sim — e muito. Começa
a perder sentido levar tão a sério as regras de compliance se os
líderes não se importam.
E se a pessoa que foi à reunião com você fosse um colega? Faria
alguma diferença? Provável que você, ainda que desconfiado,
continuasse fazendo sua parte. Na dúvida, é melhor esperar para
ver como o líder costuma reagir nesse tipo de situação.
A história foi a mesma — estamos falando de uma pessoa que
foi vista cometendo o mesmo desvio ético. O que mudou foi a
posição dessa pessoa dentro da organização. Um detalhe que fez
toda a diferença em termos da influência sobre como você vai se
comportar daqui pra frente.

78 Muitos
Os líderes servem como um ponto de referência para todos na
organização. São poucas pessoas, mas com grande influência
sobre o comportamento de muitos. Por isso, os líderes — mais
do que qualquer um — precisam ser percebidos por todos como
um exemplo de integridade.
Repare que falamos de percepção. Esse é um ponto importante.

Não basta ser honesto, tem de parecer honesto


Já ouviu falar do provérbio: “Não basta ser honesto, tem de
parecer honesto”? A mesma ideia pode ser estendida aos líderes
das organizações. Não basta que sejam pessoas honestas no
seu íntimo, mas que não deixem ninguém mais saber disso. Os
colaboradores não devem ter dúvidas sobre a honestidade dos
seus líderes. Os rumores, boatos e histórias sobre os líderes
devem ser sempre sobre exemplos de integridade60.
O ponto interessante é que a percepção influencia o compor-
tamento das pessoas, ainda que não seja verdade. Quer ver um
exemplo? O que vem à mente se pensamos em uma pessoa
indicada por um político para ocupar um cargo de chefia comis-
sionado? Nem é preciso pensar muito — “provavelmente é um
corrupto, assim como o político que o indicou”.
Ocorre que pode não ser o caso. Pode ter sido uma indicação
realizada por critérios técnicos. Mas agora já é tarde. O com-
portamento das pessoas será influenciado negativamente — e
muito — por essa percepção, seja ela verdadeira ou não. Pior,
o comportamento do líder também. Já ouviu falar das profecias
autorrealizáveis (self-fulfilling prophecies, p. 157)?
Por isso é tão importante que o líder, além de ser honesto, pareça
honesto. Que possa sempre dar — e mostrar — o exemplo para
todos em atitudes corriqueiras do dia a dia. Isso pode ser mais
arriscado de um ponto de vista comportamental do que pode
parecer à primeira vista. Aqui existe uma armadilha a que temos
de ficar atentos.
As pessoas não gostam de — nem confiam em — pessoas que
parecem estar fazendo boas ações apenas para se promover. Não
adianta fazer a coisa certa, é preciso fazer pelas razões certas, de
forma sincera e verdadeira.
Esse é o desafio por que passam filantropos que querem incen-
tivar outras pessoas a fazerem doações — também os líderes

79 3. Rumo a uma cultura de integridade


que querem parecer honestos. É o chamado dilema do “exibido”
(braggart’s dilemma, p. 153).
O que fazer, então? Como promover suas ações éticas, mas sem
parecer que está se autopromovendo?
A solução é deixar que as pessoas falem de você e dos seus atos.
Não adianta “forçar a barra” para parecer honesto. É importante
que os profissionais de compliance divulguem o que o líder
faz de correto, mas sem fazer propaganda disso. Falar de atos
honestos como se fosse o normal, nada demais. É para estar na
nota de rodapé, não no título.

O tom que vem de cima


Não é só como o líder se comporta — ou como parece se
comportar — que influencia o comportamento dos indivíduos. A
forma como o líder se comunica também impacta no comporta-
mento das pessoas, muito mais do que imaginamos.
Os líderes dão o tom (tone at the top)61 — quase que literalmente
— aos programas de integridade. Suas declarações e apoio
explícito e público às medidas de integridade têm uma enorme
influência positiva sobre o comportamento dos colaboradores.
Vejamos um interessante estudo realizado por três professores do
Departamento de Economia da Universidade de Zurich62.
Funcionou assim: os participantes, devidamente divididos em
grupos, deveriam jogar dados de seis lados e reportar os resul-
tados. Quanto maior o resultado nos dados, melhor — mais os
participantes do grupo receberiam pela participação na pesquisa.
Ocorre que os participantes poderiam mentir sobre o número que
tiraram e ninguém teria como saber quem mentiu. Por exemplo,
alguém poderia tirar 2 no dado e reportar que tirou 6.
Os grupos eram compostos por 4 pessoas — 1 líder e 3
seguidores. Alguns líderes poderiam influenciar os membros de
seus grupos por meio de mensagens enviadas por computador
antes de cada uma das rodadas. Poderiam pedir para que fossem
honestos e informassem corretamente seus resultados; ou
desonestos, e mentissem sobre os números que saíram. Por fim,
havia um grupo de controle, no qual o líder só observava e não
poderia influenciar de forma alguma.
As conclusões do experimento foram marcantes. As mensagens
dos líderes “ativos” tiveram impacto significativo sobre o

80 Muitos
comportamento dos membros dos seus times em comparação
com o grupo de controle (líderes “inativos”). Nas equipes em
que os líderes pediram para que as pessoas mentissem, os segui-
dores mentiram mais. Nas equipes em que os líderes reforçaram
a importância da honestidade, os seguidores mentiram menos.
Por isso é tão importante que os líderes não apenas deem o
exemplo e sejam percebidos como pessoas honestas, mas que
demonstrem publicamente seu apoio ao programa, seja com
palavras, seja com ações. Por exemplo, que tal ir além de um
statement genérico de apoio e participar de algumas sessões de
treinamentos do programa junto com todos?
Um esforço que pode ser pequeno para poucas pessoas, mas que
pode fazer uma enorme diferença para muitos. Essa aproximação
pode ser boa para aumentar os laços de confiança63 e colabo-
ração entre líderes e colaboradores. Lembra que falamos dos
problemas de se criar um clima de desconfiança na organização
no tópico 1.3?
Além disso, com uma comunicação mais estreita e transparente,
os colaboradores — e também os líderes — podem se sentir
mais seguros para falar de questões éticas abertamente: tirar
dúvidas, pedir conselhos, compartilhar suas dificuldades e
reportar mais problemas.
Os colaboradores vão retribuir esse tratamento com comporta-
mentos positivos para a organização64 — além de terem maior
dificuldade para racionalizar desvios contra uma organização
que os faz sentir acolhidos, ouvidos e respeitados65.

81 3. Rumo a uma cultura de integridade


3.3 Tirando o Código do
papel

Os códigos de ética e conduta costumam ser o tipo de coisa


que toda organização tem, mas que ninguém acha que precisa
parar para ler. Afinal, os códigos muitas vezes se parecem
com uma lista de palavras nobres. Já experimentou comparar
os códigos de conduta ética de diferentes organizações? Em
geral, dizem coisas muito parecidas. Parece que todos saíram da
mesma forma.
Tudo muito admirável, mas que não ajuda muito a resolver
dilemas éticos concretos que surgem no dia a dia66.
Respeito, cordialidade e confidencialidade são, claro, pontos
importantes, mas não chegam a ser novidades para ninguém.
Alguém discorda de que precisamos pautar nossas atividades
na lei ou que não devemos enganar nossos clientes? Não custa,
claro, ter essas palavras expostas em algum lugar. Porém, é
difícil imaginar que alguém precise ler os códigos para saber o
que deve fazer.
Os códigos costumam funcionar bem para que possamos ter
uma primeira impressão sobre os valores promovidos pelas
organizações, mas não tão bem para alterar comportamentos de
forma efetiva.
O que podemos fazer para mudar isso? Se queremos que os
códigos tenham maior impacto, precisamos fazer alguns ajustes
com base nos fatores cognitivos e comportamentais que temos
visto ao longo deste livro. São 4 pontos que precisam de atenção.
Primeiro: precisamos ter em mente que o código deve ser prático
e útil para as pessoas.

82 Muitos
Ao lado dos princípios e regras gerais, apresentamos soluções
concretas para os dilemas éticos que as equipes enfrentarão
nas suas atividades cotidianas. Junto com as proibições
gerais, deixamos claro os comportamentos específicos que
não serão tolerados.
Se queremos que o código sirva como um guia para os colabora-
dores, precisamos transformar o abstrato em concreto, palavras
louváveis e bonitas em uma lista de comportamentos específicos.
Como fazer?
Precisamos realizar um exercício de redução comportamental (p.
157). Isto é, “reduzir” ideias abstratas sobre integridade a um
conjunto de comportamentos concretos e relevantes.
Por exemplo, se o código não ajuda nada ao falar em “rela-
cionamento íntegro com a Administração Pública”, temos de
decompor esse princípio em comportamentos.
Imagine que se trata de uma organização que tem contratos com
o governo para manutenção de prédios. Sabemos que há uma
reunião semanal entre os gestores públicos e os colaboradores da
empresa para tratar de questões sensíveis do ponto de vista ético,
como compras de materiais e renovação dos contratos.
Sabemos também que os colaboradores que participam dessa
reunião não podem tratar, sugerir ou aceitar aditivos aos contra-
tos sem que haja comprovação de todos os serviços prestados.
Pronto! Já temos algo — um comportamento específico e
relevante — com que podemos trabalhar. Hora de passar isso
para o código.
Dessa forma, os colaboradores podem não apenas identificar
os dilemas éticos mais facilmente — evitando o problema dos
pontos cegos éticos —; como também saber qual a (única)
forma correta de agir — diminuindo o espaço para que possam
racionalizar seus desvios.
E como identificar esses dilemas? Ninguém saberá melhor do
que os próprios colaboradores da organização. Por exemplo,
por quais situações passam diariamente os profissionais que
trabalham com seguros de carros? Difícil que os profissionais de
compliance saibam de todas.
Com a lista criada em conjunto com os colaboradores, é hora
de determinar quais as respostas apropriadas para cada situação.

83 3. Rumo a uma cultura de integridade


Assim, o código torna-se um documento vivo. E para que per-
maneça vivo, precisa ser sistematicamente revisto e atualizado.
Com o tempo, a lista precisa ser atualizada para abarcar os novos
desafios que vão sendo identificados com a prática.
Com o investimento pessoal e o esforço67 dos colaboradores, o
código deixa de ser algo que eles são obrigados a seguir para se
tornar algo que ajudaram a criar68.
Segundo: é uma boa ideia escrever o código de uma forma que
qualquer um possa compreender sem dificuldades.
O ponto é: sempre que possível, evite palavras genéricas (ex.:
imparcialidade) e expressões que possam gerar ambiguidades.
Também as palavras mais rebuscadas ou as que são pouco
utilizadas nas conversas informais do dia a dia, como o “juridi-
quês” (ex.: “diligências”, “vedado”, “tempestiva” etc.).
Na dúvida, é melhor utilizar uma linguagem direta, simples e
clara. Sem eufemismos, sem floreios. Ao utilizar palavras que
podem amenizar a situação ou evitar palavras que possam soar
ofensivas ou grosseiras (ex.: “desvio de finalidade”), podemos
acabar ajudando as pessoas a racionalizar o que fizeram.
Temos de ir direto ao ponto.
Imagine que um colaborador de uma empresa de entregas
acabou de receber um pedido do filho de um diretor importante
para “agilizar” uma entrega pessoal. O colaborador, sabendo que
tem algo de errado com o pedido e sem saber muito o que fazer,
decide buscar a resposta no código de conduta ética.
No código, ele acha coisas como: “Os colaboradores devem: (...)
agir de forma proba e idônea; respeitar todas as leis; entregar
os pedidos de forma tempestiva; prezar pela inviolabilidade das
embalagens e incolumidade dos produtos; tratar os clientes com
cortesia e deferência.(...). Em outro ponto, é possível ler que
“É vedado ao colaborador: (...) oferecer vantagens indevidas
para terceiros interessados; prevaricar no âmbito das atribuições
finalísticas da organização”.
Que raios é “tempestiva”? Lembro de ter ouvido alguma coisa
sobre não “prevaricar” naquele treinamento mês passado. Depois
de tentar buscar o significado de algumas palavras na internet
por uns minutos — e em meio a outros telefonemas e uma pilha

84 Muitos
de e-mails de outros clientes — o colaborador começa a pensar
que não deve ter problema “agilizar” o pedido.
Afinal, o código fala de “respeitar as leis” — e isso não deve
ser contra nenhuma lei até onde eu saiba — e tratar os clientes
“bem” — e o filho do chefe também é um cliente. Pronto.
Problema resolvido.
O que poderia ter sido feito de forma diferente? Simples. Se
sabemos — pelo menos suspeitamos — que essa é uma questão
recorrente, precisamos colocar no código de forma simples, clara
e direta.
Poderia ser algo mais ou menos assim: “Os colaboradores do
departamento de reclamações não podem jamais: (...) - aceitar
pedidos para ‘passar na frente’ ou ‘agilizar’ pedidos de algum
colega de trabalho nem de qualquer familiar (ex.: filhos, irmãos
etc.) de um colega de trabalho. Esse comportamento não será
tolerado nem por uma vez. Se tiver qualquer dúvida ou se sentir
pressionado por um colega ou chefe para fazer isso, você deve
passar a situação imediatamente para o setor de compliance”.
Terceiro: temos de ter cuidado para não normalizar69 o compor-
tamento antiético.
Reparou que fizemos questão de deixar claro que o comporta-
mento não será tolerado nem uma vezinha? Pode parecer algo
sem sentido, que estamos apenas afirmando o “óbvio”. Não é
bem assim.
Precisamos ter atenção com a mensagem que passamos sobre o
que as pessoas não devem fazer para evitar cair em uma armadi-
lha comportamental. Precisamos escrever com clareza e detalhes,
mas sem esquecer de fazer a ressalva de que o que estamos
descrevendo é incomum e reprovável — e que não será tolerado
nem uma vezinha. Essa ressalva pode parecer desnecessária, já
que é tão óbvia. Porém, isso faz uma grande diferença do ponto
de vista comportamental.
Por exemplo, se damos detalhes sobre um tipo de fraude que é
típica em um determinado segmento econômico (ex.: seguros),
e que os colaboradores devem estar atentos para essa situação,
temos de sempre deixar claro que não se trata de algo aceitável.
O que queremos evitar é que fique subentendido que se trata de
algo normal, algo que todos fazem.

85 3. Rumo a uma cultura de integridade


É importante ter cuidado também na hora de falar sobre o que
precisa ser mudado. Quando comunicamos que muitas pessoas
fazem algo errado, ainda que em tom crítico, estamos caindo em
uma armadilha comportamental — o chamado “efeito bumeran-
gue” (p. 154).
Por exemplo, imagine que um profissional de compliance afirme
para um grupo de colaboradores: “estou reparando que ninguém
está preenchendo os formulários corretamente. Não façam isso,
ok?”. Esse é um pedido feito com a melhor das intenções, mas é
arriscado do ponto de vista comportamental.
A mensagem passada de forma implícita é que não preencher os
formulários é a norma social naquele contexto. O que as pessoas
entendem é que ninguém preenche, ainda que seja algo errado. É
como as coisas são feitas naquele contexto.
O efeito da mensagem pode acabar por ser o oposto do esperado
— fazer com que quem ainda preenche os formulários corre-
tamente comece a repensar se vale à pena. O problema é que
tendemos a ajustar nossos comportamentos aos da média, sejam
eles positivos ou negativos.
O que fazer, então?
A dica é: na medida do possível, temos de tentar não chamar a
atenção para o fato de que grande parte das pessoas está fazendo
errado. Nem mesmo para criticá-las. A tentação é grande, mas,
se fizermos isso, o tiro poderá sair pela culatra.
Não ajuda nada dizer às pessoas que a regra informal na
organização é não seguir as regras formais. Se for este o caso, e
que seja preciso mudar o comportamento da maioria, o caminho
mais efetivo é destacar o comportamento positivo das outras
pessoas que fazem certo.
Não é para mentir ou inventar nada, mas uma questão de saber
para onde apontar os holofotes. Sempre que possível, melhor
darmos luz apenas aos exemplos positivos. Em algumas oca-
siões, isso não será possível porque teremos de dar informações
sobre a frequência de comportamentos negativos por questões
de transparência ou legais. Não tem problema. Ainda assim,
podemos tentar minimizar esses efeitos negativos ao diminuir o
destaque dessas informações.

86 Muitos
Em casos como esses, também podemos direcionar a atenção
para mudança de tendências — para as chamadas normas sociais
dinâmicas70 (p. 156). Voltaremos ao assunto das normas sociais
no último tópico deste capítulo.
Quarto: vale a pena reforçar para as pessoas que elas são
pessoas desonestas ao praticar atos desonestos.
Podemos dificultar as racionalizações com alguns pequenos
ajustes no enquadramento das comunicações do código de
ética.
Se sabemos que as pessoas utilizam os mecanismos de racio-
nalização para preservar sua autoimagem, uma solução é atacar
o problema na sua raiz. Isto é, chamar atenção para o impacto
negativo dos atos antiéticos sobre a autoimagem das pessoas.
Fica mais difícil criar justificativas convincentes se deixarmos
clara a associação entre as ações e as pessoas.
Por exemplo, será que faz diferença trocarmos a palavra “trapa-
ça” (a ação) por “trapaceiros” (as pessoas) em um comunicado?
Temos evidências de que sim.
Vejamos o que ocorreu neste estudo71: Os pesquisadores abor-
daram pessoas para participar de uma pesquisa. Os participantes
recebiam instruções similares, porém com uma diferença.
Metade dos participantes lia uma versão das instruções em que
se falava do problema de se trapacear (foco na ação) na pesquisa;
outra metade lia uma versão da instrução que falava do problema
dos trapaceiros (foco nas pessoas).
Metade recebeu esta instrução:
“Estamos interessados em saber o quão comum é a trapaça
(cheating is) na faculdade. Nós vamos jogar um jogo para que
possamos determinar a taxa aproximada de trapaças (rate of
cheating) como um todo, de forma que será impossível sabermos
se você está trapaceando (cheating)”
Outra metade recebeu esta versão da instrução:
“Estamos interessados em saber o quão comum são os trapacei-
ros (cheaters are) na faculdade. Nós vamos jogar um jogo para
que possamos determinar o número de trapaceiros (number of
cheaters) como um todo, de forma que será impossível sabermos
se você é um trapaceiro (a cheater)”.

