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Elas são 21% dos estudantes que concluem o ensino superior, o segundo maior grupo do país, mas
ainda enfrentam barreiras para se manter na universidade e entrar no mercado de trabalho
E
m 2012, Paloma Calado tinha 17 anos e decidiu que queria fazer faculdade de
ciência da
Primeira organização computação.
de mídia Ela bolou
no Brasil orientada porum plano:
dados cursar o
para qualificar último
o debate anoequidade
sobre do ensino médio
de gênero.
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22/12/2021 12:50 Educação: O muro permanece alto para mulheres negras
A ideia era passar na faculdade, mas, caso não conseguisse, entraria no mercado de
trabalho.‘‘Graças a Deus deu certo, fui aprovada em três universidades’’, conta.
Decidiu pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e foi aí que ela deu de cara com
um outro universo, mais desigual do que qualquer outro espaço que ocupava. ‘‘Foi um
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choque de realidade. Eu não sabia dessa discrepância de mulheres e homens na
computação.
NOSSAS ÁREAS Para mim era normal, mas quando eu cheguei lá não era assim: 10% da turma
eram mulheres, e mulheres negras tinham duas, contando comigo, em uma turma de 60’’.
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Paloma estudou em escolas públicas municipais e estaduais. Ela explica que, por isso,
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sempre teve contato com pessoas próximas a sua realidade. ‘‘Na faculdade, eu vi de cara a
diferença. Foi mais gritante a questão de gênero e depois veio a questão de raça ASSINAR
porque,
mesmo entre os homens, pouquíssimos eram negros. Mas eu fico feliz porque nessa minha
trajetória dentro da universidade, eu vi esse quadro mudando’’.
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Dados do Censo do Ensino Superior analisados pelo data_labe mostram que a porcentagem
de mulheres matriculadas nos cursos de tecnologia é bem menor. Em 2016, em engenharia
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da computação, 10% das pessoas matriculadas eram mulheres e, destas, 62% eram
brancas. Ou seja, mesmo as mulheres negras sendo 28% da população brasileira, o maior
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‘‘A gente tinha uma ilusão de que as questões de gênero já estavam resolvidas na educação
porque as mulheres eram maioria tanto na conclusão da educação básica quanto na
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participação no ensino superior. Mas a pergunta é: de quais mulheres estamos falando? O
que elas
NOSSAS escolhem e quem pode escolher?’’, questiona Suelaine Carneiro, coordenadora do
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Paloma Calado conseguiu ultrapassar essa primeira barreira, mas teve que aprender a lidar
com várias dificuldades. Na faculdade, ela viveu situações em que professores
desacreditaram do seu potencial: ‘‘O maior desafio é o contato com os professores. As
questões
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A cruzam, eu sou
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E RECEBA negra
NOSSO em computação’’.
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não ter sido ideal, ela também teve dificuldade em algumas disciplinas de matemática.
‘‘Estou até hoje lutando para concluir a faculdade. É um ambiente de pressão, tanto de
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pressão externa da sociedade quanto de mim mesma, por pensar que o tempo está passando
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e eu não me formo. Eu lutei tanto para estar ali, por que não tá dando certo? Será que não
sou capaz?’’.
Em 2019, entre as pessoas que concluíram o ensino superior, 27% eram mulheres brancas,
21%
mulheres
negras,
18% homens brancos e 14% homens negros. Ou seja, a porcentagem
de mulheres negras que concluíram o ensino superior é apenas um ponto percentual menor
do que as que ingressaram naquele ano. Isto indica que, apesar dos percalços e do tempo às
vezes maior que o inicialmente planejado, elas conseguem concluir o curso. Mas ao
observar a proporção apenas entre mulheres, a desigualdade racial se revela de forma mais
clara: mulheres negras representaram 35% das que se formaram, enquanto mulheres
brancas eram 45%. ‘‘Eu decidi fazer uma mudança bem drástica. Minha ideia era trancar o
curso de ciência da computação, mas optei por um processo de transição e estou fazendo
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disciplinas do curso de marketing’’, diz Paloma.
