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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL – FSSO

STEPHANY RAYANE GOMES ALBUQUERQUE

PROJETO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


AS PARTICULARIDADES DO RACISMO ESTRUTURAL NA FORMAÇÃO
SÓCIO-HISTÓRICA BRASILEIRA: Reiterações contemporâneas

MACEIÓ - AL
2023
STEPHANY RAYANE GOMES ALBUQUERQUE

PROJETO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


AS PARTICULARIDADES DO RACISMO ESTRUTURAL NA FORMAÇÃO
SÓCIO-HISTÓRICA BRASILEIRA: Reiterações contemporâneas

Projeto de Trabalho de Conclusão de


Curso apresentado à disciplina de
Oficina de Trabalho de Conclusão de
Curso, como requisito avaliativo.
Faculdade de Serviço Social, da
Universidade Federal de Alagoas.
Profª Milena Santos

MACEIÓ – AL
2023
SUMÁRIO

1. TEMA......................................................................................................................04

2. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA.............................................................04

3. JUSTIFICATIVA...................................................................................................05

4. OBJETIVOS...........................................................................................................06

4.1. Geral..................................................................................................................05

4.2.Específicos.........................................................................................................05

5. BASE TEÓRICA E CONCEITUAL...................................................................06

6. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 16
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1. TEMA

As particularidades do racismo estrutural na formação sócio-histórica brasileira: reiterações


contemporâneas.

2. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA
Tratar sobre o assunto de racismo, em especial, o racismo estrutural, é importante, pois
conhecer como o mesmo se fundamentou e é institucionalizado através de ações naturalizadas
viabiliza um novo olhar para a sociedade brasileira. Tendo como pressuposto que a
naturalização do racismo gera impacto negativo no desenvolvimento da sociedade em sua
totalidade, por isso, faz-se necessário e urgente uma atenção focada nessa problemática, já
que a mesma está tão presente na atualidade, como explicita os dados recentes da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua divulgados em 2018, mostram que embora as
pessoas negras e pardas representaram a maior parte da população (55,8%) e da força de
trabalho brasileira (54,9%), apenas 29,9% destas pessoas ocupavam os cargos de gerência.
Além disso, foi feita a análise e comparação do ganho mensal de pessoas pretas e brancas,
(40,5%) menos os trabalhadores pretos ganham em comparação com os brancos por horas
trabalhadas, havendo relativa desvantagem às pessoas negras, de modo que essas
desigualdades também se desenvolvem no cotidiano, paradigma do retratado é a violência e
suas expressões.

A motivação e interesse pelo tema se intensificou a partir de experiências vividas na


Ação Curricular de Extensão (ACE) que ocorreram no ano letivo de 2021.2, na modalidade
online visto que em toda a elaboração desse projeto foi possível visualizar a importância de
abordar essa temática que fora abordada por meio de palestrantes conceituados no ramo que
acarretou em uma identificação pessoal da fala das palestrantes com a autora, tendo em vista
que a mesma apresenta traços negros. Dessa forma, é observada a necessidade de
compreender como se dá o processo da construção do racismo no mundo e na sociedade
brasileira, quais as características e peculiaridades desse racismo, por fim, o motivo do
mesmo continuar sendo naturalizado e reproduzido na contemporaneidade.

Em conformidade com essa realidade apresentada em todo o país, onde essas


expressões são cada vez mais frequentes, surgiu certas indagações e problemáticas sobre o
racismo estrutural, como esse conjunto de desigualdades foram construídos ao decorrer da
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formação sócio-histórica no mundo e no Brasil, quais são as suas implicações, como ocorreu a
construção do racismo e a naturalização do mesmo, de modo a reproduzir sua reiteração nos
dias hodiernos.
Portanto, estudar este tema tanto no âmbito acadêmico como no exercício profissional
é de extrema importância, pois o racismo já foi considerado “normal” anteriormente e ainda
no contexto atual é formalizado através de variadas práticas. Assim, acarreta diversas formas
de violação dos direitos humanos, trazendo graves consequências para o desenvolvimento da
sociedade, principalmente para pessoas negras e pardas.

