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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL – UFFS – CAMPUS CHAPECÓ

Curso: Licenciatura em Matemática.


Fase: 6ª.
Componente Curricular: Psicologia e Educação Matemática.
Docente: Alessandra Bonassoli Prado.
Discente: Anderson Piva.

Equívocos da Contribuição do Senso Comum na Construção de Conceitos


Matemáticos: Uma Análise sob a perspectiva da Teoria Sócio-Histórica

Desde os primórdios a raça humana utilizou a capacidade lógica de raciocínio


como um recurso crucial na sua perpetuação biológica ao longo dos séculos. Nesse
sentido, é importante compreender que a habilidade de manipular conhecimentos
adquiridos em experiências cotidianas, em detrimento somente ao instinto de
sobrevivência de outras espécies, foi um fator determinante para que essa possível
seletividade de ordem natural acontecesse.
A partir disto, ao contextualizar este padrão racional ao viés da sociedade
contemporânea, tal pressuposto caracteriza o chamado senso comum. Para tanto,
recorrendo-se a um panorama histórico, este tipo de conhecimento pode ser formalizado
como a primeira forma de cognição, associada ao mundo e a realidade do seu redor,
praticada pelo homem desde o instante em que passou-se a viver em grupos.
No que diz respeito à formação do senso comum, vale salientar que qualquer
preceito dessa natureza é obtido através da experiência pessoal e coletiva dos
indivíduos, bem como das crenças que nascem dessa convivência social. Assim, por
meio da rotina acaba-se desenvolvendo certas percepções que aparentam ser
verdadeiras, e que, portanto passam a ser classificadas como verdades absolutas. O que
nem sempre retrata a realidade dos fatos.
Nesse contexto, é totalmente visível o papel essencial que o senso comum exerce
no dia-a-dia das pessoas, atribuindo certa naturalidade tanto as tarefas, quanto no
embasamento da aprendizagem escolar, como se elas fossem de certo modo inatas. E é
justamente nessa direção que a teoria Sócio-Histórica de Vigotsky, fortemente debatida
em âmbito educacional nas últimas décadas, corrobora. Para Vigotsky o
desenvolvimento humano, incluindo o processo de ensino-aprendizagem, ocorre por
intermédio das relações sociais em que o sujeito mantém no decorrer da sua vida.
Entretanto, ao referir-se a situações em que o objeto de estudo é bastante
específico, ocorrência esta constante quando se trata de práticas pedagógicas, este senso
comum pode vir a ser prejudicial, necessitando-se de uma abordagem mais científica:

Os estudantes têm seus conhecimentos oriundos muitas vezes do senso


comum, das experiências vivenciadas com suas famílias e amigos,
conhecimentos que se enraízam no cerne do conhecimento e de certa forma
bloqueia a percepção para novas interpretações. (BRUM; SILVA, 2015).

Desse modo, o presente texto orienta-se nesta linha de pesquisa, e têm por
objetivo enfatizar na sequência, através da apresentação de exemplos de fato, alguns
elementos em que o senso comum, difundido também pela psicologia Sócio-Histórica,
pode ocasionar equívocos iniciais para com o aluno, na construção de conceitos
matemáticos.

Situações em que Ocorrem Equívocos Conceituais no Escopo da Matemática

De acordo com Bacherald (2008), o ônus trazido pelo senso comum na formação
de conceitos matemáticos pode estar correlacionado ao que o autor chama de obstáculo
verbal:

Esse obstáculo aparece quando são utilizados termos do senso comum, do


cotidiano ou analogias, para tentar facilitar a compreensão de um fenômeno.
Essa prática, além de impedir que o conceito seja aprendido da forma correta,
por ir contra ao obstáculo da experiência primeira, pode levar à elaboração de
concepções alternativas por parte do aluno. (Bachelard, 2008).

Destarte, nesta seção serão esmiuçados três exemplos conceituais que acabam
tendo sua definição matemática coibida em função da inferência do senso comum:

 O Conceito de Probabilidade

A probabilidade é um campo da matemática, em cunho geral, estuda as chances


de ocorrência de um evento em um experimento aleatório. Dessa maneira, o estudo
desta área de conhecimento torna-se demasiadamente importante, uma vez que, é por
meio dela que ocorre a tomada de decisão pertinente em muitas situações complexas da
sociedade. E trazendo-se isso para uma adversidade atual, pode-se citar que é com base
na probabilidade que se pode prever o comportamento da transmissão da Covid 19 nas
próximas semanas ou meses, por exemplo.
No entanto, essa conivência sobre a existência da aplicabilidade da
probabilidade em aspectos positivos parece se abstiver do discernimento da grande
maioria dos estudantes, em um primeiro momento, no ambiente escolar: “Para os alunos
a probabilidade envolve corrupção, desvio de dinheiro, jogos de azar, manipulação de
resultados.” (BRUM; SILVA, 2015).
Portanto, a partir dessa ideologia de pensamento onde a probabilidade é
generalizada como uma ferramenta nociva, tange ao professor o papel de incentivar
didaticamente os educandos a romper a barreira do conhecimento comum e adentrar ao
conhecimento científico.

