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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

ANA PAULA CUGULA DE MELO


GABRIEL PICCININI LABARBA SAGGIORO
PAOLLA DIAS BARBOSA FONSECA IZIDIO
YURI CARVALHO MACHADO

FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA:


UMA ANÁLISE DE CLASSE, RAÇA E GÊNERO NO BRASIL

JUIZ DE FORA
2023
1

ANA PAULA CUGULA DE MELO


GABRIEL PICCININI LABARBA SAGGIORO
PAOLLA DIAS BARBOSA FONSECA IZIDIO
YURI CARVALHO MACHADO

FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA:


UMA ANÁLISE DE CLASSE, RAÇA E GÊNERO NO BRASIL

Relatório final de pesquisa apresentado à


disciplina de Pesquisa Social II da Faculdade
de Serviço Social da Universidade Federal de
Juiz de Fora, para complementação da
avaliação do semestre.

Orientadora: Prof.Dra. Estela Saleh da Cunha

JUIZ DE FORA
2023
2

Resumo: A presente pesquisa tem como principal finalidade analisar a formação e


constituição da população em situação de rua no Brasil de acordo com seu perfil.
Através de uma análise bibliográfica e documental, buscamos fazer um resgate
histórico da formação social brasileira e um aprofundamento nas bases do sistema
capitalista no país, investigando o modo como o pauperismo foi se desenvolvendo até
chegar à crise habitacional vivenciada nos dias de hoje, com milhares de pessoas
vivendo nas ruas. Após esse debate, fizemos a análise da composição da população
de rua por meio de categorias pré-estabelecidas, entendendo sua particularidades e
singularidades de formação.
Perante o estudo julgamos necessário fazer também uma análise às políticas
nacionais e críticas à falta de dados e pesquisas atuais sobre essa população,
mostrando o descaso e silenciamento vivenciado por essa parte negligenciada da
sociedade.

Palavras-chave: População; Situação de rua; Capitalismo; Questão social; Direito;


Moradia; Políticas; Invisibilidade.

Abstract: The following research aims to analyze the formation and constitution of the
homeless population in Brazil according to their profile. Through a bibliographical and
documentary analysis, we seek to make a historical rescue of the brazilian social
formation and a deepening of the bases of the capitalist system in the country,
investigating the way in which pauperism was developed until reaching the housing
crisis experienced today, with thousands of people living on the streets. After this
debate, we analyzed the composition of the homeless population through pre-
established categories, understanding their particularities and singularities of
formation.
In this research we believe it was also necessary to analyze the national policies
and criticize the lack of current data and studies about this population, showing the
omission and silencing experienced by this neglected part of society.
Keywords: Population; Homeless; Capitalism; Social issue; Rights; Home; Policies;
Invisibility.
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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO…………………………………………………………….…...……..4
2. REFERENCIAL TEÓRICO…..………………..………………………….………... 5

2.1 ACUMULAÇÃO PRIMITIVA E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA……..……..5


2.2 POPULAÇÃO DE RUA: UMA EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL…... 6
2.3 O FENÔMENO DA POPULAÇÃO DE RUA…………………………..…… 9
2.4 PERFIL…………………………………………………………………..…......12
3. METODOLOGIA….………………………………………………………..………..16
4. RESULTADOS ALCANÇADOS….………………………………………………. 17

4.1 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA BRASILEIRA ………………….………17


4.2 ANÁLISE DE CATEGORIAS….……………………………………….……..22
4.2.1 RAÇA: UMA CATEGORIA DE ANÁLISE HISTÓRICA………………23
4.2.2 GÊNERO E A LIGAÇÃO COM A MORADIA…………..…………..….27
4.3 O NEGLIGENCIAMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DA POPULAÇÃO
EM SITUAÇÃO DE RUA……………..…………………………………………….32
4.4 INVISIBILIDADE E PRECARIEDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA A POPULAÇÃO DE RUA…………..………………………………………41
4.5 FALTA DE DADOS………………………………..........................…………42
5. CONCLUSÃO….…………………………………………………………………….46
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS….…..……………………………..………..47
4

1. INTRODUÇÃO

Esse trabalho tem como objetivo compreender a forma como a população em


situação de rua é constituída no Brasil, com base nas categorias de raça e gênero,
considerando que é preciso conhecê-la para pensar em políticas públicas adequadas.

A população em situação de rua pode ser compreendida como um conjunto de


indivíduos sem acesso ao direito básico de moradia e para os quais só resta a rua
como espaço de sobrevivência. Historicamente, o sistema capitalista precisa de um
crescimento contínuo do exército industrial de reserva, ou seja, de pessoas que não
conseguem trabalhar para que os que trabalham não se revoltem contra os salários
baixos e a exploração ao saberem que podem perder seu emprego para o indivíduo
da reserva. A existência dessa população é, portanto, uma das expressões mais
dramáticas da questão social, a qual é resultado da acumulação capitalista na medida
em que o capitalismo desenvolve sua força produtiva e reestrutura novas formas de
garantir a extração de mais-valia.

No contexto da sociedade atual, com a crise política interna no país e a


econômica que alastrou o mundo nos últimos anos, o avanço do neoliberalismo no
Brasil e a pandemia da COVID-19, milhões de brasileiros foram jogados na miséria. A
partir de medidas econômicas como demissão em massa, privatização de empresas
estatais, contrarreforma trabalhista e da previdência, corte de verbas em serviços
públicos, aumento no preço dos aluguéis e alimentos e o teto de gastos públicos em
educação, saúde e moradia, o pauperismo segue aumentando.

O último perfil traçado de pessoas em situação de rua no país foi há mais de


uma década atrás e, levando em conta pesquisas independentes que afirmam que a
pobreza no Brasil é constituída majoritariamente por mulheres negras, torna-se
necessário entender quem são essas pessoas que vivem nas ruas atualmente e como
se deu o processo histórico para essa situação. Logo, questionamos: como a
formação social do Brasil, atrelada às desigualdades e explorações do modo de
produção capitalista e à atual crise de saúde, política e econômica que atinge o Brasil
impactou o perfil da população de rua?

Além de buscar respostas para esse questionamento, enxergamos a


necessidade de fazer uma crítica a essa ausência de dados atuais sobre a população
em situação de rua que é invisibilizada e negligenciada.
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2. REFERÊNCIAL TEÓRICO

2.1. ACUMULAÇÃO PRIMITIVA E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA

O presente trabalho baseia-se na compreensão da população em situação de


rua como uma expressão da questão social derivada do capitalismo monopolista. Por
isso, é necessário, em primeiro momento, esclarecer as bases da gênese e
manutenção do modo de produção capitalista e a forma como se desenvolveu para
chegar a resultar na questão social observada hoje. Nesse sentido, o conceito de
“acumulação primitiva” ganha considerada importância, uma vez que constitui a pré-
história do capital e se caracteriza como o processo histórico que dissocia o
trabalhador dos meios de produção.

Para explicitar, utilizamos a perspectiva de Karl Marx (1867), que aponta o início
do processo de acumulação primitiva na Inglaterra, no período de transição do
feudalismo para o capitalismo, a partir do momento em que houve o rompimento das
vassalagens, com uma violenta expropriação do povo do campo. Além disso,
caracteriza o momento em que os meios de vida dos camponeses começaram a ser
submetidos à lógica do capital.

Como consequência desse momento histórico, criou-se uma das principais


condições necessárias para o desenvolvimento do modo de produção capitalista: a
divisão entre os possuidores da propriedade da terra e de recursos para a compra da
força de trabalho e aqueles que apenas dispunham de sua força de trabalho como
mercadoria. Pode-se afirmar, seguindo o pensamento de José Paulo Netto (2010),
que a acumulação primitiva originou a principal condição para a existência do modo
de produção capitalista, que é a contradição entre capital e trabalho.

Feita esta contextualização, podemos tratar das principais características do


modo de produção capitalista, que tem como objetivo central o lucro a partir da
exploração da força de trabalho e extração da mais-valia. Quanto maior a extração de
mais valia, maior é também a concentração de capital nas mãos de poucos, além de
uma centralização de poder nos setores da economia. Isto depende diretamente da
exploração da força de trabalho, a qual ocorre a partir da dominação da classe
trabalhadora pela classe burguesa.
6

É dentro dessa lógica que o capitalismo vem se desenvolvendo nos últimos


séculos e criando ferramentas de manutenção. Para o presente trabalho é necessário
analisarmos a formação do exército industrial de reserva, que representa uma parte
da classe trabalhadora jogada ao desemprego, como ferramenta indispensável e
constitutiva para a continuação da dinâmica do capitalismo. Segundo Netto e Braz: “o
desemprego em massa não resulta do desenvolvimento das forças produtivas, mas
sim do desenvolvimento das forças produtivas sob as relações sociais de produção
capitalista” (2010, p. 134), ou seja, à medida em que a acumulação se desenvolve, a
classe trabalhadora se torna cada vez mais suscetível ao desemprego e, logo,
vulnerável, pauperizada e, com os que estão em sua base, vegetando na miséria e na
pobreza.

No sistema capitalista, a riqueza social e a pobreza crescem simultaneamente,


gerando uma grande polarização que é necessária para a perpetuação do modo de
produção capitalista. Marx enuncia esse princípio na lei geral da acumulação
capitalista:

Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a


energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do
proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército
industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas
mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional
do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências de
riqueza. Mas quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército
ativo de trabalhadores, tanto mais maciça a superexploração consolidada,
cuja miséria está em razão inversa do suplício de seu trabalho. Quanto maior,
finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial
de reserva, tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei absoluta geral, da
acumulação capitalista. (2001. p.209)

É nesse contexto de acumulação capitalista que surge o debate sobre a


questão social, a qual, ao passar do tempo, se expressa de maneiras diferentes à
medida que a acumulação e o capitalismo avançam.

2.2. POPULAÇÃO DE RUA: UMA EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL

Os esforços para identificar as origens da questão social são necessários, visto


que possuem relação direta com a conformação da população em situação de rua.
Essa gênese remete às condições estruturais históricas do capitalismo que, para
análise, o presente trabalho seguirá a perspectiva desenvolvida pela autora Viviane
Pereira em sua tese de mestrado, intitulada “POPULAÇÃO DE RUA EM JUIZ DE
FORA: uma reflexão a partir da questão social” (2007), em que a questão social é
7

entendida como um conjunto de manifestações da desigualdade social nas


sociedades que vivenciam o capitalismo maduro.

O termo foi usado pela primeira vez por volta de 1830, referindo-se à pobreza
como um fenômeno geral no início do capitalismo industrial e reconhecendo como um
problema social resultante do desenvolvimento sociopolítico do sistema. Nesse
sentido, não é possível falar de questão social antes da Revolução Industrial, pois foi
apenas a partir dela que as relações sociais de produção se complexificaram e foram
modificadas o suficiente para demarcar a divisão da sociedade capitalista em classe
burguesa e classe trabalhadora. Interligando a gênese da questão social com o
fenômeno da população em estudo, Pereira afirma:

Na tentativa de articular essa perspectiva de análise ao fenômeno da


população de rua, percebemos que este, se relacionado diretamente a
gênese da questão social, seria também uma expressão das desigualdades
sociais resultantes das relações capitalistas maduras, que se desenvolveram
a partir do capitalismo industrial, no momento de acentuação do pauperismo.
(2007. p.13)

O século XIX foi um marco importante na história do desenvolvimento do


capitalismo industrial. O regime capitalista mudou tudo ao seu redor, criando redes de
relações sociais e novos ritmos de vida e trabalho, mostrando que sua influência não
se limitava às relações comerciais ou aos processos industriais. O desenvolvimento
da industrialização frustrou as expectativas otimistas de resolver o problema da
pobreza, pois, não só a pobreza não diminuiu, como aumentou. A típica pobreza "fora
de sintonia" com a ordem tradicional é residual, acompanhada de grande sofrimento,
e vista como consequência direta do funcionamento do novo sistema econômico. Ao
lado do indivíduo sem emprego, aparece um trabalhador cujo salário é muito baixo
para viver com dignidade.

De acordo com Marx em O Capital (2001), há superpopulações intermitentes,


consistindo em extratos da classe trabalhadora na ativa, vivendo em condições abaixo
da média e com empregos irregulares. Essa condição de existência carrega sinais de
profunda desigualdade. A situação de viver nas ruas das cidades é, antes de tudo, o
resultado da privação de oportunidades de emprego, devido às profundas mudanças
econômicas e a necessidade de manter um exército industrial de reserva para
manutenção da ordem. Crises cambiais (levando à mobilidade espacial em busca de
sobrevivência econômica e empregos); deslocamento de grandes infortúnios sociais
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como guerras, epidemias, desastres naturais e mudanças políticas, são uma


combinação de fatores que também podem explicar a falta de moradia, porém, na
maioria das vezes, existe um motor inicial.

As cidades vão mudando gradativamente, separando corpos e funções,


ampliando as fronteiras com o campo e afastando-se das atividades a ele associadas;
enfim, identificando mais lugares para limitar a circulação das pessoas que vivem nas
ruas. Como a racionalidade urbana se concretizou no século XVIII, sua organização
foi pautada pelos conceitos de progresso e função do espaço e, assim, uma
distribuição mais equilibrada e complementar dos espaços urbanos, aliada ao
aumento da exploração do trabalho, outra leitura da indigência. A vida nas ruas passou
de ser considerado “crime moral” a "crime econômico”, reforçando a imagem dos
desempregados e miseráveis como poluidores, vagabundos e criminosos perigosos.