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percebia que a escola era um espaço ruim. Aconteceram vários episódios de racismo
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comigo, com a minha irmã, com outras mulheres que a gente conhecia. O que me chamou
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atenção é que não era uma coisa individual, era uma coisa muito comum nas trajetórias
escolares
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de quase todas as mulheres negras que eu conheço’’, recorda.
Na pesquisa, ela analisou dois casos de crianças negras que sofreram racismo na escola. Ela
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explica que as escolas costumam minimizar a violência sofrida e apontar a situação como
uma ocorrência normal. Se as mães das alunas não tivessem se posicionado, as situações
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passariam despercebidas. ‘‘Nos dois casos, os órgãos de educação falharam de maneira
direta em reconhecer o racismo e a gravidade dos casos. O que se tornou mais grave é não
prestar atendimento às crianças que sofreram a violência. O impacto psicológico foi
ignorado. Essa experiência da escola pode ser tão traumática a ponto de você não querer
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fazer uma faculdade depois ou não querer seguir no espaço de educação”.
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Para Bárbara, as ocorrências de racismo costumam ser encaradas pelas instituições de
ensino de forma isolada, como se não fossem um problema estrutural presente ASSINAR
em todos os
espaços: ‘‘Se a gente olhasse isso de uma forma estrutural, poderia pensar em estratégias
de prevenção’’. A pesquisadora também é uma das fundadoras e coordenadoras do Minas
Programam, que ajuda a criar espaços seguros para que mulheres negras possam aprender
sobre tecnologia. ‘‘As mulheres crescem escutando na escola que não vão ser boas nisso.
Nossas alunas do Minas Programam sempre escutaram isso, os pais achavam, os
professores e as pessoas em volta não necessariamente acreditavam que essas meninas
poderiam ser cientistas, tecnologistas, médicas’’.
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O racismo no ambiente escolar marca durante muito tempo pessoas negras. A estudante de
Relações Internacionais do Centro Universitário IBMR, no Rio de Janeiro, Milena Santos
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Francisco (26), lembra com tristeza a fala da professora na escola: ‘‘Quando a professora
brigava, ela falava: ‘você está conversando demais, como é que vai ser atendente do
McDonald’s assim?’ Na época, eu falei ‘quem disse para você que eu quero ser atendente do
McDonald’s?’ Mas depois eu percebi o quanto de racismo e de preconceito aquela frase
carregava’’.
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O incômodo
NOSSAS ÁREAS com o ambiente educacional e com professores não parou por aí. Já no início da
faculdade, Milena sentiu a pressão de tentar ser uma mulher negra fora do lugar que a
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sociedade impõe: ‘‘Sou bolsista, desde o primeiro dia já foi aquele choque porque só tinha
branco,
GN HUB classe média, morador da Zona Sul [área de maior poder aquisitivo no Rio de
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A estudante está desempregada desde 2017, quando trabalhava em uma ONG no Morro do
Borel, na Tijuca, Zona Norte do Rio, onde também mora. Em 2019, ela fez um curso para
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aprender a fazer trança e acabou decidindo investir na carreira de trancista. ‘‘Fiz o curso
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por hobby mesmo, foi uma experiência muito rica, aprendi muito e fiquei com essa vontade
de começar um negócio. Aí minha mãe falou ‘você é boa, acho que vale a pena investir’. E eu
estava sem renda, desempregada, então seria uma forma de ter uma renda fazendo uma
coisa que eu gosto’’.
Depois de alguns meses treinando, começou a ter clientes, mas precisou parar na pandemia
por falta de um espaço próprio. Desde 2017, Milena tenta vagas de emprego ou estágio, mas
até hoje não conseguiu. Diversas pesquisas mostram que mulheres negras são as mais
afetadas pelo desemprego no país, principalmente em momentos de crise. Entre o segundo
semestre de 2014 e o primeiro de 2017, a variação na taxa de desemprego foi elevada para
todos os grupos demográficos, mas há uma diferença na variação entre eles.
