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Geografia e Ensino
associação
dos geográfos
brasileiros
1
Associação dos Geógrafos Brasileiros
Presidente
Edvaldo César Moretti (AGB - Dourados/MS)
Vice Presidente
Manoel Calaça (AGB - Goiânia/GO)
Primeiro Secretário
Jones Dari Goettert (AGB - Dourados/MS)
Segundo Secretário
Zeno Soares Crocetti (AGB - Curitiba/PR)
Primeiro Tesoureiro
Alexandre Bergamin Vieira (AGB - Presidente Prudente/SP)
Segundo Tesoureiro
Victor A. de Souza Junior (AGB - João Pessoa/PB)
Coordenação de Publicações
Antonio Thomaz Junior (AGB - Presidente Prudente /SP)
Ana Paula Maia Jansen (AGB - Rio Branco/AC)
José Alves (AGB - Rio Branco/AC)
José Messias Bastos (AGB - Florianópolis/SC)
Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB - Salvador/BA)
2
ISSN 0102-8030
Terra Livre
Publicação semestral
da Associação dos Geógrafos Brasileiros
ANO 23 – Vol. 1
NÚMERO 28
3
TERRA LIVRE
Conselho Editorial
Adauto de Oliveira Souza (UFGD) Jorge Montenegro Gómez (UFPR)
Ailton Luchiari (USP) José Daniel Gómez (Universidade de Alicante/Espanha)
Aldomar Arnaldo Rückert (UFRGS) Marcelo Dornelis Carvalhal (UNIOESTE/M. C. Rondon)
Alexandrina da Luz (UFS) Marcelo Rodrigues Mendonça (UFG/Catalão)
Ângela Massumi Katuta (UEL) Marcos Bernardino de Carvalho (PUC/SP)
Antonio Carlos Vitte (UNICAMP) Maria Franco García (UFPB)
Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP/Pres. Prudente) Mirian Cláudia Lourenção Simonetti (UNESP/Marília)
Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP) Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ/São Gonçalo)
Bernadete C. Castro Oliveira (IGCE/UNESP) Pedro Costa Guedes Vianna (UFPB)
Bernardo Mançano Fernandes (UNESP/Pres. Prudente) Ricardo Antunes (UNICAMP)
Diamantino Alves Correia Pereira (PUC/SP) Rogério Haesbaert da Costa (UFF)
Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS) Selma Simões de Castro (UFG)
Douglas Santos (PUC/SP) Silvio Simione da Silva (UFAC)
Eliseu Saverio Sposito (UNESP/Pres. Prudente) Valéria De Marcos (USP)
Horácio Capel Sáez (Universidade de Barcelona/Espanha) Virgínia Elisabeta Etges (UNISC)
João Cleps Júnior (UFU) Xosé Santos Solla (Universidade de Santiago de Compostela/
João Edmilson Fabrini (UNIOESTE/M. C. Rondon) Espanha)
Colaboradores
Alexandre Bergamin Vieira (UNESP - Presidente Prudente/SP)
Karina Furini da Ponte (UFAC - Rio Branco/AC)
Capa
Motivo: Muitas Nações, um mundo. I Concurso Local de Cartografia para Crianças / UFAC
Autora: Thais Barros de Souza (Profª. Jane Fran. 4ª série/Ensino Fundamental, Colégio Meta – Rio Branco/AC.)
Arte: Gilson Kleber Lomba
Tiragem: 1.000
Impressão: Copy Set (Av. Cel. José Soares Marcondes, n. 798, Presidente Prudente-SP - copyset@superig.com.br)
Ficha Catalográfica
Terra Livre, ano 1, n. 1, São Paulo, 1986.
São Paulo, 1986 – v. ils. Histórico
1992/93 – 11/12 (editada em 1996)
1986 – ano 1, v. 1 1994/95/96 – interrompida
1987 – n. 2 1997 – n. 13
1988 – n. 3, n. 4, n. 5 1998 – interrompida
1989 – n. 6 1999 – n. 14
1990 – n. 7 2000 – n. 15
10. Geografia – Periódicos 2001 – n. 16, n. 17
10. AGB. Diretoria Nacional 2002 – Ano 18, v.1, n. 18; v.2, n. 19
2003 – Ano 19, v.1, n. 20; v. 2, n. 21
1991 – n. 8, n. 9 2004 – Ano 20, v.1, n. 22; v. 2, n. 23
1992 – N. 10 2005 – Ano 21, v.1, n. 24
Revista Indexada em Geodados 2005 – Ano 21, v. 2, n. 25
www.geodados.uem.br 2006 – Ano 22, v. 1, n. 26
ISSN 0102-8030 2006 – Ano 22, v. 2, n. 27
2007 – Ano 23, v. 1, n. 28 CDU – 91 (05)
4
Sumário
EDITORIAL
ARTIGOS
MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA:
(TERRA E) HOMEM DO NORDESTE
JONES DARI GOETTERT 15-26
5
ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE A
FORMAÇÃOPROFISSIONAL EM GEOGRAFIA PAUTADA NO
DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA INVESTIGATIVA
ANA MARIA RADAELLI DA SILVA
JUÇARA SPINELLI 163-176
RESENHA
SABERES E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS E
ESPAÇOS SOCIAIS : EDUCAÇÃO, GEOGRAFIA,
INTERDISCIPLINARIDADE
CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES 259-261
NORMAS
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 264-270
COMPÊNDIO
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 273-287
6
Summary/Sumario
FOREWORD/EDITORIAL
ARTICLES/ ARTÍCULOS
7
TEACHING AND RESEARCH: REFLECTING UPON
PROFESSIONAL FORMATION IN GEOGRAPHY GUIDED BY THE
DEVELOPMENT OF AN INVESTIGATIVE COMPETENCE
ENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN: REFLEXIONANDO SOBRE LA
FORMACIÓN DEL PROFESIONAL EN GEOGRAFÍA CON BASE EN
EL DESARROLLO DE LA COMPETENCIA INVESTIGATIVA
ANA MARIA RADAELLI DA SILVA
JUÇARA SPINELLI 163-176
REVIEW/RESEÑA
TO KNOW AND PRACTICAL IN THE CONSTRUCTION OF
CITIZENS AND SOCIAL SPACES: EDUCATION, GEOGRAPHY,
INTERDISCIPLINARIDADE
SABERES Y PRÁCTICO EN LA CONSTRUCCIÓN DE CIUDADANOS
Y DE ESPACIOS SOCIALES : EDUCACIÓN, GEOGRAFÍA,
INTERDISCIPLINARIDADE
CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES 259-261
NORMAS
SUBMISSION GUINDELINESA
NORMAS PARA PUBLICACIÓN 264-270
COMPÊNDIO
8
EDITORIAL
9
de geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental, bem como à relação entre ensino e
pesquisa na formação docente. Outras reflexões são dedicadas à ideologia presente no
ensino de geografia e nos livros didáticos no período militar, à educação docente - suas
práticas e linguagens, e à questão da educação ambiental no processo educativo.
Como se evidencia, buscou-se fazer deste número, especial sobre ensino, um volume
de preocupações diversas, mas que apesar de plural tenha um objetivo comum, ou seja:
fazer da geografia e do seu ensino um instrumento de reflexão e ação sobre a realidade da
educação e da sociedade brasileira.
Esperamos que o leitor desfrute das contribuições presentes e que possa a partir das
mesmas continuar pensando e agindo em prol de um ensino da Geografia atuante e em
movimento.
OS EDITORES
10
FOREWORD
11
of several concerns, but one with a common objective despite being plural, that is: to make
geography and its teaching a reflection instrument and action about the reality of education
and the Brazilian society.
We hope that the reader enjoys the present contributions and that they, from these
contributions, can continue thinking and acting on behalf of an active and moving teaching
of Geography.
THE EDITORS
12
ARTIGOS
13
14
MANUEL CORREIA DE Resumo: Manuel Correia de Andrade, incansavelmente, fez da vida o
trabalho em compreender “a terra e o homem no Nordeste”. Manuel
ANDRADE, CORREINHA: Correia de Andrade, o Correinha dos trabalhadores rurais, mourejou
pela vida, pela ciência, por mulheres e homens, em diálogo contínuo
(TERRA E) HOMEM DO com a teoria e com as gentes do litoral, do agreste e do sertão, que
NORDESTE* “mourejam a terra”. Embalado pelo compromisso intelectual e social,
Manuel Correia de Andrade fez-se terra, fez-se homem, fez-se corpo,
fez-se espaço e fez-se tempo. Espaço(s) e tempo (s) de um Nordeste
MANUEL CORREIA DE múltiplo, diverso, marcado por séculos de mando “controlado por uma
ANDRADE, CORREINHA: oligarquia que procura trazer vantagens para ela própria”, mas que,
(LAND AND) THE MAN FROM THE por outro lado, em uma amálgama de terra e gentes do trabalho,
NORTHEAST protagoniza “a ação de movimentos como o MST, a Contag e a Pastoral
da Terra”, “fazendo renascer o slogan de Francisco Julião, de 1960, de
que “a reforma agrária seria feita na lei ou na marra”! “Tudo no mundo”,
MANUEL CORREIA DE em vinte e dois de junho de 2007, se fechou para os olhos de Manuel
ANDRADE, CORREINHA: Correia de Andrade. Mas, como que por uma “geografia da alma”,
(TIERRA Y) HOMBRE DEL seus olhos parecem nos olhar através de sua trajetória, de seus livros e
NORDESTE centenas de artigos, de seus diálogos, de sua terra e por suas gentes.
De seu Nordeste que lutou para que fosse um lugar melhor, uma terra
sem males.
Palavras-chave: Manuel Correia de Andrade; Nordeste; Terra;
Homem.
Abstract: Manuel Correia de Andrade made his life into a quest to
understand “the land and the man from the Northeast”. Manuel Correia
de Andrade, known as Correinha by the rural workers, constantly
worked for life, science, men and women without resting, in a constant
JONES DARI GOETTERT sharing of ideas between theory and the beach people, not to mention
the “Agreste” and the hinterland ones who toiled the land. Taken by an
Professor Adjunto do Curso de intellectual and social commitment, Manuel Correia de Andrade made
Geografia – FCH – UFGD himself land, made himself man, made himself space and time. Time(s)
1º Secretário da DEN – AGB and space(s) of a multiple, diverse Northeast which was marked by
centuries of ordering “controlled by an oligarchy that tried to take full
Rua João Rosa Góes, n. 1761 advantage for itself”. On the other hand, however, this Northeast in an
Caixa Postal 322 – CEP: 79825-070 amalgam of land and workers that takes part in “movement actions
Dourados – MS such as the MST, the CONTAG and the PASTORAL DA TERRA”,
jonesdari@ufgd.edu.br “bringing back to life Francisco Julião’s slogan (1960) in which he
mentions, “the agrarian reform is to be done either according to the
law or to men’s will”! “Everything in the world”, on June 22nd, 2007,
closed their eyes to Manuel Correia de Andrade. But, based on a “soul
geography”, his eyes seem to look at us through his route, his books
and hundreds of articles, through his conversations, his land and his
people. Everything in the world seems to look at us through his Northeast
which fought in order to be a better place, a blessed land.
Keywords: Manuel Correia de Andrade; Northeast; Land; Man.
Resumen: Manuel Correia de Andrade hizo de su vida una busca
incansable para comprender “la tierra y el hombre del Nordeste”.
Manuel Correia de Andrade, el Correinha de los trabajadores rurales,
trabajó sin descanso por la vida, por la ciencia, por las mujeres y los
hombres, en un diálogo continuo con la teoría y las personas del litoral,
del “agreste” y del “sertão”, que también “trabajan la tierra sin
descanso”. Por su compromiso intelectual y social, Manuel Correia de
Andrade se hizo tierra, se hizo hombre, se hizo cuerpo, se hizo espacio
y se hizo tiempo. Espacio(s) y tiempo(s) de un Nordeste múltiple,
variado, marcado por siglos de mando “controlado por una oligarquía
que intenta obtener beneficios para si misma”, pero que, por otro lado,
en un amalgama de tierra y personas trabajadoras, protagoniza “la
acción de movimientos como el MST, la CONTAG y la Pastoral de la
Tierra”, “haciendo renacer el slogan de Francisco Julião, de 1960, de
* Texto da AGB em homenagem ao que “la reforma agraria seria hecha por la ley o por la fuerza”! “Todo
professor Manuel Correia de Andrade, en el mundo”, el veintidós de junio de 2007, se cerró para los ojos de
escrita e pronunciada pelo professor Jones Manuel Correia de Andrade. Pero como por una “geografía de la alma”,
sus ojos parecen mirarnos a través de su trayectoria, de sus libros y de
Dari Goettert durante o VI Encontro
centenas de artículos, de sus charlas, de su tierra y de su gente. De su
Nacional de Ensino de Geografia – Fala Nordeste, por el que luchó para que fuera un lugar mejor, una tierra
Professor –, realizado em Uberlândia, sin males.
Minas Gerais, de 23 a 27 de julho de Palabras clave: Manuel Correia de Andrade; Nordeste; Tierra;
2007. Hombre.
Evocação do Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
1
Para aspectos maiores relativos à biografia de Manuel Correia de Andrade, ver ARAÚJO, Rita de Cássia
Barbosa de (org.); BERNARDES, Denis; FERNANDES, Eliane Moury. O fio e a trama: depoimento de Manuel
Correia de Andrade. Recife: UFPE; Editora Universitária, 2002, e GASPAR, Lúcia (coord.); PODEUS, Raquel
Batista; SILVA, Rosi Cristina da. Manuel Correira de Andrade: cronologia e bibliografia. Recife: UFPE;
Editora Universitária, 1996.
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Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007
17
GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E)...
ainda não era o Nordeste. Brasília ainda não era a capital. A Marcha para Oeste ainda se
encontrava no leste. Mas Getúlio Vargas já levantava o chapéu no Rio Grande do Sul e
olhava de canto de olho para a capital. Arthur Bernardes, esse, não seria deposto. E outro
Andrade, Mário, na mesma década já dava o recado: “Pouca saúde e muita saúva, os
males do Brasil são”, em “Macunaíma”.
Manuel, nascido em engenho de açúcar, o Engenho Jundiá, a mais de cem
quilômetros de Recife, “numa família relativamente abastada”, como mesmo conta, desde
cedo conviveu com “trabalhadores rurais, numa certa intimidade que há no campo”: “Eu
ficava chocado porque aqueles meninos da minha idade não iriam ter oportunidades na
vida, e eu, filho de um senhor de engenho, iria. Isso me causava um impacto muito grande.
Por que uns tinham e outros não tinham direito?”. “E depois cheguei a conclusão, por
meio de leituras, que a questão agrária era o problema fundamental do Brasil” (ANDRADE,
2000). A questão agrária: ali, a terra e o homem no Nordeste.
Queria fazer Ciências Sociais. Fez Direito primeiro e Licenciatura em História e
Geografia depois, “sempre indeciso entre uma e outra”: “Então, eu não sei se me consideraria
geógrafo ou historiador. Também porque acho que a geografia, ao analisar o espaço, vê os
marcos que existem naquele espaço. Mas esses marcos não foram feitos hoje, são o resultado
de uma evolução histórica [...]. É por isso que a história e geografia se interpenetram nas
minhas preocupações”, disse Manuel (ANDRADE, 2000). Parece nos dizer ser o espaço
a “acumulação desigual de tempos”, que “em cada sistema há uma combinação de variáveis
em escalas diferentes, mas também de “idades” diferentes”, como escreveu Milton Santos
(2002).
Manuel Correia de Andrade, ainda estudante, virou comunista. Comunista, vira
Correinha. “Apesar de ser filho de senhor de engenho, Manuel Correia torna-se membro
do Partido Comunista aos vinte anos de idade. Por essa razão, os trabalhadores rurais
passam a chamá-lo de Correinha e nele confiam” (VAINSENCHER, 2007).
“Eu era católico muito fervoroso até os 15, 16 anos. E deixei a Igreja quando um
missionário me criticou porque eu lia Renan. Aí eu pensei: entre Renan e a Igreja, fico
com Renan. E caminhei para a esquerda”. “Entrei no PC e militei uns seis ou sete meses.
Um dia, cheguei numa reunião da célula do PC com o livro de Trotski, Minha Vida,
debaixo do braço. Foi um escândalo. Um líder comunista disse “você vai deixar esse livro
aqui, você não pode carregá-lo”. “Posso, eu comprei”. “Você é trotskista?” “Não, nunca
fui. Mas admiro Trotski, ele escreve muito bem”. “Mas ele é inimigo da classe operária”.
Eu disse: “Você acha? Mas eu não sou operário! Eu sou da burguesia açucareira”. Havia
muita gente da burguesia que era do PC. Aí ele disse “então, você tem de escolher entre
Trotski e o PC”. Eu dei a mesma resposta que havia dado entre Renan e a Igreja. “Fico
com Trotski”. E fui embora” (ANDRADE, 2000). Duas escolhas: um caminho.
Do engenho à participação mais direta nas lutas dos trabalhadores, em especial
como advogado para sindicatos, e na amizade com Francisco Julião, um “revolucionário
18
Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007
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GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ...
Manuel, Manuel: que geografia dos contrastes e das contradições nos mostrou. E
nos mostra.
Cana-de-açúcar, gado e cacau de um lado e gente de outro. O colega Darcy Ribeiro
salientava:
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Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007
que conseguem alcançar a idade madura, com maior vigor físico, tendendo a
fixar-se nas zonas mais ricas do Sul aqueles nos quais a paupérrima sociedade
de origem investiu o suficiente para alfabetizar e capacitar para o trabalho.
Desse modo, o elemento humano mais vigoroso, mais eficiente e mais combativo
é roubado à região, no momento preciso em que deveria ressarcir o seu custo
social (RIBEIRO, 1995, p. 345 e 347).
Hoje, parte do açúcar virou álcool: quem o produz todas e todos sabemos, como
os muitos nordestinos em migração sazonal para Ribeirão Preto e arredores; quem consome,
já é parte de uma história (ou uma de geografia) desigual: capitais privados (e “públicos”)
investem em usinas de álcool. O álcool que parece virar, abruptamente, o “ópio do povo”.
Para Manuel Correia de Andrade, ainda em 1963,
21
GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ...
que procura despertar as massas a fim de que elas participem da solução dos
seus problemas, evitando que uma solução de cúpula, imposta de cima para
baixo, venha modificar a estrutura agrária brasileira sem consultar os interesses
do homem do campo. Acha que a experiência e as reivindicações dos que
mourejam a terra têm de ser levadas em conta ao se fazer uma lei agrária”
(ANDRADE, 1980, p. 256).
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Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007
é tão difícil, suas condições são tão precárias que a essa altura ninguém a
defende, todos a atacam desde os comunistas até os católicos, divergindo apenas
pela maneira mais ou menos rápida, mais ou menos radical de como planejam
destruí-la. Assim a velha estrutura montada pelos portugueses no século XVI e
que foi se modificando pouco a pouco nos quatro séculos de nossa evolução
histórica, acha-se hoje frente ao maior impacto com que se deparou, impacto
mais sério, acreditamos, que o enfrentado nos fins do século XIX com a abolição”
(ANDRADE, 1980, p. 262-263).
23
GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ...
Pastoral da Terra, que dão margem a uma expressiva desapropriação de terras”, “pondo
em risco o domínio e o poder da velha açucocracia de que falava Tobias Barreto”. Manuel
Correia de Andrade, como em 1963, salienta ainda a necessidade de “uma reforma massiva
24
Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007
Correia de Andrade, porque “não existe um Brasil, mas vários brasis. As aspirações dos
sem-terra do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que são essencialmente pequenos
proprietários, podem ser muito diferentes das aspirações dos trabalhadores rurais
assalariados do Nordeste, ou dos extrativistas da Amazônia” (ANDRADE, 2000).
“Muitas reformas agrárias” a partir da luta das e dos trabalhadores, porque já
não é mais possível nem pensar na espera da “bondade” dos “de cima”. Pois, como salientou
Manuel Correia de Andrade, “Uma das frases mais demagógicas que já ouvi na história
do Brasil foi de Pedro II, que disse que venderia a última jóia da coroa, mas o nordestino
não morreria de fome nem de sede! Só que nunca se fez uma política permanente para
atender a população nordestina” (ANDRADE, 2000). E Dom Pedro II não vendeu a última
e nem a primeira jóia. Ninguém vendeu. Adianta, então, a espera?
Nas cidades o desemprego e a concentração urbana com o êxodo rural, provocando
o crescimento exponencial da população, “quase sempre desempregada, doente e faminta,
dando margem ainda a que moléstias epidêmicas, consideradas extintas no início do século
XX, tornem-se novamente freqüentes no século XXI”.
Por outro lado, Manuel Correia de Andrade, em 2003, salientava a importância
do “fortalecimento do ensino” e da “melhoria das condições de saúde”. O “desenvolvimento
de uma política ambiental” e a dinamização do “crescimento da produção por pessoa
ocupada”. “Enfim, este é, em linhas gerais, o Nordeste em que vivemos neste início do
século XXI” (ANDRADE, 2003, p. 200-202). Nordeste, nordestes, eis os desafios de
uma terra e de suas gentes.
Terra e homem, homem e terra. A natureza que se humaniza em homens e mulheres,
fazendo-se litoral, agreste e sertão, misturando-se ao mar, reinventando modos de ser e de
fazer, mesmo que em “vidas secas” ou em “searas vermelhas”2 . Fazendo-se geografia
como cotidiano no trabalho, na mobilidade para as cidades, para o Sul ou para a Amazônia.
A construção, em Manuel Correia de Andrade, da geografia como ciência da sociedade
(ANDRADE, 1987).
No dia vinte e dois de junho de 2007, oitenta e quatro anos depois de seu nascimento,
em Recife, Manuel Correia de Andrade fez-se silêncio. Em mais de oito décadas, pelo
Direito, História e Geografia, pelo Brasil e pelo mundo, mas principalmente pelo Nordeste,
Manuel Correia de Andrade, o Correinha dos trabalhadores rurais, mourejou pela vida,
pela ciência, pela terra, por mulheres e homens, em trabalho contínuo, sem descanso e
constantemente. Fez-se terra. Fez-se homem. Fez-se corpo. Fez-se espaço. Por geografias
de Brasil, do Nordeste físico e humano, de Pernambuco, da pecuária no agreste, da
“guerra dos cabanos”, da “Setembrizada” e da “Novembrada”, das polarizações e
desenvolvimento, do planejamento regional, do imperialismo e da fragmentação do
espaço, dos italianos no Nordeste, das relações entre Brasil e África...
E quando perguntado se havia escrito um livro sobre a contribuição da SUDENE,
2
Alusão, respectivamente, a “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, e a “Seara vermelha”, de Jorge Amado.
25
GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ...
simplesmente respondeu: “Meu caro, eu tenho mais de cem livros publicados! Eu acho
que escrevi sobre tudo no mundo!” (ANDRADE, 2000).
“Tudo no mundo” talvez seja, para a terra e o homem nordestinos, nada mais,
nada menos, que a revelação, a escrita, o companheirismo e a luta de homens – hoje terra
– como Correinha, Manuel Correia de Andrade.
“Tudo no mundo”, também, naquele dia vinte e dois de junho, se fechou para os
olhos de Manuel Correia de Andrade. Os olhos se fecharam. Mas, como que por uma
“geografia da alma”, seus olhos parecem nos olhar através de sua trajetória, de seus livros
e centenas de artigos, de seus diálogos, de sua terra e por suas gentes. De seu Nordeste, que
lutou para que fosse um lugar melhor, uma terra sem males.
E, pelos seus olhos, de onde esteve e de onde está, talvez continue a nos olhar,
profundamente, nos olhos. E talvez diga: mourejem, mourejem, mourejem... Como o “homem
prático que moureja na terra”. A terra do Nordeste. As gentes do Nordeste. Correinhas.
Manuel Correia de Andrade.
Mourejem,
mourejem,
mourejem
...
Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste. 4. ed. São Paulo: Livraria
Ciências Humanas, 1980.
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. São Paulo: Atlas, 1987.
ANDRADE, Manuel Correia de. O homem do Nordeste. Entrevista realizada por José Correia
Leite. Revista Teoria e Debate, São Paulo, N. 45, jul/set 2000.
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste, hoje. Conferência pronunciada
na 55ª Reunião Anual da SBPC, em 15 de julho de 2003, em Recife, Pernambuco. (http://
www.sei.ba.gov.br/ publicacoes/publicacoes_sei/bahia analise/sep/pdf/sep_67/
manuel_correia_andrade.pdf [em 05/07/2007]).