3. JUSTIFICATIVA

4. OBJETIVOS

4.1. Geral

Compreender como se constituiu o racismo e suas expressões a partir da formação


sócio-histórica no mundo e mais especificamente no Brasil, da perspectiva do racismo
estrutural.
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4.2. Específicos

• Analisar a reprodução sócio-histórica do racismo e sua influência no Brasil tendo como


base explicativa a formação sócio-histórica brasileira;

• Abordar a trajetória da naturalização de desigualdades raciais e institucionalização do


racismo estrutural;

• Investigar as atuais expressões contemporâneas que reiteram o racismo estrutural na


sociedade brasileira do século XXI.

5. BASE TEÓRICA E CONCEITUAL

O racismo não é algo específico da realidade contemporânea, de modo que existem


diversas manifestações dessa problemática durante a formação sócio-histórica no âmbito geral
(mundo) e no Brasil. Este fenômeno foi influenciado pelos processos de formação de
sociedade, são elas: comunidade primitiva, modo de produção asiático, escravismo,
feudalismo e capitalismo. A partir dessa perspectiva, é possível destacar que segundo o livro
“Introdução à filosofia de Marx” de Sérgio Lessa e Ivo Tonet (2004) na comunidade primitiva
a divisão do trabalho era natural e sexual, ou seja, estava condicionada à habilidade de cada
indivíduo. Além disso, os indivíduos eram nômades e a principal atividade inicialmente foi a
coleta de frutos, de modo que os produtos eram divididos como um bem comum, por
conseguinte tudo que consumiam era para subsistência.
Conforme o tempo foi passando, no período Neolítico, a semente foi descoberta, de
modo que se desenvolveu não só a agricultura, mas também a pecuária. A partir desse
momento houve aperfeiçoamento de técnicas, instrumentos e habilidades, dessa forma
possibilitou que aquela população produzisse mais do que necessitavam e consumiam, ou
seja, gerou o excedente de produção e como consequência, disputas por esse excedente,
gerando de fato a exploração do homem pelo homem e por consequência a criação das classes
sociais: dominante e explorada. Diante de toda essa contextualização é possível inferir que as
primeiras sociedades exploradas foram as asiáticas e escravistas, todavia, ainda não existia
essa condicionalidade de raça, visto que o sistema escravista em seus primórdios estava
associado às guerras e conquista de territórios por todas as civilizações da antiguidade:
assírios, hebreus, gregos, romanos, egípcios, entre outros.
Segundo Lessa e Tonet,
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Nas sociedades primitivas, os indivíduos, por mais que divergissem, tinham


no fundo o mesmo interesse: garantir a sobrevivência de si e do bando ao
qual pertenciam. Como surgimento da exploração do homem pelo homem,
pela primeira vez as contradições sociais se tornam antagônicas, isto é,
impossíveis de serem conciliadas. A classe dominante tem que explorar o
trabalhador, este não deseja ser explorado (LESSA; TONET, 2004, p.30).

Conforme os autores, a partir desse momento é naturalizado a exploração de uma


classe sobre a outra. Primeiro com critérios de disputas e guerras (âmbito geral) e
posteriormente com a escravidão, denominada moderna, com critérios raciais (recorte,
especialmente, para o Brasil). Dessa forma, a escravidão moderna se inicia com a
“descoberta” das Américas e a implantação do sistema de colonização deste continente por
diversos povos, paradigma do retratado são os: portugueses, espanhóis, ingleses, franceses,
ingleses, holandeses e suecos.

Em síntese, foi considerada pela primeira vez na história que a justificativa para a
dominação de pessoas fosse a motivação racial, sendo a mesma justificada por diversos
critérios e teorias sobre hierarquização de raças. Logo, nos territórios colonizados do
continente americano, a escravidão foi realizada incialmente com os povos originários
(indígenas) e, posteriormente, com a vinda de milhares de africanos. A partir dessa
perspectiva, é possível sintetizar que Ellen Meiksins Wood identifica a peculiaridade do
“racismo moderno” justamente em sua ligação com o colonialismo:

O racismo moderno é diferente, uma concepção mais viciosamente


sistemática de inferioridade intrínseca e natura, que surgiu no final do século
XVII ou início do século XVIII, e culminou no século XIX, quando adquiriu
o reforço pseudocientífico de teorias biológicas de raça, e continuou a servir
como apoio ideológico para opressão colonial mesmo depois da abolição da
escravidão (ALMEIDA, 2018, p.21).