Contudo, é necessário ressaltar também que a pobreza abjeta (pauperismo)


criada pela ordem econômica e social começou a ameaçar o próprio sistema. Isto
significa que, o aumento do processo de urbanização e industrialização determina a
precarizada condição de vida da classe trabalhadora, bem como sua consciência das
condições de exploração e a necessidade de combater seus opressores.

No Brasil, o processo de modernização é caracterizado por muitos setores da


população que não estão integrados ao sistema econômico e político moderno. A
principal explicação para a existência da pobreza crônica é de natureza econômica,
mas intimamente relacionada às instituições políticas e culturais. A pobreza
transcende, assim, a privação material, e, se seu termo ainda é definido no Brasil
escravista, constitui o dilema de uma época em que os estados escravistas são
obcecados pela construção da nacionalidade e cuja expressão é redefinida e
reelaborada no terreno do conflito da vida urbana.

Até a década de 1930, a economia brasileira baseava-se em duas atividades


agrícolas principais: plantações para o mercado internacional, especialmente café, e
agricultura de baixa produtividade para o mercado interno. Em ambos os casos, as
terras pertenciam aos descendentes de antigos colonos portugueses, adquiridos por
meio de concessões políticas. A maior parte da mão de obra vinha da população
escravizada e, até o final do século XIX, seus descendentes trabalhavam como
arrendatários, entretanto, com o tempo, esse quadro simplificado se tornará mais
9

complexo. Neste contexto, o parque industrial, ainda incipiente, não permitia a


concentração do proletariado, mas a questão social já era percebida. As condições de
trabalho precárias e a tensão na luta de classes é permanente pela falta de uma
legislação trabalhista.

Com a consolidação da industrialização, o Brasil entrou em um período de


maior desenvolvimento econômico, acompanhado de maiores taxas de crescimento
populacional e de urbanização. A concentração da população em áreas urbanas traz
problemas como assistência, educação, habitação, saneamento básico, infraestrutura
etc. A concentração de renda, a desigualdade social e as relações de trabalho
também se intensificaram, o que aguçou a questão social. O Brasil tornou-se, assim,
um grande país com a grande maioria de seus habitantes vivendo em centros urbanos
e, com o tempo, a economia passou a ser de um dos países mais desenvolvidos em
termos per capita. No entanto, os níveis de pobreza e desigualdade são muito mais
altos e um dos piores do mundo. A maioria da população de baixa renda vive nas
cidades, principalmente, nas periferias desta. Como resultado, a população do
exército industrial de reserva e sem teto também alcançou níveis gigantes.

2.3. O FENÔMENO DA POPULAÇÃO DE RUA

Ainda possuindo como referência a tese de mestrado de Viviane Pereira,


intitulada “POPULAÇÃO DE RUA EM JUIZ DE FORA: uma reflexão a partir da
questão social” (2007), que exibe a perda dos vínculos dos indivíduos em situação de
rua com a família, seus relacionamentos comunitários, com o mercado de trabalho e
toda a sua totalidade, aproximamo-nos do debate sobre como essa população chegou
na situação de rua. A pesquisa destacada, inicialmente, toma um rumo mais amplo ao
analisar algumas metrópoles brasileiras para, após, focar na cidade de Juiz de Fora.

É constatado, de acordo com Pereira, que, nas metrópoles observadas no ano


de 2006, o perfil da população de rua do Brasil é marcado principalmente por homens
(77,87%), de 25 a 55 anos, alfabetizados com 4 a 8 anos de estudo, com algumas
experiências profissionais e sem vínculo com a família ou com o mercado de trabalho.
É imprescindível destacar que o censo populacional por sexo não está relacionado à
variante por sexo da população de rua, o perfil desta população está ligado mais ao
mercado de trabalho.
10

A maioria desta população, antes de irem para as ruas, obtiveram


movimentações no mercado de trabalho com experiências precárias e exploratórias,
principalmente dentro das áreas de construção civil, indústrias e ocupações
domésticas. Porém, nas ruas, a situação de trabalho se encontra ainda mais precária
para aqueles que conseguem sobreviver, pois a fonte de renda passa a ser em
atividades relacionadas à mendicância; automóveis, como vigiar veículos na rua ou
lavar; e coleta de materiais recicláveis, como latas. Em Recife, por exemplo, a principal
fonte de renda, com o percentual 47,77%, é a mendicância, o que difere de São Paulo
que, na data da pesquisa, a coleta de recicláveis era a forma de renda com o maior
percentual 31,50%.

Apesar da complexa relação com o trabalho, um dos maiores problemas que


circunda o fenômeno da população de rua é, na realidade, a naturalização da mesma
feita pela sociedade. Devido a negligência de políticas sociais e o baixo acervo de
pesquisas feitas na área, a culpabilização dos próprios indivíduos sobre o seu estado
é recorrente e as necessidades dessa população são ignoradas. Seguimos como no
período feudal, em que a culpa da pobreza recaí em motivos do indivíduo ser
“vagabundo” ou "desabençoado", enquanto a desigualdade intrínseca ao sistema
socioeconômico é desconsiderada.

Em Juiz de Fora, ao entrevistar 5 homens em situação de rua entre 25 e 48, e


que vivem de 6 a 12 anos em situação de extrema pobreza, Pereira constata que
todos os entrevistados obtinham vínculos familiares anteriores que eram numerosos,
com diversos desentendimentos e de baixa renda. Os outros vínculos comunitários
anteriores eram extremamente frágeis e marcados de desavenças, o que nos permite
concluir que a falta de apoio familiar e comunitário é um dos fatores determinantes
para sair de casa para as ruas, pois evidencia a falta de suporte e de uma rede de
apoio frente a fragilidades financeiras e emocionais. Portanto, nenhuma dessas
pessoas foram às ruas sem motivações, todas encontraram nela a sua última opção
por fatores como o não pertencimento em grupos sociais, juntamente da sensação de
abandono e a situação de extrema pobreza e desemprego, como Pereira explica:
As trajetórias de vulnerabilidade dos vínculos com essa dimensão ocorrem
num contexto de diminuição dos postos de trabalho, precarização,
instabilidade ocupacional e dificuldades de inserção da mão-de-obra não
qualificada. A não inserção no mundo do trabalho se caracteriza
especialmente pelo fato de que tem aumentado o contingente populacional
economicamente desnecessário e supérfluo ao sistema capitalista. (2007.
p.23)
11

Dessa forma, é possível compreender que as consequências do modo de


produção capitalista reforçam uma enorme desterritorialização dos sujeitos e suas
respectivas moradias. O mercado de trabalho também não se mostra inclusivo para
as pessoas que se encontram nessa situação, exigindo cada vez mais uma
qualificação que elas não têm acesso e estigmatizando um preconceito que resulta na
crescente marginalização das pessoas desempregadas. A maioria das pessoas em
situação de rua, de acordo com Pereira, se encontram frustrados por tentarem
diversas vezes se inserir no mercado de trabalho e serem constantemente rejeitados,
o que marca, mais uma vez, a falta de pertencimento social. Tanto no mercado de
trabalho formal, quanto no informal, uma vez que estão em desvantagens físicas e
emocionais até mesmo dos trabalhadores pauperizados que exercem atividades
informais, não há espaço para eles.

Essas pessoas se tornaram desnecessárias economicamente, além de


estarem passíveis a eliminação e violência por serem consideradas uma ameaça à
sociedade, ou seja, são completamente excluídas e marginalizadas, o que torna a
superação da situação de extrema pobreza cada vez mais impossível. O termo
“inutilidade social” citado por Castel (1988), explica perfeitamente o fenômeno das
consequências do capitalismo, em que as pessoas excluídas do mercado de trabalho
se tornam sem valor para a sociedade capitalista por não conseguirem acompanhar o
seu fluxo, ao mesmo tempo em que sua existência, enquanto exército industrial de
reserva, é utilizada para manutenção da ordem. Posta a precária situação de
sobrevivência, uma característica forte das pessoas que vivem há anos em situação
de rua é o uso de álcool e drogas para esquecer problemas e obter coragem para
enfrentar a árdua vida nas ruas, a qual exige que seja “cada um por si” e só oferece
vínculos frágeis e quase inexistentes

Logo, é possível fazer algumas constatações: essas pessoas não possuem um


lugar na sociedade; existem poucas políticas efetivas para devida inserção; e, por fim,
o fenômeno de existência desta população, da forma como conhecemos hoje, é
oriundo da acumulação primitiva do capital, o que marca desde seus primórdios a
reprodução da questão social, junto da desigualdade social e da marginalização dos
que são excluídos da dinâmica do capitalismo.
12

2.4. PERFIL

Em toda história da sociedade de classes, encontram-se pessoas em situação


de rua, mas com diferentes classificações que demonstram as concepções
ideológicas dominantes de cada época, como: vagabundos, mendigos, sem domicílio
fixo etc. Por isso, a questão urbana possui uma importância central ao concentrar um
grupo que sofre de forma mais trágica as consequências do sistema capitalista com
sucessivas perdas de casa, trabalho e subjetividade, além de enfrentar mais
diretamente a violência, a fome e o preconceito. Nicole Ramos e Victoria Magalhães,
militantes do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas, explicam na matéria
“Quase 32 mil pessoas vivem nas ruas de São Paulo”, publicada pelo Jornal A
VERDADE em junho de 2022:
[...] é posto à classe que vive do trabalho condições desumanas de
sobrevivência, tendo em vista que a desigualdade é o motor desse sistema,
para que a acumulação seja posta na mão de poucos a pobreza tem que ser
generalizada. Criando assim um estado de calamidade, em que não há
escolhas e a única alternativa possível para uma parte cada vez maior da
população é sobreviver nas ruas, por resultado da falta de moradia, de
emprego, de alimentação e condições básicas para se viver (p.1)

Quanto mais tempo uma pessoa passa na rua, mais ela desenvolve um modo
de vida próprio que garanta sua sobrevivência. Em contrapartida, as condições
também vão ficando mais precárias, tal como vai diminuindo as chances de saírem
dessa situação. Acabam dependendo da filantropia para terem o que comer e sendo
mais marginalizadas pelo Estado burguês. Na matéria ‘“Pra eles a gente não tem
valor”, a realidade das pessoas em situação de rua no centro de SP’, publicada no
Jornal A VERDADE em dezembro de 2021, Beatriz Zeballos e Luis Henrique Chacon,
também militantes do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas, assinalam:
A invisibilidade e descaso do governo contra a população em situação de rua,
formada em parte por trabalhadoras e trabalhadores que perderam sua única
fonte de renda por conta da pandemia, expressa as contradições que
envolvem o sistema capitalista. (p.2)

Para fins de comparação acerca do perfil, utilizaremos o Trabalho de Conclusão


de Curso feito por Meimei de Oliveira, em 2007, intitulado “População de Rua em Juiz
de Fora: O Acesso aos Serviços da Política de Assistência Social”, e o Censo e
Diagnóstico da população em situação de rua em Juiz de Fora realizado no mês de
outubro de 2022, em uma parceria da prefeitura da cidade com a Universidade Federal
de Juiz de Fora. Para isso, é importante evidenciar primeiro que, em 2007, o Brasil
tinha mais investimentos - apesar de ainda insuficientes - em programas habitacionais
13

e vivia um período de crescimento econômico durante o governo social-democrata do


Partido dos Trabalhadores (PT). Porém, a falta de moradia era um problema que
seguia aumentando e, durante a década seguinte, medidas antipovo começaram a
ser implementadas, como o corte de R$5,1 bilhões, anunciado no final de fevereiro de
2011, no orçamento do programa “Minha Casa, Minha Vida". O fato é que a política
habitacional nunca foi pensada para o povo, mas para gerar lucro à iniciativa privada.
A tese do 3ª Congresso Nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas
(2011), que organiza famílias para lutarem pela reforma urbana, pelo socialismo e
fazerem ocupações urbanas e moradia popular, ressalta:
O objetivo dessas medidas não é outro senão obter ainda mais dinheiro para
pagar os escandalosos juros da dívida pública e, dessa forma, manter o
sistema financeiro internacional e garantir os lucros da oligarquia financeira,
uma minoria de parasitas que vivem às custas do suor dos trabalhadores.
(p.2).

Dez anos após esta afirmativa, a auditoria cidadã da dívida publicou que
50,78% do orçamento federal de 2021 foi gasto apenas em juros e amortização da
dívida pública, enquanto menos de 5% foi direcionado a políticas de moradia e, em
meio a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, apenas 4,18% foi para saúde. Ao
mesmo tempo, o Brasil já vivia há mais de uma década marcado por forte crise
econômica e política com a extrema direita tomando as ruas do país em grandes
manifestações, o golpe político de 2016, as medidas neoliberais do ex-presidente
Michel Temer e o avanço do fascismo, o que gerou profundo aumento da
desigualdade social e de renda. Os grandes capitalistas se aproveitaram da crise para
aumentar a acumulação de riquezas e deixar mais pessoas vivendo em situação de
extrema pobreza, enquanto ficava evidente que a socialdemocracia, durante o período
que estava no poder antes do golpe, cumpriu bem o papel nomeado por Georgi
Dimitrov de “antessala do fascismo” (1935).