BANDEIRA, Manuel. Evocação do Recife. (http://www.revista.agulha.nom.br/
manuelbandeira03.html [em 05/07/2007])
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína
(orgs.). Usos e abusos da história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998,
pp. 183-191.
CASTRO, Iná Elias de. Geografia e política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 39. Ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record,
2000.
FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto,
1991.
PRADO Jr., Caio. História econômica do Brasil. 43. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: EdUSP, 2002.
VAINSENCHER, Semira Adler Manoel Correia de Andrade. Fundação Joaquim Nabuco. (http/
/www.fundaj.gov.br/noticia[em 05/07/2007]).
O presente texto procura ‘pensar em voz alta’ – justamente porque assim podemos
dialogar em grupo - algumas constatações e preocupações que tem me despertado a atenção
em função de minha atividade como professor de “Prática de Ensino de Geografia”
(Licenciatura de Geografia, curso Noturno, UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul).
Comento também muitas observações de sala de aula feitas para a elaboração de minha
tese de doutorado.
Em função destas atividades, tenho o duplo privilégio – e às vezes susto – de ver
muitos futuros professores (os estagiários) em ação e de ouvir relatos de práticas de docentes
que os estagiários vão substituir.
28
Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
naturais e econômicas) são Geografia? Parece que não carecemos justificar porque isso é
Geografia, pelo simples fato de que falamos de lugares, de espaços. É uma ciência que
não precisa de justificativas, pois ela “fala” por si, basta que ela cite nomes de lugares. A
toponímia parece justificar nossa existência. A Geografia se confunde com toponímia,
com a topologia. Em outras palavras, o fato da Geografia ter um “objeto” muito ‘concreto’
(o espaço em que vivemos), muito ‘visível’ (os espaços em que vivemos), muito perceptível
(todos nós vivemos num ... espaço), qual seja, a Terra toda e tudo mais que nela está
(povos, países, paisagens) nos deixa como que deitados em “berço esplêndido”, acomodados.
Falar de tudo (todos os lugares) nos enche de assuntos, conteúdos, mas à custa de uma
reflexão mais fundamentada. A conseqüência pedagógica mais comum é a prática de
sobrecarregar nos conteúdos, sempre tão infindos. Parece uma saída, uma “fuga para
frente”. Sempre falta tempo para trabalharmos os conteúdos e assim, raramente, paramos
para pensar “porque isso é Geografia!?”, “o que quero ensinar quando ensino Geografia!?”.
Corremos com os conteúdos para fugirmos de nossa prática automática. Pedir aos
professores justificativas para a existência desta disciplina escolar denominada Geografia
pode nos levar a respostas constrangedoras (KAERCHER, 2004, p. 292 e segs).
Não podemos nos contentar com o discurso simplificador de que a “Geografia
serve para legitimar os Estados Nacionais” ou que a Geografia “serve para legitimar a
ação das classes dominantes detentoras do poder econômico e/ou político”. Claro isso foi
– e ainda é - válido para o seu berço, no final do século XIX. Mas hoje, salvo alguns
nacionalismos - que usam ou não da violência para contrapor-se aos poderes hegemônicos
centrais – o mapa-mundi parece estar desenhado. Não, isso não significa que o mundo
está pronto, acabado, pacificado. Não, guerras e conflitos com suas tradicionais mudanças
do mapa político não deixarão de existir. Mas, não parece haver necessidade de uma
disciplina denominada Geografia - de caráter essencialmente ideológico no sentido da
ocultação ou manipulação dos “debaixo”, como tradicionalmente a esquerda política
acusava a Geografia do ‘status quo’. E, no entanto, ela continua existindo. O seu “núcleo
duro” despolitizado permanece: descrição e memorização dos lugares e das pessoas. O
espaço parece um suporte, um palco que as pessoas usam. Pouco se reflete sobre qual a
influência dos espaços na vida das pessoas.
Não estou defendendo a idéia de que Geografia seja algo inútil. Nem sequer útil.
Não estou dizendo que ela é progressista ou conservadora. Pode ser os dois. O teor político
dela parece ser pouco relevante para a maioria dos alunos. Os alunos, via de regra, não
vêem a Geografia como política ou apolítica. Se estes atributos são percebidos, parecem
ser percebidos como atributos dos seus professores e não da disciplina. Estou apenas
constatando que ela está nos currículos escolares de quase todos os países – não nos
interessa aqui os países orientais, pois com eles muito pouco intercambiamos idéias e
práticas escolares - talvez e justamente por seu caráter meramente informativo e ilustrativo,
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KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
quase uma revista de variedades que, em vez de falar de gente famosa e/ou rica, fala de
lugares diferentes/exóticos. Isso que eu denomino de núcleo duro. Então, ao fim e ao cabo,
chata ou “modernosa”, política ou apolítica, revolucionária ou reacionária, lá está esta
velha senhora nos currículos. Por inércia? O que observo em muitas de nossas aulas é um
edifício teórico muito pobre, quando não sem sentido lógico algum. Um gigante com pés
de barro.
Não estou defendendo a viabilidade de definirmos “o que é Geografia” ou “os seus
corretos objetivos pedagógicos” numa espécie de reunião de conselho de sábios que
definiriam tudo de antemão. Isso não é possível, nem desejável, mas uma das coisas que
me tensiona, na condição de observador e estudioso da Geografia, é a nossa prática
pedagógica-escolar bastante longe de tornar nossos alunos parceiros da reflexão. Por
conseguinte, os alunos ficam distantes do que fazemos dentro da sala.
Qual o sentido desta disciplina num currículo? A julgar pela prática e pelas respostas
dos professores, salvo as exceções, não temos isso nada claro. Até ai, tudo bem. O problema
é que não ter isso nem como preocupação. A necessidade de dar aula todos os dias parece
auto-justificar a nossa existência. Resumindo: com a desculpa que epistemologia é coisa
‘teórica’ ou ‘filosofia’ nossa prática pedagógica fica pobre e confusa para os alunos.
Esses pés de barro (epistemologia pobre, pedagogia confusa) resultam numa
Geografia escolar como pastel de vento, Geografia Fast Food. Pastel de vento porque
vistoso por fora, recheio pobre. Fast food porque sacia-nos rápido – há muito conteúdo a
ver -, mas de forma pouco nutritiva, reflexiva.
A Geografia pretende-se ciência, mas não raro limita-se a simples informação,
parecendo-se com um telejornal. Muito mais ideologia do que reflexão fundamentada.
Ausência de conflito cognitivo, ausência de tensão cognitiva na relação Professor-aluno.
Há pouco espaço para o espanto, para o novo, para a surpresa: “não tinha pensado nisso,
professor!”
Outra raridade nas aulas de Geografia? Ter aula! Qualquer aula! A Geografia exige
pouco do cognitivo! Quase não há exposição de alguma linha de raciocínio e sua posterior
discussão. O que implica em ouvir o outro e pensar junto. Com isso pouco se pratica a
abstração. O professor, parece, não sabe onde quer chegar com o seu dizer. O resultado
disso não raro é a dispersão dos alunos.
Há um duplo obstáculo. O de concepção de Geografia e o de concepção de Educação/
Pedagogia, que, naturalmente, se imbricam. Em nome de uma educação menos ‘tradicional’,
o professor se esconde, quase se anula, não expõe suas idéias. Parte de um pressuposto
interessante: fazer os alunos falarem, ouvir suas idéias. Para operacionalizar esta
participação ele faz perguntas em profusão. E os alunos falam em profusão. Do que foi
perguntado e muito mais. Há uma dispersão excessiva. Não são feitas sínteses parciais,
não são organizadas as falas, não há um fio condutor via fala do professor. Resultado:
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Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
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KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
cada vez menos ao cognitivo, ao intelectual. Não sei se no passado recente - décadas de
60 e 70 - era diferente, e no quero idealizar uma escola do passado que nunca houve, mas
me parece inequivoco que, a partir do final da década de 70 as escolas públicas começaram
a perder qualidade com mais força. A intenção não é comparar, o ontem e o hoje, mas
constatar que as escolas têm se contentado em realizar um trabalho que está mais para o
burocrático do que para o reflexivo. As escolas parecem mais preocupadas em ocupar
seus alunos dentro de uma linha mecanicista do que fazê-los desenvolverem seus potenciais
cognitivos e criativos de uma forma mais estimulante.
A aula expositiva, no sentido mais clássico do termo, ou falando em termos mais
pomposos, uma exposição onde se apresenta uma “tese” – por exemplo, a industrialização
do Brasil pós 1950 - expondo alguns argumentos e raciocínios que sustentem tais idéias,
dando exemplos, mostrando alguns pontos positivos e negativos (antíteses) do que se está
falando, e, por fim, fazer um fechamento com algumas conclusões parciais, isso, salvo
melhor juízo, foi incomum de ter visto/ouvido. Parece que o professor optou – não sei com
que grau de consciência e intencionalidade – por se eximir de dar aula. Ou seja, quero
dizer que o professor, via de regra, não professa. Paradoxal.
Este ponto é fundamental para entendermos uma queixa muito freqüente que os
professores fazem dos seus alunos: eles não sabem defender suas idéias, não sabem escrever
seus pontos de vista. Tampouco tem autonomia e vontade para fazerem anotações,
perguntas, terem iniciativa para o trabalho em sala. De fato, pelo que pude perceber, seja
na minha vida como professor, ou como observador para elaborar a tese, esta dificuldade
dos alunos na expressão oral e escrita é notória. Por vezes, quase exasperante tamanha a
aridez. Absolutamente corriqueiro, ouvir de alunos em final do Ensino Médio, frases
circulares, apenas repetindo o que o texto ou o professor disse. Isso pode alertar a nós,
professores, que não podemos ficar apenas nesta óbvia constatação: os alunos não sabem,
os alunos não fazem, os alunos não querem, etc. Parece que os definimos sempre pela sua
negação, pela sua negatividade, o que eles não fazem para nos ... agradar! Estamos
idealizando um aluno que, aliás, nunca tivemos e nunca fomos. Se ele não se encaixa no
nosso sonhado perfil, ele nos desencanta. Transferimos o nosso (inconsciente?) desencanto
com a profissão para o desencanto com os alunos! O que pode ser até natural, mas tem
conseqüências pedagógicas ruins. A toda hora transparecemos, para nossos alunos, que
eles não são bons, não estão interessados, não são capazes. Sabemos o quanto o bom
relacionamento, e por que não, o incentivo, o elogio, o ânimo são fundamentais para o
processo educativo. Risco de minar a vontade deles em saber mais com a nossa linguagem
gestual e facial.
Cabe dar um passo pequeno, porém significativo: por que os alunos não sabem, não
fazem e/ou não querem? Neste ponto de reflexão haveremos de dar um salto epistemológico
e pedagógico importante, qual seja, inserirmo-nos como parte integrante neste processo –
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não raro fracassado – educativo. Sendo mais explícito: muitas vezes o aluno não sabe
porque não explicamos; não fazem porque não nos entendem; não querem porque nossas
tarefas, textos e/ou desafios cognitivos são muito enfadonhos.
Tarefa fundante de nosso ofício, conduzir os alunos - o termo pedagogo parece de
suma importância e pertinência - para um desenvolvimento cognitivo mais abstrato, mais
elaborado parece cada vez mais distante. Nós, professores não professamos, não damos a
público nossas idéias, não publicizamos as idéias que a humanidade já organizou. Cabe a
nós, professores, torná-las públicas. Não para que nossos alunos reverenciem a nós ou às
idéias, mas para que, a partir dessa audição, possa se estabelecer um diálogo num patamar
mais elaborado. Agindo de uma forma mais propositiva e sistemática poderíamos evitar
uma situação por demais vista: o desejo do professor de um debate, de uma troca de idéias
com seus alunos que, no entanto, foram muito pouco municiados para tal atividade. Se
queremos o debate que não seja meramente circular, a repetição do que já sabemos e
cremos, temos que ajudar os alunos a terem outras visões. E aqui o papel do professor é
ímpar e insubstituível: ou ele professa ou ele é apenas um disciplinador/ocupador
(recreacionista) de jovens.
Do professor que não professa para uma prática de Geografia fast food, telejornal
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KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
opinião argumentada. De fato, havia pouco diálogo. Professor e alunos parecem estar no
mesmo espaço (a sala de aula), mas não se comunicam. Claro, há exceções, seja por parte
de alguns professores, como de alguns alunos. Mas, é bem superior o número de belas
discussões que são levantadas, e ficam natimortas, do que aquelas em que, o fogo inicial
provocado pela polêmica, seja dos assuntos em si, seja por parte de opiniões contundentes
dos alunos, fica acesso por mais de três minutos. Dizendo em outras palavras: a matéria-
prima (os assuntos trabalhados) são ricos, mas originam muito mais fumaça do que fogo.
Queremos fogo, porque ele gera calor (uma boa discussão), e, luz para iluminar cantos
obscuros.
Aparente paradoxo: conciliar um professor iluminista e, ao mesmo tempo, um
iconoclasta. Iluminista, porque resgata o papel tão imodesto quanto necessário, de falar
do banal, do cotidiano, do óbvio, mas mostrando o não-óbvio no óbvio, alertar para pontos
não percebidos, relacionar fatos aparentemente desconexos. Apontar pistas ‘talvez o
caminho seja por aqui, meninos’, enfim, ser condutor do processo. Iconoclasta, porque a
todo mestre cabe destruir ícones (= objetos de culto, portos seguros que não se deve
discutir, tradições que se seguem sem questionamentos), alargar os domínios do saber já
conquistado evitando que ele se solidifiquem, se cristalizem como verdades inquestionáveis.
Iconoclasta que derruba as pontes pelas quais se passou não para desmerecer os que nos
antecederam, mas para avançar. Iconoclasta que sabe rir de si, não se levar por demais a
sério. “O mundo é longe daqui” é uma boa metáfora que Guimarães Rosa nos ensina em
‘Grande Sertão: Veredas’.
Com uma visão pouco clara de Geografia (onde quero chegar com tal assunto? Por
que ele é importante para meus alunos?) a aula do professor fica confusa. O professor
raramente fala o motivo de se estar estudando o que ... está se estudando. Os assuntos
parecem seguir uma lógica sem muita lógica. Está no livro? Dá-se o assunto! E, como no
livro didático de Geografia de quase tudo se fala (o que não é por si só um defeito ou
demérito) o aluno fica desorientado: o que é Geografia? Por que este assunto é Geografia?
Por que este assunto é importante para mim? O aluno não consegue ligar a fala do professor
a sua vida, ao seu cotidiano. Pode-se fazer uma brincadeira de caráter “geográfico”: tanto
o aluno, quanto o professor, parecem estar perdidos, não sabem onde estão! Reforço a
idéia do professor professar suas idéias, pedagogizar a Geografia e, por conseguinte,
(tentar) cativar/seduzir seus alunos. O que se quer, sendo professor, com as aulas de
Geografia? O que se quer dos nossos alunos? Não estou propondo necessariamente que se
resolva, a priori e por decreto, a velha celeuma “o que é Geografia?”, e nem tampouco que
exista somente uma resposta, mas parece claro que os professores de Geografia se
atrapalham sim com o objeto e com o objetivo de sua disciplina. Essa discussão é tão
fundamental quanto pouco feita em nossa graduação!
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mediador do professor.
Em um debate de idéias é imprescindível ouvir o outro, algo muito pouco praticado.
Daí me referir ao stress entre os participantes. Num debate, as idéias precisam ser ditas de
forma um tanto quanto organizadas, que sejam inteligíveis para que possam ser
confrontadas, discutidas e, objetivo maior, superadas. Na ausência do professor como
agente que organiza o debate, cerceia o ruído, medeia dizendo que “nem tudo vale em
nome da democracia”, que nem toda idéia faz sentido ou se sustenta, o que impera é um
laissez-faire que até pode aparentar com democracia, mas, no meu entender prejudica o
aluno, seja do ponto de vista cognitivo - a Geografia soa como caótica, os conteúdos são
trabalhados superficialmente, os conceitos não são apropriados -, seja do ponto de vista
educativo mais amplo - o tudo vale pode fortalecer mais a formação de pessoas que
ouvem pouco e se impõem pela altura da voz.
Cuidado para não parecer moralista ou muito prescritivo. Alerto para uma certa
confusão do papel do professor. Na busca de uma postura mais democrática e simpática
há uma certa confusão de camaradagem entre professor e aluno. Um democratismo que é
falseador dos diferentes papéis que cada um tem dentro de uma sala de aula, e, sobretudo,
do ponto de vista educativo é nocivo, pois a relativa ausência do professor enquanto pólo
difusor de idéias sistematizadas e organizadas fica prejudicado. Não confundir, entretanto,
essa preocupação com a visão do professor conteudista, que “dá” bastante matéria achando
com isso que ensina bem e/ou bastante. Não penso que professor bom é o professor sisudo,
durão, mal humorado! O professor deve aspirar sempre conquistar o aluno, gerar um
ambiente de confiança e desejo de estar no ambiente da sala de aula, mas isso não significa
sacrificar o professor em nome do querer “ser amigo” dos alunos. Muitas vezes o professor
é justamente aquele que faz a interdição, sabe construir limites, ainda que isso pouco tem
de simpático. Amigo não tem a preocupação em educar.
Tampouco acredito em relação professor-aluno sem conteúdo1 . Defendo um
professor que assuma sua condição de imprescindibilidade dentro da sala: que organize as
idéias, que exponha seus pontos de vista, que coordene a disciplina vista aqui em seu
duplo sentido: cognitivo (a disciplina escolar chamada Geografia) e comportamental (a
disciplina enquanto um pacto necessário de respeito entre docentes e discentes que torne
possível a comunicação e o trabalho cognitivo). Não confundo “ausência de regras” com
democracia. Acredito que a palavra “não” pode ser muito educativa, democrática e
1
Carvalho (2001) alerta-nos para o perigo da incorporação apressada e irrefletida de algumas
idéias que passam a justificar um sem número de ações pedagógicas auto-intituladas
“progressistas” e “construtivistas”. Tenho muitos pontos de discordância com Carvalho. Muitas
vezes, ele próprio faz o que critica: entoar slogans sobre o que ele parece ter analisado pouco, o
próprio construtivismo. Mas, a obra é válida pela polêmica.
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construtivista!
Alguns retrucam: os professores não dão aula porque não são ouvidos. De fato,
muitas vezes é o que ocorre. É bastante comum o boicote sistemático dos alunos, não raro
num nível de barulho que só aos gritos se conseguiria se fazer ouvir.
Não tem aula porque tem muita bagunça ou porque o professor não sabe/não tem o
que dizer? Às vezes, os alunos não ouvem os professores porque o que está sendo oferecido
a eles é algo muito chato, inútil ou non sense! Muitas vezes tive essa sensação, sem
dúvida. Falamos para os alunos, mas não há comunicação com os alunos. Conseqüência,
os alunos fazem zoeira. Muitas vezes os professores tem sim o álibi do tipo “o que eu
posso fazer? Eles não me ouvem!”, mesmo quando a temática ou o texto proposto pelo
mestre parece ser interessante. É muito comum não haver aula no sentido de haver
raciocínios encadeados e sistematizados. Há informações esparsas. A Geografia se consolida
como algo muito superficial e sem muita lógica: o que há para entender? É a pergunta que
parece ficar sem resposta na cabeça dos alunos!
Daí dizer que as aulas parecem “pastel de vento”. Aparentemente o recheio é vistoso
(as temáticas, os conteúdos da Geografia são super atuais, interessantes), mas basta uma
mordida, basta adentrar na linha de reflexão e há um desencanto, um certo vazio.
Penso que esse saldo pouco atraente para os alunos se deve em boa parte ao que
denomino “os pés de barro da Geografia”: a relativa confusão metodológica/pedagógica e
a fragilidade epistemológica da visão de Geografia que nós professores temos, e, portanto,
construímos para os alunos.
As aulas de Geografia
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As concepções de Geografia
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humanos. Não estamos dizendo que a Geografia é anterior ou mais importante do que as
outras disciplinas escolares. No entanto, é impossível falar de geografia sem filosofar
sobre nossa existência.
Quase todos, geógrafos ou não, associam Geografia a mapas. Mas, mais uma vez
os professores são traídos pela projeção idealista de acharem que seus alunos sabem onde
estão os lugares citados – e são muitos – nas aulas ou nos textos. A ausência de mapas,
mesmo quando os assuntos tratados são os próprios mapas é uma constante. Há professores
que não usam mapas. Ponto. O professor parece ficar demasiado confiante que suas aulas
são por demais claras. A ilusão de muitos de nós: a Geografia fala como é o mundo. Basta
falar dele para que os alunos entendam tudo com clareza.
Além da quase inexistência dos mapas, há também muito pouco uso de outros
materiais visuais. Fotos, imagens, charges são relativamente raras. Desperdiça-se um
recurso fundamental para a Geografia, qual seja, a visão. Não que a simples visão de uma
imagem vá mostrar como são as coisas, mas é um bom ponto de partida para se buscar
sentidos além do imediatamente perceptível pelos alunos.
Chama a atenção o uso dos textos. Via de regra não se fazia leitura coletiva e em
voz alta dos textos em sala de aula. Os textos eram apenas distribuídos sob um genérico
“agora vocês leiam”. Sensato. Todos sabem ler. Mas, e se não há ambiente para a leitura,
isto é, um mínimo de silêncio? Então, mesmo os que tentassem fazê-lo, tinham dificuldade
para ler. Tal prática vai matando o desejo do aluno em saber mais. A Geografia pode
contribuir para que o aluno entenda, com um mínimo de lógica, o mundo em que vive. A
Geografia ocupa-os, mas de forma pouco reflexiva. Esta lógica um tanto mecânica,
prevalece muitas vezes, até quando a tarefa é diferente e instigante. Por exemplo, quando
o professor solicita que os alunos criem, num papel pardo, uma cidade ideal. Como as
explicações foram muito rápidas e de caráter técnico (arruamento, curvas de nível,
hidrografia, etc.) faltou-lhes embasamento para a elaboração da tarefa, sem dúvida, de
alta complexidade. O resultado foi um tempo desproporcionalmente alto gasto na elaboração
destes ítens de uma forma automatizada (desenhando, pintando) em detrimento da parte
cognitiva (o que é uma cidade ideal? O que ela tem de diferente da cidade em que nós
vivemos?). Portanto, o desafio é fazer da Geografia algo que possa contribuir no
planejamento e reflexão dos espaços em que vivemos. Faltou contextualizar a tarefa,
‘questionar’ o conteúdo. Não basta que os alunos “gostem” da tarefa (uma tarefa que soou
como Educação Artística, muitos alunos ainda gostam de colorir mapas), mas sim que
eles complexifiquem sua visão de mundo auxiliados pelas categorias da Geografia.
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Referências
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Resumo: O presente trabalho analisa as relações entre o ensino
ENSINO DE GEOGRAFIA, de Geografia e a mídia no atual mundo globalizado. A mídia
apresenta-se, atualmente, como um importante lugar de produção
MÍDIA E PRODUÇÃO DE de discursos e de circulação de saberes sobre o mundo. De modo
simultâneo e instantâneo, sabemos o que acontece no mundo e
SENTIDOS* nos deparamos, constantemente, com a elaboração de discursos
sobre qual é a nossa tarefa diante da premente necessidade de
conhecer e decifrar este nosso mundo globalizado. No campo do
GEOGRAPHY TEACHING, MEDIA ensino de Geografia, essa nova relação que se configura entre o
AND PRODUCTION OF SENSES cidadão e o mundo, influenciada pela mídia, apresenta
repercussões importantes uma vez que, como disciplina escolar, a
Geografia tem o objetivo de tornar o mundo sensível e
ENSEÑANZA DE LA compreensível aos alunos, proporcionando-lhes o reconhecimento
GEOGRAFÍA, MEDIOS DE e a análise da experiência humana na construção do espaço
COMUNICACIÓN Y PRODUCCIÓN geográfico.
DE SENTIDOS Palavras chaves: Ensino de Geografia; Mundo globalizado; Mídia;
Produção de sentidos.