87 3. Rumo a uma cultura de integridade


Lida a instrução, os pesquisadores pediam aos participantes para
pensar em um número de 1 a 10. Pensado o número, os pesqui-
sadores avisavam que se o número pensado fosse par, o partici-
pante receberia 5 dólares; se fosse ímpar, não ganharia nada.
Que grupo será que foi mais desonesto, o dos que receberam um
comunicado que falava em “trapaça” ou que falava em “trapa-
ceiros”? Essa pequena mudança no enquadramento — apenas
uma palavra diferente — não deveria fazer a menor diferença,
mas fez. Os números foram claros: a proporção de pessoas que
pensou em números ímpares foi a metade no grupo dos “trapa-
ceiros”. No fim das contas, o experimento mostra que a forma de
comunicação pode diminuir a desonestidade.
Não estamos falando para encher os códigos com menções a
pessoas trapaceiras, desonestas ou corruptas. Além de poder
ser ofensivo, devemos lembrar que essa é uma compreensão
equivocada do ponto de vista da psicologia da desonestidade
dos Muitos — como ressaltamos em diversos momentos
nesta publicação.
O ponto é: podemos incorporar essas ideias na forma de comu-
nicar o que está no código (ex.: comunicados internos e treina-
mentos) e, trocar, de forma sutil, algumas palavras para associar
mais diretamente atos a pessoas, dificultando as racionalizações
. Que tal colocar nos comunicados internos que as pessoas estão
sendo pessoas desonestas quando fazem X em vez de dizer que
X é errado?
Pequenos ajustes na forma como divulgamos os códigos de
conduta ética podem fazer toda a diferença para a promoção de
uma cultura de integridade.

88 Muitos
3.4 Não me fale de
Sócrates

Os treinamentos sobre ética não fazem muito sucesso nas


organizações.
Costumam ser aquele tipo de atividade que os colaboradores
entendem como uma obrigação que têm de cumprir de vez em
quando. Uns acham maçante — qualquer outra coisa parece ser
mais interessante; outros acham uma perda de tempo — não
dá para aproveitar quase nada para usar nas atividades diárias.
Ainda falta muito para terminar?
O formato dos treinamentos não ajuda: demoram muito, pessoas
passivas o tempo todo, exercícios fáceis demais. O conteúdo
também não: geralmente são um espaço para relembrar os colabo-
radores do que está no código da organização e nos regulamentos.
Funcionam bem para cumprir as metas de compliance — o
número de horas de treinamento ou a porcentagem de colabora-
dores capacitados, mas não tão bem como um meio para mudar
comportamentos na organização. Dá para fazer diferente.
Não adianta falar de Sócrates ou Kant e esperar que as pessoas
comecem a agir de forma ética. Afinal, nem mesmo os professo-
res de ética, pessoas que passaram a vida estudando o assunto,
estão imunes a enviesamentos ao responder sobre dilemas
éticos72. Tampouco adianta listar regras e regulamentos e esperar
que seja suficiente.
O que podemos fazer?
Se queremos promover comportamentos íntegros na organização
de forma efetiva, podemos aplicar as ciências comportamentais
para tornar os treinamentos sobre ética mais interessantes,
práticos e úteis para os colaboradores.

89 3. Rumo a uma cultura de integridade


O treinamento precisa ser pensado para o tipo de pessoa que
ensina seus filhos a não pegar o lápis do coleguinha ou se
enfurece com a notícia sobre o último escândalo de corrupção.
O ponto é: se sabemos que quase todo mundo se acha honesto,
melhor direcionarmos o treinamento para quase todo mundo —
os Muitos.

Como não perder a atenção dos Muitos?


Nada de sessões de treinamento que duram muitas horas segui-
das. Melhor dividir uma atividade longa em pequenas atividades
mais curtas e espaçadas (spaced repetition)73. Que tal dividir
um programa planejado para ter 6 horas em 6 sessões de uma
hora em vez de duas sessões de 3 horas? Isso ajuda não apenas a
tornar o treinamento menos cansativo, como aumenta a retenção
de informações dos participantes.
Exercícios também são fundamentais e podem ser passados
pouco a pouco ao longo do treinamento74. Não precisa deixar
tudo para o final. Testes, quizzes e puzzles podem deixar toda
atividade mais dinâmica — às vezes até divertida. Mais impor-
tante, podem ajudar as pessoas a perceberem que não sabem
tanto quanto acreditavam75. Pedir para que expliquem sobre
algum assunto antes das explicações costuma ser o suficiente
para que possam ter clareza do quanto precisam do treinamento.
Precisamos ter atenção a algumas questões na hora de preparar
os exercícios. Por um lado, exercícios muito fáceis — aqueles
que todos acertam sem dificuldades — tendem a ser contrapro-
ducentes para a retenção de informações76; por outro, exercícios
muito difíceis fazem com que as pessoas desistam de tentar77.
É preciso achar um meio termo. O ponto é: não tem problema
deixar que as pessoas se esforcem por algum tempo e que muitos
errem a resposta.
A depender do tipo de conteúdo, pode também ser interessante
dar espaço para que as pessoas expliquem as razões de existir
e o funcionamento de alguns procedimentos com suas próprias
palavras. Nesse caso, não é para que tentem dar a resposta certa,
mas que cada pessoa possa explicar de uma maneira que faça
mais sentido para ela. O que pode ser diferente para cada um.
Um pode preferir explicar como se fossem as regras de uma
casa; outro pode imaginar o programa como uma teia de aranha
que está segurando as pessoas. Não tem problema.

90 Muitos
Quanto mais significado damos àquilo que aprendemos, usando
nossas próprias palavras e fazendo associações com o que
conhecemos de perto, mais conexões vamos estabelecer em
nosso cérebro sobre aquela atividade78 e mais fácil será reter
aquelas informações.
Sistemas de pontos podem ser interessantes — especialmente
para pessoas mais competitivas79 —, desde que a distância entre
primeiros e últimos colocados nunca seja muito grande. Assim,
ninguém fica desmotivado por achar que nunca chegará ao topo.
Que tal deixar por último as atividades que valem mais pontos?

Como aproveitar a atenção dos Muitos?


Conseguimos a atenção dos Muitos. Agora é hora de falar sobre
algumas atividades específicas que podemos incorporar aos
treinamentos para ajudá-los a agir de forma ética.
São três atividades: i) conscientização sobre aspectos cognitivos
e comportamentais relevantes dos atos antiéticos — o que temos
visto ao longo deste livro; ii) exercícios de antecipação de
situações concretas de tentação e iii) estratégias de metacognição
— que nos levam a ficar atentos a nossos pensamentos — para
serem utilizadas em momentos de maior risco.
Conscientização
Um grande desafio é chamar a atenção das pessoas para os
fatores comportamentais que levam os Muitos a agir de forma
desonesta de vez em quando — ora porque estão distraídos, ora
porque conseguem ser criativos ao imaginar boas justificativas,
como vimos no tópico 1.2. Essa pode ser uma ideia contraintuiti-
va para muitos no começo, por isso é importante ir devagar.
A ideia é dar suporte para que as pessoas consigam agir da
forma como já acham que é importante. Estamos falando de um
tom de abertura e colaboração, não de ameaças ou linguagem
controladora e autoritária. O objetivo é chamar atenção para
os obstáculos cognitivos e comportamentais que os Muitos
enfrentam, ainda que sem perceber, para agir de forma ética nas
suas atividades cotidianas.
Tem de ser assim para funcionar. A verdade é que não gostamos
que os outros nos digam o que fazer — ainda que seja algo com
que concordamos ou que sabemos que é importante. Se sentimos
que nossa autonomia está sendo atacada, uma parte de nós se

91 3. Rumo a uma cultura de integridade


sente compelida a fazer justamente o oposto do que nos foi dito.
Entramos em um estado de resistência, geralmente inconsciente,
contra o que está diminuindo nossa autonomia — fenômeno
conhecido como reatância psicológica (p. 157).
Por isso é tão importante que as recomendações nos treinamen-
tos se pareçam mesmo com recomendações. Se parecerem com
ordens ou ameaças, ainda que um pouco, as pessoas vão resistir.
Como podemos evitar a linguagem controladora ao falar de
mecanismos de controle? Ou deixar de utilizar linguagem autoritá-
ria ao falar de regras? Há algumas estratégias que podem ajudar.
Em vez de tentarmos convencer as pessoas a seguir as regras,
podemos dar espaço para que elas próprias se convençam disso.
São as estratégias de autopersuasão80. Funciona assim: no lugar
de argumentar com base em sanções e controle, damos espaço
para que as pessoas criem seus próprios argumentos, com suas
palavras, do porquê devem seguir as regras.
Os argumentos podem variar muito de pessoa para pessoa. Por
exemplo, uma pessoa quer ser um exemplo para seus filhos,
outra quer fazer o que faria seu líder religioso, outra pensa que
ser honesto é nada mais do que uma obrigação com a sociedade.
Bastam perguntas abertas sobre porque determinadas regras
devem existir ou porque precisamos de ética e as respostas virão.
O importante é que seja algo autônomo, que “venha de dentro”.
Uma escolha que a pessoa perceba que fez por si mesma.
Dessa forma, podemos pensar em atividades específicas para
chamar a atenção para os principais obstáculos que os Muitos
enfrentam — os mecanismos de racionalização e os pontos
cegos éticos.
Que tal pedir para as pessoas pensarem em que argumentos elas e
outras pessoas poderiam criar para justificar determinados desvios
éticos que costumam ocorrer nas organizações? Alguns podem
dizer que é porque ganham menos do que deveriam; outros porque
é como as coisas são feitas neste ramo. E por aí vai.
Fazendo assim, conseguimos alertar e conscientizar as pessoas
sobre os mecanismos de racionalização mais comuns e como se
trata de uma coisa que fazemos o tempo todo.
Para criar consciência sobre os pontos cegos éticos, podemos
pensar em cenários hipotéticos e factíveis — contar uma história

92 Muitos
— e pedir para que as pessoas identifiquem os dilemas éticos
que passaram despercebidos pelos personagens.
Lembra que falamos que os exercícios não devem ser muito
fáceis? Uma boa ideia é pensar em uma estória um pouco mais
complexa e misturar situações em que o personagem agiu de
forma correta com situações que agiu de maneira questionável.
Por exemplo, podemos contar sobre o dia de um profissional
que trabalha com telemarketing. Dentre as dezenas de atividades
descritas, podemos adicionar algumas ações reprováveis no
meio, mas sem chamar a atenção.
Pode ser aquela coisinha feita logo antes do intervalo para o
almoço ou em meio a várias outras atividades e distrações.
Coisas que o personagem da história teria notado se tivesse
parado para pensar um pouco. Afinal, é assim que ocorrem as
coisas no mundo real. Não há avisos nem muita preparação.
Quando se percebe — ou recebe alguma advertência —, já
aconteceu. Já é tarde.
Antecipação
É importante que os treinamentos tenham atividades que levem
os participantes a antecipar a experiência das situações de
tentação81. Quanto mais verossímil, melhor. A ideia é fazer
simulações interativas que levem os participantes a experimentar
por alguns momentos como é viver uma situação “real” em que
são tentados a cometer desvios.
O tipo de coisa que é impossível de antecipar em treinamentos
teóricos ou rodas de debates sobre dilemas éticos. A verdade é
que aspectos teóricos, sem expressão concreta no dia a dia do
participante, costumam não valer muito no momento em que a
tentação é real, na hora que está acontecendo.
Para entender esse ponto, precisamos relembrar de uma distinção
importante que fizemos no tópico 1.2. Lembra que falamos dos
dois “eus” dentro de nós: o Eu que deveríamos ser (should self)
e o Eu que quer (want self)? Quem planeja é o nosso Eu que
deveríamos ser — prudente, previdente; mas no momento em
que a tentação aparece, o Eu que quer — impulsivo, imediatista
— assume o comando.
Um faz os planos de ano novo para parar de fumar; o outro
é o que aceita um cigarro no intervalo antes de uma reunião
importante82. Um se imagina fazendo dieta no almoço seguinte, o

93 3. Rumo a uma cultura de integridade


outro é o que não resiste à pressão dos colegas para experimentar
um doce novo. Um participa dos treinamentos de ética nas
organizações e concorda com tudo; o outro é o que aproveita a
oportunidade diante de uma situação de tentação.
O problema dos treinamentos é que eles dialogam com a
“pessoa” errada. A pessoa que está respondendo sobre um
dilema ético abstrato no treinamento não é a mesma pessoa
que enfrentará o dilema ético real.
A verdade é que temos enorme dificuldade para antecipar o quão
viscerais serão as tentações no momento em que estão ocorren-
do. Nesse momento — quando surge uma oportunidade real para
se beneficiar de um desvio sem ser pego, tudo é diferente. Nessa
hora, os parâmetros para a melhor decisão são outros.
Os ganhos imediatos vêm para o primeiro plano83 e as implica-
ções éticas ficam de lado. Conseguir aquele dinheiro que falta
para pagar as contas em atraso se torna o que mais importa.
Bater a meta do mês vira a maior prioridade, ainda que seja
preciso “sujar as mãos”.
As emoções ocupam os espaços nos quais estavam os pensamen-
tos sobre princípios éticos. Por algum tempo — tempo suficiente
— as questões éticas mais profundas e preocupações de longo
prazo ficam suspensas.
Mesmo as pessoas que se consideram muito honestas podem
sucumbir. Afinal, trata-se de um cenário novo, algo que não foi
apresentado nos treinamentos e para o qual as pessoas nunca
estiveram preparadas.
Um estudo interessante84 ilustra bem essa diferença entre o
cenário hipotético e o real. Foi comparado como as mulheres
planejavam reagir a uma entrevista com perguntas impróprias
(ex.: você tem namorado?) e como reagiram a uma entrevista
real com essas perguntas. No cenário hipotético, 16% das mu-
lheres entrevistadas afirmaram que abandonariam uma entrevista
com aquela descrição. No cenário real, uma reprodução fiel da
descrição, nenhum participante abandonou a entrevista, mesmo
depois de ouvir várias perguntas impróprias.
Não é que as pessoas se enganem ou achem que são mais
honestas do que realmente são. O problema é que, no “calor”
do momento, nosso Eu que deveríamos ser dá espaço para
nosso Eu que quer, que tem outros critérios para decidir o que

94 Muitos
fazer. No lugar do que é o mais correto, começa a valer o que é
mais imediato.
Metacognição
A verdade é que temos grande chance de resistir às tentações se
conseguirmos parar para pensar — um exercício de metacog-
nição (p. 156) — sobre o que estamos fazendo. Porém, isso é
uma coisa muito difícil de fazer por conta própria, especialmente
no ambiente típico de muita pressa e pressão das organizações.
Se ninguém chamar sua atenção e pedir para você parar um
pouco, o mais provável é que você só se dê conta do que fez
horas depois — talvez cheio de arrependimentos. Os treina-
mentos podem ajudar as pessoas a serem seus próprios “amigos
sensatos”, a pessoa que vai pedir para que elas parem por um
momento e reflitam sobre o que estão pensando em fazer.
São as estratégias de metacognição85. Em comum, pedem para
que as pessoas parem um pouco e reflitam sobre o que estão
fazendo. Uma forma de devolvermos as rédeas para o nosso Eu
que deveríamos ser, o que costuma ser o mais íntegro, para os
momentos em que podemos cair na tentação.
Por exemplo, uma estratégia de metacognição interessante é
pedir às pessoas em momentos-chave para que se perguntem se
poderiam contar — integralmente — o que pretendem fazer para
seus colegas. Só o fato de parar para refletir um pouco antes de
decisões importantes já pode fazer a diferença.
Por isso é tão importante auxiliar as pessoas a criarem um plano
de ação86 para esses momentos, para que consigam se lembrar
de parar para refletir quando for preciso. Ao criar — e exercitar
— esses planos em um ambiente controlado como o de um
treinamento, fica mais fácil de lembrar o que fazer no momento
que surgir a tentação.
Esses planos podem seguir a estrutura da técnica chamada de
intenções de implementação (p. 155). Um exercício simples,
mas poderoso. Quanto mais automatizado estiver o plano de
ação, melhor. Mais facilmente vamos conseguir identificar os
gatilhos que podem nos levar a desvios éticos. Tem de ser o tipo
de coisa que a pessoa consiga lembrar sem muito esforço, em
meio a várias distrações e pressões do dia a dia nas organizações.

95 3. Rumo a uma cultura de integridade


3.5 O que os outros fazem
importa

Que tipo de roupa devo vestir no meu trabalho? O que devo


evitar fazer em uma reunião de trabalho com o novo chefe? Tudo
bem se eu mentir um pouco neste formulário?
A primeira coisa que costumamos fazer é olhar para os lados
e reparar no que as outras pessoas estão fazendo. Na dúvida,
melhor agir de forma parecida com todo mundo. Isto é, melhor
seguir nossa percepção sobre quais são as normas sociais
vigentes no ambiente87 em que estamos inseridos.
Se todo mundo está se vestindo casualmente, por que não
abandonar a roupa social? Se todo mundo riu da piada sem graça
do chefe, ainda dá tempo de rir na próxima. Se percebo que
ninguém leva a sério os formulários de compliance, não deve ter
problema mentir um pouquinho.
Falamos no tópico 3.2 sobre a influência que poucos podem
exercer sobre muitos, de como somos influenciados pelo que
fazem e falam os líderes quando olhamos para “cima”. Agora
é hora de falarmos da influência que podem exercer também
os muitos, de como também somos influenciados pelo que
observamos ao olhar para os “lados”, para o que nossos colegas
estão fazendo.
Um processo de “contágio social” que fica mais forte na medida
em que as pessoas são mais próximas e parecidas conosco, de
quem consideramos parte do “time”. Vejamos.
Lembra do exemplo das matrizes que falamos no tópico 1.2? Em
um dos estudos seguintes88, os pesquisadores testaram incluir um
participante (um pesquisador disfarçado) que saía da sala segun-
dos depois de começar a fazer a atividade alegando ter acertado
todas as questões. Isto é, agindo de forma descaradamente

96 Muitos
desonesta na frente de todos e sem sofrer nenhuma penalidade
ou advertência por isso.
Nessa condição, de fato, o grau de desonestidade do grupo que
testemunhou o desonesto descarado aumentou muito. Porém,
é interessante notar que esse aumento só ocorreu nos casos em
que o desonesto descarado usava a camisa da faculdade onde era
realizado o estudo (Carnegie Mellon). Isto é, no caso em que os
participantes achavam que se tratava de um dos seus colegas,
alguém de dentro “do grupo” (in-group). Na condição em que o
desonesto descarado estava usando a camisa de outra universida-
de (Pittsburgh), alguém de fora do grupo (out-group), o nível de
desonestidade foi bem menor.
O poder do “time” exemplifica muito bem a importância das
normas sociais. Saber usá-las a favor da organização pode
faciliar — e muito — a missão dos profissionais de compliance.
Afinal, somos influenciados pelas normas vigentes no nosso
ambiente de trabalho, pelo que nossos colegas mais próximos
estão fazendo89.