Sendo assim, o racismo nada mais é do que a discriminação de um povo, como uma
espécie de categorização humana de acordo com características físicas, de modo que essas
ideias são justificadas por diversas doutrinas e teorias, são elas: base religiosa, questões
pseudocientíficas, determinismo biológico, determinismo geográfico, entre outros. No que diz
respeito à base religiosa, segundo o artigo “Classe e Racismo na formação social brasileira”,
de Lara e Barcelos, o argumento utilizado seria a “Maldição de Cam”. A qual, em síntese, é
uma interpretação do Antigo Testamento na Bíblia, de modo que Noé devido a um
desentendimento com seu filho Cam lança ao mesmo uma maldição que faz o seu neto Canaã
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ficar negro como castigo. Portanto, essa foi uma das histórias que respaldou a escravização e
exploração dos negros da África por Portugal.
Já referente às questões pseudocientíficas, ainda de acordo com o artigo citado, as
mesmas afirmavam que os negros anatomicamente e biologicamente eram inferiores aos
brancos, possuindo até estudos de metrificação de partes do corpo, como o crânio. Existiam
ainda outras concepções que viabilizaram o racismo, como o determinismo biológico e
geográfico. Segundo Mendes e Santana:

O determinismo biológico ancorava-se na existência de diferenças


ontológicas entre as raças, as quais determinavam que o negro, o branco e o
indígena eram predestinados a certos tipos de comportamento. A raça,
portanto, era entendida como um fenômeno final em si mesmo,
determinando condições imutáveis de existência. Os argumentos que
sustentavam a existência de um determinismo biológico na diferenciação
entre os homens tinham suas raízes em uma tradição poligenista na
compreensão do surgimento do homem na terra (MENDES; SANTANA,
2015, p.29).

Logo, o determinismo biológico afirma que o comportamento de um indivíduo é


controlado por seus genes e dialoga com as ideias poligenistas, essas expressam que existem
diferentes centros de criação os quais correspondiam às diferenças raciais observadas. Vale
ainda destacar que o poligenismo foi a base da chamada Antropologia Física (referente às
questões pseudocientíficas), que eram usadas técnicas de frenologia e a antropometria, essas
utilizadas para mensurar a capacidade humana de acordo com o tamanho e a proporção de
diferentes povos, naturalizando o racismo mais uma vez.
Já o determinismo geográfico, de acordo com o autor:

O determinismo geográfico está baseado na noção de que as peculiaridades


do ambiente físico e geográfico são capazes de moldar a cultura dos
diferentes povos. Segundo esta doutrina, o clima era capaz de determinar,
por exemplo, o temperamento fleumático e o gênio embrutecido do homem
americano. Assim, o desenvolvimento de uma nação seria condicionado pelo
meio (MENDES; SANTANA, 2015, p.29).

Diante do apresentado o determinismo geográfico expressa que é o ambiente e a


natureza que determina os padrões da cultura humana de um determinado local e seu
desenvolvimento social. Visto isso, é possível notar que essa ideia está diretamente associada
à Seleção Natural de Charles Darwin, de forma que essa expressa que o meio ambiente atua
como selecionador de características, perpetuando os organismos mais aptos a sobreviver em
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determinado local. Dessa forma, o determinismo geográfico dialoga diretamente com a