Abstract: The present work analyzes the relationship between
the teaching of Geography and the media in present globalized
world. The media is nowadays an important place of discourse
production and world knowledge circulation. In a simultaneous
and immediate way, we know what is happening in the world and
IARA GUIMARÃES we are constantly faced with the elaboration of discourses about
Eseba - Universidade Federal which should be our duty in relation to the necessity of knowing
de Uberlândia and deciphering our globalizing world. In the field of Geography
Correio Eletrônico: teaching, this new relationship which is configured between the
iara@eseba.ufu.br citizen and the world, influenced by the media, presents important
repercussions once, as a school discipline, Geography has the
objective to make the world sensitive and understandable to the
students, providing them with the recognition and the analysis of
the human experience in the construction of the geographical space.
Keywords: Geography teaching; Global world; Media; Production
of senses
Resumen: El presente trabajo analiza las relaciones entre enseñaza
de la Geografía y los medios de comunicación en el mundo
globalizado actual. Los medios de comunicación se presentan como
un importante lugar de producción de discursos y de circulación
de conocimientos sobre el mundo. De modo simultaneo e
instantáneo, sabemos lo que acontece en el mundo y nos
enfrentamos, constantemente, con la elaboración de discursos sobre
cual es nuestra tarea delante de la imperiosa necesidad de conocer
y descifrar nuestro mundo globalizado. En el campo de la enseñaza
de la Geografía, esta nueva relación entre el ciudadano y el mundo,
influenciada por los medios de comunicación, muestra importantes
repercusiones, ya que como materia escolar, la Geografía tiene el
objetivo de tornar el mundo sensible y comprensible a los
estudiantes, proporcionándoles el conocimiento y el análisis de la
experiencia humana en la construcción del espacio geográfico.
Palabras clave: Enseñanza de la Geografía; Mundo globalizado;
Medios de comunicación; Producción de sentidos.
Introdução
46
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diante do desafio da explicação do mundo e da nossa relação com o mundo. Isso implica,
também, pensar no compromisso com a construção de um ensino crítico, comprometido
com a formação para a cidadania e revelador do mundo.
No presente texto discutimos algumas repercussões do processo de globalização e,
particularmente, das imagens e vozes da mídia sobre o mundo globalizado para as práticas
escolares e o ensino de Geografia.
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Ø O ensino de Geografia deve ser trabalhado pelo professor por meio da utilização de
diferentes linguagens que favoreçam aos alunos produzir e expressar idéias, opiniões,
sentimentos e conhecimentos sobre o mundo. A literatura, o cinema, o teatro, a música,
a televisão, a fotografia, os textos informativos, os gráficos e mapas, são linguagens
que devem estar presentes na Geografia escolar. Dentre as múltiplas linguagens do
ensino de Geografia, merece destaque o trabalho com a cartografia, que precisa estar
presente durante todo o percurso escolar dos alunos. Para que eles tenham domínio da
linguagem cartográfica, é fundamental a experiência como mapeador e também como
leitor de mapas já construídos. Ou seja, os alunos têm que, em um estágio inicial,
aprender a construir mapas, para que possam tornar-se leitores de mapas, interpretando
de modo mais significativo o que esses documentos comunicam.
50
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
Ø O ensino de Geografia tem como objetivo contribuir para que o aluno possa, de forma
autônoma, desenvolver o raciocínio geográfico, compreendendo as novas dinâmicas
que se impõem ao espaço geográfico, fruto da sociedade ao longo do processo histórico.
Para isso, é preciso que os alunos dominem conceitos básicos de que esse campo de
conhecimento dispõe para explicar o espaço geográfico. Assim, a seleção de conceitos
geográficos básicos tem sido uma referência importante para a organização de propostas
curriculares para o ensino de Geografia e para a orientação do trabalho com os
conteúdos geográficos em sala de aula.
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Certa vez, numa escola da rede municipal de São Paulo que realizava uma
reunião de quatro dias com professores de dez escolas da área para planejar em
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Ensinar e aprender com base na experiência direta significa abrir os nossos sentidos
para observar e perceber o meio circundante, o espaço vivido. Para isso, é preciso entrar
em contato com esse nosso mundo particular e interrogá-lo. Esse contato direto com o
mundo exterior é da maior importância para o desenvolvimento de percepções e
interpretações sobre o mundo e a vida, sendo que é a partir desse contato que o indivíduo
vai construindo um conjunto de significações pessoais sobre o mundo e dando um certo
sentido à vida, elaborando, afinal, o seu mundo interior.
Entretanto, é importante destacar que a experiência direta, que propicia o
conhecimento e a significação do entorno, depende dos outros, do contato com os outros.
Daí, a função da escola, da família, do grupo de convívio, dos vizinhos. É nesse sentido
que Paulo Freire, no trecho anterior, chama-nos a atenção para a importância do professor
e do papel significativo que tem a desempenhar nesse processo, questionando como esse
profissional pode ensinar se não conhece e não está aberto ao contexto geográfico e social
dos alunos. Isso denota que a nossa percepção e a significação do mundo circundante são
profundamente influenciadas pelo contato que temos com os outros que, de um modo ou
de outro, vão nos auxiliar e interferir na maneira como olhamos para o mundo, como o
percebemos e cujo significado reconstruímos. Deste modo, o indivíduo vivencia de maneira
compartilhada a experiência de compreensão do mundo próximo. O que os outros pensam,
dizem, expressam, em que acreditam também influencia na nossa maneira de compreender
o mundo.
Além da experiência pessoal de conhecer o entorno ser compartilhada, é notável o
fato de que, para olhar a realidade, é preciso dispor de instrumentos para interpretá-la, ou
seja, o mundo precisa ser decodificado, pois a simples aparência do mundo não nos revela
o que ele é. Existem outras realidades, outros acontecimentos e fatos por detrás daquilo
que nossos olhos conseguem captar. Por exemplo, a existência de um supermercado, dos
produtos que lá existem para ser comprados pelos consumidores subentende e envolve
inúmeras outras realidades escondidas, mas existentes e concretas, que são a base para a
existência e o funcionamento daquele supermercado. Deste modo, para compreender o
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Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
O que é que eu quero dizer com dicotomia entre ler as palavras e ler o mundo?
Minha impressão é que a escola está aumentando a distância entre as palavras
que lemos e o mundo em que vivemos. Nessa dicotomia, o mundo da leitura é
só o mundo do processo de escolarização, um mundo fechado, isolado do mundo
onde vivemos experiência sobre as quais não lemos. Ao ler palavras, a escola
se torna um lugar especial que nos ensina a ler apenas as “palavras da escola”,
e não as “palavras da realidade”. O outro mundo, o mundo dos fatos, o mundo
da vida, o mundo no qual os eventos estão muito vivos, o mundo das lutas, o
mundo da discriminação e da crise econômica (todas essas coisas estão aí),
não tem contato algum com os alunos na escola através das palavras que a
escola exige que eles leiam. Você pode pensar nessa dicotomia como uma espécie
de “cultura do silêncio” imposta aos estudantes. A leitura da escola mantém
silêncio a respeito do mundo da experiência, e o mundo da experiência é
silenciado sem seus textos críticos próprios. (FREIRE, 1986, p. 164)
Sacristán (2002) sugere que, por mais que seja importante essa aproximação da
escola com o mundo dos educandos e que essa prática deva ser incentivada no contexto da
escola, a educação escolarizada não pode se limitar a esse propósito. Esse autor vê na
escola um potencial singular em relação à possibilidade de tornar possível e acessível o
acesso a um mundo não abrangido pela experiência dos educandos. Para Sacristán (2002),
a riqueza da ação educativa escolar está em explorar com os alunos o mundo estranho,
desconhecido que, por meio das experiências pessoais no mundo próximo, ele não teria
condições de obter. Assim, deve-se compreender a escola como uma força de extensão
cultural universalizadora e globalizadora, que tem a finalidade de colocar os indivíduos
em contato com os “outros”, em outros tempos e espaços. O autor justifica a sua crítica às
propostas educativas que imprimem grande peso à exploração dos vínculos da escola e
das práticas pedagógicas com a experiência direta dos alunos, mostrando que,
55
GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
experiências diretas sobre o mundo em geral, por mais que queiramos aproximá-
la da vida e tirá-la dos muros em que se encerrou. Como instituição, construiu
um ambiente onde se podem adquirir experiências vitais. Nele, podem ser
provocadas inúmeras vivências diretas (desde trazer um animalzinho para ser
observado e mantido, criar uma pequena planta, fazer experiência de laboratório,
observar o céu e dialogar com a autoridade local). Deveriam ser oferecidas
com mais freqüência oportunidades de obter experiências diretas em contato
com as coisas, as pessoas, o meio geográfico, os lugares históricos, as atividades
humanas, etc., saindo dos recintos escolares. Contudo, o espaço-tempo escolar
se limitaria muito se servisse basicamente para proporcionar experiências
diretas. Em segundo lugar, a educação é um meio de proporcionar os materiais
para compreender os aspectos implícitos do mundo a partir dos quais teremos
a experiência direta. Em um mundo complexo, onde poucas coisas e fenômenos
são evidentes por si mesmos, a primeira incumbência ilustradora da educação
consiste em ajudar a decodificar o imediato, que remete a outros processos e a
outras realidades, aproveitando a bagagem cultural disponível. A grande
potencialidade da educação reside em aproximar os sujeitos de muitas outras
experiências vicárias tidas por outros em diferentes tempos e lugares, de modo
que possam mediar as próprias e as alheias revividas. Não ver dessa forma nos
situaria em um horizonte muito limitado e pobre para as instituições
educacionais. (SACRISTÁN, 2002, p. 38)
56
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
parâmetros e projetos para a educação escolarizada. Isso mostra que a escola precisa
compreender o novo contexto emergente e se dispor a usar de forma crítica as oportunidades
desse processo de globalização, que envolve a vida em sociedade e as experiências
cotidianas dos cidadãos. Para isso, é preciso ver as oportunidades e as brechas da
globalização para a construção de uma prática pedagógica que permita aos educandos
compreender o mundo em que vivem.
Nesse sentido, Edgar Morin, em diferentes obras publicadas nos últimos anos,
defende que a compreensão do mundo atual e dos novos horizontes da vida contemporânea,
profundamente influenciados pela globalização, deva se dar a partir de uma reforma do
pensamento e da maneira como tradicionalmente a humanidade tratou o conhecimento e o
ensino. Esse autor defende a idéia da “complexidade do pensamento” e coloca em questão
a necessidade de repensar os princípios para um conhecimento pertinente, que questione
as certezas absolutas, a capacidade de formular uma lei eterna e de pensar em ordens
absolutas. Dessa forma, o conhecimento complexo recupera a idéia de incerteza, de
impossibilidade de atingir certezas e de evitar contradições no processo de conhecimento
do mundo.
Para o autor,
57
GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
1
Utilizamos o termo mídia no sentido de meios de comunicação de massa, chamado por alguns autores como
mass-media. De acordo com Ficher (1996, p. 28), podemos utilizar o termo mídia para nos referir aos diferentes
meios e suas produções: rádio, jornal, revista, vídeo, televisão, cinema e todos os veículos massivos de
comunicação, incluindo aí a comunicação que hoje se faz através da Internet.
58
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
de saberes sobre o mundo, e isso não pode ser desprezado, pois provoca alterações
importantes no trabalho do geógrafo, especialmente, aqueles que se dedicam ao ensino da
Geografia. Lacoste (1981) argumenta que existe a
A disseminação dos saberes geográficos pode ser vista nas diferentes mídias.
Nunca houve tantas publicações envolvendo a descrição de paisagens e lugares que se
intitulam “publicações geográficas”. As imagens cartográficas proliferam-se nos mais
diferentes meios: jornais, revistas, televisão etc. Mapas rodoviários e turísticos são
amplamente disseminados e vendidos para os cidadãos. Almanaques e enciclopédias estão
cada vez mais presentes na vida cotidiana, inclusive, agora, através da Internet ou dos
programas de multimídia. Na Televisão, verifica-se a existência de programas destinados
a explorar características específicas do espaço geográfico, fazendo um levantamento de
tudo o que consideram com sendo “a Geografia do lugar abordado”, que pode ser a
China, a savana africana, o deserto australiano, o Pólo Norte, ou a vida selvagem da
Amazônia. Existem, também, canais, através da TV por assinatura, que se dedicam
especialmente a essa temática.
Desse modo, pode-se observar o crescente interesse pela Geografia no âmbito da
mídia. Esse fato possibilita-nos as seguintes indagações: sobre qual geografia fala a mídia?
Que características ela tem? O que aborda e enfatiza?
Pereira (1995, p. 68) afirma que,
Podemos perceber que a mídia tem divulgado para amplas camadas da população
uma idéia de Geografia voltada essencialmente para a descrição, na qual se enfatizam os
aspectos físicos e os dados gerais da população. Para Pereira (1995, p. 68), isso cria “um
59
GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
imaginário muito mais popular do que se imagina, que considera geográficas as descrições
paisagísticas povoadas de vegetações, morros, rios, climas e eventualmente até algumas
populações exóticas (por serem típicas do lugar).”
Nessa perspectiva, Lacoste (1981) chama-nos a atenção para o fato de que, por
mais que a Geografia da mídia procure ser atraente para agradar ao público, ela apresenta
semelhanças marcantes com aquela Geografia tradicional, enciclopédica e cansativa
desenvolvida na escola, pelos professores. Para o autor, a Geografia da mídia é muito
parecida com a velha Geografia dos professores.
Aparentemente, esta geografia dos media, que recorre a meios variados para
agradar, comover ou surpreender, apresenta-se de modo muito diferente da
geografia dos professores, de didatismo freqüentemente cansativo. De fato,
porém, elas são mais semelhantes do que parecem: certas associações de idéias,
certos tipos de raciocínios estabelecidos duravelmente na idade escolar,
reaparecem na abordagem do cineasta ou do jornalista, e esses clichês são
reforçados pela ação dos media. Nunca se venderam tanto quanto hoje
enciclopédias geográficas, embora elas difiram pouco dos manuais escolares
modernos... (LACOSTE, 1981, p. 232)
Nunca a demanda foi tão grande pelo saber geográfico sobre o mundo presentes
em livros, revistas, filmes, CDs. As publicações destinadas ao turismo merecem uma
atenção especial na atualidade. Nos jornais, é cada vez mais freqüente a presença dos
chamados cadernos de turismo. Na televisão, são bastante comuns os programas destinados
a apresentar um lugar, enfatizando, particularmente, o seu interesse turístico, a chamada
potencialidade turística. Existe um grande número de publicações de revistas com o enfoque
para o turismo. Nelas, as belas paisagens, o conhecimento da particularidade da vida
local, os pontos turísticos, os fatos exóticos dos lugares são amplamente explorados, por
meio de textos e imagens que procuram fazer uma descrição pormenorizada do que o
lugar-retrato tem a oferecer ao turista, um “inventário geográfico” do lugar. Esse inventário
segue um receituário simples, é preciso mostrar o belo, o espetacular, o que chama a
atenção do leitor, utilizando-se das regras do espetáculo que, por sua vez, é marca das
produções midiáticas, de um modo geral.
As produções midiáticas para o turismo nos levam à discussão do que se tem
chamado, no âmbito da Geografia, de consumo do espaço. Vende-se a aspiração, a busca
idealizada de espaços para o lazer, espaços visuais, enfim, espaços de desejo. Essa idéia
é fomentada por um volumoso esquema de marketing voltado para o mercado de massa,
que promove o consumo dos lugares de praia, de montanha, de lugares ecológicos, de
lugares do mundo rural. Para Lacoste (1981, p. 232), “a ideologia dos lazeres (turismo,
esportes de inverno, mar, montanha) faz da Geografia preocupação de conhecimento dos
diferentes aspectos do mundo, uma das mais importantes formas do fenômeno de consumo
de massa.”
60
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
O ano novo em Time Square, Nova York, é o exemplo mais claro do poder da
mídia em fabricar representações; mas aqui ela vai mais longe, pois consegue
vender “o nada”. Por volta das 10 horas do dia 31 de dezembro, a massa de
quase um milhão de pessoas começa a se acotovelar nas avenidas Sétima e
Oitava – em áreas pré determinadas pela polícia de Nova York, que coloca
cavaletes para sinalizar as áreas que podem ser ocupadas que desembocam
em Times Square, depois da festa. Nesta praça, apertada e de tamanho
insignificante, há uma bola e um locutor que vai anunciando os minutos que
faltam para o ano novo. O interessante é que não se vê absolutamente nada: a
multidão e o espaço exíguo não permitem. Também não há muito que se ver,
é só saber que se está num lugar em que a mídia define como “o lugar” para se
estar na noite do dia 31 de dezembro em Nova York. (CARLOS, 1999, p. 69)
61
GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
espaço geográfico. Nessa perspectiva, Milton Santos (2000), pensando na maneira como
a mídia apresenta o mundo para o cidadão, argumenta que
62
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
à luz das Teorias do Discurso, não se compreende a mídia, qualquer que seja
a tecnologia adotada, como um “veículo”, pelo simples fato de que a
transmissão de informação não é senão uma das funções da linguagem e que,
quando esta se dá, não se trata de um mero transporte, mas de uma elaboração
conjunta dos participantes do ato de comunicação. (...) Na realidade, tem-se
um circuito de interatividade em que não deixa de pesar, necessariamente, o
jogo de forças a que estiveram submetidos os participantes do evento
enunciativo que se desenrola. (MOSCA, 2002, p, 14)
2
Os trabalhos teóricos desenvolvidos por esses autores influenciaram um número expressivo de estudos no
campo da comunicação. Em linhas gerais, esses trabalhos analisam a atuação dos meios de comunicação de
massa como forma mercadológica e industrializada de produção cultural. Adorno e Horckheimer, ao elaborar o
conceito de “indústria cultural”, procuraram ressaltar as fortes ligações existentes entre a produção material e a
produção simbólica, além de mostrar que a cultura de massas tem uma história fortemente ligada à indústria e à
constituição da sociedade de consumo. Assim, todo o aparato de produção cultural e a razão instrumental são
usados para retificar os homens que ficariam à margem de um processo de esclarecimento e de emancipação.
3
Jean Baudrillard “nos fala da criação, em nossa cultura, de uma espetacularização do cotidiano, operada pelas
imagens da mídia, com a conseqüente produção de uma hiper-realidade sem sentido, diferente da concreta, que
estaria sendo transformada em algo banal. As massas, segundo esse autor, repeliram o sentido, se ligariam
irremediavelmente ao espetáculo e seriam indiferentes a qualquer processo de conscientização”. (FICHER,
1996, p. 16)
63
GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
de imagens e textos que circulam por intermédio de diferentes suportes midiáticos, tem se
tornado uma tarefa desafiadora. Para Perrenoud (2001, p. 73), “muitas vezes, a escola
caracteriza-se por uma aceleração constante. Em geral, não há tempo para questionar
tudo o que está sendo feito, para construir sentido, ou isso só acontece quando não há
outro remédio, quando a crise ameaça ou eclode”. Diante desse quadro, devemos refletir
sobre o sentido dos saberes, da experiência escolar e da aprendizagem para os alunos.
Se observarmos a maneira como os meios de comunicação e informação foram
tradicionalmente tratados no âmbito da escola, e pelos especialistas da educação, já é
possível perceber uma mudança significativa de enfoque. De uma abordagem marcada
pela resistência à mídia e de caráter moralista, passou-se para uma abordagem mais
aberta. Pode-se verificar, hoje, certo consenso no contexto educacional de que a escola
não se pode furtar da análise e do uso das produções midiáticas no processo de
aprendizagem. Para Belloni (2002, p. 34),
educar para a mídia define bem uma nova necessidade de ensinar os meios, fazer deles
objetos de estudo e, ao mesmo tempo, instrumentos de comunicação e educação. Essa
dupla dimensão da apropriação de qualquer “tecnologia da mente” – objeto de estudo
e ferramenta pedagógica a serviço de uma pedagogia renovada – é indispensável e
parte integrante da formação para a cidadania e, portanto, dever da instituição escolar.
Entretanto é preciso reconhecer os enormes desafios que essa tarefa implica para a
escola desarmada, empobrecida e com poder simbólico e material cada vez mais reduzidos
que temos hoje no sistema público de educação em nosso país. Os próprios Parâmetros
Nacionais Curriculares elaborados pelo Ministério da Educação fazem o diagnóstico de
que, na perspectiva dos jovens que freqüentam a escola,
64
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
Considerações finais
Bibliografia
65
GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
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VESENTINI, J. W. O ensino de Geografia no século XXI. Caderno Prudentino de Geografia,
Presidente Prudente, SP: AGB, n. 17, p. 5-19, 1995.
66
Resumo: No mundo contemporâneo, ou, mais precisamente, nesta
era da informação instantânea e simultânea, o raciocínio geográfico
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA tem se destacado e, simultaneamente, se alterado por meio de novos
aspectos sociais e tecnológicos. O presente estudo foi realizado com
ERA DAS dezenove docentes integrantes de vários cursos de formação de
TECNOLOGIAS professor de geografia de instituições públicas e privadas de diversas
regiões do Brasil. Esses docentes têm utilizado as novas tecnologias
INFORMACIONAIS* no ensino de Geografia, seja pesquisando e/ou produzindo trabalhos.
Diante disso, perseguimos o estudo na busca de se responder a
seguinte indagação: em que medida a utilização das novas tecnologias
SPATIAL THINKING IN THE AGE favorece o raciocínio espacial? As tecnologias atuais, como veículos
OF INFORMATIONAL de informações, não têm a finalidade de desenvolver o “saber pensar
TECHNOLOGIES o espaço” ou de realizar o “raciocínio espacial”, mas mesmo sem
essa finalidade as pessoas aprendem geografia, pensam com a
EL RACIOCINIO ESPACIAL EN LA presença dessas tecnologias. O ensino de Geografia contribuiu para
ERA DE LAS TECNOLOGÍAS
a formação de diversas pessoas por meio do desenvolvimento do
raciocínio espacial realizado em duas diferentes escalas, do local ao
INFORMACIONALES global, mostrando articulações entre os diversos níveis de abstração,
desde o espaço do trabalho até sua inserção em uma sociedade que
se internacionaliza de maneira acelerada.
Palavras chave: Raciocínio espacial; Novas tecnologias; Ensino de
Geografia.
Introdução
1
Perseguindo princípios qualitativos, ou, mais precisamente, o princípio da intencionalidade ou da
representatividade qualitativa (THIOLLENT, 1994, p. 62), foram inquiridos – por meio da Internet – 19
docentes integrantes de vários cursos de formação de professor de geografia de instituições públicas e privadas
de diversas regiões do País. Esses professores sistematicamente têm utilizado as novas tecnologias e/ou
pesquisado e produzido trabalhos a respeito delas no ensino de geografia. Na análise em tela, os instrumentais
de investigação foram organizados numa ordem numérica por meio da seqüência dos algarismos arábicos (1,
2, 3...), como forma de preservar o anonimato dos pontos de vista e das opiniões dos sujeitos deste estudo.
68
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
2
O Google usa técnicas sofisticadas de identificação exata de textos para encontrar páginas que sejam tanto
importantes como relevantes para uma determinada consulta. http://www.google.com.br.
69
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
formación presencial que tiene lugar en la aula, hasta su utilización para impartir
formación exclusivamente on-line (e-learning), passando por la opción
intermedia de la formación semipresencial o mista (ÁLVAREZ; GONZÁLEZ,
2003, p. 198).
70
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
Animados com essa canção, podemos dizer que ela expressa o alongamento e a tão
decantada compressão do tempo-espaço que ora vivenciamos e que resulta da difusão da
inovação tecnológica atual, além do que pode evidenciar algumas relações entre técnicas
e arte nesta era contemporânea e de amplo predomínio de novas tecnologias informacionais.
Por meio dessa música, podemos, sobretudo, apreender as relações entre as novas
tecnologias e o desenvolvimento da análise geográfica, bem como desenvolver uma leitura
do mundo atual utilizando outros tipos de linguagem.
Com as novas tecnologias – pensemos, por exemplo, no uso da Internet, nos sistemas
de informação geográfica, na televisão e nos demais multimídias – teremos muito a colaborar
no desenvolvimento da qualidade da aprendizagem de conhecimentos geográficos. Essas
tecnologias, se usadas adequadamente e com inteligência, têm grande potencial para
contribuir com a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento humano. Com elas se
podem criar, a partir da integração de sistemas clássicos, condições novas de tratamento,
de transmissão de acesso e de uso das informações transmitidas até o momento
contemporâneo pelos suportes clássicos da escrita, das imagens, do som ou da fala. E,
como dizem os autores Cesar Coll e Eduardo Martí (2004), essas condições conferem às
novas tecnologias características específicas, especialmente como a de mediadoras do
funcionamento psicológico das pessoas que as utilizam.