Alinhando normas sociais e integridade


Antes de tudo, é importante entender que há diferentes tipos de
normas sociais.
Primeiro, temos as normas sociais descritivas90. São os com-
portamentos considerados comuns no ambiente. É o que per-
cebemos como acontecendo mais vezes, o que é o mais típico.
Por exemplo, já reparou como a “regra” sobre cumprimentar as
pessoas com beijos no rosto muda de acordo com o estado em
que estamos? No Rio de Janeiro, são dois beijos; em São Paulo,
apenas um. Em outros países, o mais comum é não dar beijo
algum.
Segundo, há as normas sociais injuntivas91. Desta vez, não
estamos falando sobre o que é esperado por ser percebido como
mais comum, mas o que é esperado por ser mais apropriado.
Tem a ver com o que as pessoas devem fazer, o que é certo a ser
feito, não com o que costumam fazer.
Às vezes, as normas sociais injuntivas vão de encontro às normas
sociais descritivas.
Quer ver um exemplo? Lembra quando você ouvia da sua mãe:
“Fulana (o), quer dizer que se seus amigos fizerem bullying com

97 3. Rumo a uma cultura de integridade


um colega, você vai fazer também?” Ela estava mostrando para
você a diferença entre normas sociais descritivas e injuntivas.
O que estava implícito é que não é porque todo mundo faz uma
coisa que isso se torna o correto a ser feito.
O mais comum, entretanto, é que as normas sociais descritivas
e injuntivas andem lado a lado. Geralmente, o que percebemos
como comum também é o que percebemos como correto. Isso
ocorre porque o “comum” e “correto” tendem a se influenciar
mutuamente e até a se “misturar” com o passar do tempo92, o que
pode ser muito perigoso para a integridade.
O que alguns podem perceber como comum (ex.: “todo político
é corrupto”) pode influenciar de forma gradual — e silenciosa —
o que percebem como apropriado (ex.: “não tem nada de errado
um político ser corrupto”).
Há o perigo de “normalizar” os desvios éticos sem perceber
com o passar do tempo. Já ouviu falar da “Lei de Gérson”? Se
achamos que existe verdadeiramente um “jeitinho brasileiro”,
podemos começar a relativizar a desonestidade e achar que não
tem nada de errado em tentar “levar vantagem” em tudo.
As normas sociais funcionam como uma “bússola” que nos
indica para qual direção devemos ajustar nosso comportamento,
normalmente seguindo a maioria quando não sabemos muito
bem como agir93. Porém, o ponteiro da bússola das normas
sociais nem sempre precisa apontar para a maioria de agora.
É o caso das normas sociais dinâmicas94. “Dinâmicas” porque
indicam uma mudança de tendência em andamento. Aponta para
uma maioria no futuro próximo, que ainda está em formação.
Lembra de quantas coisas eram comuns ou consideradas apro-
priadas no passado e foram perdendo espaço na sociedade com o
passar do tempo? Palmadas eram a regra na educação doméstica,
agora são vistas por muitos com maus olhos; era comum ver
fumantes em filmes e comerciais, agora não mais. Para que as
coisas mudem, é preciso que em algum momento as pessoas
percebam que há uma nova tendência e que se não se ajustarem
ficarão para trás.
De que forma os profissionais de compliance podem utilizar
as normas sociais para encorajar que as pessoas ajam de forma
mais íntegra?

98 Muitos
Grande parte das vezes, basta esclarecer o que a maioria
está fazendo. É comum termos uma impressão equivocada
sobre as normas sociais vigentes em determinado ambiente.
Podemos achar que estamos agindo de acordo com a maio-
ria, mas estamos, na verdade, sendo influenciados por uma
minoria “barulhenta”.
Por exemplo, podemos achar que ninguém costuma preencher os
formulários enviados pela equipe de compliance com atenção,
porque vimos alguns colegas fazendo isso. Mas isso pode ser
um engano — e cabe aos profissionais de compliance mostrar o
porquê. Que tal deixar exposto na parte de cima do formulário
algo como “96% dos colaboradores do setor preenchem todo o
formulário corretamente”.
Não é para mentir sobre os dados nem inventar nada, mas
mostrar às pessoas a realidade. Muitas vezes, o que falta para
mudar comportamentos é simplesmente atualizar a percepção
que as pessoas têm sobre as normas sociais vigentes. Isto é,
sobre o que a maioria está, de fato, fazendo.
É o que podemos ver em diversas políticas públicas implemen-
tadas por todo mundo. Por exemplo, um estudo95 realizado pelo
Banco Mundial em parceria com a autoridade fiscal britânica
(HMRC) testou o impacto de diferentes mensagens que transmi-
tiam normas sociais descritivas e injuntivas para que as pessoas
pagassem seus impostos de renda (income tax) em atraso.
Por exemplo, “Nove em cada dez pessoas pagam seu imposto em
tempo. Você faz parte atualmente de uma minoria muito pequena
de pessoas que ainda não nos pagaram” ou esta que transmite
normas injuntivas: “Nove em cada dez pessoas concordam
que todo mundo no Reino Unido deve pagar seus impostos em
tempo”. Ambas tiveram resultados positivos.
Porém, quando a maioria das pessoas age de forma errada,
esclarecer as normas sociais vigentes pode ser um tiro que sai
pela culatra. O problema é que as pessoas tendem a ajustar seu
comportamento ao da maioria, seja ele positivo ou negativo. É
o “efeito bumerangue” que explicamos no tópico 3.3. Como
vimos, não devemos mencionar que a maioria está fazendo algo
errado, nem para criticar.

99 3. Rumo a uma cultura de integridade


Nesses casos, melhor transmitir às pessoas as normas
sociais dinâmicas no lugar das normas sociais descritivas ou
injuntivas. Isto é, demonstrar que as normas sociais vigentes
estão com os dias contados — que o que é o mais comum ou
o mais aceito em determinado ambiente está em processo
de mudança; o que vale hoje, não valerá amanhã e que, a
cada dia, mais e mais pessoas irão aderir às novas normas
do ambiente.
Por exemplo, imagine que quase ninguém, de fato, preencha
um formulário corretamente — e que as pessoas percebam
isso. Nesse caso, devemos preferir transmitir as normas
sociais dinâmicas.
Pode ser algo mais ou menos assim: “96% dos colaboradores
declararam que vão começar a preencher o formulário com todos
os dados a partir da semana que vem” ou que “Oito em cada dez
colaboradores notificados já mudaram seus hábitos e começaram
a preencher o formulário com todos os dados” — desde que
sejam dados verdadeiros.
No fim das contas, se o comportamento percebido como
majoritário tende a ser seguido, melhor que seja para pro-
mover integridade.

100 Muitos
Notas do Capítulo 3 58. Adaptado de TREVINO, 64. TREVINO, L.
L. K.; NELSON, K. A. K.; WEAVER, G. R.
53. Para uma discussão mais Managing business ethics: Organizational justice and
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101 3. Rumo a uma cultura de integridade


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103 3. Rumo a uma cultura de integridade


4. A caixa de
ferramentas do
profissional de
compliance

104 Muitos
4.1 Os três passos de
Abaroa

John Maclean Abaroa foi eleito prefeito de La Paz em setembro


de 1985. Ao assumir o cargo, ele se deparou com uma cidade
assolada pela corrupção. Os “tramitadores” — pessoas que
cobravam uma “taxa” para interceder junto aos processos na
prefeitura — podiam ser encontrados por todos lados.
No centro da burocracia, estava o “caixa” (cashier), um funcio-
nário público que centralizava todos os pagamentos e gerenciava
os “tramitadores”. O “caixa” era a figura que personificava toda
a corrupção da cidade — trocava de carro toda semana e era o
dono do time de futebol de La Paz.
Abaroa sabia que era necessário botar ordem na casa. Na sua
percepção, o problema central da cidade era a desorganização
no serviço público e a falta de informações para o cidadão. Era
preciso treinar os funcionários públicos e esclarecer como os
serviços públicos deveriam ser acessados.
O plano foi colocado em prática: os serviços foram organizados,
os funcionários treinados e as orientações disponibilizadas por
toda parte. Para a surpresa do prefeito, nada mudou.
O que será que deu errado? O que Abaroa percebeu, tempos
depois, é que sua análise de riscos inicial estava errada e
precisaria ser refeita. As medidas não foram suficientes porque
não atacavam a raiz do problema.
Na verdade, os funcionários sabiam muito bem o que fazer.
Não era um problema de falta de informações. A verdade é
que existia um “mundo paralelo” que conflitava com as regras
formais — era a forma como as coisas eram feitas por lá. O
problema também não era o “caixa” ou meia dúzia de “maçãs

105 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


podres”. Praticamente todos os funcionários públicos estavam
envolvidos em esquemas para aumentar a renda.
A análise de riscos foi refeita. Abaroa partiu, então, para o
próximo passo: colocar em prática as medidas para lidar com os
problemas identificados.
Ele entendeu que era necessário alterar a estrutura de incentivos
para diminuir a corrupção na prefeitura. Nas suas palavras:
“corrupção não é um crime de paixão, mas sim de cálculo racio-
nal”96. Na avaliação dele, a corrupção era generalizada porque as
pessoas percebiam que os benefícios da corrupção superavam os
riscos de detecção e punição. Desviar recursos públicos era um
ótimo negócio em La Paz — e isso precisava mudar.
A solução parecia clara. Era preciso mexer com os cálculos que
as pessoas faziam e alterar os incentivos. Por um lado, aumentar
os custos do comportamento corrupto; por outro, diminuir as
oportunidades de corrupção.
Alguns funcionários foram demitidos — inclusive o “caixa”,
símbolo máximo da corrupção. Novos funcionários foram
contratados com ótimos salários. Os processos mais críticos
— brechas para corrupção — foram revistos e diversas obras
públicas que “nunca terminavam” foram priorizadas. Algumas
licenças e permissões desnecessárias foram extintas. Outras
tiveram seu processo de obtenção simplificado. Enfim, tudo que
pudesse tornar a corrupção uma opção menos interessante.
Os resultados foram positivos em um primeiro momento. A
eficiência dos serviços públicos aumentou na mesma medida que
diminuíram os desvios de recursos públicos.
Entretanto, com o passar do tempo, surgiram novos problemas
e voltaram alguns problemas antigos. Após o efeito inicial de
medo causado pelo “choque” das mudanças de Abaroa, muitos
funcionários públicos voltaram a se sentir seguros para cometer
desvios. Novas brechas foram encontradas. A corrupção, aos
poucos, voltou a florescer.
O que deu errado? O diagnóstico estava correto, o problema
desta vez foram as “soluções” encontradas.
Alterar os incentivos costuma produzir efeitos positivos, mas
que não duram por muito tempo. Se queremos manter as pessoas
sempre com medo ou se sentido bem recompensadas, temos

106 Muitos
de ter a disposição — e os recursos — para arcar com custos
crescentes e que não podem ser interrompidos.
Isso ocorre porque, como veremos no tópico seguinte, a mudan-
ça de incentivos torna o comportamento das pessoas dependente
da manutenção e constante atualização dos incentivos. Um
pequeno descuido e tudo desmorona.
Foi o que aconteceu no nosso exemplo de La Paz. As medidas de
Abaroa tiveram impacto, em especial no curto prazo. Os prefei-
tos que sucederam Abaroa, no entanto, não tiveram a disposição
necessária para continuar com as medidas. Os procedimentos
não foram revisados e atualizados. As medidas ficaram obsoletas
e caíram em desuso. Em poucos anos, a corrupção voltou a
níveis semelhantes aos evidenciados em 1985.
E agora, o que deu errado?
Faltou monitoramento. Faltou avaliar periodicamente se tudo
estava saindo conforme o planejado. Ainda que o diagnóstico e a
estratégia de Abaroa pudessem ser promissores em um primeiro
momento, a manutenção dos efeitos positivos conseguidos
dependia de atenção permanente.
Os três passos de Abaroa nos dizem muito sobre a imple-
mentação dos programas de compliance nas organizações.
Temos de estar atentos: (i) aos riscos da análise de riscos;
(ii) às armadilhas comportamentais ao decidir que medidas
implementar e (iii) ao monitoramento contínuo das medidas
implementadas, mesmo das medidas que deram muito certo
de início.
Os desafios que Abaroa enfrentou em 1985 em La Paz são
semelhantes aos enfrentados por muitos profissionais de com-
pliance em suas organizações. Com uma diferença: hoje, quase
4 décadas depois, temos novas ferramentas e o conhecimento
sobre as aplicações das ciências comportamentais que ele
não tinha à época. Podemos fazer diferente e não cometer os
mesmos erros.

107 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


4.2 Os riscos da análise de
riscos

Imagine dois cenários.


A empresa A é uma grande transportadora de alimentos com 10
anos de experiência no ramo e mais de 150.000 entregas realiza-
das. Porém, a história da empresa tem uma mancha: já são 1.100
casos descobertos por uma investigação interna de descontos
irregulares concedidos em entregas a amigos e a familiares de
colaboradores.
A empresa precisa renovar anualmente seu licenciamento sani-
tário. Sem a licença, tudo fica parado. A renovação da licença é
algo por vezes rápido, por vezes muito demorado. Tudo depende
da boa vontade do funcionário público que estiver no balcão
de atendimento. Em duas ocasiões, inclusive, colaboradores da
empresa foram extorquidos pelo agente público responsável e
pagaram um alto valor para conseguir a licença.
A empresa B é do ramo de marketing e participa de disputas
acirradas para conseguir projetos com um grande cliente, a
empresa C. Apenas algumas poucas empresas conseguem fechar
contratos com C — as que se sujeitam a fazer depósitos “por
fora” na conta pessoal de um diretor. É o tipo de coisa que todos
sabem que existe, mas que ninguém de B aceita participar.
Pelo menos é o que todos achavam. Recentemente, um
colaborador querido de B foi afastado depois de admitir em
vídeo, emocionado, que tinha feito esses depósitos em nome da
empresa para conseguir um grande contrato.
Agora imagine que você é um profissional de compliance que
trabalha para as duas empresas. Você adotaria estratégias seme-
lhantes para ambas?

108 Muitos
Tudo indica que não. Os riscos — e até mesmo as consequências
caso o problema seja descoberto — são claramente distintos,
assim como as medidas adequadas para mitigá-los. Identificar
adequadamente os riscos é central para definir estratégias
efetivas de ação. Sem uma análise de riscos, a chance de gastar-
mos tempo e recursos à toa é muito grande.
Até aqui, nenhuma novidade. A importância da análise de riscos
é ressaltada em praticamente todos os eventos e manuais sobre
compliance. O Decreto97 que regulamentou a Lei Anticorrupção98
no governo federal, inclusive, não poderia ser mais claro com
relação a esse ponto: “O programa de integridade deve ser
estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as característi-
cas e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica (...)”.
Somos lembrados a todo momento sobre a necessidade de
avaliar os riscos e aprendemos um dicionário de termos: Nível de
risco, Impacto, Probabilidade, Apetite ao risco, Resposta ao risco
etc. A ideia é que se fizermos o dever de casa vamos ter um bom
diagnóstico. Será?
Sabemos o que deve ser feito e como deve ser feito, mas pouco
se fala sobre o que pode dar errado.
Ocorre que tem algo que costuma faltar nos manuais: muitos
dos nossos julgamentos sobre riscos podem estar permeados
por diversos vieses cognitivos. Aí que mora o perigo. Esses
vieses podem ocorrer de forma automática e inconsciente e
nos levar, muitas vezes sem que possamos perceber, a análi-
ses incorretas sobre os riscos de integridade na organização.
Vejamos. O grau de risco é determinado por um cálculo que
leva em consideração o impacto e a probabilidade de um evento
indesejado. Determinar o impacto costuma ser a parte mais fácil.
Afinal, conseguimos calcular questões como impacto financeiro
ou valores esperados de danos reputacionais ou materiais de
forma objetiva.
O problema maior está na probabilidade.
Isso porque nossa avaliação da probabilidade é, em geral, basea-
da em critérios subjetivos. Está ligada ao que nos parece o mais
razoável e coerente e tem por base nossas intuições e opiniões
pessoais — um “prato cheio” para os nossos vieses cognitivos.

109 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Vamos voltar aos nossos exemplos hipotéticos das empresas A e
B. Imagine que agora você tem a missão de eleger que riscos à
integridade devem ser priorizados para as próximas medidas.
No caso da empresa A não há muita dificuldade. Sabemos dos
1.100 casos de descontos indevidos a familiares e amigos. Muito
fácil, vamos para a próxima! Será?
Infelizmente, você acabou de cair em uma armadilha cognitiva.
Tendemos a prestar muita atenção ao número de vezes que
um problema ocorreu e ignorar o número total de vezes que o
problema poderia ter ocorrido, mas não ocorreu. Isto é, deixa-
mos nos enganar pelo nosso viés de negligenciar a taxa-base (p.
158) ao fazer cálculos sobre probabilidade99.
É o tipo de coisa que só percebemos quando fazemos os cálculos
de forma cuidadosa. Repare só. Foram 1.100 casos de irregula-
ridades identificados nos últimos 10 anos — o que parece um
problema enorme! Mas não podemos esquecer que a empresa
já fez mais de 150.000 entregas nesse período. Se fizermos uma
conta rápida, o que parecia um grande risco começa a parecer
um problema secundário. Afinal, só houve problemas em 0,75%
das entregas. Não chega a 0,8% dos casos!
Por outro lado, as duas vezes em que os colaboradores foram
extorquidos parecem pouco em termos absolutos, mas são
muitos casos em termos relativos. Basta lembrar que as licenças
são renovadas anualmente, o que nos dá um total de apenas 10
licenças até hoje. Tivemos problemas em 20% das vezes. Esse
sim é um risco alto para a organização.
No caso da empresa B, o problema é outro. O vídeo do colega
emocionado está fresco na memória de todos. As pessoas ainda
comentam nos corredores sobre o vídeo — se aconteceu uma
vez, o que impede de acontecer outras vezes? E os outros casos
que ninguém ainda descobriu?
Se tivermos que priorizar um dos riscos, melhor que seja com
aquele que está causando mais problemas, certo?
Melhor não. Tudo indica que seja um caso isolado. Uma situação
que provavelmente não vai se repetir. Porém, por ser recente,
ainda fresco na memória das pessoas, e ter mexido com muitas
emoções, acabamos nos convencendo de que é bastante provável.
Culpa dos nossos vieses cognitivos, de dois em específico.