Seleção Natural e a visão eurocêntrica (etnocentrismo), a qual seria uma visão de mundo
centrada em valores europeus, de modo que os negros são considerados inferiores em
comparação aos brancos.
Em latim, a palavra cultura significa cuidar, é a matéria-prima, e aquilo que
fundamenta a Antropologia, que nada mais é do que o estudo para destrinchar as nuances das
diferenças existentes dos seres humanos, além do entendimento fisiológico, com um conjunto
de aspectos costumes, valores e crenças. Logo, a discussão racial ganha forma nesses estudos.
No decorrer da história do mundo dos autores, como uma maneira de explicar a cultura, foram
formuladas teorias de como poderia ser fundamentada às diferenças a partir de qualquer
distinção que pudesse identificar que o homem é antagônico ao animal, como já explicitado
com as teorias de determinismo geográfico ou biológico. Além das teorias já abordadas, há
também o que se chama de etnocentrismo.
O momento histórico das grandes navegações que, consequentemente, se
transformaram nos descobrimentos de novos territórios, em destaque a América e África,
transportou o chamado – choque cultural – que acarreta no sentimento de estranheza quando
os europeus chegaram ao Novo Mundo e se depararam com os nativos da terra, de modo que
para os navegadores os índios eram como animais, selvagens.
No decorrer da história, começaram os estudos sobre quais eram as diferenças entre os
povos europeus em detrimento dos demais, e foi nesse período que o termo etnocentrismo foi
elaborado, trata-se de um método de estudo que parte do princípio de relatos, ou seja, uma
visão estabelecida por terceiros. Era a partir dos relatos de viajantes, jesuítas, que se
estabeleciam os estudos. Fora, então, sendo criada uma imagem a partir de si próprio, de seus
próprios pensamentos, para que tentassem entender as atitudes e comportamentos dos nativos.
Respectivamente, até então o modelo de estudo das alteridades era da perspectiva de que
existia apenas uma cultura, porém, as distinções provinham através do grau de processo
evolutivo que aquela comunidade se encontrava, e a aproximação na qual esses possuíam com
os nativos eram de superficialidades, entendiam que os nativos ainda necessitavam passar
pelo processo evolutivo, destacando uma imagem de superioridade para os europeus e
inferioridade em todos os sentidos dos ameríndios e negros, sendo o fator determinante para o
preconceito. Esse preconceito estava centrado na ideia de que os índios e negros têm que
passar por uma transição em seu comportamento até alcançar a civilização.
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Na formação sócio-histórica do Brasil, de acordo com o autor Caio Prado Junior


(1961), os colonizadores não tinham como objetivo ocupar as terras “descobertas”, apenas
fora uma coincidência encontrar as mesmas na procura de uma rota melhor para o comércio.
A ocupação se deu por haver uma situação interna turbulenta na Europa, com lutas político-
religiosas, em específico na Inglaterra com um fator econômico em crise, o que acarretou em
uma opção viável para as populações europeias irem para o Novo Mundo (América) encontrar
um refúgio, observando então que havia uma preferência pelas terras em que tinham o fator
climático parecido com o da Europa que se localizava na América do Norte, em zonas
temperadas já que existia mais aptidão para os brancos.
Com recorte no Brasil, como um clima tropical, com tanta diversidade de condições
naturais comparado a Europa, no início fora um grande fator para que essa ocupação não
acontecesse no país, porém perceberam que o clima poderia ser bastante benéfico para a
produção de produtos que era considerado de luxo na Europa como o açúcar, já que o solo
europeu não conseguia cultivar de forma produtiva. Em contraponto, no território brasileiro
teria mais facilidade de cultivo, dessa forma compreenderam que necessitavam da intervenção
deles com seus conhecimentos de agricultura evoluídos para então se concretizar essa
produção, porém para que fosse possível havia um carecimento de esforço de trabalho físico.
Ainda assim, a América nesse processo era apenas para transporte de abastecimento da
Europa, surgiu nesse momento a adoção da mão-de-obra escrava de outras raças já que fora a
partir desse momento que surgiu o encontro entre as raças e uma se sobrepôs a outra em seu
próprio território. O esforço teria que advir, os escolhidos foram os “animais” que precisavam
evoluir, os indígenas do próprio continente ou os negros africanos importados. Enquanto nas
zonas temperadas houveram a colonização por meio do povoamento, ou seja, os europeus
migraram para reconstituírem o lugar, as zonas tropicais caracterizavam-se apenas como
mantenedora dos luxos e matérias-primas existentes na América do Sul, reduzida a destinar a
explorar os recursos naturais de um território visando a empresa comercial colonial. Portanto,
o “sentido” do processo sócio-histórico do Brasil teve suas próprias particularidades e acarreta
heranças racistas até os dias hodiernos desde a colonização.
Diante do retratado, o povoamento no Brasil decorreu de forma atrasada em
comparação à América do Norte. A igreja teve um papel fundamental na constituição do
escravismo no Brasil, através das ações missionárias dos jesuítas como forma de evangelizar,
catequizar os índios, respectivamente os negros tornaram-se cristãos conjuntamente. Os
bispos contribuíram para substituição da mão-de-obra-escrava indígena para a negra, pois
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defendiam a causa dos índios, consequentemente os negros se constituíram como alternativa