No contexto de ofensiva do fascismo sob implantação de políticas neoliberais,


as cidades são vistas como mercadoria e submetidas à lógica capitalista de aumento
da acumulação de capital. Maria Lúcia Duriguetto, no artigo “Criminalização das
classes subalternas no espaço urbano e ações profissionais do Serviço Social” (2017)
explica:

O planejamento estratégico das cidades é, assim, pensado e desenvolvido


ante os ditames da mundialização, que subordinam as cidades à criação de
instrumentos voltados para incrementar sua competitividade e para ofertá-las
no mercado global, que integre a organização dos espaços urbano-regionais
e os investimentos públicos nos circuitos de valorização do capital e de
14

atratividade para os grupos econômicos privados. [...] No Brasil, essa


ideologia da cidade vendável é particularmente presente na conjuntura dos
megaeventos esportivos, como na Copa do Mundo em 2014 e das
Olimpíadas em 2016. Para a realização desses eventos, o Rio de Janeiro se
tornou uma cidade em que o poder público garantiu a valorização do capital
por meio de legislações de isenções e favores fiscais e urbanísticos.19 É
nesse contexto que vem se configurando a prática de criminalização dos
moradores que habitam áreas estratégicas para a valorização do capital bem
como de suas resistências, que podem ser evidenciadas nas ações das
remoções. [...] Destaca-se, nesse contexto, as massivas ordens de despejo
feitas pela Procuradoria Geral [...]. (p.114)
Este quadro se acirra em 2018 com a vitória de Jair Bolsonaro (PL),
representante da ala fascista da política brasileira, para a presidência. Com isso, o
país vive 4 anos de fascismo no poder que custam caro para a classe trabalhadora, a
qual enfrenta contrarreformas que retiram direitos, aumento no custo de vida, ameaça
à democracia e total descaso com a população pobre. Para piorar, a pandemia cria o
cenário perfeito para acirramento das desigualdades e da acumulação de capital. Tal
perspectiva é apresentada na matéria “Pobreza e violência: um retrato do Brasil com
Bolsonaro”, escrita por Karina Rodrigues Albuquerque e publicada pelo jornal A
VERDADE em 2022:

Portanto, é notório como a situação dos brasileiros se torna cada vez mais
precária com as políticas liberais adotadas pelo desastroso governo de Jair
Bolsonaro. O saldo de seus quase quatro anos de gestão é o aumento dos
lucros das grandes empresas, falência dos pequenos comércios, aumento da
violência contra mulheres, negros e pessoas da comunidade LGBT,
desemprego e fome. Por mais que Bolsonaro, os militares e toda essa corja
liberal insistam em seu fictício plano de progresso no país, a realidade se
impõe e desmascara a política liberal que apenas aumenta a acumulação de
capital para os ricos e joga os pobres cada vez mais à sua própria sorte,
fazendo com que o Estado atue como um Robin Hood às avessas, tirando
dos pobres para dar aos ricos. (p.3)
Não é de se surpreender, neste cenário, o visível crescimento do número de
pessoas vivendo pelas ruas do país nos últimos anos e Juiz de Fora não fugiu desse
resultado. Fica claro, para aqueles que prestarem atenção ao andarem pelo centro da
cidade, que a população em situação de rua aumentou. Contudo, o perfil desta, após
toda a mudança conjuntural apresentada desde 2007, não pode ser o mesmo.

A pesquisa de Meimei Oliveira (2007) identificou cerca de 745 pessoas em


situação de rua em Juiz de Fora, mas muitas possuem endereço fixo e permanecem
a maior parte do tempo nas ruas por variados motivos, como distância do centro para
suas casas e falta de recursos para o transporte coletivo. Destas 745 pessoas, 79,2%
se autodeclararam negros ou pardos, evidenciando o traço racial da pobreza no Brasil,
característica resultante de séculos de escravidão desse povo e uma abolição que
15

não garantiu mínimo de direitos. No quesito de faixa etária, 48,6% tinham entre 31 e
50 anos e 7,7% acima de 61 anos, mas esse percentual passava por um processo de
aumento, o que demonstrava que a população em situação de rua acompanhava o
processo intenso de envelhecimento da população total de Juiz de Fora da época. A
maioria eram homens e apenas 16,9% mulheres, o que a autora supõe vir do fato de
que o trabalho do homem é predominantemente fora do espaço doméstico e a mulher
ser mais vinculada à família e estar mais submetida a violência. Quanto à
escolaridade, 72,3% não possuíam ensino fundamental completo. Um dado
importante da pesquisa é que 60% dessas pessoas não tinham origem em Juiz de
Fora, além de que o desemprego foi o que levou 41,6% delas para a rua e 62,6%
afirmou precisar de emprego e renda para sair da rua.

Posto o contexto, é compreensível a necessidade de entender como as


mudanças conjunturais afetam esse perfil na cidade de Juiz de Fora, a partir da análise
dos dados obtidos com Censo realizado pela prefeitura de Juiz de Fora em parceria
com a Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Para
além disso, é de extrema importância entender sobre a Política Nacional para
População em Situação de Rua, instituída em 2009 por meio do Decreto Nº 7.053.
Essa política traz uma série de princípios, diretrizes e objetivos que buscam garantir
a dignidade da pessoa humana como prioridade de respeito, acolhimento às
diversidades sociais e direito a um atendimento universal com valorização à vida.
Porém, o questionamento do quanto dessa política está sendo cumprida em 2022 é
igualmente compreensível de ser realizado.
16

3. METODOLOGIA
Inicialmente, a pesquisa seria desenvolvida em duas etapas que estariam
interligadas. A primeira diz respeito ao suporte teórico das bibliografias escolhidas,
tendo como base principal o método do materialismo histórico-dialético, que permite
uma análise da totalidade social. O segundo momento seria uma análise documental
dos dados apresentados pelo projeto do Censo e Diagnóstico da população em
situação de rua em Juiz de Fora - MG (2022), no qual também estivemos envolvidos
diretamente, e um comparativo com os dados apresentados na pesquisa do Trabalho
de Conclusão de Curso da Meimei Oliveira sobre o perfil da mesma população em
2007.
O Censo e Diagnóstico foi realizado no mês de outubro em uma parceria da
prefeitura de Juiz de Fora com a Universidade Federal de Juiz de Fora, objetivando
traçar o perfil dessas pessoas para o planejamento de políticas públicas mais
adequadas no atendimento dessa população. Entretanto, com a dinâmica dialética da
realidade, ocorreu um atraso na divulgação dos dados coletados no Censo e foi
necessário alterarmos a metodologia e traçarmos um novo objetivo, de forma que se
mantivesse o tema sobre o perfil da população em situação de rua.
Nesse sentido, a pesquisa foi desenvolvida por meio de uma análise
documental e teórica, que permitiu a compreensão sobre como a população em
situação de rua é formada no Brasil e de como essa situação se perpetua até os dias
atuais. Além disso, aprofundamos observações das categorias que se articulam
dentro das classes, raça e gênero, para compreender como afetam a questão da
moradia.
17

4. RESULTADOS ALCANÇADOS

4.1. FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICO BRASILEIRA

Para tratar sobre o fenômeno da população em situação de rua, uma das


maiores expressões da questão social, faz-se necessário trabalhar com um resgate
da formação sócio-histórica do Brasil, compreendendo suas particularidades e
especificidades.

No período da colonização, a Europa já havia consolidado a transição do


feudalismo para o capitalismo, tendo como pilares principais as monarquias
absolutistas, o mercantilismo e o colonialismo. Nesse contexto, Portugal como um dos
países pioneiros na expansão marítima, conseguiu estabelecer grandes impérios
coloniais para cumprir com o objetivo de desenvolver atividades economicamente
produtivas na América. Esse foi o início do sistema colonial, que estava estruturado
sob o sistema monopolista e o escravismo e que tinha como propósito que as
metrópoles acumulassem riqueza às custas das colônias.

O caso do Brasil como colônia de Portugal não foi diferente. A lógica mercantil,
colonial e escravista se perpetuou por anos, com o tráfico de escravos vindos da
África, a produção do açúcar e a exploração de riquezas para atender a metrópole.
Os indígenas que habitavam a região foram catequizados, logo, encontraram na África
a mão de obra escravizada que necessitavam para o país e assim o tráfico negreiro
se tornou uma das principais atividades econômicas para os portugueses.

Durante o regime escravocrata, pode-se destacar as condições de brutalidade


e barbaridade às quais as mulheres escravizadas eram submetidas. Pelo fato de
serem mulheres negras e escravas, eram consideradas muito inferiores em uma
sociedade onde a opressão e o sexismo estavam sempre presentes. Giacomini (1988)
aponta:

A lógica da sociedade patriarcal e escravista parece delinear seus contornos


mais brutais no caso da mulher escrava. A apropriação dos conjuntos das
potencialidades dos escravos pelos senhores compreende, no caso da
escrava, a exploração sexual do seu corpo, que não lhe pertence pela própria
lógica da escravidão. (p.65)
18

Mesmo ocupando esse papel na sociedade da época, as mulheres


escravizadas atuaram de forma imprescindível para a abolição do regime escravista,
travando lutas e resistência por direitos e liberdade.

O sistema colonial entrou em crise, dentre outros motivos, pelo advento do


Iluminismo, a crise da monarquia e a chegada da Família Real no Brasil, e teve seu
fim decretado pela Independência do Brasil, em 1822. A economia passava por
dificuldades com a exportação de açúcar e algodão, então, a mineração passou a ser
uma importante atividade econômica para o país, ainda utilizando da mão de obra
escrava. Com o declínio da atividade mineradora, a agricultura retomou seu lugar de
protagonista, com a produção e exportação de café em larga escala. Pela visão de
Caio Prado Jr., na transição do Brasil colônia para nação não houve ruptura com o
passado colonial, uma vez que mantiveram-se os latifúndios, as relações de trabalho
pré-capitalistas e a manutenção dos setores pré-capitalistas.

Em 1850, dois fatos merecem destaque: foi promulgada a Lei de Terras no


país, instituindo a propriedade privada da terra. Essa lei impedia que camponeses e
ex-escravos tivessem acesso à terra como propriedade e já moldava as relações de
produção típicas do sistema capitalista. Além disso, nesse mesmo ano, com a Lei
Eusébio de Queirós, o tráfico negreiro se tornou ilegal no Brasil.

Com a crise do sistema escravista e precedido por algumas leis, como a Lei
do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários, em 1888 aconteceu a abolição da
escravidão, através da Lei Áurea. Esse fato histórico, juntamente com a Proclamação
da República, em 1889, marcou um momento de “europeização” e de branqueamento
da população brasileira:

A sociedade burguesa começava a desenvolver-se sem os entraves do


regime de trabalho escravo, que atava o trabalhador aos meios de produção,
baralhava as forças produtivas e as relações de produção. Esse foi o contexto
em que se acentuou a valorização do trabalhador branco, imigrante europeu,
como agente ou símbolo da redefinição social e cultural do trabalho braçal
(IANNI, 2004, p.133)

Esse momento pode ser entendido como o esforço feito para desvincular o
trabalho das marcas deixadas pela escravidão, e assim, torná-lo uma atividade “digna
de honra” e exercida pelos imigrantes. As modificações nas concepções e nas
19

idealizações da sociedade ocorriam juntamente com as mudanças nas forças


produtivas e nas relações de produção, na tentativa de redefinir o trabalho e o
trabalhador. O imigrante europeu tinha o seu trabalho extremamente valorizado, uma
vez que exercia uma atividade submetida aos ajustes do capital.

Além disso, desde que o país foi colonizado, Portugal enviava para o Brasil
os considerados “vagabundos” e “mendigos”, as prostitutas e quem tivesse cometido
algum tipo de crime, como forma de punição. Assim, chegava ao país quem era
considerado “desajustado” pela Europa, sem nenhum tipo de política que lhes
garantisse direitos. Atrelado a isso, a forma como se deu o processo de abolição da
escravidão também não garantiu direitos à população negra e não significou a sua
emancipação. Largados à própria sorte e sem nenhuma política que permitisse sua
integração na sociedade, foram obrigados a ocuparem as áreas periféricas das
cidades e a se inserirem em atividades precarizadas e desumanas como única forma
de sobrevivência. Assim, estavam dadas as bases de formação da classe
trabalhadora no país:

Destarte, foi sob esses moldes, a partir da industrialização, que houve a


formação do operariado industrial no início do século XX, expandindo-se de
forma concentrada em grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de
Janeiro. Desta maneira, a classe trabalhadora assalariada foi se conformando
tendo significativas diferenças quanto à sua origem nacional e étnica-racial,
sendo composta de forma heterogênea por imigrantes e ex-trabalhadores(as)
escravizados(as), com a predominância dos primeiros no setor industrial e
dos segundos nos serviços domésticos e em ocupações sem profissão
definida. (ELIAS, 2019, p.66)

À medida que o trabalho assalariado foi se difundindo e a lógica capitalista foi


sendo incorporada pelo país, a sociedade foi sendo perpassada pelas contradições
próprias desse modo de produção. Desde a pré-história do capital, na chamada
“acumulação primitiva”, os trabalhadores foram dissociados dos meios de produção,
criando a condição básica para que o capitalismo se desenvolvesse. Marx (1867,
p.828) aponta que:

Duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadoria têm de


confrontar-se e entrar em contato: de um lado, o proprietário de dinheiro, de
meios de produção e de meios de subsistência, empenhado em aumentar a
soma de valores que possui, comprando a força de trabalho alheia; e, do
outro, os trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e,
portanto, de trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque não são
parte direta dos meios de produção, como escravos e servos, e porque não
20

são donos dos meios de produção, como o camponês autônomo, estando


assim livres e desembaraçados deles. Estabelecidos esses dois pólos do
mercado, ficam dadas as condições básicas da produção capitalista.