110 Muitos
Muitas vezes substituímos de modo inconsciente uma pergunta
complexa — “qual a probabilidade de termos um colega afasta-
do por corrupção?” — por uma pergunta mais simples e fácil de
responder — “quão facilmente consigo lembrar de um exemplo
de um colega afastado por corrupção?”. É a chamada heurística
da disponibilidade (p. 155).
É o que explica porque ficamos com medo de andar de avião nos
dias seguintes a um grande acidente ou porque tantas pessoas
acham que os políticos são corruptos.
Além disso, nossas emoções acabam influenciando como avalia-
mos probabilidades e riscos100. Funciona assim: se uma atividade
nos causa emoções positivas, tendemos a achar que seus riscos
são baixos; se nos causam emoções negativas, tendemos a achar
que seus riscos são altos — a chamada heurística do afeto101.
Assim, se vivenciamos alguma situação que nos gerou fortes
emoções negativas, como no exemplo do colega afastado, vamos
achar que a chance de voltar a ocorrer é grande102. Mas isso não
é verdade. As chances de ocorrer outro episódio será a mesma
— nada mais que um caso isolado, independente do quanto isso
comoveu as pessoas.
Um interessante experimento mostra o quanto as emoções
mexem com a nossa avaliação de probabilidades. Em um estu-
do103, um grupo de participantes foi perguntado sobre o quanto
estariam dispostos a pagar para evitar 1% de chance de levar
um choque elétrico doloroso. O outro grupo deveria responder
quanto estariam dispostos a pagar para evitar 99% de chance de
levar o mesmo choque.
Em média, os participantes do primeiro grupo disseram que
estariam dispostos a pagar $7 para evitar o risco, enquanto que
no segundo grupo o valor médio foi de $10.
Uma diferença no sentido esperado — risco maior, valor maior,
mas não na magnitude esperada. Afinal, existe uma diferença
gritante entre as chances de levar o choque entre dois cenários
— 1 e 99% — que não se refletiu na diferença dos valores
que as pessoas estariam dispostas a pagar — $7 e $10. O que
deveríamos esperar eram valores bem menores para o grupo de
risco menor, o que não aconteceu.
Por que isso ocorreu? Os valores pagos para evitar um risco
quase inexistente e um quase certo foram tão próximos porque

111 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


as pessoas colocaram todo o foco no medo de tomar um choque
em vez de pensar com calma sobre as probabilidades. Acabaram
“misturando” uma coisa com a outra na hora de dar a resposta.
O que podemos fazer para evitar vieses como esses na gestão de
riscos?
Podemos pensar que a solução passa por adicionar mais pessoas
à tomada de decisão. Se mais pessoas estiverem envolvidas,
menor a chance que os vieses individuais passem despercebidos.
Pode ser uma boa ideia, desde que sejam tomados alguns cuida-
dos. Temos de prestar atenção para não desviar dos nossos vieses
individuais diretamente para os vieses das decisões tomadas em
grupo.
Por exemplo, é comum que as decisões coletivas acabem
refletindo a opinião de poucos, em especial dos que conseguem
falar primeiro. Já reparou que a primeira ideia apresentada para
deliberação do grupo acaba servindo como um referencial para
os comentários seguintes dos outros participantes? As pessoas
começam a pensar a partir daquela ideia inicial — em como
fazer ajustes — e podem acabar deixando suas ideias originais
de lado.
Aí que está o problema. Isso vai acabar acontecendo ainda que
o grupo esteja diante de uma péssima ideia inicial. Isto é, uma
ideia ruim pode começar a parecer boa simplesmente porque está
sendo tomada em grupo — porque as pessoas do grupo estão
dedicando tempo demais para debater sobre ela.
Não precisa ser assim. Há formas de evitarmos que ideias ruins
prosperem em deliberações de grupo. Muitas vezes, basta saber
fazer as perguntas certas. Na tabela a seguir, podemos ver uma
checklist adaptada da lista original de Kahneman, Lovallo &
Sibony104 com 7 questões que devemos nos perguntar para tomar
uma decisão em grupo sem vieses.

112 Muitos
Tabela 2. Checklist de perguntas para detectar enviesamentos na
avaliação de riscos (adaptado)

As 7 perguntas

1. Influência das emoções As pessoas estão “apaixonadas” pelas suas opiniões? Ao


avaliar algo de que gostamos, tendemos a minimizar seus
riscos e exagerar seus benefícios. Ao avaliar algo de que não
gostamos, fazemos o oposto. A dica é: se as pessoas estão
defendendo suas opiniões de forma passional, o melhor a
fazer é procurar a opinião de um terceiro que tenha uma
perspectiva mais neutra.

2. Pensamento de grupo As opiniões discordantes dentro da equipe foram exploradas


(groupthinking) adequadamente? Podemos perder muitas informações
relevantes pela força da opinião de uma pessoa — em
geral, a com mais poder e que fala primeiro. Por isso, uma
boa ideia é, vez ou outra, dar uma pausa na discussão para
recolher as ideias separadamente105. Dar um espaço para que
as pessoas possam refletir sozinhas sobre a questão em pauta
e que depois possam contribuir para a discussão de forma
anônima. Ajuda também a orientar o líder a se silenciar um
pouco, em especial no início do debate. Que tal passarmos
a autoridade a uma pessoa de fora, alguém que possa agir
como um mediador da discussão?

3. Influência do que está mais As recomendações do grupo têm por base apenas exemplos
fresco na memória recentes e impactantes? Como vimos no exemplo da
empresa B, as pessoas podem dar uma atenção especial a
eventos que tenham acontecido recentemente e que estão
frescos na memória — ainda que sejam pouco relevantes ou
casos isolados. A solução aqui é que todos se esforcem para
também trazer exemplos menos conhecidos e comentados.

4. Viés da confirmação Foram consideradas outras opções? Uma vez que o grupo
identifique o que parece ser uma boa ideia, a tendência é que
as pessoas apenas busquem, interpretem e se lembrem de
informações que dão suporte a essa ideia. Por isso é preciso
estar atento para saber se as pessoas também estão tentando
dar atenção a possíveis evidências que vão de encontro à
ideia que parece a mais promissora.

5. Ancoragem De onde vieram esses números? Lembra que falamos que as


primeiras ideias funcionam como um referencial para o resto
do debate? Se alguém falar, por exemplo, que determinado
risco é de 80%, as outras pessoas vão pensar em algo em
torno de 80%. Quem acha que o risco é baixo, vai talvez
sugerir algo como 60%. Aí que está o problema. Sem essa
“âncora”, essa mesma pessoa teria sugerido algo em torno
de 20%. Por isso precisamos ter cuidado para decidir quem
vai colocar o primeiro número “sobre a mesa” e se o resto
do grupo está apenas ajustando o que pensam.

113 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


6. Apego aos ”custos As pessoas que estão fazendo a recomendação estão muito
afundados” ligadas a decisões passadas? É comum que as pessoas
tenham um certo apego, ainda que não percebam, às suas
opiniões passadas. Afinal, elas dedicaram tempo e energia
para isso. O problema é que essas podem ser ideias ruins,
mas que vão subsistir apenas para que as pessoas não sintam
que “jogaram fora” seus esforços no passado.

7. Otimismo excessivo Estamos sendo muito otimistas? A verdade é que nos


achamos, em média, acima da média. Em geral, achamos
que vamos nos sair melhor do a média como motoristas106 ou
que o nosso casamento tem grandes chances de não acabar
em divórcio107. Essa forma de pensar é perigosa quando
pensamos em análise de risco porque nos faz subestimar as
chances de as coisas darem errado ou o tempo necessário
para implementar as medidas (a falácia do planejamento).
Por isso, uma dica é aplicar a técnica do premortem108: pedir
às pessoas que imaginem que o pior cenário — pior mesmo
— já aconteceu e que pensem os porquês de ter acontecido.
Uma pitada de pessimismo pode fazer bem.

Não identificar os enviesamentos individuais ou de grupo é um


grande risco para a análise de risco. Basta lembrar que a análise
de risco é a base do programa de compliance. Se estiver mal
feito, vamos ter dificuldades de escolher que caminhos seguir.
É com base no diagnóstico que pensamos em soluções, que deci-
dimos que medidas queremos que “peguem” na organização.

114 Muitos
4.3 Como fazer o programa
de integridade “pegar”?

Ter o diagnóstico dos principais riscos de integridade em mãos é


um passo importante, mas não para por aí. Uma vez que identi-
ficamos os problemas, podemos começar a pensar nas soluções.
É a hora de os profissionais de compliance abrirem sua caixa
de ferramentas para escolher que medidas implementar — e em
qual dose — para resolver a situação.
As opções são muitas, assim como os riscos de se fazer a escolha
da ferramenta errada. Para cada possibilidade de atuação,
uma aposta. Por isso buscamos fazer de tudo ao nosso alcance
para aumentar as chances de as coisas saírem da forma como
imaginamos. O que nos resta é confiar nas recomendações dos
manuais e nas nossas intuições e experiências sobre como as
pessoas vão reagir às medidas.
Ainda assim, muitas vezes nossas apostas dão errado e ficamos
surpresos com o impacto negativo das medidas sobre o compor-
tamento das pessoas. Pior, geralmente, quando nos damos conta
dos problemas, já é tarde demais e não dá para voltar.
Por exemplo, a expectativa quando endurecemos as regras e
criamos mais punições funciona é de que os comportamentos
antiéticos diminuam. Mas, ainda que melhore no início, é possí-
vel que depois de um tempo a situação volte a ficar como estava
ou até mesmo pior. Ou então achamos que, ao implementar um
sistema de revisão mútua por pares (os “quatro olhos”), vamos
diminuir os desvios e acaba acontecendo o contrário.
Mais uma peça parece estar faltando neste quebra-cabeça.
Isso ocorre porque nem sempre a opção que consideramos mais
intuitiva, a mais utilizada — as “melhores práticas” — ou mes-
mo as que estão destacadas nos manuais são as que apresentam

115 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


os melhores resultados quando olhamos para as evidências
científicas. Por vezes, os dados obtidos em estudos científicos
são surpreendentes e vão de encontro ao que é intuitivo para a
maioria das pessoas.
Podemos achar que estamos trilhando o melhor caminho,
mas estamos caminhando diretamente para uma armadilha
comportamental — às vezes, para uma armadilha bem
conhecida pelas ciências comportamentais e fácil de evitar.
É como andar sobre um campo minado sem as ferramentas de
detecção apropriadas. Andar com o máximo de cuidado onde
se pisa pode ajudar, mas muito pouco. Afinal, as minas são
invisíveis. Não se trata do tipo de coisa que se pode evitar apenas
sendo mais diligente. Não há muito o que fazer além de saber
exatamente onde as minas estão escondidas.
O mesmo vale para as armadilhas comportamentais: estão por
toda parte, ainda que não possamos percebê-las.
O que podemos fazer?
Primeiro, se há evidências científicas sólidas sobre um assunto,
melhor dar um peso especial para o que elas recomendam na
hora de decidir sobre que medidas implementar, ainda que
essas evidências venham de encontro ao que consideramos
mais intuitivo.
Não custa relembrar, como explicamos no tópico 2.2, que os
estudos científicos são fontes particularmente confiáveis — tem
a ver com a forma como a ciência funciona: há vigilância mútua
constante entre os cientistas e grande parte dos esforços são para
tentar refutar, e não confirmar, as teorias dominantes.
Aqui vale uma ressalva. Nem sempre vamos encontrar um
conjunto de estudos que indique uma solução clara para os
problemas que queremos resolver. Pode ser que o resultado
de vários estudos ainda seja inconclusivo ou em quantidade
insuficiente. Não é por isso que vamos deixar de informar nossas
decisões com dados colhidos com rigor metodológico.
Podemos sempre fazer nossos próprios experimentos para testar
diferentes medidas na organização. Dessa forma, não apenas
conseguimos aumentar as chances de criar medidas efetivas,
como podemos obter dados específicos da organização no
processo, o que é sempre muito útil.

116 Muitos
Segundo, temos de começar a pensar como cientistas comporta-
mentais na hora de decidir a respeito das medidas de integridade:
sabermos que muitas vezes as pessoas não vão reagir às medidas
como se fossem pessoas super racionais ou como se tivessem
atenção ilimitada. Isto é, começarmos a trocar os “ses” por uma
perspectiva mais realista sobre como as pessoas comuns —
emocionais, distraídas e facilmente confusas — vão responder às
medidas no meio do caos que é o dia a dia nas organizações.
Foi o que fizemos em relação ao fomento de uma cultura de
integridade no capítulo 3. É o que faremos agora em relação
aos instrumentos dos programas de compliance para detecção e
punição dos desvios éticos.
Por exemplo, como resolver o problema daquele canal de denún-
cias que custou caro, mas ninguém utiliza? Ou do novo sistema
de controles que parece servir apenas para atiçar a criatividade
das pessoas para criar meios cada vez mais sofisticados de
burlar as regras?
Nos 5 tópicos a seguir, vamos explicar o que podemos fazer
para que diversas medidas relevantes do programa “peguem”
na organização.

Nem sempre precisamos dar marteladas


Sabemos que implementar um sistema de controle pode custar
caro. Entram nesta conta os valores para comprar, implementar e
manter o novo sistema, bem como o tempo que os colaboradores
precisam para aprender a mexer na nova ferramenta.
Porém, há outros custos comportamentais relevantes que cos-
tumam escapar dos nossos cálculos. São custos que costumam
ficar escondidos, mas que deveriam ser levados em conta para
decidir como e se devemos implementar determinado sistema de
controles, como um novo formulário ou um marcador de ponto
eletrônico.
Como vimos no tópico 1.3 ao falar sobre o mito do “quanto mais
controle, melhor”, implementar mecanismos de controle pode ter
efeitos colaterais sobre a motivação intrínseca das pessoas para
agir de forma ética. Se não tomarmos os cuidados necessários,
podemos acabar criando uma solução que vai atrapalhar mais do
que ajudar.

117 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


A verdade é que estamos tão acostumados a pensar questões
organizacionais apenas em termos de incentivos extrínsecos
que acabamos por adaptar os problemas que enfrentamos às
ferramentas que conhecemos — e não o contrário. Nem sempre
é uma questão de continuar ajustando os incentivos. É como a
famosa frase do psicólogo Abraham Maslow, muito conhecida
no meio corporativo: ficamos tentados a achar que tudo são
pregos se nossa única ferramenta é um martelo.
Por um lado, não queremos implementar sistemas de controle
fracos — com baixas chances de detectar desvios e punições
brandas. A presença de controle excessivo faz com que agir de
forma ética deixe de ser sobre o que deve ser feito de forma
incondicional para se tornar uma questão sobre o que é o mais
vantajoso. Isso pode fazer com que os Muitos que agiriam de
forma honesta na ausência de controle comecem a fazer cálculos
— e, em razão dos controles fracos, concluam que cometer
desvios vale à pena.
Por outro lado, também não queremos controles muito fortes
— quase certeza de detecção de desvios e punições duríssimas.
Controles fortes vão funcionar para dissuadir os desvios, sem
dúvidas, mas a que custo? Afinal, combater os atos antiéticos
não é a única coisa importante para as organizações. Não
podemos deixar de pensar nos custos econômicos proibitivos de
implementação e manutenção de um sistema desse tipo, nem nos
prejuízos para a performance e motivação dos colaboradores.
Para complicar, também não queremos a ausência total de
controle — nenhuma chance de detectar desvios e nenhuma
previsão de punições. Sabemos que os Poucos vão tentar se
beneficiar o máximo que conseguirem dessa falta de controle.
O que podemos fazer?
A solução é conseguirmos criar controles fortes o suficiente
para dissuadir os Poucos, mas tomando os cuidados para
diminuir seus efeitos colaterais sobre a motivação e perfor-
mance dos Muitos.
Isto é, as medidas devem ser eficazes em detectar e punir
desvios, para que os Poucos façam as contas e concluam que não
vale desafiar o sistema; mas devem ser desenhadas de uma forma
que não levem os Muitos a fazer essas contas. Não podemos
abandonar os mecanismos de controle por conta dos Poucos,

118 Muitos
mas podemos diminuir seus efeitos colaterais sobre a motivação
dos Muitos.
Para visualizar como podemos fazer isso na prática, temos antes
de entender que há dois tipos de motivação: a intrínseca e a
extrínseca.
A motivação intrínseca109 é aquela que “vem de dentro”. É o que
nos motiva a fazer algumas coisas porque achamos interessante
ou importante. Por exemplo, cuidar dos nossos filhos, aprender
a tocar violão ou sermos pessoas honestas. São atividades que
nos motivam ainda que não nos tragam vantagens econômicas
ou reputacionais — o tipo de coisa que continuamos fazendo
mesmo quando não tem ninguém olhando.
Por outro lado, existem atividades que as pessoas não acham
interessantes ou importantes por si só. Precisam de incentivos
que “vêm de fora”, como recompensas e punições — de mais
motivação extrínseca. É o caso das comissões para motivar
vendedores ou dos valores pagos por hora extra para motivar as
pessoas a ficarem além do horário.
Se sabemos que a grande maioria das pessoas — os Muitos —
são intrinsecamente motivadas para agir de forma ética110, por
que não somar a isso os incentivos extrínsecos? Assim, podem
ficar duplamente motivadas. Vão agir honestamente porque
acham importante e porque vão ser recompensadas — ou deixar
de ser punidas — por isso. Une-se o útil ao agradável.
Essa é uma combinação que faz sentido de um ponto de vista
lógico. É, inclusive, o raciocínio comum nas organizações.
Porém, é uma opção arriscada do ponto de vista comportamen-
tal. É um bom exemplo de uma armadilha comportamental que
pode ser evitada.
Achamos que quanto mais motivações, melhor. Isso é verdade,
porém, apenas quando pensamos em dar mais incentivos
extrínsecos para atividades para as quais as pessoas possuem
pouca ou nenhuma motivação intrínseca. Por exemplo, aumentar
o valor pago por horas extras de trabalho em atividades que os
colaboradores não estão intrinsecamente motivados, mas não
para motivar as pessoas a agir de forma ética.
Os incentivos extrínsecos não “combinam” muito bem com a
motivação intrínseca das pessoas. Lembra que falamos do efeito
de crowd out da motivação intrínseca no tópico 1.3? É como se

119 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


os incentivos extrínsecos estivessem corrompendo a atividade,
tirando dela a pureza necessária para ser uma atividade interes-
sante ou importante.
Quer ver só? Imagine que seu hobby é andar com seus filhos
de bicicleta no parque no fim da tarde. De repente, por alguma
razão que podemos deixar para os livros de ficção, você recebe
uma ordem judicial que a/o obriga a andar de bicicleta com seu
filho pelo menos 100 minutos por semana pelos próximos 6 me-
ses, sob pena de uma multa pesada no caso de descumprimento.
Qual será o efeito desse mandado judicial fictício sobre sua
motivação para passear de bicicleta depois de algumas poucas
semanas? Será que os passeios continuarão depois que o manda-
do perder o efeito?
Provável que não. Andar de bicicleta provavelmente deixará de
ser uma atividade que você faz porque é interessante — porque
está motivado intrinsecamente — para se tornar uma obrigação.
Depois de algumas semanas, é provável que já comece a tentar
descobrir o tamanho da multa ou formas de burlar o sistema.
Findo o mandado — e dos incentivos extrínsecos — provável
que as bicicletas sejam largadas de lado por uns bons anos.
Outro exemplo: pense no caso de uma empresa de ônibus que
decide implementar um sistema de pontos para que os motoristas
respeitem os idosos. Funciona assim: cada feedback positivo
dado por um idoso conta pontos. Os três motoristas que tiverem
mais pontos no fim do mês ganham um prêmio em dinheiro.
Qual será o efeito dessa política sobre a motivação dos motoris-
tas depois de alguns meses? Pode até ser que todos os motoristas
fiquem muito motivados para conseguir o prêmio nos primeiros
meses, mas o que acontece depois disso?
Provável que o tratamento dos motoristas com os idosos piore,
mesmo o dos motoristas que costumavam tratar bem os idosos.
Isso porque tratar os idosos começa a deixar de ser uma coisa
que se fazia porque era o correto a ser feito para se tornar uma
questão de pontos e mais dinheiro no fim do mês.
Começa a não valer mais à pena tratar bem um idoso se não
for para conseguir os pontos necessários para chegar ao pódio.
Começa a fazer sentido pensar em “esquemas” para conseguir o
máximo de feedbacks possível, ainda que sejam falsos.