para que houvesse essa troca. Tanto a cultura indígena quanto a negra foram demonizadas.
Suas músicas, danças, foram sendo substituídas pelas europeias/cristãs. Dessa forma,
utilizaram um “ensino da moral” com os fundamentos cristãos, servindo como um dos
instrumentos do Estado para manter a ordem social com ideologias de contentamento com as
condições escravocratas em que se encontravam. A Igreja tinha como objetivo aumentar seus
seguidores, e o Estado em manter os interesses da coroa portuguesa. Assim, houve a
interferência nas culturas de etnias diferentes em busca de hegemonia, extinguindo muitas
culturas ou transformando-as nos interesses da classe dominante que reflete como herança nos
dias atuais.
Com a seguinte explicação sobre como determinismo influenciou nas questões sobre o
racismo, é importante citar como ocorreu a transição do escravismo para a desagregação do
regime escravocrata no Brasil após a abolição, gerando assim uma falsa ideia de democracia
racial, que nada mais é do que o estado de plena igualdade entre as pessoas
independentemente de raça, cor ou etnia.
Segundo a declaração universal dos direitos humanos de 1948:

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades


estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição
(DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS,1948, ART.02).

Após a transição do escravismo para a desagregação do regime escravocrata foram


desencadeados diversos problemas sociais, de modo que o recém liberto escravo foi deixado à
própria sorte sem a garantia e assistência necessária que o Estado, a Igreja ou qualquer outra
instituição poderia oferecer, com a finalidade de proteção durante a transição para o sistema
de trabalho livre.
Sem o devido preparo e orientação, o liberto se viu sem rumo, convertido em dono de
sua existência, tornando-se responsável por sua sobrevivência e de seus dependentes, sem
recursos materiais e morais que garantissem o mínimo à sua existência. Consequente desses
fatos, os libertos tinham as opções de voltar a trabalhar para os senhores nas lavouras que
prosperam bem e era necessário tal mão-de-obra pois eles eram os únicos que sabiam cuidar
desse modo de produção, porém na forma de trabalhador recebendo um mísero salário. Além
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disso, outra opção era encorpar a grande massa de desocupados e semi-ocupados, ou seja,
indivíduos que trabalhavam onde podiam e como podiam, de forma irregular.
Em contrapartida, como a produção na época estava em níveis altos e a economia
estava crescendo, houve a possibilidade de transformar os ex-escravos que se encontravam
sem trabalho no chamado exército de reserva que eram os trabalhadores os quais,
efetivamente, tinham a capacidade de executar a função que o mercado lhe priva no momento
do desemprego, sendo assim deixando o negro a função de ser “reserva da reserva”, de modo
que o trabalhador empregado sempre aceitava qualquer condição de exploração e penúria,
devido a essa reserva, ou seja, sempre existiria alguém para substituir. Paradigma do retratado
é que muitos trabalhadores estrangeiros eram concorrentes desse recém liberto, todavia esses
estrangeiros tinham mão-de-obra qualificada, tomando lugar nas fábricas, de modo que o
efeito dessa concorrência era prejudicial aos antigos escravos que não estavam preparados
para enfrentá-la.
Todos os fatos apresentados contribuíram para a superexploração 1 do negro no âmbito
econômico e trabalhista, sendo assim, favorecendo a consolidação de uma estrutura social e
econômica que serviu de pontapé para a população negra ser vista como inferior em relação
aos brancos na sociedade pós-abolição, visto que era determinado a impossibilidade de
alcançar os melhores postos de trabalho, deixando a população negra em situação de
vulnerabilidade e tendo que aceitar qualquer tipo de trabalho para assim poder subsistir na
sociedade de classe.
Diante da formação sócio-histórica tanto mundial, quanto brasileira já explicitadas,
fica evidente que o racismo não é algo pontual ou eventual, é um fenômeno e processo
histórico que perpassa séculos de história e tipos de sociedade, com ênfase para o capitalismo,
onde o racismo ganha novas nuances. A partir dessa trajetória histórica, o racismo, que
acompanha cada parte do processo, se torna parte da estrutura da sociedade até os dias atuais,
na sociedade capitalista.
Segundo Silvio Almeida, em seu livro “O que é racismo estrutural?” (2018),

[...] o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça


como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou
inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos,
a depender do grupo racial ao qual pertençam (ALMEIDA, 2018, p. 25).