Em certa medida, essas tecnologias contribuem para alterar as maneiras de se
relacionar, representar e apreender o conhecimento do espaço geográfico, pois elas estão
presentes com maior intensidade no nosso cotidiano. Elas têm propiciado um certo
encantamento, em virtude dos meios de simulações e animações impregnadas, que às
vezes servem para ocultar os seus desafios ou as suas limitações, o que, a nosso ver,
constitui um problema fundamental.
No entanto, não temos dúvidas de que as novas tecnologias se constituem, hoje,
grandes mediadoras entre nós e as realidades geográficas. Nosso conhecimento do mundo,
desde as situações que povoam nosso dia-a-dia até aquelas que se dão a quilômetro de
distância de nós, está mediado por esses meios. Por isso, ao tratarmos de mediação,
consideramos fundamental falar um pouco da questão do conhecimento, pois como já
afirmamos, não há conhecimento, nem mesmo no âmbito da Geografia, sem mediação. Ou
seja, em certa medida é possível se ter novas interfaces entre as novas técnicas e tecnologias
com o pensar, fazer e ensinar geográficos neste mundo atual de preponderância da
informação. Mas é verdade, também, que isso não se constitui num mérito exclusivo das
71
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
Nesse sentido, é um equívoco pensar que o uso das novas tecnologias por si só
contribua para o desenvolvimento do pensamento geográfico. Sabemos que o raciocínio
espacial não resulta tão-somente da presença das técnicas e, em especial, das novas
tecnologias no âmbito do ensino e na pesquisa geográfica. Para que o “saber pensar o
espaço geográfico” seja efetivado é necessário que se considerem as categorias e os
conceitos científicos básicos à construção do conhecimento e do raciocínio geográficos. É
importante, sobretudo, que contemplemos os conceitos e as diversas categorias geográficas
existentes, como, por exemplo, os conceitos fundantes de lugar, região, território, paisagem,
72
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
espaço, redes, escalas geográficas..., além de categorias como tempo, distância, localização-
distribuição, seletividade, conectividade, acessibilidade etc. Cabe ressaltar que, na
atualidade, essas categorias e conceitos geográficos têm assumido cada vez mais novas
dimensões e significados para a construção do conhecimento geográfico. Como afirmam
Silva e Ferreira (2000, p. 100),
73
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
global, nacional, regional, local... – em que cada vez mais se tem o auxílio do progresso
científico-tecnológico de cada época, que vem desde as imagens de satélite até os
computadores e a Internet, por exemplo, na atualidade. Ainda segundo o autor em foco, os
progressos das ciências e das técnicas, mais recentemente, têm permitido levantar mais
informações dos fenômenos e mesmo de sua evolução em tempo real. Talvez seja por isso
que ele tenha dito que as recentes representações geográficas atingem um extraordinário
grau de precisão e de rapidez graças às novas técnicas implementadas e em implementação.
Casado (2003), em recente discussão sobre o ensino de geografia frente às novas
demandas sociais, relatou que
Portanto, para que possamos ler a paisagem, ler o mundo atual em que vivemos, o
nosso espaço construído é fundamental que utilizemos os conceitos básicos da ciência
geográfica, os seus aportes teóricos e os instrumentais técnicos e sociais que a era da
informação está a nos oferecer. Eis uma atividade que devemos realizar fazendo uso da
técnica de nossa época. Por meio de imagens de satélites, da televisão, dos computadores
74
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
75
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
esta é a ação em que “a relação do homem com o mundo não é uma ação direta, mas uma
relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito
e o mundo” em que vive (OLIVEIRA, 1993, p. 24). A respeito disso, as palavras de
Kenski (2003, p. 21) são esclarecedoras: “o homem transita culturalmente mediado pelas
tecnologias que lhe são contemporâneas. Elas transformam suas maneiras de pensar,
sentir, agir. Mudam também suas formas de se comunicar e de adquirir conhecimentos”.
Laymert Santos, em sua obra Politizar as novas tecnologias, diz que a nossa experiência
no mundo atual é altamente mediada por novas tecnologias e que o ritmo dessa experiência
é cada vez mais modulado pela aceleração tecnológica (SANTOS, 2003).
Portanto, as novas tecnologias, como um produto social, vêm na atualidade
interagindo com todas as dimensões socioespaciais. A interface tecnológica atual é uma
realidade e, por conseguinte, constitui-se num mediador cognitivo. Essa mediação é criada
por meio de uma ação global com múltiplos agentes na manipulação da informação. Nos
dizeres de Lemos (2005, p. 4), “a evolução dos media digitais e das respectivas interfaces,
que vai proporcionar a febre da interatividade informática, pode nos ajudar a melhor
compreender a influência das novas tecnologias e a importância da noção de interatividade
para a ‘cibercultura contemporânea’4 ”. Ainda, segundo ele, com as novas tecnologias, o
imaginário é tomado por uma fascinação mágica, justamente por escapar de nossa escala
de compreensão espaço-temporal. Por isso o uso de metáforas como forma de interface.
O imaginário atual, aqui, como mediador entre o homem e a técnica. É a interface
que possibilita a interatividade entre as novas tecnologias e o raciocínio no momento da
construção do conhecimento (LEMOS, 2005). Assim sendo, podemos afirmar que essa é
uma palavra que tem se tornado de uso mais freqüente no curso dos últimos tempos. Ela
é hoje em dia uma palavra de ordem do mundo das novas tecnologias, transformando a
interação e a interatividade dos seres humanos e a própria construção do pensamento e do
conhecimento do homem.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Greenfield (1998), em seu livro O
3
Em sua obra A formação social da mente Vygotsky (1994) assinala que o uso de instrumentos e signos
compartilham de algumas carcaterísticas importantes, ou seja, ambos envolvem uma atividade mediada. Para
ele, os signos são orientados internamente, maneira de mobilizar a influência psicológica para o domínio do
próprio indivíduo; enquanto que os instrumentos são orientados externamente, visando ao domínio da natureza.
Por outro lado, salientamos que embora o autor mencionado tenha centrado seus esforços sobre o estudo da
criança, limitá-lo ao desenvolvimento infantil seria um enorme erro, pois seus estudos se dirigiam
fundamentalmente para o desvendar de processos humanos mais complexos (destaques nosso). Por seu turno,
Coll e Martí (2004) dizem que as NTIC não são o único nem serão os primeiros recursos semióticos criados
pelos homens, mas não há dúvida de que essas tecnologias vêm se constituindo mediadores e modificadores
na maneira de memorizar, de pensar, de relacionar-se e também de aprender. Para esses autores, as novas
tecnologias abrem novas e interessantes possibilidades de conhecimentos e de aprendizagem. Para Martín-
Barbero (2003, p..20 ), “a tecnologia é hoje o ‘grande mediador’ entre as pessoas e o mundo, quando o que a
tecnologia medeia hoje, de modo mais intenso e acelerado”.
4
O autor discute essa temática em sua tese de doutoramento, que versou sobre “cibercultura e sociabilidade”,
desenvolvida na Universidade de Sorbone/Paris, em 1995. Ele define o termo em destaque como sendo uma
simbiose entre a socialidade contemporânea e as novas tecnologias, construindo uma nova cultura que se
apropria da tecnologia e redunda num novo estilo de vida social deste período histórico atual (LEMOS, 2000).
76
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
77
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
O uso das novas tecnologias no estudo do espaço geográfico pode ser um recurso
pedagógico fundamental para o desenvolvimento da análise geográfica. Ao longo dos
tempos, esse conhecimento tem se dado de qualquer forma por meio da interface (ou
Links) da técnica de cada época. Essa, compreendida com um complexo de materialidade
e intencionalidade, revela-se, assim, como mediação necessária na constituição do espaço
geográfico. Por meio da técnica, podemos dar conta, por um lado, do global que caracteriza
o mundo e, por outro lado, do local, do particular, ou seja, daquilo que existe realmente e
se materializa num dado ponto do Planeta. Dessa forma, fica claro que as realidades
geográficas não se explicam por si mesmas, mas somente no ínterim de uma lógica que
envolve as relações globais mediadas por objetos e sistemas técnicos (SANTOS, 1994).
Nesse sentido, podemos afirmar que a análise espacial tem sido conduzida através
da mediação entre diferentes códigos, partes diferentes de objetos reais, virtuais, de
simulações e especulações necessárias à correção de possíveis erros, construindo um novo
pensamento, um novo saber. Ao longo dos tempos, como dizem Garcia e López (2003, p.
210),
La geografía escolar es una de las disciplinas que mayores cambios tendrá que observar
para adaptarse a la sociedad red, de entornos multimedia, de multiidentidades, y de
realidades multiescalares del siglo XXI. Los profundos cambios en los entornos
sociales y tecnológicos afectan las representaciones sociales-espaciales de los alumnos,
así como al contenido de los programas de la geografía escolar, a las estrategias
didácticas, a la propia concepción y función del conocimiento escolar.
78
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
Conforme as palavras de Callai (2003, p. 69), neste mundo atual, “para estudar a
geografia do mundo cada vez tem-se maior volume de conteúdos disponibilizados pelas
informações que são oferecidos nos livros didáticos, nos meios de comunicação, e cada
vez mais com maior intensidade, acessadas na Internet”.
Atualmente, “la tecnología no sólo debe ayudar al alumno a aprender, sino a
desarrollar un pensamiento crítico (análisis, evaluación y conexión) creativo (elaborar,
sintetizar e imaginar) y completo (deseñar, resolver y tomar decisiones)” sobre o espaço
geográfico, como pontuou Patiño (2003, p. 10). Esse autor diz que quando as novas
tecnologias são corretamente empregadas, estimulam a aprendizagem no ensino de
Geografia, podendo contribuir com a compreensão dos conceitos geográficos e, por
conseguinte, com o desenvolvimento do pensamento geográfico. Esse pensamento é
corroborado por George (1994, p. 10) quando nos afirma que a aceleração contemporânea
traz importantes efeitos à sociedade, e que não se trata apenas do surgimento de novos
métodos de conhecimento da diversidade global, mas de uma nova animação das relações
em todas as escalas, em que “cada elemento do puzzle mundial [é] de agora em diante,
atingido, se não animado, pelos efeitos e os contra-efeitos de relações a um só tempo
imediatas e planetárias”.
uso del espacio y del tiempo se modifica profundamente. Uno y otro se encogen,
se comprimen. La proximidad y la distancia adquieren sentidos nuevos. Es
posible la presencia simultánea en varios espacios, la localización fisica en un
punto y el contacto simultáneo con otros alejados, en los que se está telepresente
a través de las conexiones técnicas: podremos estar en todas partes al mismo
tiempo.
79
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
lectura, que han servido para ampliar los horizontes espaciales de nuestros
alumnos. Además se observa una integración de los componentes del sistema
tecnológico en sus representaciones (COMES, 2002, p. 50).
seamos más móviles y que tengamos acesso a más información. Dicho de otro
modo, el mundo se encoge no sólo porque sea más fácil y más barato viajar
sino porque tenemos, gracias a las imágenes visuales generadas por los medios
de comunicación, una idea del mundo sin tener que desplazarnos gracias a las
representaciones del mundo que proporciona la televisión en sus informativos,
series de ficción, documentales... incluso de los conflictos bélicos tal como la
cobertura informativa en directo de la guerra del golfo de 1991 se encargó de
demostrar (ROVIRA, 2002, p. 223).
A partir dessa compreensão, podemos afirmar que se estampa diante de nós uma
verdadeira dialética do global-local, que alguns autores – como Robertson (1996) e Castells
(2002) – passaram a chamar de glocalidade. Isso significa dizer que, tomando de empréstimo
as palavras de Santos (1996, p. 273), “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma
razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”. Assim sendo, tem-se em
tela uma nova ordem mundial em que a informação passa a redimensionar a vida humana
em vários níveis de análise mutltiescalar.
Com as inovações tecnológicas, não dá mais para apreendermos o mundo atual se
não considerarmos os fenômenos como sendo diferentes porque são compreendidos em
diferentes níveis de análise. Segundo Bauer (apud SHEPPARD; MCMASTER, 2004),
“as society faces a new world order that reflects the increasing tension and simultaneity
between local and global forces, it is essential to lay the foundations toward a comprehensive
80
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
‘theory of scale’”. Portanto, neste período histórico atual, pensar em escalas geográficas
é uma maneira eficaz de ordenar o conhecimento do espaço multidimensional em que
vivemos, bem como é uma maneira de racionalizar nossas decisões quanto ao presente e o
futuro. Esses são recortes temporais que estarão cada vez mais eivados de informações
galopantes veiculadas em dimensões globais, levando-se à lógica da globalização atual, o
que demonstra com mais freqüência uma diversidade de níveis escalares atuando ao mesmo
tempo e num mesmo espaço.
Partilhamos das idéias daqueles que dizem que a escala geográfica não é uma simples
questão técnica. Isso significa dizer que qualquer evento ou fenômeno geográficos, em
observação e em estudo, requer que se considere uma escala de análise que não se limite
simplesmente a uma visão geométrica (ou meramente cartográfica) como tem perdurado
com intensidade no âmago da Geografia e principalmente no cerne do seu ensino. Isso
implica, como assinala Roger Batlori (2002), que seja dada uma “comprensión etimológica
del concepto, el reconocimiento de la importancia de la escala en la elaboración del discurso
geográfico”.
Castro (1995), ao discutir o problema da escala, nesse período de aceleração espaço-
temporal, apresenta os limites impostos a esse conceito na Geografia pelo raciocínio
analógico com a cartografia. Refletindo sobre a escala como uma estratégia de aproximação
do real, a autora em destaque recorre às reflexões realizadas em outros campos do
conhecimento, que também enfrentam o problema da grande variação de tamanho de
fenômenos e objetos. Esse seu estudo indica as possibilidades de utilização da perspectiva
da escala na prática do ensino e da pesquisa geográfica, sugerindo novos contornos para
expressar a representação dos diferentes modos de percepção e de concepção da realidade
geográfica. Diante disso, podemos dizer que, nesse tempo de predomínio das novas
tecnologias – com uma maior difusão da televisão, do computador e da Internet, por
exemplo –, a noção de escala se faz necessária, pois cada vez mais as realidades geográficas
que estão distantes se tornam muito mais próximas, possibilitando diferentes jogos de
escalas ou de caminhos geográficos, pois, quando estamos diante dessas “novas telas” ou
conectados a elas, nos encontramos num local que ao mesmo tempo pode se tornar global,
regional, nacional ou globalizado no mundo, e mais, em tempo real (HAESBAERT, 2004).
Por meio dessas “novas telas”, podemos ver o mundo numa situação de interação com
outras realidades geográficas, logo nos obrigando a raciocinar numa instantaneidade e
velocidade inimagináveis e de modo multiescalar.
Nas palavras de Castro (1995, p. 121), “o problema do tamanho é, na realidade,
intrínseco à análise espacial e os recortes escolhidos são aqueles dos fenômenos que são
privilegiados por ela. Na Geografia humana os recortes utilizados têm sido o lugar (e seus
diversos desdobramentos – cidade, bairro, rua, aldeia etc.), a região, a nação e o mundo”.
Segundo essa autora, mais importante do que saber como as coisas mudam com o tamanho,
81
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
é saber com exatidão o que muda e como muda, já que estamos diante de grandes mudanças
espaço-temporais resultantes de transformações técnico-científicas-informacionais. Nesse
sentido, cabe ressaltar que quando a escala muda, a dimensão de apreensão do fenômeno
muda também, por isso ser fundamental tê-la como uma estratégia de apreensão e abordagem
do mundo real ou das distintas realidades geográficas, neste mundo acelerado.
Sabemos que, hoje, diante da instantaneidade e simultaneidade das informações e
comunicações, é fundamental que se considerem novas conceptualizações de escalas
geográficas num prisma relacional, de vez que as realidades geográficas em dimensões
globais se disseminam com maior intensidade sobre os lugares geográficos por meio de
ações e objetos técnicos globais. Talvez seja por isso que Martím-Barbero tenha dito que
o global é o espaço novo produzido pela globalização e pela inovação tecnológica, que
dependem dele para sua permanente expansão.
Em suma, cada vez mais no âmbito do ensino, da extensão e da pesquisa em Geografia
têm-se utilizado as novas tecnologias. Os usos de imagens de satélite com a ajuda de
aparelhos de GPS, de computador e da Internet e de outros recursos multimidiáticos têm
se tornado mais freqüentes nas salas de aula de geografia – mesmo que em proporções
desiguais, conforme nos disseram, em entrevistas, os sujeitos desta pesquisa. Mas, não há
dúvida de que esses meios tecnológicos, quando articulados aos conteúdos, conceitos e
fundamentos teórico-metodológicos da ciência geográfica, têm se tornado fundamentais
ao desenvolvimento do raciocínio espacial, reafirmando que a interface entre novas
tecnologias e raciocínio espacial tem muito a ver com a Geografia contemporânea.
82
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
pesquisados têm de algum modo utilizado algumas das ferramentas desta temporalidade.
As suas práticas pedagógicas cotidianas têm sido permeadas ou interfaceadas pelas
tecnologias da informação e comunicação. Se a televisão se constituiu na ferramenta mais
utilizada por eles, conforme dissemos anteriormente, isso não quer dizer que o computador
e a Internet não estivessem sendo utilizados e não tenham dado suas contribuições para a
análise espacial. Isso veio à tona quando perguntamos a esses professores se, na opinião
deles, o uso das novas tecnologias interferia no desenvolvimento do raciocínio geográfico
ou na maneira de se pensar sobre o espaço. A maior parte desses professores (57,8%)
respondeu positivamente, dizendo que as novas técnicas informacionais aceleram e ampliam
as maneiras de pensar o espaço geográfico, enquanto que, para 26,3% dos inquiridos, essa
interferência ocorria em termos, pois era necessária, também uma integração com os
conteúdos e métodos da Geografia, bem como de uma relação professor-aluno, aluno-
aluno. Por seu turno, para 15,8% dos investigados, as novas tecnologias não interferiam
de modo algum no desenvolvimento do raciocínio geográfico. Mas o interessante disso é
que muitos desses professores, que afirmaram negativamente sobre a interferência das
novas tecnologias no processo de leitura espacial, disseram que essas tecnologias poderiam
contribuir para a criação de novas estratégias de ensino, aprendizagem e auto-formação.
Pelo visto esses professores, contraditoriamente, também, acreditam nas possibilidades
que as novas tecnologias podem, ou não, oferecer ao desenvolvimento do pensamento
geográfico.
Acreditamos que é verdade que as novas tecnologias – sobretudo a confluência
entre a televisão, o computador e a Internet, por exemplo – não objetivam ensinar e aprender
o conhecimento geográfico, mas é também verdade que nós e os nossos alunos aprendemos
muito, e de maneira diversificada, com o uso desses instrumentais, principalmente
aprendemos a ler o nosso espaço vivencial e aprendemos sobre os espaços mais longínquos,
que se tornam visíveis por meio de imagens e textos não-lineares encontrados no ciberespaço,
na Internet ou em outras mídias. Assim, os espaços geográficos parecem se tornar mais
próximos e distantes ao mesmo tempo por meio dessas tecnologias informacionais.
Os fragmentos que apresentamos em seguida, embora sejam longos, merecem ser
conferidos, pois eles evidenciam algumas experiências com o uso das tecnologias atuais.
Vejam que entre as possíveis interfaces que as novas tecnologias podem oferecer à ciência
geográfica e ao desenvolvimento do raciocínio geográfico nas várias modalidades de ensino
dessa área de conhecimento estão, segundo os depoimentos dos professores, em:
“Hoje utilizo muito os computadores, mas uso também o vídeo, a música, o
retroprojetor, pois as aulas se tornam mais dinâmicas, menos cansativas e a
participação dos alunos é maior. Essas tecnologias tornam todos os espaços
mais próximos, permitindo assim melhor compreender as transformações
desenvolvidas pelo homem” (depoimento do professor n. 4).
“Eu adoto as novas tecnologias, pois elas possibilitam uma nova visão da
83
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
Esses depoimentos mostram um pouco do uso das novas tecnologias nos cursos de
formação de professores de geografia, bem como as maneiras como essas tecnologias vêm
mediando o processo de ensino e aprendizagem geográficos. Como se pode ver, as novas
tecnologias tem sido utilizadas como uma ferramenta pedagógica, seja para disponibilizar
os textos geográficos básicos e complementares, para manter contatos via meio eletrônico
(e-mail), realizar trabalho em grupo, seja como mera ilustração, mas o objetivo maior tem
se voltado sobretudo para tornar mais dinâmico, atrativo e interativo o pensar, o fazer e o
ensinar geográficos. Há quem diga que a grande tecnologia da humanidade não são os
84
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
A nosso ver, isso não se traduz em mais uma nova Geografia. São, na verdade,
outras ou novas possibilidades de se realizar a leitura espacial. E não é a aula de Geografia
que tem que ser desconsiderada para ensinar o uso desses instrumentais, mas é uma
possibilidade que, interfaceando-se com as técnicas modernas, pode contribuir para o
ensinar e o aprender melhor a geografia do mundo contemporâneo.
Segundo Callai (2001), partindo-se do pressuposto de que não adianta somente
passar informações (porque estudar Geografia é muito mais do que isso, e que os métodos
de trabalho precisam estar adequados aos tempos que vivemos) é que se torna imprescindível
a incorporação das novas tecnologias no ensino de Geografia. Para ela, de nada adiantam
essas tecnologias para melhorar o ensino dessa ciência se não tivermos referenciais mais
sólidos para fazer as análises geográficas.
Acrescentamos a isso o fato de que a chave para avaliar o alcance e os usos
educacionais das novas tecnologias no ensino de Geografia pode estar nos três elementos
do triângulo interativo – professor, aluno e conteúdo –, como propõem Coll e Martí
(2004), e de maneira muito particular em sua incidência sobre as relações e as interações
85
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
que se estabelecem entre esses três elementos. Em outros termos, a chave está em analisar
como e até que ponto os diferentes usos das novas tecnologias podem influenciar tanto nos
processos de construção de significados e de atribuições de sentido que os sujeitos (professor
e aluno) realizam no transcurso das atividades de ensino e aprendizagem, como também
os mecanismos de influência educacional que facilitam, promovem e apóiam esses processos
construtivos.
Sabemos que as novas tecnologias, na medida em que atuam como fator de coesão
tanto nas pequenas localidades quanto nas de grande complexidade social e cultural – por
exemplo, os grandes centros urbanos –, são produtores de significados e, por conseguinte,
participam do processo de construção e da leitura das realidades socioespaciais em todas
as suas manifestações. Essas tecnologias chegam no limiar deste século com um dos mais
influentes fatores de circulação de idéias na sociedade da informação. E a Geografia,
como vimos anteriormente, propõe-se estudar o espaço geográfico, sendo que, para realizar
esse estudo, ela necessita de conceitos, definições, pressupostos teórico-metodológicos,
técnica e tecnologia.
Como diz Castells (2002), na era da informação, a tecnologia não determina a
sociedade, modela-a. Nem tampouco a sociedade determina a inovação tecnológica, utiliza-
a. Isso significa dizer que não dá mais para ficarmos alheios às ordens técnicas atuais. As
técnicas contemporâneas constituem um bom caminho para a explicação do espaço
geográfico, como afirma Santos (1996). Elas contribuem para que pensemos a geografia
como uma filosofia das técnicas, uma vez que as transformações socioespaciais e culturais
estão cada vez mais interdependentes da ação técnica. E, assim sendo, para que se
compreenda o espaço em que estamos imersos, é fundamental que entendamos as relações
com o tempo, pois cada período histórico tem sido portador de técnicas e tecnologias que
permitem ações, acontecimentos e teleologias. As ações de nosso tempo atual interatuam
e criam espaços geográficos diferentes, reais e virtuais, corroborando com a assertiva de
Kant (apud SANTOS, 1996) de que os objetos mudam e propõem diferentes geografias
em diferentes momentos.
Isso não significa dizer que temos uma nova Geografia, porque temos novas
tecnologias. Temos, sim, uma teia complexa do mundo cada vez mais ligado por redes
técnicas informacionais que conectam espaços e pessoas – mas deixam muitos desligados/
desconectados ou nos limites do viver contemporâneo – numa velocidade e aceleração
impensadas há poucos anos, mas que impõem um novo papel à Geografia e ao seu ensino.