120 Muitos
A mesma ideia se aplica quando criamos incentivos para fazer
com que as pessoas ajam de forma honesta. Até podemos
conseguir obrigar as pessoas a agir de forma honesta com
recompensas, ameaças e controle por algum tempo — pouco
tempo. Porém, pagando um preço bem alto: deixamos um
comportamento que elas fariam por conta própria dependente da
manutenção e revisão constante desses incentivos.
Não costuma ser viável para as organizações por ser muito
custoso, tampouco viável para os colaboradores, que passam
a viver em um ambiente de desconfiança e em que se sentem
controlados.
O que podemos fazer? Se queremos mudar comportamentos
de forma eficaz e sustentável, sem gastar tanto ou atrapalhar
muito a vida das pessoas, o primeiro passo é sabermos que
chaves mudar.
No lugar de pensarmos em como regular mais eficazmente “de
fora” com incentivos, podemos pensar em autorregulação. Isto
é, de que forma podemos ajudar as pessoas a criarem estratégias
efetivas para superar os obstáculos comportamentais que as
atrapalham a agir de forma mais honesta no dia a dia. No lugar
de motivar por controle e incentivos, podemos dar suporte para a
motivação intrínseca que os Muitos já têm.
Dessa forma, podemos criar um ciclo virtuoso de motivação,
bem-estar e performance, o que pode ser observado em estudos
em diversas áreas, como compliance de regras de segurança
no trabalho111.
Os psicólogos Edward Deci and Richard Ryan, proponentes
da Teoria da Autodeterminação (Self-determination theory)112,
mostram-nos um caminho promissor. Se queremos que as pes-
soas estejam intrinsecamente motivadas para agir de forma ética,
devemos nos perguntar se os mecanismos de controle que temos
em mente estão nutrindo suas necessidades psicológicas funda-
mentais de autonomia, competência e conexão (relatedness).
Em outras palavras, se os mecanismos de controle forem
percebidos (i) apenas como uma política da organização, (ii)
algo muito difícil ou complicado ou (iii) como algo que ninguém
parece ligar ou levar muito a sério, as pessoas vão perder o
interesse genuíno — e sua motivação intrínseca — para seguir
as regras.

121 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Vamos falar brevemente sobre cada um desses três pontos
a seguir.
Primeiro, a autonomia. É importante que os profissionais de
compliance façam de tudo para que os colaboradores percebam
que a escolha de agir de forma honesta e seguir as regras é
também — e principalmente — uma ideia deles. Que os me-
canismos de controle são o reflexo dos valores compartilhados
de cada um dos colaboradores e não apenas uma imposição do
programa de integridade da organização.
Por isso temos falado tanto que devemos evitar utilizar lingua-
gem autoritária em treinamentos e comunicados internos. Esse
tipo de linguagem só reforça a ideia de que o mecanismo de
controle não foi uma ideia dos colaboradores. Afinal, regras que
precisam ser impostas com base em ameaças não tem nada de
autônomo.
O ideal é fazermos o oposto disso. Em vez de apenas anunciar
as medidas implementadas, podemos ter o cuidado de explicar
as razões e objetivos e dar espaço para que os colaboradores
possam dar suas opiniões. Tudo feito de forma aberta e clara. O
objetivo não é “vender” a ideia aos colaboradores nem defender
um ponto, mas incorporar todos ao processo para que também
possam se perceber como donos da ideia.
Segundo, a competência. Se algo parece muito difícil ou compli-
cado, perdemos interesse. Nossa motivação intrínseca depende
da confiança de que podemos ser bons naquela atividade. Isso
serve para começar um hobby (ex.: jogar tênis de mesa ou pintar)
— e também para agir de forma honesta.
O mais importante é mostrar para as pessoas que elas já têm o
que é necessário para se tornar experts em agir de forma honesta.
A dica aqui é ter o cuidado para não sobrecarregar as pessoas
com muitas informações de uma só vez no começo do processo
e aproveitar as experiências e o conhecimento que as pessoas já
possuem. Ajuda se mostrarmos que elas já conseguiram resistir a
tentações várias vezes e que todos podem dar suas dicas. Enfim,
mostrar que as coisas podem ser mais fáceis do que parecem.
Que tal dar um feedback positivo personalizado de forma
inesperada para algumas pessoas que se destacaram pela hones-
tidade113? Importante que não seja nada que envolva dinheiro
ou que seja condicionado a algum resultado (ex.: uma meta de

122 Muitos
honestidade). Vai fazer com que se sintam competentes, mas sem
tirar sua motivação intrínseca.
Terceiro, a conexão (relatedness). Parte do que nos mantém
intrinsecamente motivados em algumas atividades é poder
interagir e nos conectar com outras pessoas que estão fazendo
o mesmo. Não basta ser autônomo e pouco complicado, tem de
ser uma atividade social. É o que nos faz buscar clubes, grupos
e associações de atividades de que gostamos — das coisas que
fazemos mesmo sem precisar de incentivos extrínsecos.
Ajuda se conseguirmos fazer com que os colaboradores vejam
os profissionais de compliance como partes de um mesmo time.
Algumas dicas podem ajudar.
Primeiro, não podemos nos esquecer de que a integridade é um
desafio coletivo — seja na casa das pessoas, nos governos ou nas
empresas — e que só pode ser vencido com a ajuda de todos.
Profissionais de compliance podem começar a ver os colabora-
dores como aliados, não como potenciais riscos, nesse processo.
É uma forma diferente de ver as coisas. No lugar de falar em
ética como uma responsabilidade exclusiva do departamento de
compliance, podemos promover uma percepção de responsa-
bilidade compartilhada por todos na organização. Profissionais
de compliance podem sempre se comunicar falando em “nós”
ao falar sobre o que as pessoas devem fazer — em vez de “eles
precisam” ou que os “colaboradores devem”, podem começar a
falar que “devemos todos” ou que “nós precisamos”.
Segundo, podemos deixar sempre claro para as pessoas o que a
maioria está fazendo. Lembra que falamos do papel das normas
sociais no tópico 3.5? A ideia aqui é a mesma, porém aplicada
ao desenho e à comunicação dos mecanismos de controle. O
importante é que os colaboradores não tenham dúvidas de que
seus colegas também estão levando a sério — e aprovando — os
mecanismos de controle.
Por fim, se queremos que as pessoas se sintam conectadas,
precisamos pensar em como criar um clima de confiança. Essa
não é uma tarefa fácil. Confiança é o tipo de coisa difícil de
construir e muito fácil de destruir. Pode demorar um tempo até
que as pessoas se sintam seguras para tirar dúvidas ou contar que
cometeram alguns erros.

123 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Desvios éticos vão acontecer vez ou outra. O que podemos
controlar é se queremos que os colaboradores contem ou que
prefiram esconder. Se queremos que contem, perguntem e tirem
dúvidas, precisamos pensar em formas para evitar que adotem
um comportamento defensivo e de autopreservação.
O ideal é que as pessoas sintam que podem perguntar qualquer
coisa, mesmo que seja uma “coisa boba”, como fazem com seus
amigos. A dica aqui pode parecer contraintuitiva, mas funciona:
a melhor forma de baixarmos as defesas dos outros é começar-
mos baixando nossas defesas primeiro114.
Para os profissionais de compliance, isso significa mostrar sua
falibilidade. Mostrar que são pessoas como todos que cometem
deslizes de vez quando115. Tendemos a gostar e confiar mais em
quem também é capaz de reconhecer suas fraquezas e admitir
que errou116.
Uma boa estratégia que os profissionais de compliance podem
utilizar para desarmar os destinatários dos mecanismos de
controle é pedir feedback. Melhor ainda se perguntar para que
o colaborador fale de pontos positivos e negativos em vez de
perguntar apenas sobre pontos negativos, sobre o que pode ser
melhorado. Ao pedir que falem dos pontos positivos, as pessoas
vão se sentir “licenciadas”117 para poder fazer as críticas que têm
em mente.
Na mesma linha, também funciona mostrar a falibilidade dos
sistemas de controle. Não tem problema expor alguns pontos
negativos, dúvidas ou riscos, desde que não sejam muito graves.
A ideia é utilizarmos os chamados argumentos de dois lados118
(two-sided messages) para criar uma relação de confiança.
Ao falar sobre os mecanismos de controle, podemos intercalar
pontos positivos e negativos, desde que esses pontos positivos
sejam fortes e possam refutar diretamente cada um dos pontos
fracos. Por exemplo, ao anunciar um novo software, os profis-
sionais de compliance podem comentar que sabem que não é o
programa mais fácil de se mexer e que as pessoas terão de ter
paciência, mas que estarão pessoalmente dedicados e disponíveis
a dar toda a assistência necessária.

124 Muitos
Dois olhos às vezes veem melhor do que quatro
O diagnóstico da avaliação de riscos não deixa dúvidas: é
questão de tempo até termos problemas ligados aos processos
licitatórios com o governo.
A interação entre colaboradores e funcionários públicos é
necessária, mas perigosa. Faz parte tirar dúvidas, confirmar
informações, saber se é preciso complementar alguma coisa e
buscar alternativas. Porém, daí para a conversa mudar de tom
falta muito pouco.
Basta que um colaborador disposto a fazer de tudo para garantir
um contrato encontre do outro lado do balcão um funcionário
público disposto a cooperar em troca de alguma vantagem. Um
risco enorme para todos: para o colaborador, para o funcionário
público e para a empresa contratada.
Difícil pensar no que podemos fazer para evitar que isso ocorra.
A primeira ideia que nos vem à cabeça é incluir mais pessoas
nessas interações. Ter uma segunda pessoa para supervisionar é
uma forma de constranger e limitar as possibilidades de quem
pretende fazer algo errado. As pessoas vão se sentir “vigiadas”
e pensar duas vezes antes de fazer algo errado. No mínimo, vão
ter um trabalho muito maior para conseguir levar adiante seus
planos, o que já ajuda.
Melhor ainda se a mesma ideia for implementada do outro lado
do balcão. Provável que os riscos sejam menores se as interações
forem realizadas por duplas — melhor ainda se fossem trios, e
assim por diante. Afinal, corromper duas pessoas vai ser sempre
mais arriscado e custoso do que corromper apenas uma119.
Não por acaso costumamos pensar em adicionar supervisores
para as operações sensíveis do ponto de vista ético, sejam inte-
rações com funcionários públicos ou operações que envolvam
valores elevados. Algumas atividades mais arriscadas devem ser
realizadas por, pelo menos, duas pessoas. Só para garantir.
Esse é o chamado princípio dos “quatro olhos”, sempre muito
lembrado na hora de estruturar um programa de compliance.
O princípio dos “quatro olhos” é muito intuitivo. É aí que
mora o perigo. Quando olhamos para o que mostram as evi-
dências científicas, vamos perceber que incluir mais “olhos”
nas interações pode gerar mais problemas que soluções.

125 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Por exemplo, em um estudo120, participantes em duplas aceita-
ram em média mais ofertas de suborno do que participantes que
tomaram a decisão individualmente — ambos os integrantes
precisavam consentir. Outro estudo121 mostrou o mesmo efeito
com decisões realizadas em trios — neste caso, “seis olhos”. Os
trios foram, em média, mais desonestos que os indivíduos.
Por que isso ocorre?
A primeira razão não é nova para o leitor deste livro: alguns
tipos de supervisão podem promover um clima de desconfiança
(distrust) e diminuir a motivação intrínseca dos colaboradores.
Acaba ficando implícito que as pessoas vão ser desonestas se
não forem supervisionadas122, que agir honestamente precisa ser
imposto “de fora”.
Além disso, a adição de um “par de olhos” pode ajudar a
diminuir a responsabilidade individual de cada colaborador e
fornecer novos meios de racionalização para que as pessoas
possam justificar seus atos antiéticos. A culpa fica menor quando
compartilhada com outros123. O erro passa a ser mais dos outros
do que o nosso.
A verdade é que decisões em grupo permitem que as pessoas
criem boas justificativas para si mesmas — e também para os
outros — que não teriam como pensar caso tivessem tomado a
decisão sozinhos.
Lembra da nossa tabela no tópico 1.2 sobre os mecanismos de
racionalização? Podíamos dedicar um espaço enorme só para
exemplos específicos das decisões em grupos. Para citar alguns:
“tentei fazer minha parte, mas fui impedido”, “era papel dele
me impedir”, “fui voto vencido” ou “tive medo do que os outros
poderiam fazer se eu não cooperasse”.
Por fim, não podemos esquecer que nossa ideia de que as pes-
soas vão conseguir se fiscalizar imparcialmente pode ter prazo
para parar de funcionar — não costuma ser muito tempo.
Ao pedir para que as pessoas se aproximem para realizar uma
atividade, estamos criando uma terreno fértil para que elas
desenvolvam laços de confiança, simpatia, lealdade e recipro-
cidade mútua124. Trocas de favores e algumas “vistas grossas”
para pequenos desvios vão acabar acontecendo com o passar do
tempo. O que pode fazer com que os supervisores se tornem com

126 Muitos
o passar do tempo, ainda que sem perceber, mais lenientes (to
turn a blind eye) e cúmplices com desvios éticos125.
Isso significa que devemos parar de incluir mais pessoas em
decisões importantes para evitar desvios éticos?
Não, de forma alguma. O problema não é o trabalho em grupo
em si, mas alguns riscos comportamentais que vêm “junto com o
pacote”. O lado bom é que esses riscos podem ser minimizados
se tomarmos alguns cuidados.
Primeiro, não podemos medir esforços para ressaltar a responsa-
bilidade individual de cada membro do grupo. Uma boa estraté-
gia é atribuir responsabilidades específicas para cada um dentro
do processo de tomada de decisão. Podemos também dar alguns
“empurrõezinhos”, os nudges, como lembretes e compromissos
para relembrar as pessoas da sua responsabilidade individual.
Falaremos sobre esses “empurrõezinhos” ao fim do tópico 4.3.
Segundo, sempre que possível, podemos promover o rodízio dos
supervisores. De preferência, feito por sorteio e de forma anôni-
ma para que os colaboradores não tenham como saber com quem
trabalharão em seguida. Dessa forma, não damos tempo para
que supervisores e supervisionados possam desenvolver relações
de lealdade e reciprocidade mútua e conseguimos minimizar os
efeitos colaterais dessa aproximação.

Duvidar dos riscos pode ser uma aposta arriscada


Tudo começou quase que por acidente. Ao observar os números
da empresa, um profissional de compliance notou uma situação
curiosa: as análises de sinistro de carros em que a entrega de
documentos era feita em mãos corriam até cinco vezes mais
rápido do que quando os documentos eram entregues por malote.
Tinha algo estranho acontecendo.
Após duas semanas de investigações, o relatório da equipe de
compliance não deixa dúvidas. Entre gravações, imagens e de-
poimentos, estava claro que tinha se tornado uma prática comum
entre os analistas de seguros aceitar propinas de corretores entre
apertos de mãos para acelerar processos. É hora do compliance
entrar em ação! Mas como?
Vamos ao que diz o relatório: os analistas não têm nada a perder
sendo desonestos — e parecem saber disso. O risco de serem
pegos é mínimo: apenas 1% das análises são auditadas. Dá para

127 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


contar nos dedos o número de analistas punidos por essa prática
ao longo de anos. Tudo indica que as pessoas precisam de mais
motivos para “andar na linha”.
Algumas mudanças precisam ser implementadas, custe o preço
que custar. A meta é aumentar o volume de análises auditadas de
1% para 7%. O gasto será enorme, mas será para uma boa causa.
Feitos os ajustes, agora é só esperar para ver as mudanças nos
meses seguintes.
Seis meses — centenas de auditorias realizadas e dezenas de
colaboradores punidos — depois, nenhuma evidência de que as
propinas diminuíram. Parece que as pessoas ainda acham vanta-
joso assumir o risco. Talvez seja preciso aumentar o número de
auditorias para 10%?
O manual foi seguido: a certeza das punições está sete vezes
maior do que antes, o que deveria ser mais que suficiente para
dissuadir o recebimento de propinas. Porém, o comportamento
das pessoas não parece ter respondido às mudanças da forma
esperada. O que será que deu errado?
A investigação continuou. Parece que as pessoas não entenderam
bem as mudanças nos riscos. Alguns colaboradores demitidos até
comentaram que achavam que a detecção parecia ter diminuído
nos últimos meses. Estranho. Não pode ter sido um problema de
comunicação, já que as mudanças foram divulgadas várias vezes
em treinamentos e em comunicados internos.
Parece que os riscos reais de detecção aumentaram, mas não
o risco percebido pelas pessoas. Não adianta um sem o outro.
O que os profissionais de compliance podiam ter feito diferente?
Faltou alterar também a percepção das pessoas sobre o aumento
dos riscos. O que não costuma ser uma tarefa fácil. Como
temos visto ao longo da publicação, nossas percepções podem
ser enviesadas e nossa atenção é limitada. Não conseguimos
processar muita informação e podemos ser facilmente distraídos
por informações pouco relevantes na hora de tomar decisões.
É menos sobre as estatísticas da organização e mais sobre o que
as pessoas veem e ouvem de pessoas próximas, do que ganha
destaque nas conversas de corredor. Tem mais a ver com o que
percebem que os outros estão fazendo e dos exemplos de casos
recentes e impactantes.

128 Muitos
Pode ser que um colaborador já tenha recebido propinas várias
vezes nos últimos meses sem ter sido pego. Sua percepção vai
ser provavelmente que o risco percebido é de praticamente
zero126, ainda que o risco real tenha aumentado consideravel-
mente. Ou que tenha ouvido a história de um colega que teve
de fazer uma viagem a trabalho, mas que na verdade foi punido
por ser pego recebendo propina e o processo corria em sigilo. As
possibilidades são muitas.
Pior, mesmo que ele tenha sido pego uma vez e sofrido uma pu-
nição nesse tempo, isso não garante que atualizará sua percepção
de risco para cima. Mais fácil ocorrer o oposto disso em razão de
um viés cognitivo conhecido como a falácia do apostador.
O nome dado ao viés já diz muito. Imagine que você jogou um
dado de 6 lados duas vezes e nas duas saiu o número 2. Qual a
chance de sair o número 2 uma terceira vez? Parece improvável,
certo? Na verdade, as chances de sair uma terceira vez são
idênticas às da primeira vez, por volta de 16%.
Um conjunto de estudos com criminosos condenados127 indica
que a experiência de ser pego uma vez faz com que concluam
que é menos provável que tenham o “azar” de serem pegos
novamente. É como se tivessem “gastado” toda sua má sorte na
primeira vez — a mesma ideia que nos leva a achar que não é
possível cair o número 2 uma terceira vez. É aqui que erramos
em nossas apostas.
Mas isso tudo se resolve se conseguimos passar para as pessoas
o número real das chances de serem pegos, certo? Essa também
pode ser uma ideia perigosa.
Lembra que dissemos que as chances de auditoria passaram
de 1% para 7%? Em termos de alocação de recursos e dos
riscos reais, esse é um aumento gigante. Porém, em termos da
percepção das pessoas, poderá continuar parecendo um risco
insignificante. Afinal, cada um provavelmente pensará que é
mais cuidadoso e mais esperto que os outros e que não entrará
para as estatísticas negativas128.
Uma aposta muito ruim que muitas pessoas vão fazer.
Para termos uma ideia, alguns estudos de criminologia apontam
que percepção de risco tem que ser de pelo menos 30% para
dissuadir as pessoas129. Isto é, quando as pessoas acham que
poderão ser pegas na segunda ou terceira tentativa, começam

129 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


a acreditar que não vale à pena “pagar para ver”. Não custa
relembrar: tudo isso independentemente do risco real.
Meses depois, teremos provavelmente dezenas de colaboradores
surpresos por terem sido pegos e arrependidos por terem subesti-
mado os riscos. O que fazer, então?
Temos evidências130 de que para as situações em que os riscos
continuam parecendo baixos — o que costuma ser o caso — o
melhor a se fazer é não mostrar os números do aumento
para as pessoas. Podemos, por exemplo, deixar certo para
as pessoas que houve um aumento significativo, mas incerto
sobre o tamanho desse aumento.
Temos grandes dificuldades para lidar com a incerteza e para
assumir riscos quando “não sabemos onde estamos pisando”.
Preferimos assumir riscos conhecidos, ainda que sejam altos, do
que riscos desconhecidos — a nossa aversão à ambiguidade131. O
que também pode nos salvar de apostas ruins de vez em quando.
No fim das contas, quando os riscos são altos, mas podem pare-
cer baixos, o melhor a fazer é deixar as pessoas com dúvidas.