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Autor que trabalha esse termo é Rui Mauro Marini;
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Para o autor, o racismo é parte constitutiva da organização da sociedade, e está na base


das desigualdades e violências que fazem parte da vida social. O racismo, além de ser parte
estrutural da sociedade como um todo, é também estruturante das relações sociais, políticas,
econômicas, jurídicas e familiares nas quais os seres sociais estão incluídos. Dessa forma, o
racismo dá base para desigualdades em todos os âmbitos da vida social, além de interferir,
direta ou indiretamente, na discriminação e exclusão de grupos racialmente identificados.
O racismo se manifesta enquanto discriminação racial, ou seja, quando grupos
racialmente identificados são tratados de maneira distinta, tanto de forma direta, como no caso
de negros que, única e exclusivamente por essa razão, são impedidos de entrar em alguns
países, quanto de forma indireta, quando situações de minorias racialmente identificadas são
ignoradas, de modo que as diferenças sociais significativas não sejam levadas em
consideração. Porém, o racismo não deve ser visto como algo externo aos seres sociais, como
algo involuntário e independente. Os seres sociais constituem a sociedade e são parte
importante da construção das relações sociais, portanto, são responsáveis por condutas
racistas e discriminatórias.
Silvio Almeida afirma que: “[...] pensar o racismo como parte da estrutura não retira a
responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas”
(ALMEIDA, 2018, p. 40). As relações sociais são constituídas por seres individuais, que
fazem parte da realidade social estruturalmente racista e que contribuem para a reprodução da
sociedade e do racismo que a integra. Portanto, não se deve eximir de culpa os indivíduos
sociais que reproduzem o racismo no cotidiano, estes devem tomar consciência de que o
racismo existe e de que possuem condutas racistas, para que, dessa forma, passem a assumir
posturas antirracistas com o objetivo de provocar mudanças nas relações sociais e combater a
manutenção do racismo.
Na sociedade capitalista o racismo ganha particularidades específicas, onde a
integração do negro se deu de maneira excludente e preconceituosa, e, a partir disso, estes
passam a formar a “reserva da reserva” do exército industrial de reserva, como retratado
acima. Por essas razões, nessa organização social, onde o desemprego é característico do
capitalismo desde o seu surgimento, mas se intensifica à medida que há o desenvolvimento
das forças produtivas no capitalismo, e é também consequência da crise estrutural que assola a
sociedade, a parcela negra da população, que é maioria da população brasileira, é a que mais
sofre os impactos causados por essa questão, que afetam a vida de pessoas negras de forma
direta, o que se explica principalmente pelo racismo estrutural que constitui tanto a sociedade
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quanto às relações sociais, como já retratado, e pela marginalização do negro na sociedade


desde a época da abolição da escravatura, como diz Florestan Fernandes.
Como resultado, a população negra possui menos qualificação de mão-de-obra e acaba
em situação de desemprego, ou, em muitos casos, em trabalhos precários e mal remunerados,
sem garantias trabalhistas e direitos sociais. Paradigma do retratado foi no período pandêmico
da COVID-19, a quais foram escancaradas essas questões, que são resultados de todo o
exposto até aqui. De acordo com dados registrados no relatório “Síntese de Indicadores
Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2021” feito pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população preta e parda ocupava
majoritariamente atividades econômicas com menor remuneração e devido a condição de
baixa instrução (qualificação), como é o caso de serviços domésticos, onde 46,6% é composta
por pretos e pardos. Ainda seguindo o mesmo relatório, uma comparação feita entre os anos
de 2019 e 2020 mostrou que os impactos da pandemia afetaram principalmente essa
população, devido a redução das ocupações, que foi de -10,5%.
No Brasil o aumento de casos de racismo e desigualdade racial sobe drasticamente a
cada ano, casos são registrados em diversos estados e em determinados locais como por
exemplo escola, local de trabalho, locais de lazer, shoppings e lojas. O racismo está tão velado
na sociedade atual que casos de discriminação racial acabam se tornado frequentes.

Discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou


preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica
que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou
exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades
fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro campo da vida pública ou privada (ESTATUTO DE
DESIGUALDADE RACIAL, 1995, ART.01).

