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A Quem Serve o Banco Central Europeu
A Quem Serve o Banco Central Europeu
Nome Nº
[5] Segundo
o
jornal
francês
Le
Figaro,
“o
BCE
colocou
de
facto
a
Itália
sob
sua
tutela,
enquanto
o
ex-‐comissário
europeu
Mario
Monti
denunciava
a
intervenção
de
um
poder
estrangeiro”.1
Aqui
não
se
trata
mais
de
“conselhos”,
como
pretendem
fazer
crer
os
dirigentes
do
BCE,
verdadeiros
profissionais
do
eufemismo.
Pode-‐se
falar
de
“ordens”
ou
de
“exigências”.
Essas
são
exatamente
as
condições.
[6] O
jornal
destaca
que
“o
BCE
pede
para
que
se
tornem
mais
flexíveis
os
trâmites
de
demissão
de
funcionários”,
mas
também
“que
privilegie
os
acordos
ao
nível
das
empresas
em
relação
às
convenções
salariais
ao
nível
setorial
negociadas
em
escala
nacional”,
que
“privatize
as
empresas
municipais
(transportes
públicos,
estradas
e
eletricidade)”.
Recomenda
ainda
“proceder
por
decreto,
de
aplicação
imediata,
e
não
por
projeto
de
lei,
pois
o
Parlamento
sempre
toma
muito
tempo
para
aprovar”.
[7] “Até
agora,
o
BCE
não
tinha
nenhum
poder
para
influenciar
verdadeiramente”,
analisa
Clément
Fontan,
pesquisador
em
ciência
política.
“No
geral,
o
banco
falava,
os
dirigentes
políticos
o
escutavam
sem
muita
atenção,
dizendo:
‘Bom,
é
normal,
é
o
BCE,
eles
são
conservadores,
nós
os
escutamos,
lhe
fazemos
um
agrado’.”
[8] Chega
a
crise:
os
países
da
zona
do
euro
são
atacados
pelos
mercados
financeiros.
No
começo,
o
BCE
se
recusa
a
ajudá-‐los,
imobilizado
sobre
seu
dogma
de
independência
e
não
intervenção.
Diante
da
pressão
dos
governos
e
dos
bancos,
em
meio
ao
pânico
geral
dos
mercados,
ele
cede
finalmente.
O
banco
se
viu,
então,
constrangido
a
comprar
títulos
do
Tesouro
dos
Estados
em
dificuldades.
Mas
ele
impõe
que
os
países
afetados
serão
obrigados
a
aplicar
as
“reformas
estruturais”
que
sempre
defendeu.
“Estamos
em
uma
situação
tipo
Argentina-‐FMI
no
fim
dos
anos
1990,
em
que
o
credor
exerce
uma
forte
pressão
sobre
o
tomador
de
empréstimo
para
estar
seguro
de
que
ele
ponha
em
prática
as
reformas
consideradas
‘boas
e
necessárias’.
No
final,
a
crise
foi
uma
janela
de
oportunidade
para
o
BCE”,
conclui
Fontan.
[9] A
“cidade
dos
bancos”,
também
apelidada
de
“Bankfurt”,
é
onde
o
BCE
está
instalado,
não
por
acaso.
É
aqui,
atrás
desta
mesa
redonda,
nesta
sala
do
36º
andar,
que
os
dezessete
governos
dos
bancos
centrais
nacionais
–
francês,
alemão,
eslovaco
etc.
−
reuniram-‐se
nesta
manhã
e
decidiram
“manter
as
taxas
inalteradas”.
[10] Em
um
debate,
Trichet
defende
que
os
acordos
com
trabalhadores
de
empresa
por
empresa,
a
privatização
dos
serviços
públicos
e
a
flexibilização
salarial
são
simplesmente
os
meios
que
seus
colegas
e
mesmo
ele
acreditam
ser
importantes
para
crescer
mais
rapidamente
na
Europa
e
criar
mais
empregos.
[11] Mas,
respondem-‐lhe,
isso
parece
com
os
planos
de
ajuste
estrutural
do
FMI
nos
anos
1980:
liberalização,
desregulamentação…
Esse
programa
não
funcionou
na
América
Latina
nem
na
África,
por
que
daria
certo
hoje
na
Grécia,
na
Espanha
e
na
França?
[12] Trichet
refuta.
Os
programas
do
FMI
teriam,
ao
contrário,
dado
certo.
“Quais
são
os
países
que
destacadamente
resistiram
à
crise?
São
os
emergentes,
são
os
da
América
Latina,
que,
graças
a
suas
reformas
estruturais,
encontraram-‐se
em
uma
situação
de
resistência
muito
mais
forte.
Nós
observamos
um
incrível
comportamento
da
África.
Existem
reformas
que
permitem
às
forças
2
produtivas
se
libertar.”