O capitalismo se utiliza de ferramentas bem específicas que garantem a sua


manutenção. Entre elas está a dominação de uma classe pela outra, a exploração da
força de trabalho, a propriedade privada dos meios de produção e as crises cíclicas
que consolidam cada vez mais o poder da burguesia na sociedade.

Nesse modo de produção, todas as ações e movimentos são feitos com o


objetivo de alcançar o lucro, utilizando-se da classe operária. Esse lucro provém da
extração da chamada “mais-valia”, definida por Karl Marx como a parte do trabalho
não-pago aos trabalhadores. Ou seja, o trabalhador recebe apenas o seu salário, que
não corresponde ao valor total que foi produzido, e assim o valor excedente vai para
os donos dos meios de produção, gerando lucro.

Outro conceito importante introduzido por Marx na análise no sistema


capitalista é o chamado “exército industrial de reserva”. O entendimento desse
conceito é imprescindível para o presente estudo, uma vez que explica a formação da
massa de desempregados, do pauperismo e da miséria. O exército industrial de
reserva pode ser entendido como a parte da classe trabalhadora considerada
excedente no processo de produção e que acaba sendo relegada ao desemprego e
ao subemprego. Pelo fato desse exército gerar uma pressão nos trabalhadores ativos
que podem ser substituídos a qualquer momento, muitos acabam aceitando condições
de trabalho degradantes e precárias, atingidos pelo medo de ocuparem o lugar do
desemprego. Observa-se assim, mais uma das ferramentas de manutenção do
sistema capitalista, como apontado por Netto e Braz:

Mas o exército industrial de reserva não resulta de uma intenção consciente


da classe capitalista, embora esta se sirva dele estrategicamente para seus
objetivos - tal exército é um componente necessário e constitutivo da
dinâmica histórico-concreta do capitalismo. Não há exemplo de economia
capitalista sem desemprego; suas taxas podem variar, aumentando ou
diminuindo, mas o capitalismo “real” (aquele que de fato existe, para além das
representações que dele se fazem) sempre registrou um ineliminável
contingente de trabalhadores desempregados. (NETTO e BRAZ, 2010, p.
132)
21

Conforme o sistema capitalista vai se desenvolvendo, a polarização gerada


por ele vai aumentando, com a riqueza social e a pobreza social crescendo
conjuntamente e a concentração de renda se mantendo na mão da burguesia. Dessa
forma, a classe trabalhadora vai cada vez mais sendo submetida a condições
degradantes de vida, imersa no desemprego, no pauperismo e na fome.

Essa desigualdade social está diretamente relacionada com as condições de


moradia da população brasileira. Já no processo de abolição da escravidão, os ex-
escravos passaram a ocupar as áreas mais periféricas das cidades, habitando cortiços
e moradias com condições desumanas. Após a consolidação do capitalismo, essa
situação continuou se perpetuando e o processo de favelização aumentou cada vez
mais. Apesar de a moradia ser um direito social instituído pela Constituição Federal
de 1988, ele não se concretiza na realidade do país, uma vez que o Estado assume
um papel ineficiente na formulação de políticas públicas que atendam essa questão.
Engels aponta:

De onde vem a escassez de moradia? Como surgiu? Como bom burguês, o


senhor Sax não pode saber que ela é um produto necessário da forma
burguesa da sociedade; que sem escassez de moradia não há como subsistir
uma sociedade na qual a grande massa trabalhadora depende
exclusivamente do salário e, portanto, da soma de mantimentos necessária
para garantir sua existência [...] (1872, p.67)

Como principal consequência da negação do direito à moradia, pela pesquisa


do IPEA, o número estimado da população em situação de rua no Brasil aumentou
em 221% no período entre 2012 e 2022. De acordo com a Política Nacional para a
População em Situação de Rua:

considera-se população em situação de rua o grupo populacional


heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares
interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional
regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como
espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem
como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia
provisória. (BRASIL, 2009)

A condição da população em situação de rua no Brasil elucida a forma como


as desigualdades sociais tomam conta do país, agravando as expressões da questão
social no mais alto nível de desumanização. Tal situação foi ainda mais intensificada
22

a partir de 2018 com a vitória do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, que permitiu
o avanço de um neoliberalismo radical no país. O sucateamento das políticas públicas,
o desmonte dos direitos dos trabalhadores e o investimento nos setores privados
contribuíram de forma drástica para que a vida da classe trabalhadora fosse ainda
mais afetada. Atrelado a isso, a pandemia de COVID-19 iniciada no ano de 2020
representou um momento de fragilidade no país, onde milhões de pessoas perderam
seus empregos e a crise habitacional foi intensificada.

Sendo assim, diante do resgate histórico apresentado, pode-se concluir que


são várias as particularidades e singularidades da formação da população
pauperizada no país, que tem os seus direitos negados a todo tempo. O presente
estudo busca compreender especificamente como se dá a formação da população em
situação de rua no país, com uma análise categórica acerca dessas pessoas mais
atingidas pela expressão da questão social.

4.2. ANÁLISE DE CATEGORIAS

Ainda que o direito à moradia digna seja assegurado pela Constituição de


1988 como direito social de todos, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
afirma que em março de 2020, aproximadamente, 221.869 pessoas estavam em
situação de rua no Brasil. Posteriormente, notícias como “Pra eles a gente não tem
valor, a realidade das pessoas em situação de rua em SP”, publicada pelo jornal A
VERDADE, em novembro de 2022, publicizam que esta população aumentou durante
o período de governo fascista de Jair Bolsonaro (2019-2022) e a pandemia da COVID-
19. Em 2022, o IPEA estimou que o crescimento foi de 38%, superando 281.472
pessoas.

Contudo, a escassez de moradia não é um problema isolado, ao contrário, é


resultado do processo de desenvolvimento capitalista, que tem o objetivo de
exploração como ponto de partida e, para explorar e suprimir a resistência, institui o
sistema de opressões (MACHEL, 1973). Levando em consideração a formação da
sociedade brasileira baseada no sistema colonial e a forma como o modo de produção
escravista “se manifestou no Brasil e as muitas (e profundas) aderências sociais,
econômicas, políticas, culturais e psicológicas que deixou na nossa sociedade atual”
(MOURA, 1983, p.124), compreende-se que a população que foi escravizada é, hoje,
23

a mais suscetível a ser atingida pelas expressões da questão social, inclusive, pela
falta de moradia.

Sendo a problemática, atualmente, resultado do modo de produção


capitalista, é, portanto, indispensável observar os grupos que se articulam ao serem
atingidos pelo próprio sistema e como estão inseridos na questão da moradia. Nesse
sentido, as categorias a serem analisadas a seguir serão de raça, já que uma das
estruturas que mantém o capitalismo é a opressão racial e, não coincidentemente, o
IPEA (2020) mostra que 67% das pessoas em situação de rua se autodeclaram negras
e gênero, pela mulher ser triplamente oprimida ao, além de trabalhadora, ser “uma
fonte de prazer, e sobretudo, é uma produtora de outros trabalhadores, uma produtora
de novas fontes de riqueza” (MACHEL, 1974, p.2).

4.2.1. RAÇA: UMA CATEGORIA DE ANÁLISE HISTÓRICA

Apesar do processo de escravização ter atingido além dos povos africanos,


que foram sequestrados, os povos originários das Américas, no presente trabalho
iremos tratar exclusivamente da população negra por ser a que constrói a maior parte
do contingente de pessoas em situação de rua, como apontado pela pesquisa do
IPEA. Inicialmente, é necessário evidenciar que o capitalismo se consolidou a partir
da opressão racial, como forma de alcançar o objetivo de exploração. Durante o
processo de acumulação primitiva (MARX, K. 2001) – termo usado em O Capital
volume I para nomear o processo de desenvolvimento e consolidação capitalista – os
negros eram sequestrados para as colônias e forçados ao trabalho escravo, o que
garantia aos capitalistas mão de obra gratuita para explorar e roubar as novas terras
e, assim, gerar mercadoria e riquezas para consolidar o capitalismo na Europa. Cada
fase do desenvolvimento capitalista mostra que os aspectos mais violentos da
acumulação primitiva são necessários para a existência do capitalismo em qualquer
época, incluindo as guerras e o saque em escala global (FEDERICI, 2017).

Para garantir a exploração, é necessário garantir a dominação não só física,


mas também ideológica. Compreende-se que, assim, criam-se mecanismo de
dominação – por meio da cultura, religião, leis etc. – que alienam o homem e penetram
todas as áreas e valores sociais, de forma tão profunda que esse período da história
24

reflete na organização social atual mesmo após 135 de abolição da escravidão, como
Clóvis Moura explica:

[...] os quatrocentos anos de escravismo foram definitivos na plasmação do


ethos do nosso país. Penetrando em todas as partes da sociedade, injetando
em todos os seus níveis os seus valores e contravalores, o escravismo ainda
hoje é um período de nossa história social mais importante e dramaticamente
necessário de se conhecer para o estabelecimento de uma práxis social
coerente. (1983, p.124)

Apesar desses mecanismos, a história do negro no Brasil é marcada por


revoltas, insurreições, movimentos políticos e construção de quilombos que
desaviavam a lógica exploratória. O Quilombo de Palmares, como exemplo de grande
organização social, chegou a reunir mais de 20 mil habitantes e ter uma estrutura
política de administração, na qual garantiam a segurança contra invasões dos colonos,
trabalho digno, alimentação e moradia para todos, contrapondo a ordem colonial
escravista (MOURA, 1983). Após a abolição de 1888, tenta-se apagar a memória da
população negra e, de acordo com Clóvis Moura, desconectar seus problemas das
raízes históricas de formação da sociedade brasileira de capitalismo dependente.
Para o autor, fazer o movimento contrário e lembrar e valorizar o passado do Negro
no sistema escravista mostra:

[...] a sua participação em movimentos que determinaram as principais


mudanças sociais no Brasil, mas, ao mesmo tempo, demonstrará o seu
isolamento político constante após essa participação, isolamento criado
taticamente pelos centros deliberantes que surgiram através dessas reformas
e mudanças. O Negro, durante a escravidão, lutou como escravo por
objetivos próprios. Mas lutou, também, em movimentos organizados por
outros segmentos sociais e políticos. A sua condição de escravo, porém,
levava a que - mesmo nesses movimentos - ele não fosse aproveitado
politicamente. Após a Abolição o mesmo acontece. O Negro, ex-escravo, é
acionado em movimentos de mudança social e política, participa desses
movimentos, mas é preterido, alijado pelas suas lideranças após a vitória dos
mesmos. (1983, p.125)

Com a crise estrutural do escravismo, iniciada com a proibição do tráfico e


fortalecida pelo movimento abolicionista que começava a se estruturar politicamente,
a abolição sem reformas foi a solução para a classe dominante “(...) ou aceitavam a
Abolição compromissada como o Trono queria, conservando-lhes os privilégios, ou
corriam o risco de ver a abolição feita pelos próprios escravos, através de medidas
radicais, como a divisão das terras senhoriais” (MOURA, 1989, p.62). Assim, o Brasil
se tornava o último país das Américas a abolir a escravidão e a burguesia garantia
25

que os ex-escravizados fossem marginalizados e que as estruturas sociais


continuassem intactas.

Na obra História do Negro Brasileiro (1989), Moura aponta que a euforia com
a abolição foi tanta que esqueceram de reivindicar os direitos, achando que a
cidadania já estava garantida. Quando ocorreram as primeiras manifestações por
mudanças sociais e econômicas, estas foram duramente reprimidas e direitos
importantes, como a divisão de terras aos ex-escravizados para garantir a moradia,
nunca foram garantidos. É importante ressaltar que a escravidão não foi extinta com
a abolição, pois muitos negros continuaram nos cativos e a falta de direitos jogou os
recém libertos para uma posição subalterna. Os melhores empregos eram reservados
aos imigrantes europeus e, aos negros, sobravam os empregos com piores cargos e
remuneração. O acesso à escola e ao voto também não era assegurado, ou seja, não
havia cidadania. Nesse contexto, as formas de sobrevivência eram miseráveis, como
o sociólogo aponta:

O negro, ex-escravo, é atirado como sobra na periferia do sistema de trabalho


livre, o racismo é remanipulado criando mecanismos de barragem para o
negro em todos os níveis da sociedade, e o modelo de capitalismo
dependente é implantado, perdurando até hoje. [..] A sua cidadania nada mais
era do que um símbolo habilmente elaborado pelas classes dominantes para
que os mecanismos repressivos tivessem possibilidades de elaborar uma
estratégia capaz de colocá-los emparedado num imobilismo social que dura
até os nossos dias. (1989, p.62-64)

No mesmo sentido, a moradia digna foi algo que os negros nunca tiveram
acesso após a abolição, principalmente por não ter ocorrido a divisão de terras ou
políticas públicas de habitação popular e acessíveis (MOURA, 1989). Grande parte
desta população buscou alternativa nos cortiços, localizados nos grandes centros
urbanos, ou continuaram nas fazendas. A primeira opção significava condições de
vida precárias, já que os cortiços costumavam abrigar um número maior de pessoas
do que seria o adequado, ter quartos pequenos e sem janelas, banheiros coletivos,
falta de saneamento básico e serem marginalizados pelo poder público. Porém, a
segunda significava continuar na condição de escravizado, como se a abolição nunca
tivesse ocorrido.