Segundo pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o


IBGE (2021), aponta que as pessoas pretas ou pardas são as que mais sofrem no país com a
falta de oportunidades e a má distribuição de renda. Por mais que representem a maior parte
da população (55,8%) e da força de trabalho brasileira (54,9%), apenas 29,9% destas pessoas
ocupavam os cargos de gerência onde é possível ver com clareza a desigualdade racial,
todavia que, apenas 29,9% dos cargos de gerência são ocupados por pessoas pretas e parda
enquanto 68,6% são ocupadas por pessoas brancas.
Já os casos de racismo aumentam cada vez mais, no 1º semestre de 2022 foi superado
o total de casos dos dois anos anterior, segundo casos registrados pela Secretaria de Justiça e
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Cidadania do estado de São Paulo segundo os dados fornecidos pela pasta e nos seis primeiros
meses do ano já foram registrados 265 casos de discriminação pelos canais de denúncia da
secretaria onde o número já é supera o total registrado entre 2019 e 2021, quando foram 251
casos. Com o aumento das denúncias é possível notar cada vez mais exposição em noticiários,
e notar que o racismo acontece de diferentes formas, podendo ser físico ou verbal, e acontecer
em adultos ou crianças.
No Brasil é possível notar, com frequência, que pessoas negras ao frequentar lojas são
vítimas de racismo ao serem seguidas por seguranças, ou até serem abordadas para realizar
uma revista por serem considerados suspeitos apenas pela cor da pele. Um caso referente a
essa situação aconteceu no ano de 2020, em que João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos,
um homem negro, foi espancado e morto por dois homens brancos em um supermercado
Carrefour em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, véspera do Dia da Consciência Negra.
Ademais, pode-se citar outro caso que também é sobre outro homem negro, de 56
anos, de modo que o mesmo foi obrigado a tirar parte da roupa em um supermercado. A
vítima foi abordada por dois seguranças que suspeitaram que o cliente havia furtado produtos
da loja, segundo testemunhas presentes no local a vítima ficou nervosa e começou a gritar “eu
vim aqui pra comprar alguma coisa e me chamam de ladrão”. Diante das situações
apresentadas, é possível perceber como o racismo ainda está presente na sociedade.
Todos os fatos apresentados evidenciam as consequências do racismo estrutural da
sociedade desde as formações sociais antecedentes ao capitalismo, até ao seu formato atual, o
estágio do capitalismo monopolista. A condição de desemprego e/ou precarização das formas
de trabalho, assim como os casos de racismo que são frequentemente vivenciados pela
população negra está intrinsecamente ligada ao racismo que integra a sociedade ao longo dos
acontecimentos históricos que acompanham o desenvolvimento social. A marginalização do
negro tem início na abolição da escravatura, mas não tem fim, se mantém presente
empurrando o negro para o abismo da sociedade e o obrigando a ocupar lugares e posições
subalternas, além de o submeter às situações de violência racial no seu cotidiano, como a
simples ida à um supermercado ou loja acabar em agressão física ou até mesmo em morte.
Levando em consideração o exposto acima, fica evidente que o racismo estrutural é
real e está presente em todos os aspectos da vida social, seja de forma velada ou de forma
explícita, como mostra os casos apresentados, e que requer atenção da população como um
todo, assim como de pesquisas relacionadas ao tema, para que haja uma compreensão de seus
fundamentos históricos e de suas resultantes, com o objetivo de criar caminhos para sua
16

superação. Por isso, através de todo contexto apresentado, surge as seguintes indagações:
Como se constituiu o racismo a partir da formação histórico-brasileira? O que é racismo
estrutural? Por que ocorre a reiteração do racismo estrutural na sociedade brasileira?

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. 1ª ed. São Paulo: Polen, 2018, p. 38-53.
CASOS de racismo no 1º semestre de 2022 já superaram os últimos dois anos no estado de
SP, diz secretaria de Justiça. G1 SP, 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2022/07/22/casos-de-racismo-no-1o-semestre-de-2022-ja-superaram-os-
ultimos-dois-anos-no-estado-de-sp-diz-secretaria-de-justica.ghtml>. Acesso em: 21 out. 2022.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 5ª ed. São Paulo:


Globo S.A., 2008,p. 29-100.

HOMEM negro é espancado até a morte em supermercado do grupo Carrefour em Porto


Alegre. G1 RS, 2020. Disponível em:
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