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LEIA TAMBÉM Na pandemia, mulheres ficam mais vulneráveis e são maioria entre
desempregados
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22/12/2021 12:50 Educação: O muro permanece alto para mulheres negras
Dois anos depois, sob os efeitos da pandemia de covid-19, os índices pioraram para toda a
população, mas foram as mulheres negras mais uma vez as mais afetadas. O relatório ‘‘A
Inserção das mulheres no mercado de trabalho’’, do Dieese, com base nos dados da Pnad
Contínua, aponta que parcela expressiva de mulheres perdeu sua ocupação no contexto da
crise sanitária. Entre o terceiro trimestre de 2019 e 2020, a quantidade de mulheres fora da
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força de trabalho aumentou 8,6 milhões, a ocupação feminina diminuiu 5,7 milhões e mais
504 milÁREAS
NOSSAS mulheres passaram a ser desempregadas. Neste período, a taxa de desemprego das
mulheres negras cresceu 3,2 pontos percentuais, e das não negras, 2,9 p.p. A taxa de
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desocupação das mulheres negras atingiu a alarmante taxa de 18% no terceiro trimestre de
GN HUBquando a taxa de desocupação do país era 14,6%.
2020,
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Pandemia aprofundou as desigualdades
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“A gente sabe que em todos os momentos de crise, de acirramento das condições
socioeconômicas, as mulheres e os negros serão os mais impactados’’, explica Suelaine
Carneiro. Na pandemia essa realidade não mudou, diz a pesquisadora, que coordenou, na
Geledés – Instituto da Mulher Negra, a pesquisa ‘‘A Educação de Meninas Negras em
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Tempos de Pandemia: O aprofundamento das desigualdades’’.
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Em 2020, foram realizadas entrevistas em São Paulo para compreender a percepção das
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famílias e professores sobre a educação em tempos de pandemia. ‘‘A gente tinha certeza
que havia uma lacuna de informação sobre o impacto da pandemia na educação, que era não
fazer o recorte racial e de gênero’’, afirma Suelaine.
comparadas a outros grupos, elas também foram as que menos conseguiram realizar as
tarefas escolares.
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Pesquisa realizada pela Pearson no Brasil, na China, nos Estados Unidos e no Reino Unido
revela
EQUIPE como o ensino à distância no país depende de políticas públicas para a educação. O
estudo mostra que a maioria dos pais brasileiros (83%) e estudantes universitários (86%)
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concorda totalmente que o governo deveria fazer mais para garantir o acesso à internet e
equipamentos tecnológicos para os alunos. Nos outros países, esse número é
FALE CONOSCO menor: 36% dos pais chineses, 49% dos estadunidenses e 50% dos
substancialmente
britânicos concordam que o governo deveria fazer mais.
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Para e-mail Carneiro, não se revertem as condições de desigualdade sem uma agenda
comprometida com mudanças estruturais, que já são reforçadas pelo movimento negro e de
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mulheres há anos. ‘‘Quando a gente recupera a história do movimento negro brasileiro, já
no século 19, há relatos de ações em que a escolarização da população negra é uma
demanda. A ação em defesa de cotas é uma estratégia de luta de movimento negro. As
mulheres também compreenderam a educação como uma janela de oportunidade para
possibilidades
outras de vida’’.
No dia 16 de julho, a estudante da UFRJ Paloma Calado recebeu uma notícia que balançou
seu coração: ela foi aprovada em uma vaga em uma empresa de tecnologia. ‘‘É um
recrutamento voltado para mulheres e pessoas negras, um programa de formação com
contratação imediata para trabalhar nesse ramo de tecnologia. Eu entrei com tudo porque
apesar de não ter tido um rendimento satisfatório como o que eu queria na universidade, é
uma área
Primeira que eu amo’’.
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‘‘No Brasil, a gente não pode se dar ao luxo de ignorar a genialidade das mulheres negras’’,
conclui a pesquisadora Bárbara Paes. ‘‘As ideias, as inovações que as mulheres negras têm
criado desde sempre são inestimáveis. As soluções para os problemas mais graves que a
gente tem não virão das mesmas pessoas, mas das pessoas que estão sendo mais
impactadas por esses problemas. No Brasil, eu diria que boa parte das pessoas que estão
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sendo mais impactadas pela desigualdade são pessoas negras e mulheres negras, não tem
como
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gente não priorizar a educação delas’’.
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