Um grande marco na história das condições de moradia da população negra


no Brasil aconteceu no Rio de Janeiro. Silva assinala, no seu artigo Os Cortiços e a
26

cidade do Rio de Janeiro durante seu processo de modernização na virada para o


século XX (2018), que a chegada da industrialização, a presença de imigrantes
europeus e o plano de atrair ainda mais imigrantes para “embranquecer” o Brasil foram
alguns dos fatores que se articularam e levaram ao início do processo de
modernização da cidade durante a virada do século XIX para XX, fazendo reformas
urbanas direcionadas para tornarem os espaços mais habitáveis para a elite e
tornando os cortiços desejados pelos setores imobiliários. Os cortiços passam a serem
palcos de grandes conflitos, são destruídos e, a partir de dura repressão policial, seus
moradores foram expulsos e largados a própria sorte sem terem para onde ir. A opção
que restou foi de construírem barracos nos morros e criarem as primeiras favelas do
Brasil, que até hoje são alvos de descaso do poder público e repressão criminosa da
polícia, ou ficarem nas ruas.

Fica evidente, portanto, que o acesso à moradia digna para população negra,
no Brasil, é uma questão histórica e de constante ataque e descaso da classe
dominante. Sendo os negros os que ficaram com os piores empregos, piores
remunerações e, atualmente, o IBGE aponta que a taxa de desocupação para os
pretos é de 11,1% e pardos 10% (2022), é perceptível a dificuldade em ter renda para
pagar aluguel ou comprar casa própria.

Em 2007, o Brasil tinha mais investimentos – apesar de ainda serem


insuficientes – em programas habitacionais e vivia um período de crescimento
econômico durante o governo social-democrata do Partido dos Trabalhadores (PT).
Porém, a falta de moradia era um problema que seguia crescendo, pois é fato que a
política habitacional nunca foi pensada para o povo negro, que mais foi atingido pela
falta delas, mas para gerar lucro à iniciativa privada. A tese do 3ª Congresso Nacional
do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que organiza famílias para
lutarem pela reforma urbana, pelo socialismo e fazerem ocupações urbanas e moradia
popular, ressalta:

O objetivo dessas medidas não é outro senão obter ainda mais dinheiro para
pagar os escandalosos juros da dívida pública e, dessa forma, manter o
sistema financeiro internacional e garantir os lucros da oligarquia financeira,
uma minoria de parasitas que vivem às custas do suor dos trabalhadores.
(2011, p.2).
27

Dez anos após esta afirmativa, a Auditoria Cidadã da Dívida publicou que
50,78% do orçamento federal de 2021 foi gasto apenas em juros e amortização da
dívida pública, enquanto menos de 5% foi direcionado a políticas de moradia e, em
meio a uma pandemia, apenas 4,18% foi para saúde. Não é de se surpreender, nesse
cenário, o visível crescimento do número de pessoas vivendo pelas ruas do país e
que, destes, a maioria sejam negros, uma vez que foram constantemente expulsos de
sua moradia e negligenciados pelo poder público durante toda história do país..

4.2.2. GÊNERO E A LIGAÇÃO COM A MORADIA

A pesquisa do IPEA (2020) mostra que 82% das pessoas em situação de rua
são homens e que quase 30% afirmam que foram para às ruas por causa do
desemprego e cerca de 29% por desavenças familiares. Em contrapartida, as
mulheres são mais impactadas pelo desemprego do que os homens, segundo o IBGE
(2020), e as responsáveis pelos núcleos familiares. Visto esse cenário adverso, é
importante refletir como a construção dos papéis de gênero no sistema econômico
atual abala a questão da falta de moradia, uma das expressões mais marcantes da
questão social.

Com a compreensão de que o capitalismo é fundamentado na exploração de


uma classe pela outra para que uma camada da sociedade se aproprie dos frutos do
trabalho da maioria e que se consolidou com a acumulação primitiva, as mulheres,
assim como os homens, da classe dominada são submetidas à exploração. Contudo,
na obra O Calibã e a Bruxa, Frederici traz uma nova descrição sobre a acumulação
primitiva incluindo fenômenos ausentes em Marx, mas que são essenciais para ter um
olhar desse processo que leve em consideração a questão do gênero:

I) o desenvolvimento de uma nova divisão sexual do trabalho; II) a construção


de uma nova ordem patriarcal, baseada na exclusão das mulheres do
trabalho assalariado e em sua subordinação aos homens; III) a mecanização
do corpo proletário e sua transformação, no caso das mulheres, em uma
máquina de produção de novos trabalhadores. (2017, p 26)

Nessa perspectiva, Frederici faz reflexões importantes para o presente


trabalho. Inicialmente, é necessário evidenciar que, no princípio do capitalismo, o
trabalhado assalariado só foi conquistado após muita luta e, ainda assim, com baixa
remuneração e para um grupo seleto de pessoas, em sua maioria homens adultos.
Enquanto isso, criava-se o sistema de opressões e os mecanismos de alienação que
28

Samora Machel explica, em sua intervenção na I Conferência Nacional de Mulheres


Moçambicanas, ser para manter algumas camadas na passividade e aceitando a
condição de oprimido podendo, assim, explorá-los mais e evitar revoltas (1973). Com
as opressões, o capitalismo encontra maneiras de diminuir o custo do trabalho
humano e esconder as opressões, mas também de dar respostas aos seus problemas
e crises. Frederici afirma que foi isso que ocorreu no século XIX e segue ocorrendo:

[...] quando as respostas ao surgimento do socialismo, à Comuna de Paris e


à crise de acumulação de 1873 foram a “Partilha da África” e a invenção da
família nuclear na Europa, centrada na dependência econômica das mulheres
aos homens — seguida da expulsão das mulheres dos postos de trabalho
remunerados. Isso é também o que ocorre na atualidade, quando uma nova
expansão do mercado de trabalho busca colocar-nos em retrocesso no que
tange à luta anticolonial e às lutas de outros sujeitos rebeldes[...].

Porém, a mulher não é escolhida aleatoriamente para ocupar esse posto no


sistema, mas a partir da compreensão da classe dominante de que, buscando
responder aos seus interesses, a mulher precisa ser mais oprimida para ser mais
explorada por ser um trabalhador com particularidades que Moura explica:

A mulher é também um produtor, um trabalhador, mas com qualidades


particulares. Possuir mulheres é possuir trabalhadores, trabalhadores
gratuitos, trabalhadores cuja totalidade do esforço de trabalho pode ser
apropriada sem resistência pelo esposo, que é amo e senhor. Casar-se com
muitas mulheres na sociedade de economia agrária torna-se um meio certo
para acumular muitas riquezas. O marido assegura-se de uma mão-de-obra
gratuita, que não reclama nem se revolta contra a exploração. (1973, p.2)

Além de ser um trabalhador gratuito, a própria mulher se torna um bem comum


fora das relações de mercado, uma vez que seu trabalho de gerar novas mãos de
obra e cuidar da casa e da família é definido como um recurso natural. Assim, a
maternidade se torna um trabalho forçado a um único indivíduo do núcleo familiar e
uma das atribuições das mulheres na divisão sexual do trabalho (FREDERICI, 2017).
As mulheres proletárias, que não tinham a opção de ficar cuidando da casa sem verem
seus familiares morrerem de fome, também perdem espaço no mercado de trabalho
e “encontraram dificuldades para obter qualquer emprego além daqueles com status
mais baixos: empregadas domésticas (a ocupação de um terço da mão de obra
feminina), trabalhadoras rurais, fiandeiras [...]” (FREDERICI, 2017, p.182).

Enquanto essa lógica da divisão sexual do trabalho se consolidava na Europa


para se expandir para o mundo, as mulheres escravizadas nas Américas já tinham
29

seus corpos controlados e as atribuições tanto no trabalho, como fora dele, iguais aos
dos homens. Porém, Frederici assinala:

[...] nunca foram tratadas de forma igual. Dava-se menos comida às


mulheres; diferentemente dos homens, elas eram vulneráveis aos ataques
sexuais de seus senhores; e eram-lhes infligidos castigos mais cruéis, já que,
além da agonia física, tinham que suportar a humilhação sexual que sempre
lhes acompanhava, além dos danos aos fetos que traziam dentro de si
quando estavam grávidas. (2017, p. 224)

Na obra Mulheres, Raça e Classe, a filósofa marxista Angela Davis discorre


ainda mais sobre o papel da mulher escravizada:

Proporcionalmente mais mulheres negras sempre trabalharam fora de casa


do que as suas irmãs brancas. O enorme espaço que o trabalho ocupou na
vida das mulheres negras, segue hoje um modelo estabelecido desde o início
da escravatura. Como escravas, o trabalho compulsoriamente ofuscou
qualquer outro aspeto da existência feminina. Parece assim, que o ponto de
partida de qualquer exploração da vida das mulheres negras sob a
escravatura começa com a apreciação do papel de trabalhadoras. O sistema
da escravatura define os escravos como bens móveis. As mulheres eram
olhadas não menos que os homens, eram vistas como unidades rentáveis de
trabalho, elas não tinham distinção de género na medida das preocupações
dos donos de escravos [...]. Tendo em conta que no século XIX a ideologia
de feminilidade enfatizava os papéis de mães cuidadoras, companheiras
dóceis e donas de casas para os seus maridos, as mulheres negras eram
praticamente uma anomalia. Embora as mulheres negras usufruíssem de
poucos dos dúbios benefícios da ideologia da condição das mulheres, é
algumas vezes assumido que a típica mulher escrava era serva de casa –
cozinheira, criada ou mãe das crianças da “casa grande” [...]. Mas as
mulheres também sofreram de maneiras diferentes, porque eram vítimas de
abuso sexual e outras barbaridades de maus tratos que apenas podem ser
infligidas às mulheres. Os comportamentos dos donos de escravos para as
mulheres escravas eram: quando era rentável explorá-las como se fossem
homens, sendo observadas, com efeito, sem distinção de género, mas
quando elas podiam ser exploradas, castigadas e reprimidas em formas
ajustadas apenas às mulheres, elas eram fechadas dentro do seu papel
exclusivo de mulheres. (2013, p.9)

Fica evidente, portanto, que embora as mulheres escravizadas eram


intimamente ligadas ao papel de serem as cuidadoras da casa e da família, mas isso
não as tirou dos postos de trabalho. Pelo contrário, até hoje as mulheres negras, maior
parte da classe trabalhadora brasileira (IBGE, 2020), precisam dar conta dos cuidados
dos lares e do trabalho fora de casa. Com a escravidão, ocorreram mudanças
significativas para a classe trabalhadora mundialmente, visto que diminuiu a carga dos
trabalhadores brancos e, entre as mulheres, “fosse qual fosse sua origem social, as
mulheres brancas ascenderam de categoria, esposadas dentro das classes mais altas
30

do poder branco [...] também se tornaram donas de escravos, geralmente de mulheres


[...]” (FREDERICI, 2017, p. 216).

Quando o comércio internacional de pessoas escravizadas foi abolido, a


classe dominante colocou todo o peso de reproduzir novas mãos de obra nas
mulheres escravizadas. Logo, foram criadas as fazendas de procriação, onde elas
eram estupradas para engravidarem, mas não tinham quaisquer direitos sobre seus
filhos, que podiam ser vendidos para longe delas a qualquer momento, e tinham
obrigação de amamentar primeiro os filhos das donas de escravos, ou seja, as
mulheres negras não eram mães, como Davis elucida:

[...] aquela que fosse potencialmente mãe de dez, doze, catorze ou mais se
tornava um tesouro cobiçado. No entanto, isso não significava que como
mães, as mulheres negras tivessem um estatuto mais respeitável do que
tinham como trabalhadoras. A exaltação ideológica da maternidade – popular
durante o século XIX – não se estendia às escravas. De facto, aos olhos dos
donos de escravos, as mulheres escravas não eram mães em absoluto; eram
simplesmente instrumentos que garantiam o crescimento da força de trabalho
escravo. Eram “fazedoras de nascimentos” – animais, cujo valor monetário
podia ser calculado precisamente em função da sua habilidade em multiplicar
os seus números. (2013, p.11)

Após a abolição, como apontado anteriormente, restou as pessoas negras os


piores postos de trabalho e moradia e, para a mulher, além desses postos, restou
também a lógica do Novo Mundo sobre divisão sexual do trabalho. Isto significa que,
as mulheres negras não só cuidavam da casa, da família e do trabalho, mas faziam
isso nas condições miseráveis de moradia nos cortiços e, posteriormente, nos morros.
A intelectual Lélia Gonzalez, no texto Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, fala
sobre a condição de vida da mulher negra no Brasil:

Mas é justamente aquela negra anônima, habitante da periferia, nas baixadas


da vida, quem sofre mais tragicamente os efeitos da terrível culpabilidade
branca. Exatamente porque é ela que sobrevive na base da prestação de
serviços, segurando a barra familiar praticamente sozinha. Isto porque seu
homem, seus irmãos ou seus filhos são objeto de perseguição policial
sistemática. (1984, p. 231)

Nesse ponto, já é evidente que os papéis de gênero foram construídos para


responder aos interesses do sistema capitalista e foi indispensável para o seu
desenvolvimento. Ao impor uma nova divisão sexual do trabalho e, logo, o papel dos
gêneros, não se divide apenas as tarefas de trabalho, mas também “suas
31

experiências, suas vidas, sua relação com o capital e com outros setores da classe
trabalhadora” (FREDERICI, 2017, p.232) e se cria uma relação de poder.