As tecnologias atuais, veiculadoras de informações, não têm a finalidade de
5
Esse programa foi promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e pela Fundação Roberto
Marinho, por meio de teleaulas e módulos adquiridos em bancas de jornais ou livrarias.
86
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
A título de conclusão
A tecnologia sem conteúdos e conceitos geográficos não tem sentido algum. É certo
que as possibilidades de aprender e ensinar Geografia, hoje, são estimuladas pela
proliferação de informações mais acessíveis. Mas também é evidente que as desigualdades
87
SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
no acesso às novas tecnologias podem aumentar ainda mais as dificuldades reais de acesso
à informação e ao conhecimento geográfico que já têm atualmente os segmentos menos
favorecidos. O caso da Internet é exemplar, pois sendo, em princípio, um recurso altamente
descentralizado, democrático e sem fronteiras, na verdade é apenas para aqueles que podem
ter fácil acesso a ele, para os “plugados na rede”.
Considerando os depoimentos dos sujeitos deste estudo, podemos dizer que é muito
provável que as novas tecnologias aprofundem as divisões já existentes entre grupos de
pessoas em sua relação com o conhecimento e a aprendizagem. Daí a necessidade de que
as possibilidades e os limites das novas tecnologias estejam sempre em pauta. Nessa
sociedade, os aparatos tecnológicos têm se constituído em novos meios de informação e
comunicação que mobilizam novos modos perceptivos e reorganizadores da prática
cotidiana e da experiência socioespacial. Computadores, videogames, telefones celulares,
TV a cabo e toda a parafernália técnica que nos cerca e nos constitui vão transformando
de maneira rápida as estruturas de pensamento e de significação. E nesse meio ambiente
novíssimo (ecologia cognitiva? ciberespaço? cibercultura? sociedade da informação? da
imagem? do saber?), as instituições de ensino e muitas disciplinas, como por exemplo, a
Geografia, encontram-se nos limites da sociedade informacional, muitas vezes fixada na
oralidade e nos meios impressos e lineares como os textos escritos. As tecnologias
informacionais ainda se encontram pouco presentes nos cursos de formação do professor
de geografia, conforme aponta o resultado da pesquisa. Mas mesmo que em proporções
mínimas e limitadas, as novas tecnologias podem e devem ser postas em questão em aulas
de cursos de graduação, pós-graduação e na educação básica, no sentido de ampliar sua
inserção nos meios educativos. Com as tecnologias modernas, é possível aprender a
aprender, a trabalhar em grupo, a raciocinar em diferentes escalas geográficas.
Em vez de considerar as novas tecnologias como inimigas a ser exorcizadas, é
fundamental que as consideremos como meios que podem ajudar a desenvolver ou estimular
o pensamento geográfico. Conforme já dissemos anteriormente, as novas tecnologias estão
presentes em nossas vidas quer queiramos ou não. Cabe a nós estudiosos utilizá-las, estudá-
las, questionando suas possibilidades e limitações para o desenvolvimento do conhecimento
ou do raciocínio espacial.
Em suma, podemos dizer que as novas tecnologias não têm compromisso com a
construção do conhecimento geográfico. Esse compromisso compete à ciência geográfica
e aos geógrafos nos momentos de construção do raciocínio espacial. Mas é verdade também
que os profissionais de geografia quando utilizam as novas tecnologias aprendem com
elas. Talvez seja uma “Geografia em migalhas”, como nos tem alertado Lacoste (1974, p.
231), que precisa ser melhor questionada e explicitada, mas é possível perceber que existe
uma certa interface entre as novas tecnologias e o desenvolvimento do pensamento
geográfico nesta era informacional.
88
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
Referências
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SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
90
Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa sobre Lugar e
LUGAR E CULTURA Cultura Urbana: os saberes dos professores de Geografia no
URBANA: UM ESTUDO Brasil, investigação de caráter interinstitucional que aborda o
COMPARATIVO DE SABERES tema a partir de um estudo comparativo entre as cidades de
Goiânia (GO), Ijuí (RS) e São Paulo (SP). O objetivo deste
DOCENTES NO BRASIL
estudo é caracterizar e analisar as concepções dos professores
a respeito da cidade e da sua cultura, considerando a
PLACE AND URBAN CULTURE: A possibilidade da cidade ser entendida em função da dinâmica
COMPARATIVE STUDY OF
do território. Os dados foram obtidos através de entrevistas,
TEACHERS’ KNOWLEDGE IN
BRAZIL observações de aulas e questionários respondidos por
professores de Geografia.
LUGAR Y CULTURA URBANA: UN Palavras-Chave: Saberes dos professores; Lugar; Cultura
ESTUDIO COMPARATIVO DE LOS urbana; Educação geográfica.
SABERES DOCENTES EN BRASIL
Abstract: This article is part of a research about Place and
Urban Culture: the knowledge of Geography teachers in
Brazil, an interinstitutional investigation which approaches the
theme from the results of a comparative study focusing on the
cities of Goiânia (GO), Ijuí (RS) and São Paulo (SP). The
objective of this study is to outline and to analyze the teachers’
conceptions about the city and its culture, considering the
possibility for the city to be understood from the dynamic of
HELENA COPETTI CALLAI the territory. The data came from interviews, class observations
helena@unijui.edu.br and questionnaires answered by geography teachers.
Keywords: Teachers’ knowledge; Place; Urban culture;
Geographical education.
LANA DE SOUZA
Resumen: Este articulo es parte de una investigación
CAVALCANTI interinstitucional, a respecto de “Lugar y Cultura Urbana: los
ls.cavalcanti@uol.com.br saberes de los profesores de Geografía en Brasil”, tratando el
tema desde un estudio comparativo entre la ciudad de Ijuí(RS),
SONIA MARIA VANZELLA Goiania(GO) y São Paulo(SP). El objetivo del estudio es
CASTELLAR caracterizar y analizar las concepciones de los profesores a
respecto de la ciudad y de su cultura, considerando la posibilidad
smvc@usp.br
de que la ciudad sea entendida en función de la dinamica de su
territorio. Los datos resultan de entrevistas, observaciones y
encuestas hechas a los profesores.
Palabras clave: Saberes de los profesores; Lugar; Cultura
urbana; Educación geográfica
1
A pesquisa realizada é coordenada na cidade de Ijuí, por Helena C. Callai, da Unijuí, em
Goiânia, por Lana de S. Cavalcanti, da UFG e em São Paulo, por Sônia M. V. Castellar, da USP.
2
Dentre eles, podem-se destacar: Callai (2001, 2003a, 2003b); Castellar (1999, 2003, 2005),
Cavalcanti (1998, 1999, 2001, 2002 a).
92
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
concepções do professor, como um dos sujeitos do ensino, sobre esse cotidiano, sobre esse
espaço vivido e compreender como essas percepções podem e têm ajudado na formulação
das suas propostas de ensino. Para compreender o lugar de vivência e a relação que o
professor estabelece com ele, tomou-se como foco a cidade.
A cidade é aqui considerada como tema do ensino porque, em primeiro lugar, é a
referência básica para a vida cotidiana da maior parte das pessoas. Ela é local de moradia
de um grande contingente populacional; nela se produz e se decide a produção de uma
grande parte de mercadorias e de serviços; nela circulam pessoas e bens; nela, também, se
produz um modo de vida (LEFEBVRE, 1991; CARLOS, 1992). Todo esse movimento
mostra que na cidade estão materializadas, por um lado, a dinâmica do capital e, por
outro, a dinâmica da sociedade; ambas se expressam contraditoriamente na prática cotidiana
dos cidadãos.
A cidade é uma expressão da complexidade e da diversidade da experiência dos
diferentes grupos que a habitam. Seu arranjo vai sendo produzido para que cada habitante
possa viver o cotidiano, compartilhando desejos, necessidades, problemas com os outros
habitantes. Ela é, nesse sentido, espaço da vida coletiva, espaço público. Para viabilizar
essa vida coletiva, seus gestores contam com vários agentes educativos (órgãos de
planejamento, agências de segurança, de trânsito e ambientais, escolas, ONGs). Mas, a
cidade é, em si mesma, um espaço educativo. A cidade é educadora: ela educa, ela forma
valores, comportamentos, ela informa com seu arranjo espacial, com seus sinais, com
suas imagens, com sua escrita (BERNET, 1987). Ela também é um conteúdo a ser
apreendido por seus habitantes. É no exercício da cidadania, e no espaço cotidiano da
cidade, que seus habitantes podem se reconhecer como agentes possuidores de direitos e
deveres nesse processo de produção.
Dessa discussão teórica, surgiram questões mais específicas para a pesquisa
realizada e apresentada nesse artigo: em que medida os cidadãos têm tido nas cidades
brasileiras o direito de viver, de circular por suas cidades e seus lugares, de consumir seus
lugares e de consumir nesses lugares? Em que medida os jovens cidadãos têm tido
conhecimento de sua cidade, de seus problemas, de seus projetos, e de suas possibilidades?
Até que ponto a escola, por meio do ensino de Geografia, tem contribuído para que esse
conhecimento ocorra, trabalhando sistematicamente com o tema da cidade, por meio de
veiculação de conteúdos das cidades onde vivem seus alunos e das cidades brasileiras em
geral; da promoção de atividades que propiciem o contato mais direto dos alunos com
lugares da cidade?
Pode-se discutir estas questões na perspectiva de que representem a alternativa a
um desenvolvimento pleno da cidadania sem, no entanto, deixar de considerar que vivemos
num mundo que é extremamente contraditório. Mesmo em um lugar cheio de semelhanças,
com as marcas de identidade explicitadas, não é raro encontrar grupos com interesses
diversos. E aquilo que parecia homogêneo se mostra bem diferenciado, exigindo atenção
para com a diversidade, porque estão mascaradas as diferenças. Cada lugar pode ter
93
CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
94
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
aprendizagem, portador de uma cultura que lhe permitiu conhecer e analisar espaços urbanos
numa perspectiva de totalidade.
A análise de elementos da cultura urbana dos professores de Geografia contribui
para uma melhor compreensão dos processos didáticos que ocorrem no espaço escolar,
que é síntese de culturas e que deve ser assim considerado, subsidiando nesse sentido a
reflexão sobre caminhos de formação inicial e continuada de professores.
Entendemos que o professor deve ter, em sua formação inicial, um grau de discussão
teórica que lhe permita compreender as categorias geográficas e as formas como ocorrem
a apropriação dos conceitos e a aprendizagem do aluno. Caso contrário, a formação inicial
já começa debilitada, pois, caso o professor não tenha clareza sobre a dimensão dos seus
saberes, não conceba a construção de conceitos e a aprendizagem significativa como
determinantes no processo, como fazê-lo romper com a prática tradicional? E como se
farão as mudanças no ensino de Geografia? Nesse sentido, ao verificar dados e informações
de professores dessas três cidades, foi possível constatar como são tratados temas específicos
da Geografia, que se caracterizam como questões significativas para o estudo da cidade e
dos problemas urbanos no mundo atual.
Essa pesquisa permitiu, também, analisar a situação de aprendizagem e a
compreensão que os professores têm dos conceitos geográficos e cartográficos.
Consideramos que os conteúdos da Geografia escolar deveriam ser trabalhados na
perspectiva das mudanças conceituais – dos conceitos de senso comum para conceitos
científicos -, levando o professor a mediar o processo do aluno de passar de um estado de
menor conhecimento para um estado de maior conhecimento. Para que o professor possa
repensar sua prática - e fazer mudanças concretas - com esse propósito é preciso descobrir
outros padrões de aprendizagem, a partir de uma rede de significados. No entanto, não há
fórmulas prontas e acabadas; existem, sim, possibilidades de se ter êxitos saindo do
imobilismo, atuando na perspectiva de utilizar estratégias diversificadas ao abordar
conteúdos na busca de novas situações de aprendizagem.
Durante a pesquisa nos deparamos com duas questões que estão interligadas:
uma é a construção conceitual das crianças sobre as cidades em que vivem; a outra é como
o professor desenvolve o seu trabalho e como ocorre o seu processo de construção conceitual
para que possa orientar seus alunos.
A partir dessas questões buscamos analisar, através de entrevistas, o perfil de
professores de Geografia em relação aos aspectos da sua formação, das condições de
trabalho e de seus saberes e práticas relacionadas ao tema da cidade. A análise de dados
coletados será apresentada sinteticamente nos tópicos seguintes do texto3 .
3
Os relatórios das pesquisas de cada cidade, com a metodologia descrita e a apresentação de todos os dados
levantados estão disponíveis nos laboratórios das Instituições a que pertencem cada uma das investigadoras.
95
CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
A – O caso de Ijuí-RS
No contexto de entrevistas, os professores responderam como entendem a cidade.
96
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
papel a realizar na sociedade em que vive. Foram citadas: que o educando perceba-se
como membro integrante e agente das transformações; sensibilizar o aluno ao olhar
geográfico, ou seja, ao olhar critico para ações que levem à construção de um espaço
público justo e com qualidade de vida; que o aluno consiga perceber a importância da
cidade para o cidadão se constituir verdadeiramente participante buscando a qualidade
de vida e interagindo “nesse espaço urbano”.
Grupo 3 – as respostas nos remetem ao enfoque metodológico, por considerarem
a escala de análise, a diferenciação dos espaços geográficos, a dimensão de espaço e
tempo, e a interligação das ações humanas com a produção do espaço. Foram citadas: que
o aluno consiga fazer associações do espaço em que vive e o mundo que o cerca; é
compreender o espaço, como as pessoas se relacionam nesse espaço, as suas necessidades,
desejos, etc. - que o aluno tenha a capacidade de observar, analisar, interpretar e criticar
a realidade.
Grupo 4 – refere-se às questões especificamente do conteúdo da Geografia urbana,
com poucas citações. São professores que demonstram entender que a questão urbana vai
além do estudo da cidade local, onde vivem os alunos. Foram citados: que os alunos
saibam pelo menos diferenciar urbano do rural; compreender a dinâmica das cidades,
identificar as características do processo de utilização e entender que esse envolve
modificações sociais, econômicas e territoriais.
Noutra questão ao serem perguntados sobre o que consideram ser os principais
problemas urbanos em Ijuí, apontam as questões de: - Desemprego: a falta de indústrias
para criar empregos; os migrantes vêm buscar emprego e caem na marginalidade; os altos
índices de pobreza e a conseqüência dessa situação gerando violência e roubos. Da mesma
forma, são identificados os problemas decorrentes de um crescimento urbano desorganizado;
as periferias desorganizadas e a falta de creches. - Segurança pública: problema que se
faz presente de modo muito acentuado em todos os lugares. Como primeira referência
nesse conjunto é apresentada a falta de um quadro de efetivos de policiais mais amplos, a
violência pessoal, a violência no trânsito, o roubo e o assalto. - A questão habitacional:
habitação, especulação imobiliária, moradia, descuido com as ruas nos bairros, que pode
ser interligada com a estrutura arquitetônica, e aliada ao problema da consciência dos
usuários, da falta de conscientização com os problemas. - Aspectos ambientais que se
caracterizam pelo saneamento: falta de tratamento de esgoto, saneamento básico reduzido
ou inexistente em bairros menos favorecidos, falta de uma estação de tratamento de esgoto,
falta de rede de esgoto; em relação ao lixo: a falta de reciclagem e a coleta seletiva; já a
poluição ambiental envolve a poluição sonora e a visual. - Trânsito: o problema do
congestionamento; aspectos de transporte na área urbana, com carga e descarga que é
prejudicial ao ambiente; transporte urbano precário, agregado às ruas com má sinalização,
com falta de iluminação pública, falta de cuidados na manutenção das vias públicas.
Como se observa nesse elenco de problemas urbanos apresentados pelos professores
97
CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
B - O caso de Goiânia-Go
A respeito de saberes geográficos, investigou-se, junto aos professores, suas
concepções sobre lugar e cidade. Quanto ao conceito de lugar, 21,6% o compreendem
como uma parte determinada do espaço terrestre, com definições como: “porção do espaço
terrestre conhecida por um nome”, “qualquer espaço que ocupamos é um lugar”, ou
com definições que destacam aspectos mais subjetivos para se referir ao conceito: “é o
referencial espacial da intimidade das emoções”, “espaço especial carregado de valores”.
Mas, um componente mais subjetivo nas definições de lugar aparece mais explicitamente
em 27,5% das respostas, que indicam o conceito de lugar como espaço vivido, com
definições que expressam a compreensão de que lugar é um local de vivência das pessoas:
“é o espaço onde o indivíduo vive”; “é uma porção do espaço que você conhece e tem
algum contato”. Um outro grupo de respostas (21,6%) traz definições mais genéricas,
ora apontando para uma compreensão de lugar como associado à afetividade, à identidade,
à produção de cultura, a um modo de vida; ora ao específico, à escala, ao tamanho. Pela
variedade de respostas, pode-se inferir que há uma associação bastante forte de lugar com
o vivido localmente pelas pessoas, ficando menos perceptível a compreensão de suas relações
contraditórias e das determinações desse local com processos e fenômenos definidos e
vividos globalmente.
Quanto ao conceito de cidade, a maioria dos professores (53%) apresentou definições
que fazem referência à paisagem, ou seja, privilegiando a forma e a disposição dos objetos,
as pessoas e seus movimentos: “concentração de pessoas, habitações”,“é um aglomerado
de pessoas, onde existe uma organização política e também é munido de infra-estruturas”.
Em outro grupo (15,5%), a cidade foi definida pelas relações que são nela e com ela
estabelecidas: “é o espaço criado e recriado em que o ser humano desenvolve suas
atividades”, “palco de atividades relacionadas à indústria, moradia, lazer, comércio,
enfim, atividades que se referem ao urbano”. Foi possível detectar ainda um outro grupo
(8%) com definições que apresentam elementos, simultaneamente, dos dois tipos anteriores:
“é um espaço onde há um aglomerado de pessoas procurando vários tipos de serviço, é
onde as atividades econômicas estão aglomeradas”. Um quarto grupo (8%) apresenta
uma definição da cidade como palco de contradições, onde há um confronto entre o capital
e a cidade: “espaço construído pelos cidadãos, porém de controle e dominação do
capital”; “é o lugar do conflito, da manifestação das contradições, etc”.
Pelos dados obtidos percebe-se que predomina um conceito de cidade ligado à sua
98
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
expressão formal, à sua paisagem, ou às atividades que nela se realizam. Além disso,
percebe-se que, ainda que alguns professores levantem aspectos mais estruturais da dinâmica
da cidade, os elementos contraditórios, as determinações mais globais, e mais estruturais
da sociedade ainda são pouco presentes nas definições dos professores.
Sobre o espaço urbano de Goiânia é possível perceber a coincidência de alguns
elementos de análise, que foram interpretados como sociais, ambientais e de planejamento/
crescimento urbano. Quanto ao primeiro aspecto, muito presente nos depoimentos, os
professores o destacam para análises positivas do espaço, como: espaço sem exagero de
conflito ou para análises negativas, como: é um espaço cheio de contrastes, de muitos
problemas ambientais e sociais. Em relação aos problemas ambientais, predominam as
respostas em que os professores apontam elementos negativos, como: precisa ser
revitalizado. Por causa de problemas ambientais. O maior número de respostas faz
referência ao tema do crescimento urbano desordenado e do planejamento, ou falta de
planejamento, com argumentos como: crescimento desordenado associado principalmente
à ação política, uma cidade planejada. Urbanizada, arborizada, o espaço urbano da
cidade não foi todo planejado, houve um crescimento muito rápido sem as devidas
infra-estruturas como saneamento básico, segurança, saúde e educação.
Percebe-se que, diferentemente das respostas quanto ao conceito de cidade, aqui os
professores destacam, um pouco mais, aspectos mais estruturais para fazer análise de um
espaço específico, que é Goiânia, ainda que expressando uma idéia de que os problemas
vivenciados pela sociedade, neste espaço urbano, têm sua raiz na falta de planejamento, e,
sendo assim, sua solução é de ordem técnica.
Sobre os principais problemas urbanos de Goiânia, a conclusão é que entre os
principais estão: transporte e trânsito; problemas ambientais e habitação. O destaque aos
problemas de transporte e trânsito permite inferir que, para os professores, o deslocamento
cotidiano no espaço intraurbano constitui-se como um fator de extrema importância ao se
analisar uma cidade, e os dados parecem revelar que atualmente este é o problema “número
um” quando se fala em cidade de Goiânia, e que, infere-se, trata-se de um serviço que os
gestores não têm oferecido satisfatoriamente. Sabe-se que esse é um problema a ser
ressaltado na maior parte das metrópoles e nas grandes cidades brasileiras, porém a
freqüência com que ele aparece aqui evidencia sua importância para o caso de Goiânia.
Pelo que foi evidenciado anteriormente, sobre os dados coletados quanto ao espaço
urbano de Goiânia, pode-se dizer que os saberes dos professores vão ao encontro do que a
pesquisa científica tem mostrado: como um espaço planejado, mas que sofreu um
crescimento urbano intenso, desordenado, o que acarretou muito dos problemas que nele
são vivenciados, entre os quais o das desigualdades sociais, o da segregação socioespacial.
Portanto, os elementos que foram levantados pelos professores parecem, até o momento,
bastante pertinentes e importantes para a análise do urbano em Goiânia, ainda que requeiram
aprofundamento para tornarem-se instrumentos relevantes para os alunos, para o
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CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
100
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
que somados permitem inferir que, para os professores, o deslocamento cotidiano no espaço
intraurbano constitui-se em fator de extrema importância ao se analisar uma cidade, e os
dados parecem revelar que atualmente este é o problema sério para quem vive no município
de São Paulo, é um serviço que a administração pública não dá conta de resolver
satisfatoriamente.
Sabe-se que esse é um problema a ser ressaltado na maior parte das metrópoles e
nas cidades brasileiras de porte médio, porém, a freqüência com que ele aparece aqui
evidencia um destaque para essa questão em São Paulo. Além do mais, esse destaque
ainda é maior quando se observa que os problemas ambientais que foram agrupados nos
remetem as questões diversas, como: a poluição das águas, a poluição sonora, o lixo, a
poluição dos mananciais, a impermeabilização do solo, a ocupação de áreas de risco,
as ilhas de calor nos centos urbanos, a falta de equipamentos de saúde e de lazer também
aparece dentre os problemas urbanos.
O que se constata é que os saberes dos professores ainda estão fundamentados em
aspectos genéricos em relação à compreensão conceitual, levando em consideração apenas
informações empíricas do cotidiano, mas sem uma análise mais articulada entre os
fenômenos urbanos e as discussões teóricas Leva-se em consideração que a falta de
planejamento é o problema, que houve um crescimento urbano intenso, desordenado,
gerando inúmeros problemas vivenciados pela população. Aspectos como desigualdades
sociais, segregação socioespacial, exclusão cultural em função da falta de políticas públicas,
não foram citados por nenhum dos entrevistados.
Nesse sentido, apesar de que os elementos citados pelos professores sejam pertinentes
e importantes para a análise do urbano em São Paulo, e que possam tornar-se instrumentos
relevantes para os alunos, ainda são superficiais, pois não há articulação entre o
embasamento teórico e os fenômenos do cotidiano, para que se estimule, entre outras
habilidades, o desenvolvimento do pensamento espacial.
101
CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
suas aulas de Geografia urbana está expressa a interpretação anterior, que o estudo do
urbano e da cidade é para eles apenas o estudo do lugar. Nas respostas destacamos às
possibilidades locais, seja de material, de estudos de campo, de entrevistas com pessoas,
de visitas, conforme indicam as citações a seguir: documentos, visitas ao museu, viagens
de estudo, visitas a bairros, museus, área rural, pesquisa em material bibliográfico do
município, pesquisa bibliográfica em geral, estudo da realidade dos alunos, pesquisa
sobre a cidade, olhar a paisagem local, descrever paisagens, meios de comunicação
escrita e falada, urbanistas e Lei Orgânica.
No caso dos professores de Goiânia, os dados revelam que a grande dificuldade de
acesso a materiais de investigação geográfica sobre essa cidade é um dos grandes obstáculos
a um trabalho docente mais consistente com essa temática. Com efeito, os dados evidenciam
uma incipiente relação entre Escolas e Universidade, particularmente no âmbito do IESA/
UFG. Segundo afirmaram em entrevista, eles, apesar de trabalharem o tema cidade em
suas aulas e de fazerem leituras sobre a cidade de Goiânia, não têm como fonte dessas
leituras os estudos realizados pelas instituições de ensino superior. Já em São Paulo também
há dificuldade em se ter acesso a materiais produzidos pelas instituições públicas e privadas.