Fazendo justiça ao delator


Um canal de denúncias que quase ninguém utiliza é motivo
de preocupação para os profissionais de compliance, não um
alívio. Com razão. É mais fácil acreditarmos que existem
obstáculos para que as pessoas não estejam denunciando desvios
éticos do que acreditarmos que as pessoas não tenham nada
para denunciar.
Um dos pontos mais difíceis da implementação de um programa
de compliance é fazer o sistema de denúncias “pegar”. Fazer
com que as pessoas falem.
Marcar toda a checklist dos manuais de compliance parece
não ser o suficiente: os canais existem, são adequados para a
realidade da organização, foram amplamente divulgados e de
fácil acesso. Basta clicar, nem precisa se identificar. Até normas
proibindo expressamente retaliações a organização tem.
Por que não são utilizados?
Parece que há algo segurando as pessoas, como uma barreira
invisível — um dilema que pode pôr tudo a perder132.

130 Muitos
Vamos nos colocar no lugar de um denunciante por um instante.
O colega de trabalho está envolvido em um esquema de corrup-
ção. O mais justo seria denunciar, fazer a verdade prevalecer.
Mas que tipo de pessoa entrega o colega? Possivelmente alguém
em quem não podemos confiar, um traidor.
Eis o dilema enfrentado pelo denunciante: ser justo (fair) ou
leal? O que é mais importante?
Essa é uma escolha muito difícil. Primeiro, porque não parece
existir uma resposta objetivamente melhor. Os dois valores são
importantes e podem ser percebidos como corretos do ponto de
vista moral.
O denunciante pode entender que agiu de forma correta nas
situações em que foi imparcial e “promoveu a justiça”, fazendo
a denúncia. E também pode sentir que age de forma correta
quando opta por ser leal com os seus colegas ou mesmo quando
procura proteger a reputação da instituição que representa, não
denunciando.
Apesar de os dois caminhos poderem ser percebidos como
corretos pelo denunciante, é inegável que para a organização
o melhor é que a denúncia ocorra. Afinal, desvios éticos são
difíceis de descobrir e costumam escapar pelas brechas dos
sistemas de controle. O protagonismo no descobrimento de
irregularidades tem de ser das denúncias, não dos mecanismos
de controle. Basta ver como os grandes casos de corrupção
costumam ser descobertos.
A verdade é que essa não precisa ser uma decisão tão difícil para
o denunciante. Podemos aliviar o peso dessa decisão e ajudar as
pessoas a sentirem-se mais confortáveis para denunciar.
Se sabemos que as pessoas vão enfrentar esse dilema sempre
que souberem de algum desvio feito por um colega, temos de
pensar em como ajudar as pessoas a pensarem mais pelo lado
da justiça quando estiverem pensando sobre fazer denúncias.
Para isso, podemos ir além das estratégias para ressaltar a
importância da justiça em treinamentos e comunicados internos
e pensar em mudanças no enquadramento do canal de denúncias.
O estímulo certo tem de estar lá, na hora certa, quando as
pessoas estiverem olhando para a tela do computador e pensando
se devem ou não denunciar alguém da sua equipe.

131 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Por exemplo, os participantes deste estudo133 responderam a
algumas questões antes de decidirem denunciar irregularidades
de outros participantes: “Por favor, escreva algumas frases sobre
porque é mais importante ser justo (fair) do que leal”. Direto ao
ponto. E funcionou para aumentar o número de denúncias.
Funcionou porque deixou os participantes em um estado mental
temporário em que estavam pensando na importância do valor
da justiça — e deixando de lado o valor da lealdade. É o que
chamamos de priming (p. 157).
Esse é um bom exemplo para um estudo de laboratório, mas
um mau exemplo para uma medida de compliance. Não é para
pedirmos para as pessoas escreverem redações ao entrar no site
do canal de denúncias. Porém, podemos criar outras formas de
priming mais sutis.
Por exemplo, podemos fazer algumas alterações em imagens e
frases no site do canal de denúncias ou em comunicados internos
para relembrar as pessoas da importância de ser uma pessoa
justa. A ideia não é convencer nem explicar o que é justiça, mas
para ressaltar o valor da justiça no momento-chave da tomada
de decisão.
É o tipo de coisa que precisa ser adaptado à realidade de cada
organização, ao design de cada canal de denúncias, seja online
ou por telefone. A ideia é olharmos para os protocolos do
atendimento por telefone ou as frases que estão no site e mudar-
mos o enquadramento.
O que temos de fazer é evitar palavras relacionadas ao
valor da lealdade e adotar palavras relacionadas ao valor
da justiça. Existe um dicionário online feito por cientistas
comportamentais que pode ser consultado quando quisermos
encontrar as melhores palavras134.
Melhor evitar palavras como “time”, “grupo”, “organização”,
“empresa”, “aliado”, “unidade”, “coletivo”, “comunidade”,
“nós”. Enfim, o que possa servir como priming para que as
pessoas pensem em lealdade na hora que estiverem decidindo
sobre se vão denunciar.
Em vez disso, podemos incluir argumentos que falem das
virtudes de: tratar todos com igualdade, “fazer o que é certo”,
ser uma pessoa razoável, honesta ou imparcial. Ou relembrar
às pessoas que o canal de denúncia serve para lutarmos contra

132 Muitos
injustiças, favoritismos, discriminação e segregação. Enfim, o
que sirva para que as pessoas possam relembrar da importância
de ser justo na hora de tomar a decisão.
Uma pequena diferença de enquadramento, mas que pode fazer
uma enorme diferença para fazer o canal de denúncias “pegar”.

O empurrãozinho (nudge) que faltava


Certo dia, você recebe uma ligação de outro país: um convite
para trabalhar no projeto dos seus sonhos. Foi uma entrevista
sem grandes expectativas, mas parece que gostaram de você.
Você tem uma hora para dar uma resposta. Senão, “a fila anda”.
É uma decisão difícil. Por um lado, é uma oportunidade única
para dar uma “guinada” na carreira. Por outro, você vai ficar
longe da família e dos amigos. Vai ter de deixar para depois o
sonho antigo de ter filhos. Vai sair do conforto da sua casa e terá
de se aventurar em uma cultura que não conhece.
E se não me adaptar? E se perceberem que não sou tão
bom assim?
O medo parece estar vencendo. Melhor deixar como está,
ninguém nem vai saber. Na hora de clicar no “enviar” de uma
resposta educada de recusa, você percebe pelo reflexo da tela do
computador a foto da sua mãe. Você lembra dela. Ela te criou
praticamente sozinha, apesar de todas as dificuldades. Uma
pessoa corajosa, destemida, que se manteve forte mesmo nos
momentos difíceis.
Uma respirada profunda e tudo parece estar claro. Seus dedos
parecem se mover sozinhos. A recusa vira aceite. Enviado. A
foto da sua mãe influenciou sua decisão.
E nem era para a foto estar ali. Aquela foto nunca fica ali.
Alguém deve ter mudado de lugar e esquecido de colocar
de volta.
Foi o empurrãozinho que faltava.
Por que isso aconteceu?
A foto fez com que você se lembrasse de seus valores. Fez com
que você conseguisse conectar a coragem de sua mãe ao dilema
que estava vivendo. Ela esperaria que você tomasse a decisão
mais corajosa. Ela teria arriscado.

133 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


E se a foto não estivesse ali naquele momento decisivo? Provável
que a resposta fosse diferente. Poderia se tornar um arrependi-
mento para o resto da vida. Uma pequena mudança no ambiente
da tomada de decisão fez uma enorme diferença.
Basta lembrar: a foto nem era para estar lá! Já pensou se ela
tivesse sido colocada lá de propósito? Alguém poderia ter
decidido colocá-la no seu quarto, em um local estratégico,
sabendo que você tinha essa decisão importante para tomar.
Anos depois, você descobre que foi seu irmão que colocou a foto
ali de propósito.
Essa história facilmente poderia ser uma cena melosa da novela
das 21h. Entretanto, se pararmos para pensar, já vivemos coisas
parecidas. Algumas foram “obra do acaso”, mas outras podem
não ter sido.
Isso é um nudge. São alterações sutis, muitas vezes impercep-
tíveis, no contexto em que as pessoas tomam decisões e que
geram mudanças significativas no comportamento.
Quando é “obra do acaso” preferimos não dar o nome a isso
de nudge para não confundir, deixando o termo para alterações
intencionais. Entretanto, não deixa de ser um nudge, um empur-
rãozinho que o faz decidir numa direção e não em outra. Lembra
que falamos de nudges no tópico 2.2?
Os nudges são intervenções de baixo custo135 que podem ser
aplicadas em diversas áreas, desde ajudar as pessoas a guardar
dinheiro para a aposentadoria136, passando pela diminuição do
consumo doméstico de energia137, até lembrar as pessoas de se
vacinarem contra a gripe138. Também podem servir para ajudar as
pessoas a serem mais íntegras nas organizações.
Um grupo de cientistas comportamentais139 chama atenção para
três princípios comportamentais que podemos utilizar como
referência na hora de criar os nudges éticos (ethical nudges) — o
“REVISE” (REminding, VIsibility & SElf-engagement). Vamos
ver um por um.
Lembretes (REminding)
Sabemos que situações de estresse ou pressão podem aumentar
as chances de agirmos de forma antiética. Isso ocorre porque
quando estamos cansados, pressionados ou distraídos, é menor a
probabilidade de nos lembrarmos de nossos valores éticos140 na
hora de tomar a decisão.

134 Muitos
O empurrãozinho nesse caso pode ser um lembrete ético
colocado no lugar e momento certos. Algo que consigamos
perceber mesmo em meio às distrações do dia a dia.
É melhor evitar lembretes muito genéricos ou ambíguos sempre
que possível. Quanto mais específico e claro for o lembrete,
mais difícil será que as pessoas consigam utilizar mecanismos
de racionalização para justificar seus atos, como comentamos no
tópico 1.2.
Os lembretes podem ter diversas formas e nem sempre precisam
parecer com os lembretes que utilizamos no dia a dia, como uma
uma frase exclamativa e óbvia (ex.: seja uma pessoa honesta!) ou
uma imagem sugestiva.
Pode ser uma pergunta. Por exemplo, os pesquisadores pediram
em um estudo141 para que os participantes fizessem um teste de
memória antes de uma atividade em que teriam oportunidades
de trapacear. Metade dos participantes teve de tentar lembrar do
nome de 10 livros que haviam lido no colégio; outra metade teve
que tentar lembrar dos Dez Mandamentos.
Só houve evidências de desonestidade no primeiro grupo. Tentar
lembrar dos Dez Mandamentos acabou servindo como um
lembrete ético, um “empurrãozinho” mesmo para quem não era
religioso.
É um ótimo exemplo de um lembrete ético para ser utilizado em
um estudo, mas uma ideia pouco prática — até sensível em razão
da proteção da liberdade religiosa dos colaboradores — para
servir como intervenção comportamental em uma organização.
Porém, é útil para nos dar algumas ideias interessantes. Que tal
um pop-up que aparece antes de pessoas começarem a preencher
um relatório com essa pergunta: “Você acha importante ser uma
pessoa honesta?”.
Os lembretes éticos também podem ser mensagens de agrade-
cimento. Em outro estudo142, a inclusão de uma mensagem de
agradecimento pela honestidade foi o suficiente para duplicar o
valor médio pago por jornais colocados em caixas de venda de
rua que não tinham nenhum controle para impedir que as pessoas
pegassem o produto sem pagar — as chamadas honesty boxes. O
mesmo que não aconteceu com mensagens com tom ameaçador.
Veja os exemplos das frases abaixo:

135 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Quadro 3. Condições do estudo sobre lembrete ético e compra
de jornais

Condições Mensagens Valores pagos


(média)

Controle “Este jornal custa €0.60.” €0.163

Legal “Este jornal custa €0.60. Roubar um jornal é ilegal.” €0.154

Ético “Este jornal custa €0.60. Obrigado por ser honesto.” €0.383

Visibilidade (VIsibility)
Têm vezes que as pessoas agem de forma desonesta porque têm
uma percepção — normalmente falsa — de que ninguém está
“de olho” no que estão fazendo. Sabem que o que pretendem
fazer é errado e que os outros também acham errado, mas
subestimam o fato de que seus colegas e supervisores vão
perceber. Nossa ilusão de anonimidade pode ser um perigo.
Vejamos esses dois exemplos. Os participantes de um estudo143
trapacearam mais quando participaram de uma atividade em
uma sala com iluminação fraca em comparação com outro grupo
que fez a mesma atividade em uma sala bem iluminada. No
mesmo sentido, consumidores pagaram quase três mais vezes
pelo cafezinho quando havia a imagem de olhos acima de uma
honesty box do que quando havia uma imagem de flores144.
Uma iluminação mais forte ou imagens de olhos faz as pessoas
perceberem, ainda que de forma inconsciente, que a reputação
deles está em jogo145, que alguém pode estar observando.
Podemos replicar essa ideia criando nudges que aumentem a
percepção de que os outros estão vendo o que você está fazendo.
Pode ser diminuir a altura das divisórias de escritório, aproximar
as mesas ou trocar paredes maciças por paredes de vidro. Pode
ser criar formas de feedback regulares entre os integrantes de
uma mesma equipe. Enfim, o que possa servir em cada contexto
para lembrar as pessoas que seus colegas estão “de olho”.

136 Muitos
Autoengajamento (SElf-engagement)
Há contextos em que as pessoas agem de forma desonesta
porque não conseguem fazer a ligação entre o ato que estão
realizando e seus valores éticos.
É o que falamos no tópico 1.2, quando explicamos a diferença
entre o nosso Eu que deveríamos ser — prudente e previdente —
e o Eu que quer —impulsivo e imediatista.
Que empurrãozinho podemos dar para fazer com que o
primeiro Eu continue nas rédeas no momento em que surgem as
tentações?
Uma estratégia é permitir que o nosso Eu prudente possa tomar
decisões agora que vão vincular as ações do Eu impulsivo no
futuro. Dá pra fazer isso com a construção de compromissos
baseados nas ciências comportamentais. Isto é, compromissos
que sirvam para fazer com que as pessoas queiram ser — e
parecer — consistentes com o que tenham dito anteriormente.
Um tipo de compromisso bem diferente do que estamos
acostumados: daquelas dezenas de páginas sobre pontos
genéricos de compliance com um espaço para assinatura ao
final — do tipo que a pessoa assina sem achar que precisa ler.
Para ser eficaz em alterar comportamentos, os compromissos
têm de ter uma “cara” um pouco diferente.
Primeiro, precisam ser específicos146. É a mesma ideia do que
falamos no tópico sobre os lembretes. Se utilizarmos linguagem
abstrata ou ambígua, as pessoas vão acabar achando formas de
racionalizar para não enquadrar suas ações como um desvio
ético.
Assim, melhor que pensarmos em compromissos genéricos
como “ser honesto” ou “agir de forma idônea”, é dar nome
aos “bois”. Por exemplo: “Eu me comprometo a não oferecer
qualquer tipo de presente ou vantagem a agente público respon-
sável por tomar decisões que possam beneficiar a empresa”.
Segundo, têm de ser feitos a partir de uma escolha ativa147 das
pessoas. Algo que decidiram fazer por conta própria porque
estão convencidos, não por se sentirem pressionados por qual-
quer razão. Para dar certo, o compromisso tem de ser como uma
“herança” que o nosso Eu que deveríamos ser escolheu deixar,
de forma livre e consciente, para o nosso Eu que quer.

137 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Terceiro, têm de ser públicos, algo que “deixe um rastro”148.
Pode ser um termo escrito, um vídeo, um áudio. Melhor ainda
se for visível para todos. Pode ser um cartaz no corredor, posts
em uma página interna da organização ou algo que fique em
uma pasta a que todos têm acesso. O importante é que esteja
lá. Quanto maior a exposição, maior o custo para quebrar o
compromisso.
Por fim, não é para ser muito longo e complexo. Quanto mais
simples e direto, maior a probabilidade do compromisso ser
lembrado. Serve tanto um compromisso prévio (ex.: “Eu
me comprometo a não “combinar o jogo” com empresas
concorrentes para vencer licitações”) como um compromisso
condicionado149 (“Se alguém me convidar a participar de alguma
combinação para burlar o resultado de uma licitação, eu vou
recusar”).
Por exemplo, podemos entregar aos colaboradores um cartão
de compromisso150 (pledge card) — uma espécie de “contrato
comportamental” — para que a pessoa possa afirmar seu com-
promisso com determinada ação de integridade e depois deixar
em algum lugar visível.
Figura 4. Exemplo hipotético de um cartão de compromisso

CARTÃO DE COMPROMISSO

Eu me comprometo a não
oferecer qualquer tipo de
presente ou vantagem a
agente público responsável
por tomar decisões que
possam beneficiar a empresa.
Foto

Assinatura

138 Muitos
Essas intervenções podem ser o empurrãozinho que faltava
para que as pessoas se comportem de forma ética — para fazer
o programa de integridade “pegar”. Podem gerar mudanças
significativas no comportamento das pessoas por uma fração do
custo e tempo necessários de outras opções tradicionais — como
os mecanismos de controle e as campanhas de conscientização.
Porém, fazer o programa “pegar” não é o fim. Lembra do que
aconteceu com os planos do Abaroa que vimos no tópico 4.1?
De nada adianta ter todo esse trabalho para mapear os riscos e
fazer o programa “pegar” se não ficarmos atentos para fazer os
ajustes quando necessário para que continue funcionando com o
passar do tempo.