Compreendemos, portanto, que a mulher está intimamente ligada a casa e ao


núcleo familiar, pois toda a responsabilidade doméstica está posta em cima dela, e
suas experiências de vida serão, em grande maioria, também ligadas ao lar. Ainda
que as mulheres sejam mais afetadas pelo desemprego do que os homens e também
tenham desavenças familiares, precisam lidar com a obrigação imposta
historicamente do cuidado com a família.

O artigo “A violência na vida de mulheres em situação de rua na cidade de


São Paulo, Brasil”, de Anderson Rosa e Ana Brêtas, aponta que a violência configura
a maior parte do discurso sobre o que levou mulheres à situação de rua e, em muitos
relatos, a violência foi praticada por homens de dentro do núcleo familiar, o que
comprova a relação de poder que foi imposta. A dependência financeira, falto de apoio
de outros familiares e a dificuldade para trabalhar são alguns dos motivos que levam
as mulheres a encontrar a vida nas ruas como única saída para se livrar da violência
doméstica.

Essas mulheres adquiriram certa tolerância a formas não físicas de violência.


Quando questionadas a respeito das violências que sofreram, nas ruas ou
fora delas, relataram, quase sempre, situações de agressão física e/ou
sexual. Mas, no decorrer de suas falas, inúmeras outras situações de
violências psicológicas, verbais, negligências são relatadas como fatos de
menor importância, mesmo sendo responsável por grande sofrimento [...].
Apesar da violência e do sofrimento, a maioria das mulheres teve dificuldade
de enfrentar e reverter sua própria situação de vida [...]. Viviam sob ameaças
de violência e até de morte, fato que as imobilizaram e perpetuaram seus
sofrimentos ao lado do agressor. (2015, p.278)

Além disso, as ruas apresentam um maior perigo para as mulheres, pois, além
da violência por pessoas e grupos intolerantes ou das próprias pessoas em situação
de rua, elas ficam mais suscetíveis a violência sexual, como Rosa e Brêtas assinalam
“a violência sexual, relatada com frequência pelas mulheres que participaram do
estudo, quase sempre, praticada por homens, em situação de rua ou não, e com
potencial de causar danos físicos e mentais irreparáveis na mulher” (2015, p.279).
Viver nas ruas representa, assim, um risco maior para as mulheres.

É, desse modo, que as mulheres estão mais sujeitas a ficarem em moradias


precárias e/ou com aluguéis abusivos, do que os homens. A ligação com os cuidados
32

da casa e família, que a formação histórica dos papéis de gênero no capitalismo


impõe, e a violência advinda da relação de poder formada na nova divisão sexual do
trabalho são os dois pilares para explicar a diferença acentuada no número de homens
e mulheres vivendo em situação de rua no Brasil.

4.3. O NEGLIGENCIAMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DA POPULAÇÃO EM


SITUAÇÃO DE RUA

É dever do Estado garantir a asseguração às políticas sociais básicas, assim


como é um direito social pertencente igualmente a todos os cidadãos ter acesso a
elas. Essa garantia é feita através de políticas públicas que visam atender aos
problemas sociais deixados pelas expressões da questão social, que é a relação entre
trabalho e capital. Dessa forma, o estado deve promover o bem estar social e prestar
serviços de assistência aos seus usuários, porém na prática, o exercício dessas
políticas não são executados da maneira efetiva que deveria, e é possível enxergar
uma falta de aplicação das próprias políticas criadas pelo Estado para a população
que as demanda.

Antecedendo a Constituição Federal de 1988, a lógica que regia a assistência


social era a ideia de caridade, benevolência e ajuda. Com a promulgação da LOAS
(Lei Orgânica de Assistência Social) e a formulação de políticas públicas, pode-se
dizer que esses atos romperam com a lógica de vinculação à filantropia,
transicionando de uma prática individual para um direito social. Na década de 1980,
com a ascensão da democracia, as secretarias de políticas sociais discutiram novas
diretrizes, como a universalização da saúde em todas as esferas da população, além
de recomendações sobre a compreensão das políticas de assistência social como um
direito de cidadania. Os avanços marcados pela Constituição de 1988 podem ser
percebidos através da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que significou trazer
a comunidade para o âmbito do direito à saúde, derrubando a prática liberal de
privatização. Ou seja, a Constituição Federal de 1988 foi a responsável por marcar a
transição entre a leitura da seguridade social como caridade e o reconhecimento da
seguridade social como um direito, possibilitando o acesso universal das políticas
sociais, de saúde, e de assistência por todas as pessoas, não apenas pela burguesia.
A garantia dos direitos sociais passa a ser responsabilidade do Estado e de seus
órgãos de intervenção profissional, e não de instituições privadas e assistenciais.
33

Com a ascensão do modelo neoliberalista, os avanços conquistados na


década de 80 foram pausados e retrocedidos, devido à medidas completamente
contrárias à Constituição Federal de 1988 tomadas por parte do governo. Essa nova
atitude do Estado, segundo Bravo (2008), passou a ser considerada como uma
transição onde a previdência passou a ser tida como seguro e a seguridade passou a
ser pensada como previdência. Com essas novas posturas do Estado, a saúde, o
trabalho e a educação tiveram uma enorme deficiência na qualidade e no
investimento, juntamente com a decadência da previdência pública. Sendo assim, o
capital se reafirma como modo de produção exploratório, uma vez que detém o
máximo de lucro possível ao reduzir os gastos com recursos sociais para direcionar à
áreas mercadológicas. A atenção e foco no financiamento e desenvolvimento das
políticas sociais é novamente reduzido com as contrarreformas do Estado, trazendo
uma maior preocupação em quitar as dívidas fiscais, ou seja, os recursos sociais
possuem seu orçamento diminuído para que os financiamentos no setor econômico
acendessem mais ainda.

Logo nos governos de esquerda de Lula e Dilma, haviam expectativas de


melhorias em relação à retomada dos investimentos em políticas públicas, porém, se
mostraram frustradas, mesmo que a existência de programas de combate à miséria e
fome tenham ganhado uma certa notoriedade, o empenho em manter o modelo
econômico e o cuidado excessivo com as dívidas públicas continuaram firmes durante
os governo do PT (Partido dos Trabalhadores). Portanto, houve um corte orçamentário
ainda maior no governo Dilma, dificultando mais ainda o financiamento da seguridade
social, trazendo assim uma onda de insatisfação do povo brasileiro que foi
negligenciado, assim como a população em situação de rua, a qual já era invisibilizada
e teve seu acesso às políticas do Estado ainda mais reduzido, devido a esta tendência
dos governos do PT, de concentrar seus investimentos em programas focalizados de
assistência, enquanto reduz a atenção ao financiamento das políticas sociais para
atender aos fluxos econômicos do capital.

Após assistir o vídeo “O Estado e as políticas sociais no Brasil


Contemporâneo” de Maria Carmelita Yazbek, é possível perceber que ela explica de
forma geral, que as políticas do Estado brasileiro sempre foram pouco eficazes, uma
vez que se tornavam sempre um tipo de política fechada ao assistencialismo, e não
34

na pauta de que é um direito de cidadania possuir seus recursos sociais providos pelo
governo. Ela também embasa o avanço neoliberal, afirmando que essa corrente foi
uma má influência no crescimento das políticas sociais, uma vez que essa ideologia
se opõe à ideia de que o auxílio às vítimas das expressões da relação proveniente
entre trabalho e capital, vire um direito social. Sendo assim, uma saída perfeita na
visão dessa ideologia, seria o assistencialismo. Não há imparcialidade nas políticas
sociais, há uma influência dos interesses partidários e políticos em seu
desenvolvimento, ou seja, deve ser levado em conta também as capacidades dessas
políticas para atender ao capitalismo, não somente aos usuários.

Um ponto de extrema importância também para ser debatido anteriormente


ao apontamento das insuficiências das políticas nacionais para a população em
situação de rua, é o fato de que as associações de caráter social são imensamente
mais fortes e influentes no Brasil do que as próprias políticas do Estado, ou seja, o
compromisso ético, moral e religioso das instituições ofuscam a assistência social
através das políticas sociais estatais, assim como Yazbek explicou. Isso se deve ao
fato de que ocorreu uma enorme terceirização de recursos públicos, juntamente do
projeto de publicização que ocorreu na gestão brasileira após 1999, onde o Estado
lucrava em cima daquilo que já era oferecido gratuitamente à população por ele
mesmo, ou seja, eram contratados de maneira privada serviços ofertados de maneira
pública, assim era possível fazer uma capitalização. Dessa maneira as ONGS
(Organizações não Governamentais), ganharam uma grande notoriedade, ao serem
divulgadas pelo próprio governo como alternativas sociais válidas. Entende-se de
publicização, assim como citado em “Gestão democrática e serviço social: princípios
e propostas para a intervenção crítica” por Filho e Gurgel (2016):
O destino desses serviços e empresas seria/é a privatização, expressa ou
disfarçada sob o título de publicização. Na verdade, a publicização trata-se
da passagem de hospitais, postos de saúde, escolas e outros serviços
públicos às Organizações Sociais, figura criada pela “reforma”, que na
verdade, como diz Bandeira de Mello, “são organizações particulares”,
“entidades privadas” (Bandeira de Mello, 2005, p. 220), constituídas por
grupos que se articulam para controlar esses serviços e os transformar em
mercadoria. Assim é que a saúde e a educação, por exemplo, foram e estão
gradualmente cada vez mais sujeitas à exploração comercial como um
negócio privado. (p.180)

Portanto, fica claro que a privatização e terceirização das instituições públicas


como meios de acesso reconhecidos pelo Estado, performam um atraso na eficácia
das políticas públicas do Estado, o que afeta diretamente a população em situação de
35

rua, que por inúmeras vezes não possuem nem acesso ao conhecimento dos seus
direitos sociais como cidadãos, e o avanço de instituições independentes dificulta cada
vez mais a popularização dessas políticas, as quais os investimentos também foram
estagnados com o neoliberalismo e a transição do uso do financiamento que era
utilizado na garantia as políticas sociais, para agora quitar dívidas fiscais do próprio
Estado, evidenciando o egoísmo do sistema capitalista e sua natureza de lucrar em
cima da exploração e dignidade humana.

Após compreender as dificuldades enfrentadas na efetividade das políticas


públicas no Brasil, é possível partir para uma análise da Política Nacional para a
População em Situação de Rua, oficializada pelo decreto n° 7.053, no dia 23 de
dezembro de 2009, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Neste
documento, que é encontrado no site oficial do Planalto brasileiro, encontra-se as
medidas que deveriam ser tomadas para enfrentar a população em situação de rua
no Brasil, no entanto é passível de observação, que muitas das políticas
permaneceram só de forma teórica, e não foram colocadas em prática, ou mesmo se
efetivadas, não foram suficientes para lidar com essa expressão da questão social.
Como apresentado posteriormente neste relatório, é considerado como população de
rua neste decreto, as pessoas em condições de extrema pobreza e sem vínculos
comunitários e familiares, com acesso à moradia negado e que se utilizam das ruas
ou abrigos como únicas alternativas de residência e sustento.

Logo no Art. 4o do documento que identifica as políticas do governo diante da


população em situação de rua, é dito que podem agir em conjunto, entidades públicas
e privadas, sem fins lucrativos, estigmatizando a grande atuação das ONGs e
atividades filantrópicas de assistencialismo, as quais possuem enormes relevâncias
no Brasil agindo no enfrentamento da miséria vivenciada pelas pessoas que moram
nas ruas. Assim como dito anteriormente com um referenciamento à Yazbek, há um
certo ofuscamento das políticas públicas do Estado pelas "instituições de ajuda”
independentes, isto é devido ao próprio incentivo por parte do Estado, além de que é
parte de uma ofensiva neoliberal anterior ao mandato de Lula se apoiar em práticas
de assistencialismo para que o Estado tenha menos deveres a cumprir com suas
políticas públicas estabelecidas, e assim possa focar ainda mais no setor econômico
para realizar a quitação das dívidas fiscais.
36

Presentes no Art. 5o do decreto citado, essa política traz uma série de


princípios que buscam garantir o contato com a família e comunidade como direito, a
dignidade da pessoa humana como prioridade de respeito, acolhimento às
diversidades sociais e direito a um atendimento universal com valorização à vida.
Entretanto, não há de fato na prática um atendimento humanizado à essa população,
uma vez que a repressão policial é um fator muito presente na forma em que o Estado
mobiliza seus aparelhos interventivos de segurança para lidar com as pessoas que
moram nas ruas, um exemplo disso é a crescente desses casos de repressão e
agressão por parte de policiais em tempos de pandemia, tome-se como exemplo, uma
reportagem desenvolvida pela organização Ponte Jornalismo, à fim de procurar
entender esses casos de violência, onde é reportado pela especial da organização
Manuela Rached Pereira em março de 2020:
Segundo relatos de moradores e profissionais voluntários que convivem
diariamente com pessoas em situação de rua em São Paulo, as ações
policiais registradas por Lancellotti fazem parte da atual rotina de violência e
descaso por parte do poder público municipal e estadual contra pessoas sem
moradia que vivem em centros urbanos, em tempos de uma epidemia sem
precedentes que atinge o país e, principalmente, a capital paulista.