Uma reclamação por parte dos professores é que por falta de divulgação ou acesso acabam
desconhecendo os livros, os documentos e os mapas produzidos sobre a cidade.
As respostas dadas pelos professores das três cidades são próximas em relação ao
que gostariam de ter acesso; muitos afirmaram a importância de se ter diferentes tipos de
mapas, outros disseram que sentem necessidade de acesso aos dados pesquisados pelo
IBGE e outros órgãos regionais.
Além das dificuldades apresentadas, merece ainda destaque a questão do livro
didático e do seu uso pelo professor. Segundo declararam em entrevistas, os professores
entendem que os livros abordam problemas urbanos como a degradação ambiental/poluição,
transporte/trânsito, segurança/violência, que são para a maioria deles problemas relevantes
nas grandes cidades brasileiras. No entanto, muitos depoimentos sobre o conteúdo e o
modo como utilizam o livro didático destacam o fato de que a realidade urbana analisada
no livro tem como referência básica as grandes metrópoles brasileiras, principalmente da
Região Sudeste, e não cidades como Goiânia, e que, assim, eles necessitam “adaptar” os
temas tratados à realidade do aluno. Ressalta-se a mesma constatação de parte dos
professores de Ijuí, em relação ao ensino da cidade, em que precisam trabalhar com
informações “da cidade grande”, o que é agravado quando se percebe que existem muitas
cidades pequenas e medias, no território brasileiro.
A inexistência de material didático para o estudo da cidade tem sido, portanto,
salientado como motivador das dificuldades que existem para tratar do assunto. Na realidade
é pequena a produção existente em todos os lugares, especialmente pelo fato de não ser
economicamente rentável produzir um livro que terá uma venda restrita no caso, por
exemplo, de cidades pequenas e mesmo de cidades médias.
102
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
4
Entende-se cultura como uma teia de significados tecida pelo homem. Seu estudo significa compreender como
esses significados são produzidos, percebidos e interpretados, e como eles atuam no processo de identificação do
homem com seu grupo social e com o seu ambiente. Esse conceito está em íntima relação com o de identidade
do sujeito, entendendo esta identidade como aberta, provisória, histórica, contraditória (GEERTZ, 1989 e HALL,
1997).
103
CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
podem ser conectadas a uma rede global. Essa realidade coloca Ijuí, Goiânia e São Paulo,
inseridas, como afirmam Blanco e Gurevich (2002), em redes de relações funcionais, em
múltiplas escalas de análises.
Por outro lado, mas em profunda articulação com os aspectos abordados
anteriormente, as pesquisas acadêmicas têm também revelado essas cidades em seus
elementos “imateriais” (BLANCO e GUREVICH, 2002), um conjunto variado de símbolos,
representações, idéias, tecnologias. Abordando os agentes da produção cotidiana desses
espaços - sujeitos locais e globais, sujeitos que tem participação efetiva na gestão, na
economia, mas também sujeitos que vivem cotidianamente a cidade, a consomem, a
produzem – os estudos evidenciam aspectos culturais, maneiras pelas quais as pessoas
(inclusive professores e alunos de Geografia) entendem seu ambiente e suas ações nesse
ambiente, quais as percepções que tem do mesmo, como o simbolizam, que significados
dão a eles.
Todos esses são elementos destacados na investigação geográfica e tomados como
importantes na composição dos saberes docentes sobre a cidade, são necessários, portanto,
para compor a Geografia urbana escolar. Trata-se de ter como referência a cidade,
articulando algumas áreas do conhecimento, ampliando sua compreensão pelo aluno. E
destacar, no currículo de Geografia, a cidade e a cultura urbana como tema de projeto
educativo significa compreender a sua função, a sua gênese e o processo histórico no qual
foi produzida, como conteúdo formativo e ao mesmo tempo como um método de análise
dos fenômenos e das relações que os estruturam. Fazer da cidade um objeto de educação
geográfica busca, portanto, superar a superficialidade conceitual e estabelecer uma relação
mais eficaz entre o saber formal e o informal sobre a espacialidade cotidiana.
Desse modo, os alunos podem descobrir que a cidade é mais do que uma decodificação
das informações que ela revela na sua aparência. A cidade passa a ser entendida pela
dinâmica do território, o que requer o uso de escalas de análise que estabelecem o nível de
interpretação do que se investiga e das escalas cartográficas para se localizar nos mapas
os fenômenos geográficos.
Ao se estudar as cidades observam-se as áreas comerciais, o centro histórico, as
áreas residenciais, as formas de ocupação regular e irregular, constatam-se a exclusão
social expressa e materializada na exclusão geográfica. Desse modo, ao investigar o espaço
o aluno pode compreender o valor da cidade, estabelecer sentido ao lugar de vivência e ao
sítio a partir de relatos ou histórias dos moradores, pode ainda, caracterizar a paisagem
observando a complexidade dos elementos locais, incluindo as culturas locais e singulares,
contextualizadas em diferentes perspectivas: econômicas, sociais, ambientais e culturais.
Essa compreensão da cidade e do espaço urbano permite a construção de um eixo
temático de análise: cidade e cultura. Nesse caso destaca-se o eixo aprender a cidade que
significa aprender que ela não é estática, mas dinâmica, para a qual fluem, por exemplo,
informações e cultura. Nessa perspectiva torna-se relevante compreender a cidade como
um lugar que abriga, produz e reproduz culturas, como modo de vida materializado
104
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
cotidianamente.
Também se destaca aprender com a cidade, que significa facilitar e socializar o
processo de aprendizagem com o recurso da cidade, porque os alunos poderão articular os
conceitos científicos em redes de significados, e em diferentes áreas de conhecimento
escolar. Desse modo os alunos poderão elaborar roteiros a partir da observação do cotidiano,
fazer leituras de cartas e mapas, além de organizar instrumentos de pesquisas para descobrir,
ampliar seus conhecimentos e analisar as várias cidades e itinerários que existem em uma
cidade. Nesse sentido, cabe perguntar: como criar um pensamento pedagógico que torne a
cidade o fenômeno e o local onde se materializa a educação geográfica? Nesse contexto,
Bernet (1993) corrobora com essa análise ao afirmar:
La escuela-ciudad constituye también una estrategia pedagógica de tipo
propedéutico para formar al ciudadano adulto. Así, Piaget, comentando
favorablemente el self-government, escribía: ‘Más que imponerse a los niños um
estudio completamente verbal de las instituciones de su país y de sus deberes
ciudadanos, está efetivamente muy indicado aprovechar los tanteos del nino en la
constitución de la ciudad escolar para informale sobre el mecanismo de la ciudad
adulta’ (BERNET, 1993, p. 194).
105
CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
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Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
Referências
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CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
108
Resumo: O artigo procurou analisar, através das ações dos
O LUGAR DA ESCOLA NA administradores públicos e da construção do edifício da Escola Normal,
CIDADE: A ESCOLA NORMAL o processo de modernização da cidade da Parahyba do Norte, atual
cidade de João Pessoa. As ações que auxiliaram a compreensão desse
DA PARAHYBA NO INÍCIO DO processo vinculam-se às noções de urbanidade, de disciplina, de bem
estar, de higiene e de educação moral. O surgimento de cadeiras especiais
SÉCULO XX* na Escola Normal, a instalação de um Serviço de Higiene e as reformas
da instrução são aspectos que denotam a vida urbana na escola. O texto
foi produzido como resultado da coleta de artigos e reportagens da
THE PLACE OF THE SCHOOL IN Revista Era Nova e do Jornal O Educador, no Instituto Histórico e
THE CITY: Geográfico Paraibano e de documentos oficiais (atas, relatórios, leis)
THE NORMAL SCHOOL OF da Assembléia Legislativa e do Arquivo Histórico da Fundação Espaço
PARAHYBA IN THE BEGINNING OF Cultural do Estado - FUNESC. O artigo conclui que, para definir o
THE 20TH CENTURY lugar da escola na cidade, um lugar para a Escola Normal, será
necessário compreender o conjunto de forças sociais, os mecanismos
EL LUGAR DE LA ESCUELA EN LA de sobrevalorização do espaço e do valor do solo, bem como os rituais
CIUDAD simbólicos das representações da monumentalidade para avaliar as
LA ESCUELA NORMAL DE significativas diferenças dos lugares na cidade.
PARAHYBA A INICIOS DEL SIGLO Palavras-chaves: Modernidade; Didática urbana; Escola; Ensino de
geografia; História da educação.
XX
Abstract: In this paper we discuss the modernization process of the
town of Parahyba do Norte. We focus on the public administrations
actions and the construction of the building of the Normal School. We
used the notions of urbanity, discipline, welfare, hygiene and moral
education to really help us to understand that process. Special subjects
in the Normal School, a hygiene service and the reforms of the instruction
Carlos Augusto de are aspects which show urban life in the school. This text is a result of
our research on papers and articles of Nova Era Magazine and O
Amorim Cardoso Educador Journal, in the Historical and Geographical Institute, and
official documents of the Legislative Assembly and Historical File of
UFPB the Fundação Espaço Cultural do Estado–FUNESC. The paper
concluded that we need to understand the social forces, the mechanisms
caugusto@ce.ufpb.br of space overvalue and the value of the land, and the symbolic
representations of monumentality to define the place of the school in
the town, a place to the Normal School.
Keywords: Modernity; Urban didactic; School; Geography teaching;
History of education.
Terra Livre Presid ente Prud ente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 109-128 Jan-Ju n/ 2007
109
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
Quando se trata de crianças, brigar e se amar parecem ir sempre juntos (P. Kropotkin)
Para Pedro e André
Introdução
Qual a cidade antiga brasileira não conheceu a sua Rua Direita, a Rua do Colégio?
Da Alfândega? ou Do Comércio? Na cidade da Parahyba tal demarcação está presente,
denunciando as atividades que ali aconteciam. Esta plasticidade é uma das características
das cidades brasileiras.
A partir da primeira metade do século XIX, a transferência da sede do governo
português para o Brasil, a abertura dos portos e a independência foram conjuntos de
acontecimentos que são imprescindíveis para analisar os núcleos urbanos.
Tais aspectos são condições preliminares para que as capitais de províncias, quase
todas no litoral, tornem-se centros político-administrativos importantes, dando nova vida
aos núcleos urbanos. A intenção de criar uma elite capaz de governar o país acarreta a
fundação de algumas faculdades (no Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Salvador), o que
estimula a vida urbana. Decerto que a capital da Parahyba, como centro político-
administrativo desde a sua fundação (a Parahyba do Norte já nasce cidade em 1585), já
1
A pesquisa contou com a participação de Tamara Dayse Bomfim de Aguiar e Tâmara Antas Siqueira, bolsistas
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico da e da Universidade Federal da Paraíba - PIBIC/CNPq/UFPB.
110
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
exercia tal função na província. Contudo, é certo também que o Lyceu Parahybano é
criado por Lei provincial em 1836, após a independência. Tais fatores são importantes
para compreender que numa cidade extraordinariamente insignificante do ponto de vista
urbano, fosse possível criar um “espírito escolar”.
É certo também que a abolição, as redes de transportes e a imigração não foram
suficientes para alterar a orientação da economia, mas a cidade, centraliza as criações,
cria tudo. “Nada existe sem troca, sem aproximação, sem proximidade isto é sem relações”
(LEFEBVRE, 1999, p. 111).
O crescimento da cidade da Parahyba, desde o século XVI, acontece à serviço das
relações internacionais e do processo de colonização. Concentra suas atividades econômicas
nas grandes propriedades exportadoras e está imersa numa estrutura de base agrária, com
“poucos inputs de urbanização”. Os impulsos para o progresso, principiados no início do
século XX no governo João Machado (1908-1912), estenderam-se até os anos trinta,
passando pelos governos de tradições liberais e oligárquicas: Castro Pinto (1912-1916),
Camilo de Hollanda (1916-1920) e Solón de Lucena (1920-1924), sustentáculos da política
2
de Epitácio Pessoa . Nesse período destacam-se as primeiras implementações de porte no
que diz respeito à equipamentos urbanos e à modernização: abastecimento d’água (1911),
iluminação elétrica (1914) e sistema de transportes de bondes (1914).
Não resta dúvida que a Escola Normal, criada no final do século XIX (1884), está
no interior desse processo de estímulo ao crescimento urbano, progresso e modernização,
procurando o seu espaço na cidade e consolidando-se 30 anos depois.
No governo de João Machado e governos consecutivos de Castro Pinto, Camilo
de Holanda e Sólon de Lucena, a urbanização que passava a cidade da Parahyba estava
firmada na capacidade do poder público de dotá-la de um aspecto limpo, com iluminação,
com alinhamento de ruas, em condições salutares e com espaços públicos. No final da
década de 1910 e início da década de 1920 do século XX, as noções do higienismo
intensificam-se e os espaços passam a ser pensados como finalidade, com ordem política
e social3 .
Monarcha (1999), em “A Escola Normal de São Paulo e a Reforma Urbana” busca
especificar a maneira que uma certa concepção funcional de cidade obedece à racionalidade
“moderna” dos administradores da Província de São Paulo. À semelhança de outras
províncias, nas décadas de 1910-20 do século XX, a cidade Parahyba do Norte começa a
perder pouco a pouco o seu aspecto colonial e passa a ser dotada de manifestações modernas.
Cabe lembrar que a função educativa de bem estar e higiene e as noções do espírito
2
Deputado à Assembléia Nacional Constituinte (1890-91), deputado federal (1891-93) e ministro da Justiça e
Negócios Interiores (1898-1901), procurador da República (1902-05), ministro do Supremo Tribunal Federal
(1902-12), senador pela Paraíba (1912-19), assumiu a presidência do País em 1919.
3
Segundo Abreu (1996), desde o final do século XVIII, o pensamento higienista já havia penetrado no Brasil.
No início com pouca repercussão, as idéias higienistas foram ganhando força com a institucionalização do
ensino médico no país.
111
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
112
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
Em similar diapasão, Nunes (1994) afirma que a escola reinventa a cidade através
do paradigma de moderno, delineado no Brasil em fins do século XIX e início do século
XX na cidade do Rio de Janeiro, propiciando que a escola seja um centro de ressonância
e amplificação da vontade de mudar:
113
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
são construídas: casarões, templos religiosos, escolas e as sedes de órgãos públicos irão
compor os maiores destaques das edificações da cidade.
Diante disso, a cidade da Parahyba e seus atores sociais irão construir a concepção
de manutenção da ordem oligárquica ao mesmo tempo em que propugnam as necessárias
reformas instrucionais indicadas pelo atualismo republicano, induzindo à emoção cívica
para produzir frutos didáticos na nova ordem. Nesse sentido, a escola reúne os instrumentais
essenciais que podem transmitir as noções de cidade moderna e de urbanização como
fatores necessários para a construção de uma vida urbana.
Os estudos sobre o desenvolvimento da escolarização na Primeira República,
centrados na organização da escola pública de São Paulo (NAGLE, 2001; MONARCHA,
1999), não têm conseguido reproduzir seus resultados quando aplicados às realidades
regionais. O descompasso entre a urbanização e a industrialização nessas regiões, tornou
mais complexas as relações entre educação e sociedade. O processo de constituição de um
mercado nacional centrado no Sudeste, em plena vigência do federalismo, expunha
contradições que afetavam a emergência de uma escola destinada simplesmente a preparar
para a “ordem e o progresso”. A desigual distribuição geográfica da mudança nas relações
de produção propiciada pela moderna indústria, confrontava-se com os objetivos de uma
educação nacional sob a égide do Estado.
No âmbito do ensino, em especial o da Geografia, os nexos da modernização
republicana explicitavam os lemas da inspiração evolucionista e positivista. Podemos
recordar a importância do ensino da Geografia naqueles anos do início do século XX. No
início de janeiro do ano de 1913, o governo da Parahyba recebe a letra e a música do hino
da bandeira nacional. Os versos de Olavo Bilac são distribuídos para as escolas locais
para serem ouvidos, juntamente com o hino da independência, o da Republica e o da
Parahyba e serem tocados “em dias determinados de cada mez”. Cânticos patrióticos
entoados em “côros infantis organisados pelas escolas publicas” e ao som da “musica
marcial pelas escolas primarias de ambos os sexos, em edifícios apropriados como exercícios
de canto coral e educação cívica”. O diretor da instrução pública, Dr. Xavier Júnior, é o
encarregado de agendar as “patrióticas visitas” do Presidente do Estado Castro Pinto às
escolas. Na ocasião da saudação dos “símbolos sagrados da nossa nacionalidade” honras
serão dadas “ao governo genuinamente republicano, altruisticamente emprehendedor e
amigo, que quer fazer do povo parahybano, uma nobre força, trabalhando pacificamente
pela Republica e pela Pátria!” (A UNIÃO, 1913).
Essas noções de pátria e de nação já eram objetos de observação do ensino de
geografia no alvorecer da República. José Veríssimo (1985), em seu clássico Educação
Nacional, no capítulo intitulado Geografia Pátria e a Educação Nacional, propugnava
um ensino de geografia voltado para o enaltecimento da nação e da pátria. Este movimento
exprime uma filosofia da educação que instrumentalizará a cultura brasileira até
aproximadamente os anos de 1930. José Veríssimo, como um dos expoentes máximos
desta filosofia e republicano de primeira hora, propugnava a educação leiga, inspirada
114
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
Na verdade, Veríssimo deseja uma geografia da sua terra, que deveria ser melhor
conhecida em seus aspectos pitorescos e paisagísticos. É portanto deste modo que no
capítulo que trata da geografia, no livro mencionado, reivindica, no interior do seu projeto
de nação, um brasileiro para nos dar a “nossa geografia”:
115
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
ensino da geografia deve ser aquele que educa os “sentimentos do belo e da pátria”
Esses princípios republicanos se farão presentes em muitos conteúdos escolares.
No período de 1910-1930, as escolas secundárias e de formação de professoras utilizaram
materiais didáticos que reproduziam aqueles princípios. Podemos citar: “Lições de Língua
Materna” de Francisco Xavier Filho publicado em 1907, “Pontos de História do Brasil”
de Eudésia Vieira, “Geografia Elementar adaptada às Escolas Publicas Primarias” de
Tancredo do Amaral e “Escola Pittoresca” de Carlos D. Fernandes, para ficarmos nos
livros adotados na Escola Normal e nas escolas primárias paraibanas.
4
A rua das Trincheiras era a principal ligação rodoviária da cidade de Parahyba do Norte com a cidade do Recife.
116
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
Contrato que faz o Estado para execução e exploração dos serviços de iluminação
pública e particular, distribuição de força eletro motora, e eletrificação das
linhas de bondes desta capital... (...). A iluminação compreende as praças e
ruas e terá início ao anoitecer, terminando ao amanhecer; (...). Os
concessionários ficarão obrigados a eletrificar as linhas de bondes atualmente
existentes entre a Praça Álvaro Machado, Tambiá e Trincheiras e, fazer o tráfego
da ferrovia de Tambaú por tração elétrica, a vapor ou por meio de automóveis
(FUNESC, 1910).
Uma década depois, a revista de costumes Era Nova, reproduz a mensagem de fim
de ano do Prefeito do município, Guedes Pereira, que, num tom futurista5 , diz:
A cidade, sob seus influxos ganha novos encantos, perde pouco a pouco o seu
saturno aspecto colonial e adquire foros de uma formosa e bem cuidada
metrópole. Enquanto isso novas avenidas são abertas, em aprazíveis localizações
para o alargamento de nossas ruas. As finanças da municipalidade tem sido
organizadas com o irroprochavel (sic!) critério, que constitui o traço
predominante do espírito progressista do conceituado político paraibano
(PEREIRA, 1923a, p. 13).
Uma das maiores bellezas da nossa capital e que logo encantam os nossos
visitantes, são os nossos jardins públicos. (...) A Parahyba já ganhou mesmo os
foros de “cidade dos jardins”. (...) esses logradouros públicos que constituem
a mais bella ornamentação da nossa urbs. (...) sempre perfeitamente conservados
e attrahentes os nossos jardins, o da praça commendador Felizardo, o da Praça
Venancio Neiva e o da Pedro Americo. (...) os dois primeiros, com as suas
esbeltas e farfalhantes palmeiras, com os seus ficus copados, com os seus
extensos tapêtes de relva, (...) emprestam a maior esthetica a nossa capital,
deixando em quem nos visita a impressão de que a Parahyba é toda um grande
e encantado jardim (PERREIRA, 1923b, p.5).
5
O futurismo é um movimento modernista surgido por volta de 1909 e atribuído a sua criação ao artista italiano
Filippo Tommaso Marinetti. Baseia-se numa concepção dinâmica da vida e no combate o culto do passado e da
tradição.
117
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
6
Imposto do Estado em prol do melhoramento da cidade. Existiam benefícios, como a sua isenção, aos
prédios construídos em favor da execução de melhoramentos da cidade. As escolas privadas e as escolas
isoladas reivindicavam o benefício de isenção.
118
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
119
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
FOTO 1
121
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
122
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
ver-se, elle o elaborou, não só tendo em vista dotar esta cidade de uma bella
obra arquitetônica, mas de resolver com o maior critério pedagógico a disposição
interior a semelhança dos melhores estabelecimentos congêneres. Assim, a
futura Escola Normal será dotada de um systema de ventilação consoante as
prescrições da hygiene escolar precisamente tropical. (...) O local foi
acertadamente escolhido e está, parece-me, fadado a enfaixar as melhores obras,
fazendo ângulo com dous lindos jardins que concorrerão grandemente para
aumentar o arejamento (A UNIÃO, 1917).
FOTO 3
Escola Normal, atual Palácio da Justiça do Estado na antiga Praça Felizardo Leite, atual Praça João Pessoa
(1930). Fonte: Rodriguez, s/d.
123
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
nas prescrições de Veríssimo (1985) e nas reportagens dos jornais da época. A escola é
uma estrutura material onde se coloca o escudo pátrio, a bandeira nacional e os pavilhões
nacionais, hasteando-os no início das aulas e recolhendo no final.
A Escola Normal, uma das grandes instituições escolares do ensino secundário,
fazia com que quase todas as moças fossem à procura de um curso que levassem a uma
profissionalização. Esta busca e a esperança no magistério, segundo Kulesza et. all. (1998),
era porque “as meninas menos favorecidas da sociedade viam no magistério a oportunidade
de assumirem uma profissão”. E, aos olhos da maioria da sociedade da época, era a
profissão mais adequada. Adequada no sentido de se ter no sexo feminino a representação
do papel social e educativo atribuído à mãe; ou seja, caberia à mulher dar a educação
necessária às crianças do ensino primário.
Para as moças que não podiam ter uma profissionalização e nem serem mentes
ativas na sociedade, deveriam dedicar-se à aspectos de uma preparação para serem donas
de casa, conforme suas vocações ao lar. Em mensagem, Sólon de Lucena (1921) explicita
bem como incomodava a educação feminina voltada para o intelectual, bem como para a
vida no urbano:
124
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
conflitos relativos à reprodução de idéias e os que dizem respeito ao consumo das idéias
(ou mesmo de sua aplicação); b) os fatores que mediam e/ou controlam os conflitos sociais;
c) a direção da atenção para as diferenciadas fontes urbanas de poder público; d) a
intervenção do Estado como componente territorial, campo de análise da geografia urbana
local, nacional e mundial; e, e) a incorporação das noções de gênero, patriarcado, oligarquia
e uma sucessão de fragmentações do conhecimento na história: prendas domésticas,
trabalhos manuais, economia doméstica, cursos comerciais etc. .
À maneira de conclusão
125
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
Referências
ABREU, Maurício de Almeida. Pensando a cidade no Brasil do passado. In: SILVA, José Borzachiello
da. et all. A cidade e o urbano. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1997. p. 27 – 54.
AGUIAR, W. ; MELLO, J. O. . Uma cidade de quatro séculos: evolução e roteiro. João Pessoa-PB.