139 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


4.4 Monitoramento
contínuo

Seria bom se pudéssemos tirar uma foto do programa de


compliance bonito, arrumadinho e entender a nossa tarefa como
cumprida. Porém, as coisas estão mudando — e rápido. Desde
a Lei Anticorrupção, muita coisa mudou. O primeiro desafio era
difundir os programas nas empresas e governos. Isso já avançou
muito. O próximo passo é fazer com que esses programas sejam
efetivos para diminuir a corrupção.
Por isso há cada vez menos espaço para presumir a efetividade
das medidas implementadas. A nova realidade exige dar um
passo além — mensurar continuamente a efetividade das medi-
das implementadas e conseguir comprovar tudo isso depois.
Não basta implementar os tópicos elencados nos normativos e
entender que o programa automaticamente funciona. O parágrafo
único do artigo 41 do decreto 8.420/2015 - que regula a Lei
Anticorrupção - deixa claro que a efetividade deve ser observada
ao longo do tempo e não em um único momento:
“O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado
e atualizado de acordo com as características e riscos atuais
das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve
garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido
programa, visando a garantir sua efetividade”.
O “Manual prático de avaliação de programas de integridade
em PAR” da CGU151 — órgão federal regulador e avaliador dos
programas de compliance no Brasil — também destaca a im-
portância da busca contínua pela efetividade. De acordo com o
Manual, o avaliador deve verificar se “o ambiente organizacional
da PJ tem condições de fomentar e manter uma cultura de inte-
gridade” e se “possui e aplica em sua rotina instrumentos que

140 Muitos
possibilitam a prevenção, detecção e remediação de atos lesivos
previstos” (2018, p. 26). A ideia, portanto, não é apenas checar
se os procedimentos estão lá, mas se, de fato, têm sido efetivos.
A tendência é clara: cada vez mais as organizações vão precisar
demonstrar a efetividade dos programas como requisito para
participar de licitações ou firmar contratos com órgãos públicos.
O Distrito Federal152, o Rio de Janeiro153 e o Mato Grosso154 já
têm legislações nesse sentido.
Para isso precisamos testar. Testar o máximo que conseguirmos
e sempre tentar utilizar desenhos experimentais confiáveis.
Lembra que comentamos dos RCTs no tópico 2.3? O objetivo
é conseguirmos mostrar que houve mudanças reais de compor-
tamentos e que fizemos os ajustes necessários para manter os
resultados positivos ao longo do tempo.
Afinal, não é porque uma medida funcionou bem por um tempo
que vai continuar funcionando da mesma forma para sempre. Os
contextos mudam, dentro e fora das organizações, e variáveis
importantes para o bom funcionamento de certas medidas podem
deixar de existir.
Por exemplo, um sistema de controles que funcionava bem para
as pessoas trabalhando em escritórios próximos umas das outras
pode não funcionar para pessoas trabalhando em home office.
Ou pode ser que a própria medida precise de uma “reciclagem”
porque as pessoas já se adaptaram a ela, como o caso de um
lembrete que ninguém mais presta atenção.
O ponto é: não adianta acertar uma vez e parar por aí. É preciso
acompanhar regularmente se os resultados positivos persistem
no tempo.
Lembra que falamos das 6 fases para o desenvolvimento,
implementação e avaliação de novas medidas no final do tópico
2.3? São elas: (i) a definição do desafio, (ii) o diagnóstico dos
“gargalos comportamentais”, (iii) o mapeamento dos fatores
cognitivos, comportamentais e contextuais, (iv) o desenho das
iniciativas e intervenções, (v) os testes e (vi) a mensuração dos
resultados. Essas são as fases importantes para que possamos
implementar medidas efetivas de compliance e comprovar sua
efetividade.

141 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Porém, faltou falar sobre os cuidados que temos de ter para
manter as mudanças positivas. É preciso adicionar mais uma
etapa: (vii) o monitoramento contínuo e adaptação.
A fase do monitoramento é mais simples. Não é preciso pensar
em grupos de controle, aleatorizações, ou em escolher entre
diferentes alternativas de desenhos de estudos e tipos de inter-
venções. Também não precisa mais pensar nos critérios objetivos
para fazer a avaliação de impacto — isso já foi feito nas etapas
anteriores.
Monitoramento contínuo significa comparar os resultados atuais
com os anteriores com base nos critérios objetivos utilizados no
teste inicial. Se os resultados se mantiveram ao longo do tempo,
ótimo. Não temos de mudar nada. Por outro lado, se a medida
está deixando de ter os efeitos esperados com o passar dos anos,
precisamos voltar a fazer novas rodadas de testes para descobrir
a solução do problema. Em alguns casos, algumas pequenas
adaptações serão suficientes; em outros, pode ser necessário
trocar a medida que parou de funcionar por outra.
Assim, fechamos o último passo de Abaroa. De 1985 para cá
muita coisa mudou. Temos novas ferramentas à disposição — do
diagnóstico sobre riscos menos enviesado, passando pelas dicas
baseadas nas ciências comportamentais para fazer as medidas
“pegarem”, até o monitoramento contínuo com foco em mudan-
ças de comportamentos. Agora sim podemos ter uma história
com um final diferente.

142 Muitos
143 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance
Notas do Capítulo 4 104. KAHNEMAN, D.; 111. MANGANELLI, L.;
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145 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


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146 Muitos
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Disponível em: https://ssrn.
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151. BRASIL. Ministério


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Controladoria-Geral da
União (CGU). Manual
Prático de Avaliação de
Programa de Integridade
em PAR. Brasília:
Ministério da Transparência
e Controladoria-Geral da
União, Set. 2018. Disponível
em: https://repositorio.cgu.
gov.br/handle/1/46645.

152. Lei estadual (DF) nº


6112 de 02 de fevereiro de
2018

153. Lei estadual (RJ) nº


7753 de 17 de outubro de
2017.

154. Lei estadual (MT) nº


11123 de 09 de maio de
2020.

147 4. A caixa de ferramentas do profissional de compliance


Considerações
finais

148 Muitos
Esta é uma publicação com o foco nos comportamentos.
Falamos o mínimo possível sobre leis e regulamentos e o máxi-
mo possível sobre como promover comportamentos íntegros nas
organizações.
Nosso objetivo foi mostrar como os profissionais de compliance
podem incorporar o conhecimento das últimas décadas de
estudos científicos sobre o comportamento humano para tornar
os programas de compliance anticorrupção mais efetivos.
Como vimos, muitas vezes as evidências científicas nos indicam
caminhos diferentes daqueles que estamos acostumados. O que
pode ser a razão de tantas medidas de compliance não gerarem
os efeitos esperados nas organizações, apesar de estarem de
acordo com a legislação e os manuais.
Nosso objetivo não foi apenas trazer evidências de estudos
científicos, mas também muito da mentalidade científica; propor
uma cultura de experimentação para os programas de complian-
ce anticorrupção.
Importante ressaltar que a nossa ideia não é a de que os profis-
sionais de compliance troquem uma checklist por outra. Não é
para presumir que as ciências comportamentais vão funcionar
como um toque de mágica.
É importante termos profissionais cada vez mais desconfiados
de suas ideias — mesmo aquelas mais intuitivas — a respeito do
que vai funcionar e que confiem mais no que mostram os dados,
sejam aqueles que vêm de estudos científicos ou dos que vêm de
estudos realizados na organização.
Foi uma trilha cheia de novas soluções para problemas antigos.
Propusemos trazer os Muitos para o centro do programa.
Abordamos tópicos tradicionais, como treinamentos e sistemas
de controle, sob uma perspectiva nova e inovadora — com base
no que dizem as ciências comportamentais.
No capítulo 1, falamos de alguns mitos que estão na base dos
programas de compliance. Explicamos que a desonestidade não
é apenas um problema de uns Poucos desonestos. Pelo contrário,
é também — e principalmente — um problema dos Muitos que
se consideram honestos e cometem deslizes de vez em quando.
Às vezes, porque não foram capazes de identificar que estavam
diante de um dilema ético — os pontos cegos éticos. Outras

149 Considerações finais


vezes, porque identificaram o dilema, mas conseguiram criar
formas criativas de justificar seus atos — os mecanismos de
racionalização.
No segundo capítulo, começamos a falar sobre como seria um
programa de integridade criado com base nas ciências com-
portamentais. Propusemos uma “virada comportamental” dos
programas de compliance nas organizações. Que os profissionais
de compliance olhem mais para o que mostram os estudos
científicos e incorporem cada vez mais os testes — e os erros —
na tomada de decisão.
Nos capítulos seguintes, demos corpo a essas ideias gerais.
Mostramos como aplicar as ciências comportamentais para
tornar os vários pilares do programa mais efetivos. No capítulo
3, falamos de cultura organizacional — treinamentos, códigos
e comunicados internos. No capítulo 4, explicamos como as
ciências comportamentais podem ajudar a fazer as medidas do
programa “pegar” na organização.
As ciências comportamentais nos dão uma direção — a mais
confiável que podemos ter — sobre o que vai funcionar para
tornar os programas mais efetivos. No fim das contas, as ciências
comportamentais podem ser o “empurrãozinho” que faltava para
termos programas de integridade mais efetivos nas organizações.

150 Muitos
151 Considerações finais
Glossário

152 Muitos
Para saber mais:
Arquitetura da Decisão
MAURO, C. Indisciplinar a disciplinaridade: o
A arquitetura da decisão é a forma como os que são, afinal, as Ciências Comportamentais?
diversos fatores do contexto decisional que Estado da Arte, Estadão. São Paulo, 30 jul.
podem influenciar a tomada de decisão estão 2020. Disponível em: https://estadodaarte.
dispostos. Por exemplo, a ordem dos pará- estadao.com.br/indisciplinar-disciplina-
grafos de um comunicado interno, a distância ridade-o-concreto-2. Acesso em: 20 set.
entre as cadeiras de um auditório ou o tempo 2020.; MAURO, C. A ignorância é quase
em que as pessoas vão receber algum lembrete sempre protagonista: o que são, afinal, as
importante. Pensar como um arquiteto da Ciências Comportamentais? Estadão. São
decisão é ter a noção de que esses fatores Paulo, 30 ago. 2020. Disponível em: https://
podem ser alterados de forma intencional com estadodaarte.estadao.com.br/ignorancia-cien-
o objetivo de influenciar o comportamento das cias-comportamentais-concreto/ Acesso em
pessoas em uma determinada direção. 20 set. 2020.
Para saber mais: THALER, R. H.;
Crowding out da motivação intrínseca
SUNSTEIN, C. R.; BALZ, J. P. Choice
architecture. In: SHAFIR, E. The behavioral O efeito de crowding out ou “expulsão” da
foundations of public policy, United States, motivação intrínseca ocorre nas situações
Princeton University Press, 2013. p. 428-439. em que fornecemos incentivos extrínsecos
(ex.: dinheiro) para que as pessoas façam
Assimetria entre a perspectiva do ator e uma atividade para a qual elas já estão
observador intrinsecamente motivadas, seja porque acham
a atividade interessante ou relevante. Por
Podemos perceber a ação de alguém por
exemplo, estudar um assunto interessante (ex.:
duas perspectivas diferentes: como um
astronomia), ter um hobby, doar sangue ou
observador ou como o ator da ação. Essa
ser uma pessoa honesta. Em vez de a pessoa
dualidade permite que duas pessoas possam
ficar duplamente motivada, os incentivos
ter percepções significativamente diferentes
extrínsecos podem diminuir a motivação
sobre um mesmo comportamento em razão
intrínseca que as pessoas tinham e tornar o
da sua perspectiva. Tradicionalmente, a
comportamento dependente da manutenção
assimetria é retratada de uma forma simplista
dos incentivos.
de que as pessoas atribuem suas falhas (ex.:
chegar atrasado) a causas externas (ex.: Para saber mais: FREY, B. S.;
trânsito) e a uma falha similar de outra pessoa OBERHOLZER-GEE, F. The cost of
a causas internas (ex.: pessoa irresponsável). price incentives: An empirical analysis of
Hoje sabemos que as explicações para a motivation crowding-out. The American
assimetria são mais complexas do que uma economic review, Pittsburgh, v. 87, n. 4, p.
dicotomia entre situação vs. pessoa e que são, 746-755, 1997.
na verdade, pelo menos três assimetrias que
contribuem para esse fenômeno. Dilema do “exibido” (braggart’s dilemma)
Para saber mais: MALLE, B. F.; KNOBE, J. O dilema do “exibido” surge para as pessoas
M.; NELSON, S. E. Actor-observer asymme- que praticam um ato moralmente louvável
tries in explanations of behavior: New answers (ex.: uma doação para caridade) e estão
to an old question. Journal of personality pensando se devem divulgar seu ato e receber
and social psychology, Washington, v. 93, n. os créditos pela ação. Por um lado, contar é
4, p. , 491-514, 2007. arriscado, pois os outros podem achar que
a pessoa só fez o ato para se autopromover
Ciências comportamentais e não por razões genuinamente altruístas.
Por outro lado, se não contar, não receberá
As ciências comportamentais formam um
os benefícios reputacionais nem terá a
campo multidisciplinar que reúne áreas di-
oportunidade de influenciar para que outras
versas como a Psicologia Social, a Psicologia
pessoas façam o mesmo.
Cognitiva, a Economia Comportamental,
a Ética Comportamental, a Sociologia e a Para saber mais: Berman, J. Z., Levine, E. E.,
Neurociência. Cientistas comportamentais Barasch, A., & Small, D. A. The Braggart’s
produzem — e aplicam — estudos com o dilemma: On the social rewards and penalties
objetivo de descrever que fatores cognitivos e of advertising prosocial behavior. Journal of
contextuais influenciam a tomada de decisão Marketing Research, New York, v. 52, n. 1,
dos agentes “reais” (não idealizados). p. 90-104, 2015.

153 Glossário
Dissonância cognitiva Ética Comportamental (behavioral ethics)
A dissonância cognitiva é o desconforto A Ética Comportamental estuda os
psicológico que sentimos quando agimos de fatores cognitivos e contextuais que levam
forma contrária à crença que temos sobre nós as pessoas a tomarem decisões éticas. Em
mesmos. Por exemplo, quando nos percebe- comum, a Economia Comportamental e a
mos como pessoas honestas, mas pagamos Ética Comportamental estudam vieses que
uma pequena propina para que o guarda de ocorrem quase sempre de forma inconsciente
trânsito nos libere de uma multa. Esse conflito na tomada de decisão. A diferença é que,
interno é resolvido quando recuperamos a enquanto a Economia Comportamental
consonância entre crença e ato, o que pode foca nos vieses que nos atrapalham a tomar
ser feito de diversas formas: podemos mudar decisões mais benéficas para nós mesmos e
nossa ação (ex.: devolver o dinheiro e receber que não atendam a parâmetros de lógica e
a multa) ou racionalizar nosso comportamento racionalidade, a Ética Comportamental mostra
para torná-lo mais aceitável (ex.: “é uma coisa como temos de superar os vieses ligados ao
que todo mundo faz” ou “guardas de trânsito nosso autointeresse (self-serving biases) que
deveriam receber mais mesmo”). nos atrapalham a identificar dilemas éticos e
nos levam a racionalizar nossos desvios.
Para saber mais: FESTINGER, L. A theory
of cognitive dissonance. Stanford: Stanford Para saber mais: BAZERMAN, M. H.; GINO,
University Press, 1957. F. Behavioral ethics: Toward a deeper unders-
tanding of moral judgment and dishonesty.
Economistas neoclássicos Annual Review of Law and Social Science,
United States, v. 8, p. 85-104, 2012.
Os economistas neoclássicos partem de um
conjunto de pressupostos bem definidos
Experimentos
sobre o comportamento humano para
produzir análises e modelos preditivos. Nos experimentos, as unidades de análise
Dentre os pressupostos, podemos destacar: (pessoas, grupos, lojas etc.) são divididas
que os indivíduos buscam sempre maximizar de forma aleatória, de modo que algumas
sua utilidade (rational maximizers); que recebem a intervenção e outras não. O grupo
as pessoas têm acesso às informações que não recebeu a intervenção é chamado de
necessárias e suficientes para a tomada de grupo de controle. Ocorre que nem sempre
decisão (informações completas) e que têm é possível dividir as pessoas em grupos de
preferências estáveis com relações transitivas. forma aleatória por razões éticas, práticas ou
mesmo legais. Nesses casos, podemos fazer
Para saber mais: BECKER, G. S. The
quasi-experimentos (ou quase-experimentos).
economic approach to human behavior.
Estudos quasi-experimentais muitas vezes
Chicago: University of Chicago press, 1976.
utilizam um desenho “pré-pós”, em que
comparamos a diferença entre antes e depois
Efeito bumerangue
da intervenção; ou utilizam um grupo de
Ocorre quando uma medida direcionada para controle que foi selecionado em razão da sua
reduzir um comportamento indesejado acaba semelhança com os grupos que receberão a
por aumentá-lo. O efeito bumerangue pode intervenção.
acontecer por diversas razões. Por exemplo,
Para saber mais: BRYMAN, A. Social
pode ser que uma peça de comunicação acabe
research methods. Oxford: Oxford University
deixando implícito que o comportamento
Press, 2016.
indesejado é comum ou que utilize uma
linguagem autoritária, o que faz com que as
Falácia do planejamento
pessoas sintam como uma limitação da sua
liberdade e resistam ao pedido (reatância Tendemos a subestimar o tempo que vamos
psicológica). demorar para finalizar uma tarefa. Isso ocorre
porque tendemos a não lembrar dos problemas
Para saber mais: SCHULTZ, P. W.; NOLAN,
que aconteceram das outras vezes que
J. M.; CIALDINI, R. B.; GOLDSTEIN, N.
fizemos atividades similares. Esquecemos que
J.; GRISKEVICIUS, V. The constructive,
acontecem coisas como acordarmos um dia
destructive, and reconstructive power of social
mais indisposto, que a internet às vezes cai ou
norms. Psychological Science, Washington, v.
que um parente pode sempre ligar precisando
18, n. 5, p. 429-434, 2007.
de ajuda. É como se tivéssemos toda vez
planejando uma tarefa pela primeira vez e
acreditando que tudo vai dar certo.