Para aprofundar o tópico da repressão policial em relação às pessoas


pauperizadas, é possível fazer uma comparação com o fenômeno da criminalização
da pobreza, que tomando como referência o texto “Criminalização das classes
subalternas no espaço urbano e ações profissionais do Serviço Social” de Maria Lúcia
Duriguetto, consiste em um dos seus pontos, suprir a falta de políticas sociais
acolhedoras à pessoas marginalizadas e em situação de extrema pobreza, com uma
forte repressão controladora e combatente aos movimentos sociais. A questão social,
entendida como uma relação obrigatória entre o capital e o trabalho, antigamente era
lida de maneira moral e ligada ao caráter das vítimas das expressões da questão
social, havia uma culpabilização pessoal feita também por parte da Igreja, que dizia
que essas pessoas eram preguiçosas e “desajustadas”, ou seja, o motivo da situação
precária de alguém era entendida como uma culpa do próprio indivíduo, e não do
modo de produção capitalista.

Assim, as pessoas pauperizadas eram punidas com fortes repressões


policiais, pois era entendido que o cárcere e a exterminação dessa população era a
única saída para resolver esta desigualdade social, dessa maneira o cárcere e a
punição começaram a se tornar uma instituição lucrativa ao criminalizar a pobreza,
37

aprisionando pessoas pobres por todo e qualquer motivo. Em consequência disso foi
agregado por parte da população, principalmente por parte da classe dominante, um
“medo” dos pobres, o que resultou no racismo e também em outros tipos de
preconceito contra as pessoas em situações de pobreza extrema, principalmente
aquelas que vivem nas ruas, aonde foram, além de marginalizadas e passíveis de
eliminação por serem consideradas uma ameaça, completamente invisibilizadas e
naturalizadas, como se fossem apenas uma “sobra” da sociedade.

A “exterminação da pobreza” também foi um reflexo deste processo de


criminalização da pobreza explicado por Duriguetto, onde o capital usava como
estratégia, o deslocamento e retirada de pessoas em situações precárias que viviam
em torno de áreas elitizadas, para criar uma espécie de “limpeza” para atrair
investidores capitalistas, além da criação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora),
que se instalavam em áreas periféricas, policiando as pessoas em situação de
pobreza, as humilhando através de repressão para garantir uma falsa sensação de
segurança pública. Ou seja, há uma troca de valores na intervenção do Estado na vida
das pessoas que vivem em situações de extrema pobreza e nas ruas, o que deveria
ser feito por meio de aplicação de políticas sociais, tornou-se uma manobra de
controle por meios punitivos e repressores, em nome da segurança pública.

Retornando ao decreto n° 7.053, que confere à Política Nacional para a


População em Situação de Rua, no que diz respeito a algumas diretrizes dessas
políticas (Art. 6o), têm-se como exemplo, em acordo com a Política Nacional de 2009:
I - promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais; [...] IX - implantação e ampliação das ações educativas
destinadas à superação do preconceito, e de capacitação dos servidores
públicos para melhoria da qualidade e respeito no atendimento deste grupo
populacional

No primeiro tópico, é proposto como medida, o proporcionamento dos direitos


básicos de cidadania às pessoas em situação de rua, portanto na realidade, essa
promoção prometida pelo Estado não foi eficaz, visto que os moradores de rua ainda
possuem dificuldades no conhecimento dos seus próprios direitos, devido a baixa taxa
de formação escolar e também a dificuldade do acesso à educação pela população
em situação de rua. Em acordo com “A Pesquisa Nacional Sobre a População em
Situação de Rua”, realizada em 2008 pelo Meta Instituto de Pesquisa de Opinião em
parceria com a Secretaria de Avaliação e Gestão de Informação e o Ministério do
38

Desenvolvimento Social e Combate à fome, que conta com os últimos dados oficiais
do censo brasileiro das pessoas em situação de rua, a taxa de escolaridade dos
moradores de rua contavam com apenas 10% dos entrevistados com primeiro grau
completo. O acesso aos direitos básicos de reconhecimento como cidadão ainda é
um desafio, pois as políticas públicas ainda possuem caráter muito restritivo, o que
dificulta a entrada dos usuários que as demandam, isto é, por grande culpa da
precarização no financiamento das políticas sociais que ocorreu com a onda
neoliberal, que não reconhece a devida importância do papel da educação, o que de
fato implica na dificuldade de que essas políticas cheguem à conhecimento da própria
população em situação de rua.

Ainda no que se relaciona às diretrizes da Política Nacional para a População


em Situação de Rua, o tópico IX citado anteriormente, faz alusão à implementação de
medidas combativas ao preconceito da população em relação às pessoas sem acesso
à moradia e que tiveram como última opção encontrar um refúgio nas ruas. Esse tipo
de política se faz necessário uma vez que as expressões da questão social que
trouxeram essas pessoas às ruas, criou um estigma de marginalização em torno
dessa população, onde são considerados de maneira geral como possíveis
criminosos, além também de serem vistos como “vagabundos” ou preguiçosos pela
burguesia, paradigma este criado pelos ideais católicos durante o período feudal que
ainda é permeado na sociedade, é importante também destacar, assim como Viviane
Souza Pereira explicou durante o texto “Notas para caracterização da população de
rua: uma reflexão a partir da gênese da questão social”, que as próprias pessoas que
vivem diariamente nas ruas, se culpam pelo seu estado, atribuindo a si mesmas os
estereótipos permeados pelo capitalismo, que a culpa é individual, e não do modo de
produção exploratório.

É possível analisar o preconceito presente na sociedade contra a população


em situação de rua, através também de uma lógica higienista, onde a população de
rua é atribuída à sujeira e doenças, percebe-se que este paradigma não foi reduzido
com a promulgação das políticas públicas de 2009 citadas anteriormente, uma vez
que os casos de crimes de ódio e preconceito propagados com esta lógica higienista
ainda são crescentes por todo o Brasil, principalmente após e durante a pandemia de
COVID-19, que também ajudou na disseminação do preconceito contra as pessoas
39

que moram na rua, as atribuindo como transmissores da doença, e fazendo uma


enorme desumanização, o que também possui uma clara influência do governo
negacionista de Jair Bolsonaro, que incentivou o ódio e o preconceito enquanto
negligenciava as pautas sociais. Pode-se utilizar como exemplo, uma reportagem que
possui o intuito de debater e expor a atribuição da transmissão do vírus e a sujeira à
população de rua, onde é desenvolvido pelo repórter Carlos Petrocilo para a
FOLHAPRESS em abril de 2020 ao entrevistar William Barrela, morador de rua de
São Paulo. É expresso que:
William Barrela tem 40 anos e nos últimos oito tem vivido na companhia do
amigo Lima, ou Neguinho, debaixo de pedaços de lonas na avenida Duque
de Caxias. [...] Costuma dizer que o seu ponto de trabalho é no cruzamento
da São João com a própria Duque de Caxias. Lá pede esmolas, moedas ou
cigarro, diariamente. "Ultimamente, está mais fácil pedir cigarro. Os poucos
que abrem o vidro têm medo de tocar na gente", disse Barrela. [...] No último
dia 23, ele chegou ao cruzamento pouco depois das 7h e até o meio-dia havia
arrecadado R$ 4,50. "[Antes do coronavírus], até semana passada conseguia
ainda fazer R$40 por dia", disse Barrela. "Eu tento ter alegria, quem mora na
rua vive pela fé e não tem medo do que vai acontecer amanhã." [...] "Eu fui
pedir ajuda para um casal. O homem berrou para eu não me aproximar da
mulher porque transmito doença. Eu também o discriminei, falei que os
doentes são eles", contou Lima.

É possível enxergar, a partir de uma análise a longo prazo, que essas políticas
públicas nacionais direcionadas à população em situação de rua que visam promover
uma educação à sociedade em respeito das pessoas que moram na rua, além de
meios para combater esse preconceito, se mostram ineficazes. Isso é percebido
também ao observar que o estereótipo atribuído para a população de rua ainda se faz
presente, e foi impulsionado com a pandemia e o governo neoliberal de Bolsonaro,
que marcou mais uma falta de compromisso com as políticas sociais que já foram
sucateadas e reduzidas ao longo da história.

Ao debater o que não foi cumprido pelos objetivos da Política Nacional para a
População em Situação de Rua, alguns dos pontos mais chamativos são os que se
instituem no terceiro e quarto tópico do Art. 7o da Política Nacional de 2009:
Art. 7o São objetivos da Política Nacional para a População em Situação de
Rua: [...] III - instituir a contagem oficial da população em situação de rua; IV
- produzir, sistematizar e disseminar dados e indicadores sociais, econômicos
e culturais sobre a rede existente de cobertura de serviços públicos à
população em situação de rua;

Essas medidas explicitam a necessidade e a importância da realização de


pesquisas censitárias e diagnósticas a respeito da população em situação de rua no
Brasil, uma vez que os dados apresentados nela refletiriam no que a Política Nacional
40

está falhando, porém há uma enorme negligência no desenvolvimento de contagens


a nível nacional realizadas oficialmente por parte do governo, e não de de pesquisas
independentes. Isso pode ser comprovado pelo fato de que o último censo e
diagnóstico oficial da população em situação de rua foi divulgado em 2008, até mesmo
antes da Política Nacional de 2009 ser decretada, o estudo foi denominado de “A
Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua”, e foi feito através do
Meta Instituto de Pesquisa de Opinião em parceria com a Secretaria de Avaliação e
Gestão de Informação e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome
(MDS).

Há um enorme descomprometimento por parte do Estado com suas políticas


instaladas para contagem da população em situação de rua, visto que os últimos
dados oficiais dessa análise completarão 15 anos no ano de 2023. Essa falta de
atualização por uma década e meia compromete a instauração de políticas sociais
eficientes, uma vez em que o perfil da população em situação de rua e suas
necessidades são praticamente desconhecidos, trazendo à tona uma insegurança no
atendimento de demandas dos usuários dessas políticas. O ocultamento e falta de
manutenção desses dados e análises mostra a verdadeira invisibilidade sofrida pelas
pessoas sem acesso à moradia no Brasil, ao mesmo tempo que mostra a ineficiência
e inexecução de diversas políticas públicas decretadas para a população em situação
de rua.

É possível concluir, ao analisar de maneira mais profunda alguns parágrafos


do decreto n° 7.053, que diz respeito à Política Nacional para a População em
Situação de Rua no Brasil, assim como os princípios, diretrizes e objetivos, que essa
política instaurada em 2009 não se demonstra eficaz na prática, evidenciando também
ao fazer uma análise a longo prazo, a necessidade de uma revisão e atualização da
mesma. A população em situação de rua ainda é extremamente invisibilizada,
naturalizada e desrespeitada, e a política nacional para a mesma falha em diversos
aspectos no combate do preconceito e desacato para com esta população, o que
piorou ainda mais com o avanço neoliberal conservador do governo de Jair Bolsonaro
e a pandemia de COVID-19. A negligência do Estado com essa população, através
das políticas públicas, é também facilmente enxergada pelo viés do apagamento de
dados, onde a falta de atualização de contagens oficiais de pessoas em situação de
41

rua no Brasil, mostra o descumprimento de tópicos propostos nas políticas para estes
indivíduos, estigmatizando a sua invisibilidade cada vez mais.

4.4. INVISIBILIDADE E PRECARIEDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A


POPULAÇÃO DE RUA

A população de rua, apesar de ter seus direitos garantidos a partir de políticas


públicas, é uma população bastante invisibilizada e negligenciada socialmente. No
campo da saúde, é visível essa negligência.

Segundo Abreu e Oliveira, a população em situação de rua vivencia limites


no acesso a direitos sociais básicos e constitucionais. Nessa direção, para
Hallais e Barros, por mais que exista a Política Nacional para a População em
Situação de Rua (PNPSR) e outras políticas setoriais e intersetoriais, elas
não garantem, por si só, o cuidado integral em saúde a essa população, tendo
em vista que “o imaginário social sobre a população em situação de rua
influencia significativamente a prática dos profissionais que atuam nos
serviços de saúde” (ANDRADE et al., 2022)

Tais negligências são causadas por uma perspectiva muitas vezes higienista
e fere os princípios de integralidade garantidos pelo Sistema Único de Saúde e pela
Política Nacional de Humanização. Com essa perspectiva higienista, que enxerga a
população de rua apenas como incipiente de seus estigmas, como a sujeira, o vício
em drogas e a periculosidade, o atendimento e acolhimento dessa população pode
sofrer com precarizações.