126
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
127
CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
128
O ENSINO DE GEOGRAFIA Resumo: O presente artigo tem como preocupação central o ensino
de Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental tomando como
NAS SÉRIES INICIAIS DO parâmetro as demandas formativas dos docentes postas pelas políticas
ENSINO FUNDAMENTAL: educacionais a partir da década de 90 do século passado. O objetivo
é analisar as possibilidades dos professores desse nível de ensino para
UMA ANÁLISE DOS
desenvolverem uma Geografia Crítica considerando suas formações
DESCOMPASSOS ENTRE A para o trabalho com a referida disciplina. A referida reflexão exigiu
FORMAÇÃO DOCENTE E AS uma incursão em alguns estudos sobre os Parâmetros Curriculares
Nacionais, bem como a realização de uma breve revisão pelos
ORIENTAÇÕES DAS fundamentos da ciência geográfica e sua relação com o ensino, revisão
POLÍTICAS PÚBLICAS* essa que resultou no estabelecimento de uma classificação das atuais
tendências do ensino de Geografia em dois grupos: as Geografias
Instituídas e as Geografias Instituintes.
THE TEACHING OF GEOGRAPHY Palavras-chaves: Ensino de geografia; Séries iniciais; Formação
IN THE INITIAL GRADES OF BASIC docente; Políticas públicas; Ensino instituído e Ensino instituinte.
EDUCATION : AN ANALYSIS OF THE
DISHARMONY BETWEEN Abstract: The present article has as a central concern the teaching
TEACHING FORMATION AND of geography in the initial grades of basic education taking as
PUBLIC POLICIES parameter the formative demands to the teachers imposed by the
RECOMMENDATIONS educational policies from the decade of 1990 of the last century. The
objective is to analyze the possibilities for the teachers of this level of
LA ENSEÑANZA DE LA education to develop a Critical Geography considering their
GEOGRAFÍA EN LAS SERIES formations to work with the related discipline. Such reflection
INICIALES DE LA EDUCACIÓN demanded an incursion in some studies on the National Curricular
BÁSICA : UN ANÁLISIS DE LA Parameters, as well as the accomplishment of one brief revision for
DISONANCIA ENTRE LA the fundaments of geographic science and its relation with education,
FORMACIÓN DOCENTE Y LAS which resulted in the establishment of a classification of the current
RECOMENDACIONES DE LAS POLÍ-
trends of the teaching of Geography in two groups: Instituted
TICAS PÚBLICAS
Geographies and Instituting Geographies.
Keywords: Teaching of Geography; Initial grades; Teaching
formation; Public policies; Instituted and Instituting teaching.
Introdução
A atuação do Estado na área de educação pode ser analisada por vários vieses.
Aqui, limito-me a destacar essa influência no direcionamento do processo de ensino básico.
130
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
A esse respeito vale a pena retroceder um pouco no tempo para entender o contexto
em que são criados os atuais Parâmetros Curriculares Nacionais. Segundo Spósito (2002),
durante a década de 70 do século XX ocorreu a universalização do ensino. Com o
crescimento rápido da população brasileira, cresce, também rapidamente, a demanda por
mais escolas e mais professores, principalmente para as séries iniciais do ensino
fundamental. E “[...] sem uma proporcional qualificação dos seus recursos humanos,
aviltados pelo rebaixamento dos salários, tornou-se imperiosa a necessidade de um currículo
mínimo que orientasse a ação docente no ensino fundamental e médio” (p. 298). (Destaque
da autora).
É nesse contexto que o governo passa a investir mais sistematicamente na elaboração
de documentos oficiais para servir de apoio para a grande massa de professores leigos e
semileigos que ingressavam na profissão docente. Portanto, desde essa década, os
documentos oficiais passaram “a orientar a formulação dos projetos pedagógicos escolares,
os planos de ensino, as práticas educacionais e a elaboração dos materiais pedagógicos de
apoio, sobretudo o livro didático.” (SPÓSITO, 2002, p. 24)
Na década seguinte do referido século, anos 1980, deu-se o fim do regime militar e,
concomitantemente iniciou-se um período considerado de abertura política, de maior
liberdade de pensamento e expressão, enfim, de maior democracia. Na educação, foi época
de bastante efervescência teórico-prática, de questionamentos sobre os rumos seguidos
até aquele momento pelas diversas áreas de ensino e sobre os caminhos que poderiam ser
trilhados dali em diante. Muitas secretarias de educação estaduais promoveram, em convênio
com as universidades, grandes encontros, onde professores refletiam, estudavam,
elaboravam os novos rumos do ensino em seus municípios. Foi um período de progresso,
com um claro processo de descentralização política e de formulação de currículos básicos
para o ensino fundamental e médio (ACRE, 2004; SPÓSITO, 2002).
Mas esse foi um período curto. Já na década de 90 do mesmo século, o governo,
agora civil, retomou o comando das políticas curriculares com a proposição dos PCNs.
Desde então, o ensino básico (fundamental e médio) que substituiu os antigos ensinos de
1º e 2º Graus, tem como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais.
A cada disciplina foram dedicados parâmetros gerais para servir de orientação para
o ensino. Os rumos apontados para a disciplina Geografia, nos PCNs, na visão dos críticos
educacionais da referida área, são bem mais que rumos, considerando a precária formação
e condição de trabalho dos professores, principalmente os das séries iniciais. Frente a essa
realidade, em vez de tomá-los como parâmetros, os professores, por falta de conhecimento
para compreendê-los em profundidade, tendem a adotá-los de forma superficial e, até
mesmo, equivocada, o que pode vir a ter conseqüências várias como, por exemplo, a
prática de um ensino tendencioso porque acrítico, desenvolvido com base numa dependência
técno-burocrática (do livro didático, de condições precárias de trabalho etc.) e não numa
131
BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
INICIAIS...
é um processo que tem alimentado o debate na área e, pela diversidade teórica nele presente,
tem trazido contribuições bastante plurais que estão promovendo, no mínimo, inquietações
naqueles que são os responsáveis diretos pelo desenvolvimento da disciplina, os professores.
Isso significa que, ao falar de ensino de Geografia, há dois movimentos a considerar: o
ensino desenvolvido de fato nas escolas (que não é uno), aqui denominados ensinos
instituídos, e os ensinos instituintes, representados pelas propostas ou tendências teórico-
metodológicas que, na atualidade, combatem o ensino tradicional e que lutam para se
tornarem instituídos.
Em outras palavras, os ensinos instituídos são formados pelo conjunto das práticas
já desenvolvidas com os alunos; aqueles que conseguiram sair da condição de projeto ou
proposta pedagógica e se estabelecer enquanto prática. A luta por esse estabelecimento é
que caracteriza os ensinos instituintes, luta essa que é dinâmica e histórica. Em cada
momento histórico existiu e existirá ensino(s) instituído(s) e instituintes, os primeiros
estabelecidos e os últimos tentando se estabelecer.
Na prática, essa divisão entre ensinos instituídos e instituintes não é algo identificável
empiricamente, facilmente percebível no exercício docente, até porque eles coexistem em
maior ou menor grau. O ensino tradicional de Geografia, predominantemente desenvolvido
nas séries iniciais do Ensino Fundamental (aqui tratado como o instituído), convive com
alguns traços das propostas instituintes, sejam as oficiais (como os PCNs, que apresentam
uma visão mais humanista e que se autodenominam ecléticas do ponto de vista teórico
filosófico), sejam as não-oficiais (que apresentam uma visão mais crítica da Geografia,
fundamentadas em referenciais marxistas e neo-marxistas).
1
Na verdade, o movimento de crítica ao ensino de Geografia já vinha sendo construído nas
universidades, desde a década de 80.
132
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
nosso meio teórico. Embora também esteja adotando o uso do referido termo, considero
importante o desenvolvimento de estudos que questionem e investiguem com mais
profundidade a pseudo homogeneidade metodológica com que o ensino tradicional é, em
geral, mostrado. Afinal, se entendemos o ensino como uma atividade que envolve sujeitos
sociais (alunos e professores), é importante atentarmos para o seu caráter plural e
contraditório. Ou seja, tanto pode reproduzir interesses hegemônicos (como o fez!), quanto
pode combatê-los, contestá-los. Entretanto, devido à insuficiência de tempo e de espaço
para a realização de uma investigação no interior desse recorte me contento em apresentar
alguns traços do que já foi produzido para construir um perfil (bastante sintético) do que
tem se convencionado a chamar de ensino tradicional de Geografia.
Carvalho (1998) chama a atenção para a função ou o papel político da Geografia,
através da forte relação entre o seu surgimento como disciplina no final do século XIX, a
formação dos Estados nacionais e a emergência do capitalismo industrial na Europa.
Segundo a autora, nesse contexto a Geografia tornou-se uma disciplina importantíssima.
E indaga:
133
BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
INICIAIS...
2
J. W. Vesentini (2004) discordou, em trabalho recente, desta hipótese. Segundo ele, os movimentos
de renovação da Geografia tiveram os professores de ensino fundamental e médio como pioneiros.
3
Doutrina que se notabilizou por aprimorar o positivismo através da recuperação das discussões acerca
do que é ou não cientifico a partir do uso da linguagem matemática (SPOSITO, 2004).
134
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
Ou seja, até pode ser que a Nova Geografia não tenha sido pensada, inicialmente,
para o ensino, mas ela foi usada, sim, para divulgar a ideologia dos governos militares
brasileiros.
A desvalorização da Geografia como disciplina (que foi anexada à História quando
da criação dos Estudos Sociais) e os questionamentos sobre o seu papel na formação do
cidadão se intensificam a partir de 1960. As funções para as quais a Geografia havia sido
criada já não eram mais tão importantes. O contexto havia mudado. As fronteiras, os
limites dos Estados nacionais eram cada vez mais tênues, o processo de globalização
econômica enfraquecera-os; os ideais burgueses respaldados nos ideais iluministas haviam
sido desmascarados; o capitalismo começava a viver sua Terceira Revolução (técnico–
científica) e a ciência moderna vivia o seu limiar (alguns teóricos até já anunciam sua
4
Nas universidades ainda houve inserções dos estudos relacionados ao desenvolvimento tecnológico, como as
fotografias aéreas, o geoprocessamento de dados, dentre outros.
135
BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
INICIAIS...
136
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
5
O uso do termo no plural se justifica pela existência de diversas Geografias embasadas nos mesmos
preceitos teóricos, mas com métodos de análises diferentes. Ex: Geografia Clássica, Nova Geografia,
Geografia Comportamentalista, entre outras.
137
BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS...
Milton Santos, por seu turno, é um pensador que se sobressaiu nos estudos e produções
acerca da construção de uma Geografia Crítica de base dialética marxista. Algumas de
suas obras (1990, 1994, 1999) são marcos na história da construção do que está sendo
denominado de GeoCM.
A Geografia Crítica Humanística (GeoCH) é constituída pelas tendências com
visões mais fenomenológicas, que buscam apreender o espaço geográfico a partir da sua
própria manifestação que é, para o sujeito conhecedor, “plena de sentido”. Nessa
perspectiva, o espaço vivido ou o lugar é referência central de análise. No ensino, a expressão
maior da tendência geográfica Crítica Humanista aparece na relevância que tem sido dada
ao estudo do lugar, como espaço “revelador das práticas sociais” (SPOSITO, 2004). Os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia (BRASIL, 1997) defendem o
conhecimento do espaço a partir da “subjetividade do imaginário” e das dimensões
“singulares” da relação do homem com a sociedade.
Vale ressaltar que essas duas grandes tendências (GeoCM e GeoCH) não se
encontram tão claramente definidas nos trabalhos e práticas dos geógrafos, sejam
professores ou técnicos. No ensino, então, é comum perceber o entrelaçamento de ambas.
Uma das características presentes nas propostas Críticas, principalmente na
GeoCM, é “[...] o fato de explicitarem as possibilidades da Geografia e da prática de
ensino de cumprirem papéis politicamente voltados para os interesses das classes populares.”
(CAVALCANTI, 1998, p. 20)
A crença de que não existe ciência e nem ensino neutro fez florescer muitos trabalhos
que, de forma clara ou implícita, defendem uma prática que tenha por objetivo a construção
de um mundo menos injusto, mais igualitário. Callai e Callai (1998, p. 65), por exemplo,
afirmam que:
Também Vesentini (1994, p.36) defende uma “[...] Geografia que concebe o espaço
geográfico como espaço social, construído, pleno de lutas e conflitos sociais [...] No ensino,
ela preocupa-se com o senso crítico do educando e não em arrolar fatos para que ele
memorize”.
Esta é mais uma característica das tendências instituintes, tanto da GeoCM, quanto
da GeoCH: a crítica e o combate ao ensino como sinônimo de repasse de conteúdos e de
aprendizagem como simples memorização. O ensino construtivista, onde o conhecimento
é elaborado a partir da participação ativa do aluno, orientado ou mediado pelo professor,
é mais uma característica comum. Essa concepção é responsável pela postura metodológica
138
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
Com relação ao conteúdo a ser ensinado pela Geografia, também existem novidades.
Alguns autores consideram que antes de se pensar em ensinar qualquer conteúdo é
imprescindível para o professor saber o que é e para que serve a Geografia. Em outras
palavras, pensar o conteúdo a ser ensinado não pode estar desvinculado de pensar que
cidadão queremos ajudar a formar, para qual sociedade. De acordo com Kaercher (2002,
p. 224), “sem saber o que queremos com nossa ciência, não há aluno que vá nos ouvir
interessadamente”. Eu acrescento ainda: sem saber os objetivos de ensinar Geografia
acabamos por praticar o ensino Tradicional no seu formato apolítico, por não se preocupar
com qualquer tipo de mudança e que, portanto, pode se tornar hegemônico.
O espaço vivido, entendido a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas,
vem sendo muito valorizado por ambas as tendências críticas da Geografia. Na visão de
Kaercher (1998, p. 13), “[..] a Geografia existe desde sempre; e nós a fazemos diariamente.
(È importante) romper então com aquela visão de que Geografia é algo que só veremos em
aulas de Geografia”. Assim sendo, a aula de Geografia passa a ser defendida como espaço
onde o aluno têm a oportunidade de discutir, analisar, compreender melhor o mundo em
que vivem, os seus espaços de convivência, de sobrevivência, de lazer etc.
Aliás, o espaço ganha status de categoria principal da ciência e da disciplina. O que
muda são as formas de interpretação da sua ordenação. A Geografia Crítica Marxista
prioriza a explicação da ordenação espacial da realidade, que existe objetivamente, a
partir de fatores econômicos e políticos; sua fundamentação marxista também é responsável
pela relevância dada à questão do entendimento do espaço para a sua transformação.
Já na perspectiva humanística o espaço é visto muito mais como lugar, como realidade
139
BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
INICIAIS...
subjetiva, ou seja, “[...] como espaço que se torna familiar ao indivíduo, é o espaço do
vivido do experienciado” (CAVALCANTI, 1998, p. 89). Embora as explicações ligadas a
fatores econômicos e políticos também estejam presentes como viés de análise, elas adquirem
uma leitura mais subjetivista, que está associada à relação do indivíduo com o lugar.
Enfim, em se tratando de referenciais teóricos são muitas as propostas de mudanças,
tanto nos conteúdos quanto no tratamento dos mesmos. A pluralidade epistemológica é um
aspecto que está posto como desafio para os pesquisadores interessados em entender mais
aprofundadamente essas diferenças presentes nas atuais tendências do ensino de Geografia.
No ensino de Geografia esses movimentos de oposição à Geografia Tradicional e de
construção das Geografias Críticas também começam a se manifestar, inicialmente nas
universidades e depois, com bem menos vigor, nas escolas básicas (VLACH, 1995).
Ou seja, essa discussão mais teórica sobre o ensino de Geografia, as diversas
tendências que se destacaram, por que se destacaram, as posições teóricas mais recentes,
nem sempre está presente no cotidiano dos professores de Geografia, licenciados em cursos
de nível superior e que militam na escola básica de 5a. à 8a. séries do Ensino Fundamental
e no Ensino Médio. Se essas análises permeiam as conversas dos professores que formam
esses profissionais docentes, nem sempre são feitas nos cursos de formação básica. Se
isso é assim, nesse nível de formação e em cursos da área específica de Geografia, que se
dirá sobre os cursos de formação e sobre a atuação dos professores das séries iniciais do
Ensino Fundamental? Essa é a discussão que comporá o próximo item.
140
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
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BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
INICIAIS...
agora já são ressaltados aspectos da vivência cotidiana do aluno, como por exemplo, o
bairro, a escola, o município, a cidade, a comunidade etc. Em outras palavras, os conteúdos
já não exclusivamente aqueles mostrados em fotografias nos livros didáticos, mas também
os aspectos espaciais mais próximos das crianças.
Os livros didáticos, fortes direcionadores do ensino, também sofreram algumas
transformações em relação aos tipos de conteúdos abordados. Alguns deles já incentivam
os docentes a incluírem aspectos do espaço mais próximo do aluno, da escola, do bairro
etc. Os manuais do professor oferecem orientações de como os conteúdos devem ser tratados
e através deles é possível perceber que o aluno está sendo mais requisitado a mostrar o que
sabe sobre o espaço geográfico. Ou seja, tanto pelos livros didáticos, quanto pela descrição
que os professores fazem de suas aulas é possível visualizar uma pequena mudança na
relação do aluno frente aos conteúdos de aprendizagem. Estes já não são mais tão artificiais,
tão alheios aos alunos quanto o eram. Mas o que isso pode significar? Essa é uma questão
que precisa ser mais aprofundada para que se possa afirmar seu verdadeiro sentido.
Apesar de adotar como conteúdo os espaços de vivência do aluno (a família, o
bairro, a cidade...) os professores parecem não ter clareza do para quê (finalidade) e do
como esses espaços devem ser ensinados. Ou seja, por falta de referencial teórico e
metodológico, as tentativas de realizar um trabalho crítico acaba se tornando, no mais das
vezes, num mero estudo de paisagem, ou seja, do visível, do exposto à visão de todos. A
paisagem, segundo Santos (1999), é a forma congelada do espaço geográfico, num dado
momento. Entendê-la pressupõe descongelá-la, ir além dela, buscar sua(s) função(ões)
para a sociedade que a mantém. E isso só é possível fazer com o mínimo de conhecimento
acerca das bases teóricas e metodológicas que constituem a disciplina.
Em síntese, é difícil falar do ensino de Geografia praticado nas séries iniciais,
quando o objetivo é caracterizá-lo a partir do surgimento das atuais tendências ou propostas
instituintes. As pesquisas são bastante escassas, o que dificulta ainda mais o trabalho. As
propostas instituintes oficiais ou as diretrizes governamentais para o ensino de Geografia
(PCNs), chegaram às escolas ainda no final da década de 90 do século passado. Nesse
material já é defendida uma concepção de Geografia
[...] que não seja apenas centrada na descrição empírica das paisagens, tampouco
pautada exclusivamente na interpretação política e econômica do mundo; (mas)
que trabalhe tanto as relações socioculturais da paisagem como os elementos
físicos e biológicos que dela fazem parte, investigando as múltiplas interações
entre eles estabelecidas na constituição de um espaço: o espaço geográfico.
(BRASIL, 1997, p. 106)
Como vemos, a concepção dos PCNs expressa nessa citação é bastante eclética,
dando margem para o ensino do espaço geográfico tanto numa perspectiva GeoCM, quanto
na GeoCH. Se alguma dessas concepções de Geografia está ou não sendo perseguida,
142
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
como isso está sendo feito, até onde esse processo já caminhou, são questionamentos que
ainda estão postos e que precisam ser contemplados pelos pesquisadores, a fim de que
tenhamos mais sustentação para falarmos de qual(is) ensinos de Geografia está(ão) sendo
praticado(s) nas séries iniciais do ensino fundamental.
Frente a isso, as colocações que faço sobre o ensino de Geografia nas séries iniciais
do Ensino Fundamental são resultantes, em grande medida, da minha própria experiência
profissional, o que só serve para aumentar o desejo de conhecer melhor e de forma mais
profunda essa realidade.
No nível da reflexão, entretanto, alguns teóricos da área (PONTUSHCKA, 1999;
SPOSITO, 1999; OLIVEIRA, 1999) têm se debruçado sobre os PCNs de Geografia e
realizando análises bastante críticas dos mesmos, apesar de não negarem os avanços que
eles representam. Essas críticas são direcionadas para vários elementos componentes das
diretrizes: concepção de Geografia, grau de complexidade das orientações metodológicas
frente à formação dos docentes, vinculação aos interesses políticos internacionais, dentre
outros.
As críticas aos PCNs de Geografia para o ensino fundamental são originadas, dentre
outras razões, do descontentamento de uma parcela de geógrafos com os rumos teóricos
assumidos (às vezes, implicitamente) pelas referidas diretrizes, bem como a forma
centralizada como se deu sua elaboração que, segundo eles, desconsideram o trabalho que
já vinha acontecendo em alguns estados (São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Acre etc.) de
construção de propostas curriculares participativas e inovadoras, cujos fundamentos eram
marxistas. Para esse grupo, aqui tratado como defensor do ensino instituinte não oficial,
embora os PCNs se autodenominem ecléticos (permitirem interpretações teóricas bastante
plurais), sua análise revela que em vários trechos do seu texto são feitas defesas de
abordagens teóricas que valorizam as dimensões subjetivas, individuais, dos sujeitos, em
detrimento das explicações socioeconômicas (SPOSITO, 1999).
A falta de correspondência entre as suas propostas e a realidade dos professores
que atuam na maioria das nossas escolas é outra acusação que pesa sobre as diretrizes
oficiais para o ensino de Geografia. Na visão de Pontuschka (1999, p. 16) o texto dos
PCNs, de natureza eclética, construído por geógrafos de pensamento teórico diversos, é
acessível apenas a uma
A autora está se referindo aos professores de Geografia das séries finais do ensino
143
BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
INICIAIS...
fundamental que, com muito mais freqüência, possuem uma licenciatura nessa área ou em
Estudos Sociais. Ou seja, mesmo que de forma deficiente, esses professores já estiveram
em contato por três ou quatro anos com os conteúdos geográficos. Pensando nesse público,
é que ela considera os PCNs da Geografia complexos demais. Então me reporto para a
realidade do nosso ensino das séries iniciais, onde a maioria dos professores possui o
curso de Magistério em nível médio e uma minoria tem formação em Pedagogia ou Normal
Superior. O conhecimento do conteúdo específico dessa disciplina, da sua teoria, do seu
ensino, oferecido nessas formações é mínimo ou mesmo ausente.
Eu me recordo, nesse momento, de algumas turmas de alunos de Licenciatura em
Geografia da UEFS, que, chegando à disciplina Metodologia do Ensino, demonstravam
carências teóricas básicas como o domínio de categorias conceituais, dentre as quais sempre
aparecia a de território. E isso acontecia após três anos de formação superior onde os
conteúdos curriculares são quase unicamente específicos.
No caso dos professores das séries iniciais que têm apenas o curso de Magistério,
essa formação específica fica limitada a uma Didática da Geografia, cujo objetivo é ensinar
as formas como os conteúdos podem ser trabalhados junto às crianças. Como é possível
que em cursos destinados a formar professores possa haver tamanha indiferença para com
essa contradição? Como se aprende a ensinar o que é e como são construídos os territórios
e as regiões geográficas quando não se sabe o que são e nem como os mesmos são formados?
Essas questões não serão respondidas nesse trabalho, mas revelam uma das preocupações
que deu origem a ele.
Por outro lado, os currículos dos cursos superiores continuam cometendo a mesma
falha. No caso específico da licenciatura Pedagogia: Séries Iniciais do Ensino
Fundamental da UEFS foi ofertada, no último ano do curso, a disciplina Ensino de
Geografia, com uma carga horária de 90 horas anuais. Pela ementa da disciplina6 , percebe-
se uma preocupação em suprir em parte essa carência teórica associando conteúdo com
possibilidades de tratamento didático. Apenas a título de exemplo, consta na ementa
“Correntes do pensamento geográfico: características e influências no ensino da Geografia
brasileira”, o que demonstra a intenção de que fosse abarcado na disciplina um mínimo de
teoria acerca das suas principais tendências teóricas. Mesmo assim convém ressaltar que
90 horas7 é um tempo bastante reduzido para se trabalhar conteúdo específico (inclusive
a teoria da ciência) e metodologia do ensino. E isso representou um grande avanço frente
ao currículo do curso de Pedagogia da UEFS que contempla uma única disciplina,
Fundamentos do Ensino de Geografia, cuja carga horária era de 60 horas!
Analisando os PCNs de Geografia destinados ao ensino das séries iniciais é possível
6
Vale esclarecer que fui uma das professoras a participar da construção da referida ementa.