Mesmo
o
economista
Milton
Friedman,
antes
de
sua
morte,
não
ousava
manter
uma
atitude
tão
arrogante.
[13] Mas
por
que,
pergunta-‐se
ainda
a
Trichet,
o
senhor
não
exige
uma
elevação
dos
impostos
sobre
as
empresas
–
que
estava
em
50%
nos
anos
1980,
hoje
é
de
33,3%,
mas
na
verdade
é
de
7%
para
as
empresas
do
CAC
40?
[14] “É
preciso
sempre
ver
o
interesse
superior”,
responde
ele
um
pouco
entediado
com
nossa
sinceridade.
“A
justiça
social
é
essencial,
mas
não
é
taxando
as
empresas
mais
do
que
em
outros
países,
mais
do
que
em
países
emergentes,
que
vamos
ter
empregos
na
França”.
E
ele
não
tem
culpa
se
–
por
feliz
acaso
–
o
“interesse
superior”
coincide
com
os
das
classes
superiores…
[15] Também
é
por
simples
bom
senso
que
ele
perdeu
a
paciência
na
emissora
Europa
1,
em
20
de
fevereiro
passado:
“Aumentar
os
salários
na
Europa
seria
a
última
besteira
a
fazer”.
É
seu
sentido
de
justiça
social
que
o
leva
a
defender
o
aumento
da
idade
para
a
aposentadoria
na
França,
na
Irlanda,
em
Portugal
etc.
−
enquanto
ele
acredita
“não
ser
desejável”
uma
taxa
sobre
as
transações
financeiras.
[16] Mas
tais
comparações
são
de
“caráter
inteiramente
político”,
reclama
Trichet.
E
nosso
dirigente
protesta:
“Não
sou
político”.
Ele
reivindica
um
“apolitização”
do
BCE,
instituição
colocada
a
serviço
dos
“dezessete
governos,
de
332
milhões
de
cidadãos,
de
todos
os
matizes”.
Além
disso,
ele
insiste,
“não
desejo
que
me
questionem
sobre
assuntos
políticos”.
[17] Até
o
protesto
internacional
contra
o
poder
das
finanças,
em
15
de
outubro
passado,
que
viu
o
grupo
Ocupar
Frankfurt
mobilizar
vários
milhares
de
manifestantes
em
frente
da
Eurotower,
raros
foram
os
cortejos
a
desfilar
pelas
janelas
da
Kaiserstrasse,
n°
29.
Como
expressou
o
sociólogo
Frédéric
Lebaron,
“o
BCE
construiu
sua
invisibilidade.
Ele
se
colocou
em
uma
posição
de
expertise,
acima
dos
partidos
e
dos
Estados”.2
Seu
distanciamento
geográfico
e
a
complexidade
aparente
dos
assuntos
de
que
ele
trata
o
encobrem
dos
cidadãos.
[18] É
assim:
as
orientações
monetárias
–
um
euro
forte,
a
luta
contra
a
inflação
–
não
são
mais
parte
da
política.
Eis
porque
ele
entrega
suas
decisões
orçamentárias,
fiscais,
sociais
e
monetárias
nas
mãos
de
técnicos,
em
Frankfurt
especialmente,
que
efetuam
essas
escolhas
nos
assegurando
justamente
de
que
“não
temos
escolha”.
[19] Trichet
deve,
no
entanto,
enfrentar
uma
“oposição”.
Esta
não
vem
dos
trabalhadores
−
é
interna
às
finanças.
Reunidos
em
torno
dele,
os
jornalistas
econômicos
não
importunam
com
a
taxa
de
desemprego
em
Portugal,
os
remédios
contra
o
diabetes
que
não
serão
reembolsados
na
Grécia,
as
aposentadorias
que
diminuem
na
Irlanda
etc.
Não,
a
questão
que
irrita
o
presidente
é
feita
pelo
enviado
do
jornal
econômico
alemão
Börsen
Zeitung,
em
8
de
setembro:
ao
comprar
as
dívidas
dos
Estados
em
dificuldade,
o
BCE
não
troca
seu
statusde
“âncora
de
estabilidade”
pelo
de
bad
bank?
[20] No
dia
seguinte
a
essa
reunião,
onde
se
decidiu
a
compra
de
títulos
do
Tesouro
dos
países
mais
frágeis
da
zona
do
euro,
o
alemão
Jürgen
Stark,
economista-‐chefe
do
BCE
e
porta-‐voz
dos
ortodoxos,
anunciava
sua
demissão
da
diretoria.
Da
mesma
forma,
em
fevereiro
passado,
Axel
Weber
declarou
que
havia
saído
de
seu
cargo
de
presidente
do
Bundesbank
(Banco
Central
alemão)
e,
portanto,
de
seu
assento
no
conselho
de
presidentes
de
bancos
centrais
do
BCE,
por
manifestar
seu
desacordo
com
a
3
estratégia
–
julgada
como
laxista
–
da
instituição
de
Frankfurt.