154 Muitos
Para saber mais: BUEHLER, R.; GRIFFIN,
Heurística da disponibilidade
D.; PEETZ, J. The planning fallacy:
Cognitive, motivational, and social origins. A heurística da disponibilidade é um
In: Zanna, & J. M. Olson (Eds.), Advances in atalho mental que utilizamos para avaliar a
experimental social psychology. United States: probabilidade ou a frequência de algo com
Academic Press, 2010. v. 43, p. 1-62. base na facilidade com que nos lembramos
desse algo. Funciona assim: consideramos
Falácia dos custos afundados (sunk cost) determinado evento mais frequente na medida
em que conseguimos lembrar mais facilmente
São os custos já realizados e irrecuperáveis.
de instâncias em que esse evento ocorreu. Por
Isto é, os custos que já “afundaram” e que
exemplo, as pessoas vão achar que acidentes
não vão trazer mais benefícios no futuro.
de aviões são eventos relativamente frequentes
Por serem irrecuperáveis, esses custos não
nas semanas seguintes de um acidente de
deveriam impactar nas decisões futuras. Por
avião que recebeu muita atenção midiática.
exemplo, se você está em um relacionamento
ruim, não deveria fazer diferença se ele Para saber mais: TVERSKY, A.;
dura uma semana ou dez anos. O tempo KAHNEMAN, D. Availability: A heuristic for
investido não tem como ser recuperado. É judging frequency and probability. Cognitive
um custo afundado. Porém, do ponto de vista psychology, Amsterdam, v. 5, n. 2, p.
comportamental, temos evidências de que 207-232, 1973.
as pessoas continuam investindo em uma
tarefa que não traz mais benefícios por terem “Homem econômico”
feito um investimento prévio significativo de
O “homem econômico” (homo economicus) é
esforço, tempo ou dinheiro.
o agente idealizado utilizado por economistas
Para saber mais: ARKES, H. R.; BLUMER, C. neoclássicos como referência para análises
The psychology of sunk cost. Organizational e modelos preditivos. O homem econômico
behavior and human decision processes, toma decisões de acordo com os pressupostos
Amsterdam, v. 35, n. 1, p. 124-140, 1985. da Teoria da Escolha Racional. Isto é, é um
indivíduo que vai buscar maximizar de sua
Heurísticas satisfação (utilidade) de forma autointeres-
sada; que toma decisões a partir de reflexão
As heurísticas são atalhos mentais que
e ponderação com o objetivo de encontrar a
utilizamos para formar juízos e tomar
decisão ótima e que tem preferências estáveis
decisões sobre questões complexas de forma
com relações transitivas.
rápida e com um mínimo esforço mental.
Utilizamos as heurísticas normalmente de Para saber mais: PERSKY, J. The ethology
forma inconsciente para substituir uma of homo economicus. Journal of Economic
questão difícil e complexa (ex.: calcular Perspectives, United States, v. 9, n. 2, p.
probabilidades e risco) por uma mais simples 221-231, 1995.
e acessível (ex.:o mais provável é o que está
mais disponível na nossa memória — a nossa Intenções de implementação (implementa-
heurística da disponibilidade). tion intentions)
Para saber mais: KAHNEMAN, D.; Há um conhecido gap entre nossas intenções
FREDERICK, S. (2002). Representativeness e comportamentos. Basta lembrarmos das
revisited: Attribute substitution in intuitive nossas resoluções de ano novo. Uma forma
judgment. In: GILOVICH, T.; GRIFFIN, eficaz de reduzir esse gap é por meio da
D.; KAHNEMAN (Eds). Heuristics and técnica das intenções de implementação.
biases: The psychology of intuitive judgment. A técnica consiste em criar um plano que
Cambridge: Cambridge University Press, nos ajude a identificar e neutralizar os
2002. P. 49- 81. gatilhos que nos levam a ter comportamentos
indesejados específicos. Por exemplo: “Se
ocorrer D (dilema — ex: “caso o fiscal do
contrato compartilhe comigo informações
sigilosas de outras empresas”), então farei A
(ação — ex.: “vou dizer educadamente que
não posso conversar sobre o assunto, pois
esse comportamento coloca em risco a minha
imparcialidade)”.
Para saber mais: GOLLWITZER, P. M.
Implementation intentions: Strong effects
of simple plans. American Psychologist,
Washington, v. 54,n. 7, p. 493–503, 1999.

155 Glossário
Na psicologia, em particular na linha da
Licença moral (self-licensing)
Self-Determination Theory, a diferença entre
Podemos nos dar um “passe-livre” de vez em motivação intrínseca e extrínseca é definida
quando para cometer atos errados e/ou imorais dentro de uma escala que vai da motivação
por acharmos que temos “crédito” por termos mais controlada até a mais autônoma, sendo a
feito recentemente, ou porque pretendemos motivação intrínseca a categoria de motivação
fazer em breve, atos certos e/ou morais. É mais autônoma. Psicólogos vêm demonstran-
o que nos permite fazer algumas coisas que do nas últimas décadas os efeitos danosos — o
sabemos erradas sem que isso nos faça nos chamado undermining effect — que as formas
sentirmos mal. Por exemplo, é mais fácil de motivação mais controladas têm sobre
quebrar a dieta depois de ter feito a matrícula a performance e bem-estar das pessoas.
na academia. No nosso livro, utilizaremos uma definição
de motivação intrínseca mais próxima da
Para saber mais: MERRITT, A. C.; EFFRON,
utilizada por psicólogos — empregamos
D. A.; MONIN, B. Moral self‐licensing:
motivação intrínseca como sinônimo de
When being good frees us to be bad. Social
motivação autônoma —, porém sem entrar nas
and personality psychology compass, New
nuances da taxonomia de motivações utilizada
Jersey, v. 4, n. 5, p. 344-357, 2010.
por psicólogos.
Metacognição
Normas sociais dinâmicas
Metacognição significa “pensar sobre o
As normas sociais dinâmicas se referem a
pensamento”. É o que fazemos quando
um comportamento que está sendo realizado
estamos atentos ao que estamos pensando.
por uma minoria crescente. Tendemos a nos
A metacognição pode ser muito útil para
conformar a estas normas porque prevemos
que possamos adotar estratégias para
que essa tendência crescente continuará e não
melhorar nossa capacidade de aprender, reter
queremos “ficar de fora”.
e compreender informações (ex.: quando nos
perguntamos se realmente entendemos algo Para saber mais: MORTENSEN, C. R.;
ou quando tentamos explicar para nós mesmos NEEL, R.; CIALDINI, R. B.; JAEGER,
o que acabamos de aprender), assim como C. M.; JACOBSON, R. P.Ringel, M. M.
para regular nossos próprios pensamentos. Trending norms: A lever for encouraging
Conseguir parar um pouco para refletir pode behaviors performed by the minority. Social
ser o diferencial para que deixemos de tomar Psychological and Personality Science, New
uma decisão de forma impulsiva e para York, v. 10, n. 2, p. 201-210, 2019.
neutralizar alguns de nossos vieses cognitivos.
Nudge
Para saber mais: METCALFE, J.;
SHIMAMURA, A. P. (Eds.) Metacognition: Um nudge é qualquer aspecto da arquite-
Knowing about knowing. Cambridge: MIT tura da decisão que influencia — ou dá um
Press, 1994. “empurrãozinho” — nas pessoas em direção a
algum tipo de comportamento de uma maneira
Motivação intrínseca previsível. Por exemplo, a disposição das
cadeiras em uma sala de aula ou a fonte das
A motivação intrínseca é um conceito
letras utilizada em um comunicado interno.
utilizado de formas diferentes por
Um nudge no sentido de uma intervenção
economistas e psicólogos. Na economia,
ou política (to nudge) ocorre quando damos
a motivação intrínseca é o que mantém as
esses empurrõezinhos de forma intencional
pessoas motivadas na ausência de incentivos
com o objetivo de alterar o comportamento
econômicos. Economistas vêm mostrando nas
das pessoas em determinado sentido que seja
últimas décadas que, em alguns contextos (ex.:
benéfico para elas e para a sociedade. Assim,
trabalho voluntário), adicionar recompensas
o nudge é uma alteração, geralmente pequena
ou multas para motivar as pessoas pode
e sutil, no contexto decisional que influencia
ter efeitos inesperados como diminuir o
o comportamento das pessoas sem proibir
comportamento que se pretendia promover
nenhuma opção ou alterar significativamente
— o chamado efeito de crowding-out da
os incentivos econômicos.
motivação intrínseca.
Para saber mais: SUNSTEIN, C. R.;
THALER, R. H. Nudge: Improving Decisions
About Health, Wealth and Happiness. New
York: Penguin Books, 2012.

156 Muitos
Otimismo excessivo Profecias autorrealizáveis (self-fulfilling
prophecies)
Tendemos a achar que somos, em média, aci-
ma da média. Mesmo quando nos deparamos As expectativas que temos sobre uma pessoa
com informação objetiva sobre riscos, temos — ou que temos sobre nós mesmos — podem
a tendência de superestimar as probabilidades nos levar a ter comportamentos que acabam
de eventos futuros positivos. Por exemplo, por confirmar essa expectativa, como se fosse
se descobrimos que metade das pessoas vão uma “profecia”. Por exemplo, se acreditamos
ter complicações com uma doença, achamos que um aluno não é bom em matemática, não
que vamos fazer parte dos que não terão vamos dar os mesmos exercícios que damos
problemas. Se sabemos que a maioria das para os alunos que achamos bons, o que vai
pessoas vai reprovar em uma prova, achamos acabar ajudando a “comprovar” nossa crença
que vamos fazer parte da minoria. inicial com o passar dos anos.
Para saber mais: SHAROT, T. The optimism Para saber mais: MADON, S.; JUSSIM, L.;
bias. Current biology, Amsterdam, v. 21, n. ECCLES, J. In search of the powerful self-ful-
23, p. 941-945, 2011. filling prophecy. Journal of Personality and
Social Psychology, Washington, v. 72, n. 4, p.
Paternalismo Libertário 791–809, 1997.
O paternalismo libertário é uma corrente
Reatância psicológica
político-filosófica que concilia duas ideias
que deveriam ser inconciliáveis: paternalismo A reatância psicológica ocorre quando nos
e liberalismo. A ideia é promover políticas sentimos compelidos a resistir a um pedido
públicas e organizacionais que conduzam ou a uma recomendação, ainda que seja algo
as pessoas em direções que vão promover bom para nós, por entendermos que se trata
seu bem-estar, como faria qualquer política de uma ameaça à nossa autonomia. É o que
paternalista, mas de uma forma que preserve costuma ocorrer quando recebemos um pedido
a liberdade de escolha. Por exemplo, dar um que mais se parece com uma ordem ou um
empurrãozinho (nudge) nas pessoas para que comunicado escrito em tom controlador (ex.:
façam boas escolhas (ex.: comer de forma “fique em casa”).
mais saudável, economizar dinheiro, lembrar
Para saber mais: STEINDL, C.; JONAS,
de tomar remédios etc.), mas sem proibir
E.; SITTENTHALER, S.; TRAUT-
ou tornar economicamente inviável as más
MATTAUSCH, E.; GREENBERG, J. (2015).
escolhas.
Understanding psychological reactance.
Para saber mais: SUNSTEIN, C. R.; Zeitschrift für Psychologie. Germany, v. 223,
THALER, R. H. Libertarian paternalism n. 4, p. 205-214, 2015.
is not an oxymoron. The University of
Chicago Law Review, Chicago, v. 70, n. 4, p. Redução Comportamental
1159-1202, 2003.
A redução comportamental é uma ferramenta
utilizada para identificar os comportamentos
Priming
específicos e relevantes que compõem uma
A técnica de priming consiste em apresentar política pública ou organizacional. A ideia é
um estímulo, geralmente sutil, com o objetivo decompor (ou reduzir) um desafio abstrato
de influenciar a resposta das pessoas a um (ex.: reduzir o desperdício de alimentos) em
estímulo subsequente. O priming funciona uma lista de comportamentos específicos (ex.:
pela ativação inconsciente de uma associação as pessoas se servem vs. são servidas; fazem
ou representação mental na memória das filas vs. marcam horário etc.).
pessoas logo antes que outro estímulo ou de
Para saber mais: OECD Tools and Ethics for
uma tarefa. Podem ser na forma de cheiros,
Applied Behavioural Insights: The BASIC
imagens, sons ou um pequeno texto.
Toolkit. Paris: OECD Publishing, 2019.
Para saber mais: DOYEN, S.; KLEIN, O.;
SIMONS, D. J.; CLEEREMANS, A. On the
other side of the mirror: Priming in cognitive
and social psychology. Social Cognition, New
York, v. 32, n. Supplement, p. 12-32, 2014.

157 Glossário
Self-serving biases (vieses de autobenefício) Vieses Cognitivos
Os self-serving biases funcionam como um Os vieses cognitivos são heurísticas que
filtro que nos faz interpretar a realidade de podem nos levar a decisões ruins em alguns
uma maneira mais favorável e conveniente. É contextos. Isto é, são algumas das “regrinhas”
como se tivéssemos um preconceito implícito mentais que utilizamos geralmente de forma
a nosso favor que nos ajuda a preservar nossa inconsciente, que nos ajudam a simplificar
autoestima. É o que nos faz perceber, por a tomada de decisão, mas que podem nos
exemplo, que nossos sucessos decorrem mais levar a decisões que vão de encontro a um
de nossas habilidades e esforços e que nossas determinado parâmetro de racionalidade e
falhas são mais culpa das circunstâncias lógica de forma sistemática e previsível,.
desfavoráveis ou do erro de outras pessoas.
Para saber mais: TVERSKY, A.;
Para saber mais: SHERRILL, M. Self-serving KAHNEMAN, D. Judgment under
bias. American Psychologist, Washington, v. uncertainty: Heuristics and biases. Science,
41, p. 954-969, 2007. United States, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131,
1974.
Sistemas 1 e 2
Viés da confirmação
A teoria do sistema duplo (dual-system) de
pensamento, muito utilizada na psicologia, O viés da confirmação é nossa tendência
afirma que temos duas “formas de pensar”: os de procurar, lembrar e dar maior crédito a
Sistemas 1 e 2. O Sistema 1 ocorre de forma informações que confirmam nossas crenças,
rápida, automática, inconsciente e não envolve atitudes e expectativas prévias. Por exemplo,
nenhum ou quase nenhum esforço mental. uma pessoa que seja cética em relação ao
Utilizamos para desempenhar tarefas que aquecimento global tenderá a fazer apenas
são familiares ou habituais. Está associado pesquisas (ex.: vídeos, fóruns online, revistas
às intuições e à experiência subjetiva de não etc.) que questionem as evidências científicas
pensar. O Sistema 2 ocorre de forma lenta, de- de que existe aquecimento global, além de
liberada, consciente e envolve grande esforço buscar conversar apenas sobre o assunto com
mental. Utilizamos para realizar tarefas outras pessoas que também sejam céticas.
que são novas ou difíceis. Está associado à
Para saber mais: NICKERSON, R. S.
reflexão e à experiência subjetiva de pensar.
Confirmation bias: A ubiquitous phenomenon
Para saber mais: STRACK, F.; DEUTSCH, in many guises. Review of general psycholo-
R. (2015). The duality of everyday life: gy, New York, v. 2, n. 2, p. 175-220, 1998.
Dual-process and dual system models in social
psychology. APA Handbook of Personality Viés de negligenciar a taxa-base (base rate
and Social Psychology, Washington, v. 1, p. neglect)
891-927, 2015.
Tendemos a negligenciar as informações
e estatísticas gerais e dar maior atenção
Variável que confundiu (confounding
aos exemplos específicos quando estamos pen-
variables)
sando sobre probabilidades. Por exemplo, qual
São variáveis que não estão consideradas as chances de você ganhar na loteria? Beira
no modelo preditivo, mas que podem estar a zero, mas quem aposta percebe que têm
influenciando o efeito (a variável dependente) chances bem maiores porque já ouviu falar de
que encontramos. Podem nos levar ao erro várias histórias de pessoas que ganharam.
de achar que existe relação causal entre duas
Para saber mais: BAR-HILLEL, M. The
variáveis que são apenas correlacionadas.
base-rate fallacy in probability judgments .
Por exemplo, podemos achar que o aumento
Acta Psychologica. Amsterdam, v. 44, n. 3, p.
dos controles foi o que causou a diminuição
211–233, 1980.
dos desvios éticos, porém essa diminuição é
devida por alguma outra variável que ninguém
achou que poderia ser relevante, como uma
mudança na disposição das mesas no local de
trabalho.
Para saber mais: GREENLAND, S.;
ROBINS, J. M.; PEARL, J. Confounding and
collapsibility in causal inference. Statistical
science, United States, v. 4, n. 1, p. 29-46,
1999.

158 Muitos
159 Glossário
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro,
SP, Brasil)

Muitos: como as ciências comportamentais


podem tornar os programas de compliance
anticorrupção mais efetivos? / Carlos Mauro...
[et al.] ; coordenação Julio Mariutti. 1. ed.
Santos, SP: Editora Brasileira de Arte e
Cultura, 2021.
Outros autores: Gabriel Cabral, Renato
Capanema, Tânia Ramos
ISBN 978-65-87323-22-0
1. Anticorrupção 2. Anticorrupção - Leis e
legislação 3. Compliance 4. Direito civil
5. Integridade 6. Responsabilidade civil
I. Mauro, Carlos. II. Cabral, Gabriel. III.
Capanema, Renato. IV. Ramos, Tânia. V.
Mariutti, Julio.
1-61415 CDU-347.51

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Lei : Anticorrupção : Compliance :
Responsabilidade civil : Direito civil 347.51
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária
- CRB-8/7964

160
S MUITO
“(...) relevante o alerta feito para a necessidade de uma aborda-
gem pluralista nos programas de compliance, que leve em conta,

MUITOS
dentre outras coisas, que as pessoas têm diferentes motivações
para agirem de modo ético”.
Jorge Hage Sobrinho
Ex-Ministro da Controladoria-Geral da União, professor e
consultor na área de compliance.

“(...) Sistematizar, analisar a partir da ótica da economia compor-


tamental e compreender o perfil psicológico dos ‘muitos’, dos
‘poucos’ e dos ‘super honestos’ (ou íntegros), sem jamais deixar
de lado a importância do exemplo dos líderes, é uma tarefa que
os autores desempenham com maestria e imensa desenvoltura”.
Marcelo Zenkner
Diretor de Governança e Conformidade da Petrobrás, Promotor

UITOS M
de Justiça do Espírito Santo.

“Quando nos deparamos com a infinidade de exemplos de


situações-problema dispostas, entendemos que, para além de leis
e regulamentos, o compliance tem como foco as pessoas, seres
humanos complexos e sociáveis”.
Valdir Moysés Simão
Ex-Ministro do Planejamento e da Controladoria-Geral da União,
advogado e consultor.

“O livro ‘Muitos’ é uma grande novidade, por abordar um


aspecto pouco discutido na doutrina: a imensa maioria dos em-
pregados e colaboradores das empresas (os Muitos) é formada

TOS M
por pessoas honestas”.
Rogéria Gieremek
Chief Compliance Officer do Grupo LATAM Airlines

“O livro preenche uma lacuna no mercado editorial brasileiro,


uma vez que não se limita a conceituar temas relacionados ao
compliance, mas também estudar melhor os aspectos da cultura
de integridade e ferramentas disponíveis para profissionais que
lidam com o assunto, além de propor soluções para uma maior
efetividade nas ações sobre a matéria”.
Rodrigo Fontenelle
Controlador-Geral do Estado de Minas Gerais, Auditor da Con-
troladoria-Geral da União

OS MU
“Pela primeira vez um livro aborda a essência de um programa
de compliance, a mudança de comportamento necessária para
construção de uma cultura de integridade”.
Roberta Codignoto
Sócia da Pró-Integridade e Conselheira da Comissão de
Ética Pública.

Sofisticado em seus exemplos e com rica e atual base bibliográ-


fica, “Muitos” é, também, um livro acessível e prático. Faz-nos
pensar na gestão e nas decisões corporativas, mas também em
nossas próprias escolhas e decisões como humanos.
Diogo R. Coutinho
Professor de Direito Econômico da Universidade de São
Paulo (USP).

ISBN 9 786587 323220

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