 O Conceito de Número

No senso comum a ideia de número está associada a coisas e objetos. Em


consequência disso, é recorrente encontrar situações em que alunos de todos os níveis,
quando questionados com perguntas do tipo: “O que é um número?”; “Definida o
conceito de número”; respondam com representações de casos particulares, afirmando:
“O 3 e o 10 são números”, quando na verdade, estes numerais são apenas exemplares de
números, sem elucidar um possível conceito de fato.
Ainda nesse sentido, é bastante comum perceber que diversas pessoas que
quando a criança inicia o raciocínio lógico da contagem de qualquer objeto, é um
indício de que a mesma já se apropriou do conceito de número. O que não é verdade,
pois o que ocorre de fato é uma memorização. Para Kamii (1990, p.19) “o número é
uma síntese de dois tipos de relações que a criança estabelece entre os objetos, uma é a
ordem e a outra a inclusão hierárquica”. E é justamente por isso que com o intuito de
desmistificar noções de senso comum, que o professor deve explorar o conceito de
número com uma abordagem que contemple as características científicas da definição.

 O Conceito de Quadrado e de Retângulo

No que diz respeito à abstração de conceitos relacionados a figuras geométricas,


como é o caso do quadrado e do retângulo, o raciocínio corroborado pelo senso comum
está direcionado a ideia de que estas representações são distintas. Isto é, tem-se a
concepção de que “um quadrado é uma figura geométrica que tem todos os lados
iguais”, enquanto que o retângulo “se assemelha muito a um quadrado, mas possui lados
diferentes”. Desse modo, partindo-se desse preceito, as afirmações de que “um
quadrado é um retângulo”, ou de que, “determinado retângulo pode ser um quadrado”
explicitadas quando o estudante adentra ao escopo da geometria plana na escola pode
inicialmente parecer um absurdo.
Assim, ao estudar as características destes objetos geométricos particularizados
cientificamente, o aluno percebe que: “o quadrado é uma figura geométrica plana
regular em que todos os seus lados iguais e ângulos congruentes (mesma medida) e
retos (90º)”. E mais: “o retângulo é uma figura geométrica plana formada por quatro
lados, cujo, os opostos são paralelos, onde os quatro ângulos internos congruentes
(mesma medida) e retos (90°)”.
Decorrendo diretamente disso, os educandos quebram a barreira do senso
comum e obtém subsídios para generalizar que de fato: “todo quadrado é um retângulo”
e que “qualquer retângulo que possua os lados de mesma medida também se caracteriza
como um quadrado”.

Considerações Finais

Em um primeiro momento, a experiência de transcender o contexto do senso


comum em direção ao conhecimento científico pode gerar certa desconfiança e
hesitação por parte do aluno envolvido. Dessa maneira é papel do professor encontrar
formas didáticas dinâmicas para normalizar esta etapa tão importante na vida escolar do
estudante. Para que assim, o mesmo seja capaz de discernir sobre a importância, a
contribuição e utilidade prática destes tipos de conhecimento.
Referências Bibliográficas

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma


psicanálise do conhecimento. 3ª. ed. São Paulo: Contraponto, 2008.

BRUM, W. P.; RUTZ DA SILVA, S. de C. Obstáculos no Ensino de Matemática: O


Posicionamento de Professores de Matemática sobre a Fonte de Obstáculos durante a
Apresentação do Tema Probabilidade. Itinerarius Reflectionis, [S. l.], v. 11, n. 1,
2015. DOI: 10.5216/rir.v11i1.33356.
Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/rir/article/view/33356>. Acesso em: 10
maio. 2021.

KAMII, Constance. A criança e o número: Implicações educacionais da teoria de Piaget


para a atuação com escolares de 4 a 6 anos. 11. ed. Campinas, SP: Papirus, 1990.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto:


Afrontamento, 1989.

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