Ele
recusava
igualmente
suceder
Trichet,
cujo
mandato
chega
ao
fim
em
31
de
outubro.
Por
mais
cômico
que
isso
possa
parecer,
ele
criticou
o
chefe
do
BCE
por
sua
falta…
de
ortodoxia!
[21] No
primeiro
andar
da
Eurotower
fica
a
sala
dos
mercados.
Nada
de
prestigioso,
um
andar
banal
com
uma
centena
de
computadores.
Atrás
dos
teclados,
homens
de
terno
e
mulheres
de
tailleur.
Um
televisor
em
que
desfilam
os
preços
das
ações
da
Bolsa.
É
aqui
que
são
“organizadas
as
concessões
de
crédito
aos
bancos
comerciais”,
explica
Paul
Mercier,
conselheiro
principal
de
operações
de
mercado.
É
aqui
–
de
forma
clara
–
que
se
emite
moeda
na
Europa.
“Todas
as
terças,
realizamos
uma
nova
concessão
de
crédito.
O
board[conselho
de
presidentes
de
bancos
centrais]
decide
quanto
se
vai
colocar
no
mercado.”
(ver
mais
no
boxe)
[22] “Nas
circunstâncias
atuais,
decidimos
permitir
que
os
próprios
bancos
determinem
quanto
querem
emprestar.
São
medidas
um
pouco
especiais
que
tivemos
de
tomar
por
causa
da
crise
financeira.”
[23] “Nesse
momento”,
acrescenta
Ivan
Fréchard,
“é
muito
simples:
fornecemos
toda
a
liquidez
que
os
bancos
nos
pedem.
É
a
política
do
full
allotment”,
que
poderia
traduzir-‐se
como
“até
se
encher”.
Se
para
os
Estados
os
empréstimos
são
feitos
sob
condições
mais
duras,
no
que
concerne
aos
bancos,
por
outro
lado,
o
crédito
flui
à
vontade.
[24] Trichet
e
seu
sucessor,
Mario
Draghi,
não
endereçaram
nenhuma
carta
aos
chefes
da
Société
Générale,
do
HSBC,
do
BNP-‐Paribas
exigindo,
já
que
o
BCE
sai
correndo
em
seu
socorro,
que
seus
estabelecimentos
se
retirem
dos
paraísos
fiscais,
parem
de
especular
sobre
as
dívidas
soberanas,
financiem
a
economia
real.
Nenhum
“homem
de
preto”
do
BCE
baixou
na
sede
do
Crédit
Agricole
ou
do
Commerzbank
para
destrinchar
suas
contas
com
o
mesmo
ardor
com
que
foram
ao
Ministério
da
Saúde,
em
Atenas.
[25] O
deputado
Pascal
Canfin
resume:
“Para
salvar
o
sistema,
o
BCE
abriu
a
torneira
da
liquidez.
Mas
o
problema
é
que
o
cano
é
furado:
o
dinheiro
que
flui
por
aqui
não
vai
para
a
economia
real.
Porque
entre
os
dois,
há
os
bancos
comerciais,
que
preferem
ainda
hoje
a
especulação
ao
investimento.
O
papel
do
BCE
é
fazer
que
a
água
flua
na
boa
direção
–
e
há
dois
anos
ele
não
tomou
qualquer
providência
para
tal”.
[26] O
BCE
tomou
partido,
segundo
o
deputado
Miguel
Portas
(da
Esquerda
Unida
Europeia).
“Foi
imposto
um
plano
de
resgate
em
Portugal,
mas
dos
78
bilhões
de
euros
emprestados
pelo
BCE,
54
bilhões
foram
entregues
diretamente
aos
credores,
em
uma
clara
prioridade
dada
aos
bancos
que
detêm
dívidas
soberanas.
E,
para
financiar
essa
operação,
cortam-‐se
os
salários,
as
aposentadorias,
aumentam-‐se
em
17%,
18%,
19%
as
contas
de
água,
gás,
eletricidade.
A
TVA
(taxa
por
valor
agregado)
atinge
23%.
E
tudo
isso
enquanto
o
grande
capital
está
totalmente
preservado
–
em
nome
da
necessidade
de
atrair
os
investidores.”
[27] O
Banco
Central
Europeu,
para
fazer
valer
sua
“independência”,
lembra
sem
parar
o
artigo
107
do
Tratado
de
Maastricht:
“Nem
o
BCE,
nem
um
banco
central
nacional,
nem
um
membro
qualquer
de
seus
órgãos
de
decisão
podem
solicitar
ou
aceitar
instruções
de
instituições
ou
órgãos
comunitários,
4
5