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Rainha das Larvas.

Por
Levi Déchirer.

Bem, muitos provavelmente não ligam para o que está escrito aqui, ou então

não vão sentir de fato o que está aqui. Antes de tudo, isso provavelmente vai

lhe causar uma repulsão pelo vasto horror ocasionado na obra, caso tenha a

mente fraca, peço que não leia — por mais que eu deseje que todos a quem é

concebida a obra, possam ler. Memórias, larvas, pássaros e flechas é um

teatro, sim, um teatro de algo muito maior e mais significativo do que podem

imaginar. Eu estou escrevendo como um tributo ao meu avô, onde eu tento

superar a morte desse ente querido. Eu me enxergo naquela mulher que caiu

no abismo do esquecimento, porém, eu me sinto agora o escritor, sem ser um

personagem desse conto. Dou a vocês o espaço para sentir essa obra com

toda força e apoio possível, tudo aqui há um significado.

E com isso, desejo a todos uma boa leitura.


Capítulo I.

Os sons abafados surgiam — da terra e poeira que se chocavam com o

cascalho de um abismo podre. A areia que era sepultura de animais há muito

tempo mortos, agora carregava um corpo rolante; corpo este de uma linda

mulher. Ela ao chegar no fundo daquele buraco, não podia ver nada, estava

privada de enxergar sequer um palmo a frente do nariz, e isso a deixava

desesperada.

— Está tudo bem, ainda tenho as doces e boas memórias, e elas nunca irão

me deixar — dizia a protagonista dessa situação. Que memórias eram essas?

Nem mesmo eu sei, mas suponho que sejam de um tempo vivido ao lado de

alguém importante. Escorada no canto de um amontoado fétido, ela se

encolhia e abraçava o próprio corpo.

— Está tudo bem, ainda me restam as boas memórias, e elas nunca irão me

deixar — repetia constante a coitada. Dizia tanto da mesma memória que

acabou me deixando curioso, porém morto nada posso fazer. Não havia vida lá

dentro, a luz não era capaz de alcançar as sedentas plantas que acabavam por

apodrecer no pranto e lágrimas de quem ali lamentava.

— Boas memórias, elas nunca vão me deixar — novamente ela disse, tendo o

seu choro derramado pela areia seca e acabando por transformá-la em um

lamaçal de angústia fúnebre. Nem sequer a voz conseguia alcançar o alto

daquele inferno, estava esquecida, e nos recônditos do olhar escuro, pranto

nítido seria visto. Tudo o que podia fazer era lembrar daquelas doces memórias

que nunca a deixariam.


E ao acordar, algo parecia estranho em seu corpo. Formigamentos rastejavam

por suas pernas e todo o seu íntimo se enchia dessa sensação bizarra. Os

toques indicavam somente algo: larvas malditas, que haviam devorado a pele e

se alojaram naquele corpo que havia caído e como tudo que acaba ali, parecia

jogado para morrer. — Memórias e larvas, elas nunca irão me deixar — dizia

em um tom gentil para si e sua nova família que se escondia no estômago e

fígado descascado. Ver que existia vida naquele lugar horrível foi mais incrível

e feliz que o sorriso alegre se esboçava rente ao sangue e lágrima que ainda

escorria pela dor não mais tão notável, mas que ainda era desesperadora.

Capítulo II.

Ela já se animava para encontrar algo que a divertisse, se arrastando — visto

que as pernas perderam a sua função ao se tornarem o principal ponto de

fecundação do ninho de vermes. Ela sussurrava se autoproclamando a rainha

de sua pequena família; sim, a rainha das larvas tinha súditos e serviçais, que

se alojavam no reino daquela mulher tão incrível. Aquilo a matava, mas nada

disso importava para alguém que já havia perdido sua própria vida ao cair no

poço do esquecimento. No fim ela havia se tornado aquilo que a devorava;

rastejando feito o verme que fazia de servo.

E nada encontrava, nada digno de ser chamado de vida, tudo ali era simples

questão de achismo. Tudo o que podia era continuar amando as suas

memórias e a família que alimentava com o seu intestino já quase inexistente

— e o seu reinado aumentava constantemente. Quando a louca decidia ceder

ao desespero eterno e acabar acabando com o seu próprio sufoco, uma hoste
de pássaros surgia no fundo daquele lugar. O cântico angelical reverberou por

toda extremidade daquele inferno, o doce consolo chegava a se entranhar nos

buracos roídos pelas larvas. A coitada se enchia de alegria novamente, caindo

no maldito mar de lágrimas e gritos de alívio, a vida enfim residia ao seu lado.

As aves pousavam no corpo fúnebre daquela que chorava, se alimentando de

todo servo descarado que habitava nela. Infelizmente a felicidade durava pouco

e os pássaros deixaram de causar alegria no momento que as bicadas

miravam nas tripas expostas da mulher, mas por incrível que pareça, aquilo

não abalou sua alegria que ainda era imensurável — por mais que aquelas

pestes devorassem o que restava de seu corpo. Há males que te causam

alegria, mas que ainda assim escancaram as mandíbulas para te destruir.

Capítulo III.

E então projéteis eram disparados do alto do purgatório vivo, focando-os na

escuridão e provavelmente para matar aqueles pássaros malditos que haviam

se escondido ali. Quando as flechas alvejaram algumas daquelas aves, o canto

belo havia se tornado sons de socorro, como os de alguém que morria

rapidamente. Muitas daquelas flechas acertavam pernas e partes do pulmão da

garota, mas ela ainda não ligava para seu próprio corpo. Ela gritava feito uma

besta selvagem, buscando afugentar aqueles pássaros que caíam desfalecidos

e buscando salvar a vida que restava ainda. Sangue escapava por todo o seu

peito e também de sua boca, o silêncio voltava a ser ensurdecedor, algumas

migalhas de algum plantio era carregado por um último pássaro — que ainda

em seu fim — cantava em uma melodia de consolo, alegrando aquela pobre


moça em seu fim de vida também. A última flecha lhe acertava o olho e

acabava por atravessar sua cabeça, mas nada disso era suficiente para tirar o

sorriso meigo que se formava naquela escuridão, brilhando somente a lágrima

fina que se misturava ao sangue forte.

O caçador voltava à sua casa e alimentava os seus filhos, voltando ao quarto,

enquanto olhava a moldura que cercava uma foto de sua esposa. Ele ainda a

procurava.

A vida iria presentear aquela mulher incrível; uma árvore acabava por brotar

em seu coração. Uma semente se plantou naquela circunstância rigorosa, se

alimentando do sangue frio e da terra adubada pela carniça animal. A planta

crescia sem parar e em pouquíssimo tempo ela alcançou o topo daquele

abismo enorme, não parando por aí, e continuando a crescer. Se criou com

tanta vida e amor, que a ela foi dada o nome da esposa ainda desaparecida do

caçador, cujo a todos nós ainda é desconhecido. Do pranto, a sublime estrutura

orgânica nasceu, com suas raízes fortes e inundando o abismo com sua luz, o

propósito de sua rainha era o de morrer, sim, esse era seu propósito. Seu

objetivo era parir uma criança que levasse graça ao abismo, em meio aos

súditos fiéis que habitavam na mulher chorosa, poderia descansar em paz, mas

jamais saberia de seu real objetivo, lamentando-se durante o limbo infindável,

agora sem sua preciosa realeza.

Memórias, larvas, pássaros e flechas.

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