Um outro grande problema que promove a invisibilidade da população de rua


é a extrema burocratização do acesso desta aos serviços de saúde, no qual Barros e
Hallais chamam de “indocumentação”.

A condição de invisibilidade é reforçada, ainda, pela falta de documentação


necessária para acessar serviços e benefícios sociais que o Estado garante.
A “indocumentação”, um problema muito comum entre os indivíduos que
estão em situação de rua, impede, por exemplo, o cadastro em unidades de
atenção básica ou a retirada de remédios de uso controlado, já que é preciso
apresentar documento de identidade e comprovante de endereço para a
confecção do Cartão SUS, embora o Artigo 19 da Portaria nº 940 28, que
regulamenta o Sistema Cartão Nacional de Saúde, dispense a comprovação
de endereço domiciliar da população em situação de rua. (HALLAIS;
BARROS, 2015)

Segundo Darcy Costa, atual secretário nacional do MNPR, é necessário


avanço nas políticas públicas para a população em situação de rua, citando a proposta
de moradia social em larga escala como a possível solução para o problema social da
população em situação de rua. Para Costa, “a forma de se resolver a situação da
42

população de rua é criar um programa de governo, uma política de Estado, de moradia


social em escala”. É nisso que a gente acredita, e é por isso que estamos trabalhando.
Independente da troca de governo, que possa se garantir, e se resolver a habitação
para essas pessoas com programas de moradias sociais.” (“Brasil tem ‘boom’ de
população de rua”, 2022). Costa aponta os atuais modelos de assistência e
atendimento a essa população como intensamente burocráticos, como já relatados
neste artigo. Costa assemelha esses atendimentos às “prisões”, pois não criam
oportunidades de resgates pessoais dos cidadãos e os abrigos para essa população
são, em sua maioria, bastante insalubres e sem acesso à higiene básica.

4.5. FALTA DE DADOS

Retomando a perspectiva anterior de invisibilidade e inacessibilidade às


políticas públicas de saúde por parte da população de rua, é possível traçar também
um paralelo entre a falta de informações concretas e relevantes sobre essa população,
principalmente em viés qualitativo. Segundo a revista CNN, “a única vez em que foi
realizado um levantamento nacional exclusivamente sobre a população em situação
de rua foi em 2008, quando foram registradas informações extremamente relevantes
e até inesperadas, como o fato de que 70% dessa população tinha algum tipo de
trabalho. Outros dados, nem tão inesperados assim: 67% dessas pessoas eram
negras, retrato do racismo e desigualdade no nosso país.”

Tais dados são de extrema importância para traçar o perfil da população de


rua e entender suas demandas para o serviço público, com fim de amparar e assistir
a essa população tão marginalizada. Durante a realização desta pesquisa, o censo da
População de Rua estava sendo posto em prática pela Prefeitura de Juiz de Fora em
parceria com a Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de fora,
com prazo para publicação dos dados coletados para março de 2023,
aproximadamente.

Com a pandemia do COVID-19 e o avanço do neoliberalismo econômico com


suas crises sociais e econômicas, foi possível perceber que o percentual de pessoas
em situação de rua aumentou. A Fundação Oswaldo Cruz discorre sobre isso em uma
publicação:
43

De acordo com a representante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada


(Ipea) Tatiana Dias, a estimativa entre fevereiro e março do ano passado,
momento de eclosão da pandemia, era de 221 mil pessoas em situação de
rua. Tudo indica que o número aumentou, como reforça Veridiana Machado,
representante do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento
da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Ciamp-Rua).
‘Não sabemos quantas pessoas estão em situação de rua, mas com a
pandemia, é algo que nos salta os olhos. O número é expressivo, inclusive
de crianças nos sinais pedindo dinheiro. Basta ir à rua e ver’, destacou.
(“População em situação de rua aumentou durante a pandemia”, 2021)

Além disso, segundo a revista Agência Brasil, há uma estimativa atual de que
o contingente total de pessoas em situação de rua no Brasil seja de 100 mil pessoas,
com a ideia latente de que esse número tenha passado por mudanças e aumento
significantes, pois tal dado é baseado em um Censo realizado pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o jornal: “O número é uma estimativa
baseada em dados do Censo do Sistema Único de Assistência Social (Censo Suas)
de 2015, pois o Brasil não possui dados oficiais sobre esse segmento, o que contribui
para ampliar a dificuldade de planejar e implementar políticas públicas para essa
população.”

Segundo dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a


População em Situação de Rua, plataforma do Programa Transdisciplinar Polos de
Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais (POLOS-UFMG), a população de
rua do Brasil teria aumentado cerca de 16% entre dezembro de 2021 a maio de 2022,
um dos maiores picos da pandemia de COVID-19 com uma nova onda de
contaminação do vírus e também um período de grande negligência do governo da
época, o do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, conhecido pelo grande
enfraquecimento da campanha pública de vacinação e desacreditação da ciência
médica. Houve uma proposta do Congresso Nacional para criar um observatório
Nacional da População de Rua, mas o projeto nunca foi executado realmente.

A população de rua é um gráfico crescente desde sempre. Não conseguimos


perceber, em nenhum momento da história, a diminuição das pessoas em
situação de rua, porque elas sempre foram invisíveis para a política nacional.
Tanto é que ainda nem temos uma contagem dessa população pelo IBGE.
Isso está previsto agora, mas vai ser uma contagem parcial, porque vão fazer
contagem de moradias precárias, barracas etc. Pessoas que dormem em
papelão, em marquises, não deverão ser contabilizadas', prevê Darcy Costa,
ex-morador de rua e hoje secretário nacional do MNPR. (SILVA, 2022)

O pesquisador da FIOCRUZ Marcelo Pedra expande a visão de que a


pandemia e suas crises econômicas, sociais e sanitárias foram de grandes agravantes
44

para que a população de rua aumentasse e para que a situação das pessoas que já
eram parte do grupo piorasse gradativamente.

É importante ressaltar que 1/3 dessa população, especialmente no Rio de


Janeiro e em São Paulo, está na rua a partir da covid-19. São trabalhadores
que já estavam em situação precária e que, com a crise sanitária, econômica
e social ampla, perderam a sua rede de proteção social. Eles passam a não
ter outro recurso, a não ser a rua. Esse perfil é o sujeito que era garçom,
carregador, perdeu o trabalho, não pode mais pagar aluguel e vai com a
família toda para a rua, explica Marcelo Pedra, doutor em saúde coletiva e
pesquisador do Núcleo de População em Situação de Rua da Fiocruz. (“Brasil
tem ‘boom’ de população de rua”, [s.d.])

Segundo Marco Antonio Carvalho Natalino, pesquisador do IPEA, é


necessário que o Brasil evolua seus métodos de pesquisa para que haja um Censo
mais preciso e efetivo de contabilização para essa população. (SILVA, 2022).

Natalino lembrou que, em 2010, essa população foi incluída no Cadastro


Único e, em 2011, passou a ter direito de acesso aos serviços do Sistema
Único de Saúde (SUS) mesmo sem comprovante de residência. Em 2012, foi
regulamentado o funcionamento dos Consultórios na Rua (CnR). “Esse breve
resgate histórico deixa claro o quão próximos ainda estamos de um legado
de tratamento do povo da rua como, na melhor das hipóteses, cidadãos de
segunda classe”, afirmou o pesquisador no estudo. Para ele, a contagem
dessa população pelo poder público é estratégica, pois, do contrário, corre-
se o risco de reproduzir a invisibilidade social desse segmento na gestão das
políticas públicas. (SILVA, 2022)

Na questão política, é notável a grande invisibilidade e falta de interesse em


tratar assuntos relacionados à população em situação de rua, inclusive seu
mapeamento, no qual Pedra denuncia uma grande subnotificação. Pressões
populares realizadas pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua
(MNPR) e pressões exercidas pelo Congresso Nacional (representados pela Frente
Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua) demandavam
que o Censo do IBGE incluísse, no censo de 2022, dados sobre a população em
situação de rua. O censo deveria ter sido feito em 2020, mas foi adiado devido à
pandemia.

Em 2009, durante o segundo mandato do atual presidente Luiz Inácio Lula da


Silva, foi publicado um decreto que instituiu a Política Nacional para a População em
Situação de Rua e o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento
(Ciamp-Rua). Nessa época, era estimado que o número de pessoas em situação de
45

rua se aproximasse dos 32 mil. A proposta era que municípios e Estados criassem
comitês intersetoriais para atender a população de rua com políticas públicas diversas.

Ao tomar posse em 2019, Jair Bolsonaro (PL) desfez vários conselhos de


representação popular, entre eles o Ciamp-Rua. Coube ao vice-presidente
Hamilton Mourão assinar um novo decreto, em junho do mesmo ano, durante
a ausência de Bolsonaro do país, recriando o comitê da população de rua. O
colegiado passou a ser um órgão consultivo do Ministério da Mulher, Família
e Direitos Humanos, coordenado pela ministra Damares Alves. Segundo
Darcy Costa, do MNPR, o colegiado foi recriado com novo formato, menos
fortalecido, além de ser apenas consultivo, não deliberativo. Houve, ainda,
letargia para eleger os membros do Ciamp-Rua, e as reuniões só foram
retomadas de fato em 2021. Segundo ele, o movimento da população de rua
considera que criar a política nacional por decreto é frágil, e por isso há uma
articulação para pressionar o Congresso Nacional a aprovar um projeto de lei
que tramita no Legislativo desde 2016 (projeto de lei 5740/16). “A gente
acredita que a forma de se resolver a situação da população de rua é por
meio de um programa de governo, uma política de Estado, de moradia social
em escala. É nisso que a gente acredita, e é nisso em que estamos
trabalhando. Independente da troca de governo, que isso possa se garantir,
e se resolver a habitação para essas pessoas com programas de moradias
sociais”, explica Costa. (“Brasil tem ‘boom’ de população de rua”, 2022)

Em agosto de 2021, a ministra Damares Alves assinou uma portaria (Nº 2.927)
instituindo o Programa Moradia Primeiro, mas para o MNPR a concessão de moradias
“temporárias” é um erro. Além disso, o programa pouco avançou além das
experiências piloto no país e o orçamento é ínfimo. (“Brasil tem ‘boom’ de população
de rua”, 2022)

Circundando toda a situação atual de falta de dados e pesquisas que mapeiam


o contingente populacional da população de rua, a análise desses dados não pode
ser tão satisfatória como desejado. Infelizmente, o apagamento desses dados e a
insuficiência de políticas públicas necessárias para atendimento dessa parte da
sociedade se mostra como um projeto político elaborado, visto que o governo
Bolsonaro, acometido por uma pandemia que gerou grande crise econômica, social e
sanitária falhou em assistir a essa população, principalmente levado pelos vieses
conservadores e neoliberais, gerando um aumento nessa população e uma
diminuição na eficácia de políticas públicas que buscam amenizar a situação
desumanizante dessas pessoas.
46

5. CONCLUSÃO

Com base em estudos e perspectivas críticas da formação do capitalismo, da


sociedade brasileira e das relações sociais que se formaram durante o
desenvolvimento socioeconômico do Brasil, foi possível traçar uma visão também
crítica e que visasse correlacionar a atual conjuntura política, econômica, social e
sanitária com o aumento exorbitante da população de rua e a realidade desses
indivíduos. O presente estudo analisou categorias marcantes para opressão e
exploração capitalista, raça e gênero, as especificações do momento político atual
com o avanço do neoliberalismo e fascismo e a pandemia de COVID-19, que foi
catalisadora para acirrar a crise do capital e, logo, aguçar as expressões da questão
social. A partir disso, pode-se analisar alguns traços da população em situação de rua
e como a questão da moradia foi se desenvolvendo durante a formação do país.

Podemos confirmar, dessa forma, o grande desprezo e desatenção com esta


população, não só pelo histórico da falta de moradia, como também através da falta
de formulação de políticas públicas que visem combater essa drástica expressão da
questão social, o descaso em efetivar a política nacional e, também, a falta de
produção de pesquisas concretas, não apenas projeções, para mapear e
compreender a realidade das pessoas que vivem nas ruas. A falta de dados se revelou
como um contratempo para desenvolvimento da pesquisa, visto que foi necessário
mudarmos o objetivo de analisar o perfil da população em Juiz de Fora para uma
análise de categorias por não haver dados oficiais e atuais. Com a alteração da
metodologia e sua área territorial abordada, foi possível verificar as hipóteses através
de um panorama mais amplo, porém, menos específico.

O desafio de analisar o surgimento, agravantes e aumento atual da população


em situação de rua se manifestou devido à necessidade de refletir sobre a eficácia
das políticas públicas implementadas, a atuação dos governos neoliberais recentes e
o visível aumento desta. Nesse sentido, concluímos que a acumulação capitalista
precisa de pessoas em situação de rua e que o problema da falta moradia exista, pois
gera lucro e é um dos fatores a garantir o controle da classe trabalhadora, além do
caráter população ser formado pelos grupos que são mais afetados pelo sistema de
opressão e que vivem um acúmulo de expressões da questão social que as levem
para às ruas.
47

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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