7
A carga horária total foi aumentada para 150 horas, a partir de 2002, distribuídas em duas disciplinas de 75
horas cada.
144
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
entender a preocupação expressa por Pontuschka (1999) com o nível de exigência teórica
dos mesmos. Vejamos alguns trechos do texto do referido documento:
Esses são apenas alguns poucos dos muitos exemplos de momentos em que o texto
dos PCNs dá mostras de que os conhecimentos teóricos específicos exigidos para que um
professor siga suas orientações estão muito além do que é oferecido nas nossas formações.
Assim, a carência de uma formação consistente para a docência da disciplina faz com que
muitos professores das séries iniciais desenvolvam um ensino com significado bastante
restrito, onde os conteúdos são trabalhados de forma mecânica, técnica, isolados dos
contextos sociais dos alunos (BRAGA e SILVA, 2001).
Diante dessa realidade é precisamos questionar a formação dos professores de
Geografia das séries iniciais frente aos currículos oficiais e pensarmos no que, de fato, é
possível (e desejável) ser contemplado em suas trajetórias formativas a fim de que os
mesmos possam proporcionar às crianças o desenvolvimento de capacidades que lhes
permitam apreender a realidade a partir do seu viés espacial, pois como disse Cavalcanti
(1998, p. 24), “[...] se tem a convicção de que a prática da cidadania, sobretudo nessa
virada de século, requer uma consciência espacial”. Portanto, o ensino de Geografia tem
um papel importante na formação das crianças e adolescentes da atualidade, que vivem
numa realidade complexa, conflituosa, contraditória e injusta. É sua função provê-los de
conhecimentos que lhes permitam compreender essa realidade (espacial) para poderem
exercer verdadeiramente suas cidadanias. E essa consciência espacial é responsabilidade
da escola e, em especial, dos professores de Geografia.
Considero que a contribuição maior que esse estudo deixa para os leitores é a
reflexão acerca da estrutura curricular dos cursos que formam professores para as séries
iniciais e da importância do trabalho dos professores formadores que ensinam as didáticas
específicas (da Geografia, da História, da Matemática etc). Como aliar conteúdos
145
BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
INICIAIS...
Considerações finais
Referências
146
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
147
BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS...
148
Resumo: O ensino na Licenciatura em Geografia para futuros
professores nos dá a possibilidade de rever e reeditar os modelos de
ESTUDOS EM GEOGRAFIA: ensino que vivenciamos em nossa própria formação docente (inicial
UM DESAFIO PARA O e continuada). Trabalhar com esta ciência em outro campo do saber,
como a Educação, certamente, amplia e diversifica muito a nossa ação
LICENCIANDO EM docente com estes futuros professores que têm seu campo de trabalho
PEDAGOGIA atividades com crianças. Com as reformas curriculares vivenciadas
do ano de 2000 para cá, a Geografia ingressou, também, nos cursos
de Pedagogia, o que tornou imperioso pensar o ensino desta ciência
nas séries iniciais. Chegamos, então, a duas áreas do conhecimento –
STUDIES IN GEOGRAPHY: A Geografia e Pedagogia – , amalgamadas pela Educação. Por entender
CHALLENGE TO PEDAGOGY as especificidades da formação do professor da 1ª a 4ª série (Ensino
GRADUATES Fundamental), este texto tem o foco no estudante licenciado e discute
a necessária relação que deve existir entre a Geografia e a Pedagogia
ESTUDIOS EN GEOGRAFÍA: UN para o ensino dialogado e multireferenciado nestes campos de
DESAFÍO PARA EL LICENCIADO EN conhecimento.
PEDAGOGÍA Palavras-Chave: Geografia; Formação docente; Currículo; Educação
geográfica; Pedagogia.
O ensino da Geografia
Para iniciar minha reflexão neste texto, começo destacando o processo de construção
do conhecimento profissional pelos professores da 1ª a 4ª série. Assim, alguns
questionamentos se apresentam para o debate:
1
Universidade Católica do Salvador (1997-2000), Universidade do Estado da Bahia / Campus V (2001-2005) e
Faculdades Jorge Amado (2003-2006).
2
Universidade Federal da Bahia (2000-2006) e Universidade do Estado da Bahia / Departamento de Educação
- Campus I (2005 aos dias atuais).
150
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Eis alguns destaques que têm contribuído para o debate sobre a formação do
licenciado em Pedagogia3 , e que, ao mesmo tempo em que o integra no campo da educação,
especificam suas atividades a partir dos trabalhos desenvolvidos com estudantes nas
primeiras fases de aprendizagem.
Nos primeiros anos de vida a aprendizagem é mais rápida e intensa. As crianças
são naturalmente curiosas e essa “chama” deve ser mantida para que promova seu bem
estar, sua exploração e descoberta ativa, autônoma e criativa. Por outro lado, o que o
professor observa na criança decorre das suas próprias concepções e postura de vida.
Cada criança, na complexidade do ser humano, carrega seu “mistério”, o que faz com que
o acompanhamento do seu desenvolvimento seja inquietante.
O conhecimento de uma criança é constituído pela sua apropriação e por suas
próprias idéias que se desenvolvem para a coerência. Acompanhá-la em seu desenvolvimento
3
Historicamente, este profissional foi chamado de pedagogo, mas as Diretrizes Curriculares para o Curso de
Licenciatura em Pedagogia, editadas em 2006, enfatizam o trabalho deste profissional como licenciado e não
mais técnico, como tínhamos em alguns currículos até o início do ano 2000.
151
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4
Disciplina que passou a integrar o currículo da Licenciatura em Pedagogia nos cursos oferecidos a partir de
2001, no Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia –Campus I.
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SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...
eminentemente humana.
154
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A educação na contemporaneidade
5
O Curso de Pedagogia tem a maioria da sua população feminina e, consequentemente, a ocupação dos
cargos e funções na escola também. Por isto, optei em adotar o gênero feminino ao referir às professoras deste
segmento de ensino no texto.
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SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...
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para essa questão. É preciso ter clareza da realidade educacional brasileira, das suas
tendências no contexto atual, das perspectivas e necessidades que derivam desta realidade,
e como isso reflete no nosso dia-a-dia como educadores na(s) nossa(s) escola(s). Para
Veiga-Neto (2007, p. 25), “o educador precisa emancipar-se a si mesmo, para que sua
atividade docente seja um ato de emancipação e não de embrutecimento”. Assim, é
necessário explicitar o que significa assumir algumas posturas em relação ao trabalho em
educação de modo geral e, em particular, à prática em sala de aula.
· Como ensinar? Oportunizar um tipo de ensino que permita ao educando construir
seu próprio conhecimento, procurando desenvolver metodologias participativas e que
promovam a co-produção é outro aspecto a ser destacado.
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Não poderia finalizar este texto sem apontar algumas questões imperativas para o
ensino da Geografia na contemporaneidade. Assim, não é uma conclusão, mas a proposta
de novos começos que partam das demandas que se apresentam à Educação neste novo
século.
No processo de contínuas mudanças em que vivemos, e a partir do requinte
tecnológico, as transformações podem ocorrer de maneira mais acelerada, ou não. Dessa
forma, a escola é impelida a participar dessas transformações sem que fique à margem do
crescimento de uma sociedade. Cabe, então, à escola, potencializar o educando em seu
processo de ensino e aprendizagem para seu crescimento intelectual.
É necessário que seja desenvolvido, ainda nas primeiras séries, um processo de
alfabetização de forma integral, buscando realizar a possibilidade e o desejo de ler o
mundo. Daí que a necessária contextualização do saber geográfico na sua emergência
histórica vem atribuir ao fazer pedagógico o caráter de veículo para a interpretação do
real, no qual os vários campos do conhecimento sistemático sejam instrumentos de
decodificação desse real e privilegie o enfoque interdisciplinar.
Partindo do seu objeto de estudo, o ensino da Geografia deve conceber o espaço
geográfico como produto social construído na relação da sociedade com a natureza, tendo
o trabalho com elemento viabilizador dessa construção.
No entanto, o modo de fazer, pensar e ensinar uma ciência tem estreita relação com
as demandas históricas. O saber geográfico existe desde a Pré-História, quando os homens
apenas marcavam os caminhos e projetavam seus desenhos em pinturas rupestres,
elaborando só primeiros mapas. Dessa forma, há um entendimento de que o saber geográfico
antecede a escrita, considerando, também, a transmissão de informações geográficas
passadas de geração para geração.
No Brasil, a Geografia vem convivendo com impulsos renovadores desde a
redemocratização do país, e estes impulsos têm atingido o ensino na/da escola básica. O
espaço geográfico era apreendido, prioritariamente, por metodologias descritivas, mas a
partir dos anos 1980 passou a ser debatido como elemento que compõe o quadro social,
tendo valor explicativo dessa realidade. Para tal abordagem, foi necessário que a Geografia
restabelecesse o diálogo rompido com outras ciências sociais no período da influência
militar no ensino nacional, ressignificando o valor educativo desta área do conhecimento.
Ao discutirmos o valor educativo do ensino da Geografia na Contemporaneidade
defrontaremos, conseqüentemente, com a problemática da formação do professor, tanto
nos diversos campos do conhecimento, quanto nos vários segmentos da educação. É
necessário retemperar o discurso em cada sala de aula com outras perspectivas teóricas
daquilo que estamos debatendo com nossos estudantes e superar o inventário que
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161
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WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2000.
162
Resumo: O propósito deste texto é socializar reflexões sobre a
ENSINO E PESQUISA: experiência que vem sendo construída em decorrência dos
REFLETINDO SOBRE A procedimentos adotados nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa
e Seminários de Pesquisa em Geografia da Universidade de Passo
FORMAÇÃOPROFISSIONAL Fundo - UPF, bem como levantar idéias que possam subsidiar o debate
EM GEOGRAFIA PAUTADA acerca da iniciação científica, via de regra, demarcada pela elaboração
de trabalhos de conclusão de curso no ensino superior. Para tal,
NO DESENVOLVIMENTO DA apresentam-se, inicialmente, referências teóricas que orientam a
COMPETÊNCIA metodologia da pesquisa e discute-se o ensinar a pesquisar;
posteriormente, destaca-se como vem sendo trabalhado o ensino na
INVESTIGATIVA direção da iniciação investigativa, demonstrando-se o processo
construído ao longo do Curso, na UPF e, ao final, analisa-se a
articulação dos trabalhos elaborados a partir dessas disciplinas, tanto
TEACHING AND RESEARCH: ao currículo acadêmico quanto à consolidação das linhas de pesquisa
REFLECTING UPON PROFESSIONAL do Curso.
FORMATION IN G EOGRAPHY Palavras-chave: Ensino e pesquisa; Metodologia da pesquisa; Curso
GUIDED BY THE DEVELOPMENT OF de Geografia – UPF; Modalidade licenciatura; Modalidade
AN INVESTIGATIVE COMPETENCE bacharelado.
ENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN: Abstract: The purpose of this study is to socialize the reflections
REFLEXIONANDO SOBRE LA about the experience which is being built in consequence to the
FORMACIÓN DEL PROFESIONAL EN procedures adopted in the disciplines of Research Methodology and
GEOGRAFÍA CON BASE EN EL Seminars of Research in Geography of the University of Passo Fundo,
DESARROLLO DE LA COMPETENCIA UPF, as well as to raise ideas which can subsidize the debate regarding
INVESTIGATIVA scientific initiation, as a rule, determined by the elaboration of final
projects in graduation courses. Therefore, at first, we present
theoretical references that direct the research methodology and we
discuss the teaching to research. Subsequently, we highlight how
the teaching in the direction of the investigative initiation has been
ANA MARIA RADAELLI DA SILVA worked, demonstrating the process built throughout the course, at
radaelli@upf.br UPF and, finally, we analyze the articulation of developed studies
from these subjects in the academic curriculum as well as in the
consolidation of research lines of the course.
JUÇARA SPINELLI Keywords: Teaching and research-UPF; Research methodology;
spinelli@upf.br Geography course; Dgree; Bachelors degree.
T erra Livre Presid en te Pru d ente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 163-176 Jan -Ju n/ 2007
163
SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
Introdução
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1
São orientações que compõem a obra de RAUBER, J. J. e SOARES, M. Apresentação de Trabalhos
Científicos: Normas e Orientações Práticas, EDUPF.
165
SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
Gerardi e Silva (1981, p.3) quando tratam das perspectivas para trabalhar a metodologia
científica e a pesquisa em Geografia:
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SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
É uma idéia que contribui para a confirmação ou validação da proposta que baseia
esse texto. Constituído por uma matriz curricular que compreende uma carga horária de
3.410 horas/aula teórico-práticas, distribuídas em oito semestres letivos, incluindo-se as
atividades complementares (técnico-científico e culturais), o Curso de Geografia –
Licenciatura e Bacharelado – da UPF apresenta uma estrutura curricular que incentiva
atividades de ensino, pesquisa, extensão e relações comunitárias desde o primeiro nível.
Os itens que seguem buscam elucidar tal situação em ambas as modalidades.
2
Por conta do legalismo, decisões verticalizadas forçaram a separação das modalidades licenciatura e
bacharelado, em 2005, permitindo a oferta de dois cursos, dos quais apenas a licenciatura se mantém. A
última turma do Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado ingressou em 2004.
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SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
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Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007
Pelo que já foi exposto, fica claro que o Curso apresenta uma estrutura curricular
que incentiva atividades de ensino, pesquisa, extensão e relações comunitárias em todos
os seus semestres letivos, cujas atividades são consubstanciadas, em um primeiro momento,
pelas disciplinas comuns às duas modalidades e que permitem uma iniciação ao
conhecimento filosófico/científico/técnico/pedagógico. Em um segundo momento, pelos
estágios curriculares do bacharelado, os quais compreendem cinco estágios de cunho
acadêmico e dois estágios de cunho profissionalizante, o que vem a reforçar a idéia do
exercício do conhecimento como um caminho para a formação cidadã, das realidades/
diversidades e suas relações com o mundo.
Nessa perspectiva, desde o primeiro nível do Curso realizam-se atividades que
envolvem o ensinar a pesquisar. No primeiro nível, o estágio curricular I é voltado à
representação cartográfica, buscando congregar as disciplinas específicas de Geografia, é
confeccionada uma maquete do município, da região ou do estado. Esse procedimento
exige do corpo discente, um empenho em pesquisar as características do local a ser
representado. Vinculado à disciplina de Cartografia Básica e Temática, exploram-se
referenciais de cartografia, além de conteúdos que elucidem os temas a serem lançados
sobre o mapa-base proposto, sendo priorizado o rigor cartográfico, tendo, na representação
cartográfica e na elaboração de um texto explicativo, o resultado de um processo
investigativo que ocorre durante a disciplina.
No segundo nível, a pesquisa é incentivada no estágio curricular II, através do qual
é realizado um trabalho de campo pelo Rio Grande do Sul. Para tal, novamente a pesquisa
e o levantamento de dados, de informações e de materiais cartográficos é um processo
fundamental que antecede o trabalho de observação e investigação acerca dos
macrocompartimentos geomorfológicos do estado e de sua caracterização geográfica como
um todo.
O trabalho de campo consiste, segundo Silva (2002), na prática andante de fazer
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SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
Geografia, ou seja, uma forma de aproximação da teoria com a prática e uma possibilidade
de ação reflexiva na interface da teoria e da prática educacional. Assim, esse Estágio
constitui-se num momento integrador, além de ser um núcleo estratégico fundamental
para garantir que se efetive uma nova forma de profissionalização desde o início do Curso.
Os estágios curriculares III e IV, realizados nos respectivos níveis, congregam a
prática de pesquisa em Geografia Física, através de atividades que permitem a iniciação
investigativa em Geologia, Geomorfologia, Climatologia, Hidrografia e Biogeografia.
O Estágio Curricular III tem abrangência local, ou seja, desenvolve-se
preferencialmente nas proximidades do campus central da Universidade, tendo como escala
máxima, o município de Passo Fundo. Compreende as mais variadas metodologias de
identificação dos elementos físicos, tais como componentes de uma bacia hidrográfica e
seu comportamento, elementos climatológicos por interpretação de cartas sinóticas; tipos
e constituição de rochas e de solos, entre outros. Nesse estágio, os alunos, realizam
observações e coleta de informações geográficas, como medidas de áreas e superfícies,
obtenção de coordenadas através de GPS (Global Positioning System), entre outras. O
produto final constitui-se na elaboração do relatório técnico o qual é subsidiado pela
pesquisa em fontes e materiais teóricos e balizado pelas análises resultantes do trabalho
de campo.
Já o Estágio Curricular IV, que contempla atividades de Biogeografia é
preferencialmente realizado em áreas de valor ambiental, sendo normalmente definidas
áreas próximas do entorno da Universidade, e que possam servir de estudo nas referidas
temáticas. O trabalho se constitui em um pequeno inventário que identifica e analisa os
impactos socioambientais decorrentes de alterações no meio físico, em especial nas
formações vegetais, via de regra, inerentes ao processo capitalista de produção agropecuária,
tendo em vista que a região transformou-se, ao longo dos últimos anos, de típica de mata
Araucária ou Floresta Ombrófila Mista - tendo ainda espécies como erva-mate, cedro,
canela, angico, entre outras - para de produção extensiva da soja e do trigo. As pesquisas
desenvolvidas nesse estágio revestem-se de um caráter interdisciplinar importante dentro
do próprio Curso, bem como com áreas afins. Tal fato é denotado na análise crítica expressa
nos relatórios técnicos que são igualmente subsidiados por um referencial teórico e por
observações de campo.
No quinto nível, o estágio curricular V refere-se à prática de pesquisa em Geografia
Humana e, como nos estágios anteriores, promove a iniciação científica em temas refletidos
em relação à comunidade na qual se busca levantar dados quanto às variáveis
socioeconômicas, através da aplicação de um instrumento de pesquisa (questionário e/ou
entrevista), cujas informações sistematizadas e os dados coletados, são apresentados em
tabelas, gráficos e cartogramas. Essa investigação possibilita concretizar a relação teoria-
prática e desenvolve competências investigativas.
Nos níveis VI e VII são realizados os estágios profissionalizantes, em órgãos e/ou
entidades públicas, privadas ou não governamentais. O primeiro refere-se à prática de
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Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007
A convergência
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SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
SEMESTRE DISCIPLINAS
Nível I Introdução Astronomia Estatística Geografia Cartografia Iniciação
à Filosofia de Aplicada à Física I Básica e ao Estudo
da Ciência Orientação Geografia Temática Acadêmico
Estágio
Curricular I
Nível II Antropologi Climatologi História do Geografia Sensoriame Estágio
a a Pensamento Física II n-to
Cultural Geral Geográfico Remoto Curricular II
Aplicado à
Geografia Tópicos
Especiais I
Nível III Geografia Domínios Teoria e Geografia Geoproces- Estágio
da Climáticos samento
População do Mundo Organização Física III Curricular
do Espaço III
Tópicos
Especiais II
Nível IV Sociologia Biogeografia Construção Ciência, História Estágio
do Tecnologia Econômica
Território e Sociedade e Formação
Fonte: Adaptado do Plano Pedagógico do Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado, 2001.
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SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO. Plano Pedagógico do Curso de Geografia – Licenciatura
e Bacharelado, 2001.
176
Resumo: Este texto procura discutir os resultados de uma pesquisa de
doutorado centrada em dois aspectos: um relacionado à formação
docente e outro ao ensino de Geografia. No primeiro, discutimos a
constituição dos saberes docentes; no segundo, abordamos a
A GEOGRAFIA, A centralidade do ensino de geografia para a construção da ideologia
nacional no Brasil. Constatamos que os saberes docentes são
EDUCAÇÃO E A multifacetados, o que é confirmado pela literatura sobre o tema.
CONSTRUÇÃO DA Dedicamos especial atenção ao modo de raciocinar do professor: sua
capacidade de articular conteúdos e conceitos e estabelecer nexos
IDEOLOGIA NACIONAL* explicativos e relações, em suma, atribuir sentido e significado ao que
ensinam. Esse processo parece ter grande importância na construção
do conhecimento escolar e é essencial na definição do que é considerado
um bom docente em Geografia. Em relação à centralidade do ensino
GEOGRAPHY, EDUCATION AND de Geografia para a construção da ideologia nacional verificamos que
THE CONSTRUCTION OF NATIONAL a mesma se constitui a partir da referência à natureza e extensão
IDEOLOGY
territorial brasileiras, “nosso povo pacífico e ordeiro” e a partir da
utilização intensiva do termo país, termo híbrido cujo sentido é
construído na e a partir da escola básica, e que permanece bastante
LA GEOGRAFÍA, LA EDUCACIÓN Y impreciso no campo das Ciências Humanas.
LA CONSTRUCCIÓN DE LA Palavras-chave: Ensino; Geografia; Saberes docentes; Ideologia
IDEOLOGÍA NACIONAL nacional; País.
Abstract: This text discusses the results of a doctoral research from
two perspectives: teacher professional development and geography
pedagogical practices. The former will discuss teacher’s knowledge
the latter will address the centrality which underlies the geography
instructional practices in order to make up for a national ideology in
Brazil. When it comes to teacher’s knowledge we realized, that it is
multifaceted, which has already been confirmed by the specialized
ROGATA SOARES DEL literature. We realized that it is necessary to give some special attention
GÁUDIO to the so called teacher’s way of thinking: the capacity to articulate
contents and concepts setting up explaining patterns so as to establish
rogata@coltec.ufmg.br an explanatory nexus of relations so to attribute sense and meaning to
what is to be studied. This process seems to be essential in the
construction of the school knowledge and to the definition of what is
considered a good geography teacher. Concerning the centrality of
ROSALINA BATISTA BRAGA the geography teaching for the construction of a national ideology, we
verified that it stems from concepts such as “our” nature and territorial
rosalinabraga@gmail.com extension, “our pacific people” and the term “country”, a “hybrid”
term whose meaning is constructed from and within high school;
however this term is quite uncertain in the field of the human sciences.
Keywords: Teaching; Geography; Teacher’s knowledge; National
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ideology; “Country”.
MINAS GERAIS Resumen: Este texto busca discutir los resultados de una investigación
de doctorado con relación a dos aspectos asociados a la formación
docente y a la enseñanza de geografía. En el primero, discutiremos la
constitución de los conocimientos docentes, en el segundo, la
centralidad de la enseñanza de la geografía para la construcción de la
ideología nacional en Brasil. Con relación a los conocimientos docen-
tes, constatamos que son de múltiples facetas, lo que es confirmado
por la literatura sobre el tema. Hay que dedicar especial atención a lo
*
que denominamos “modo de raciocinar del profesor”: su capacidad
Este texto é parte de minha tese de para articular contenidos y conceptos y establecer nexos explicativos,
doutorado Concepções de nação e en suma, atribuir sentido y significado a lo que enseñan. Ese proceso
estado nacional dos docentes de parece esencial en la definición de lo que es considerado un buen do-
geografia – Belo Horizonte no final cente en geografía. Con relación a la centralidad de la enseñanza de
geografía para la construcción de la ideología nacional verificamos
do segundo milênio, defendida em que ésta se realiza a partir de la referencia a “nuestra” naturaleza y
2006 junto ao Programa de Pós extensión territorial, “nuestro pueblo pacífico y disciplinado” y a par-
Graduação em Educação, FaE/ tir de la utilización intensiva del término “país”, término “híbrido”
cuyo sentido se construye en la y a partir de la escuela básica, sin
UFMG , sob a orientação da Prof.a embargo, muy impreciso en el campo de las Ciencias Humanas.
Dr.a Rosalina Batista Braga. Palabras clave: Enseñanza; Geografía; Conocimientos docentes;
Ideología nacional; “País”.
Introdução
A Geografia como disciplina escolar está presente nos currículos desde o século
XIX. No entanto, poucas vezes nos dedicamos a tentar compreender a perenidade do
ensino de Geografia na escola básica. Menos ainda, procuramos investigar a associação
entre a Geografia, enquanto disciplina escolar, e a construção da ideologia nacional.
Partimos da hipótese de que a abordagem, na Geografia Escolar da “natureza
exuberante” e da “enorme extensão territorial” do Brasil têm tido uma participação efetiva
na (re)produção daquela ideologia.
Apontaremos algumas possibilidades desses vínculos tendo por referência uma
pesquisa realizada junto a 14 docentes de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte.
Essa pesquisa, inscrita no campo da teoria crítica, procurou compreender os vínculos
entre o ensino da Geografia e a constituição da ideologia nacional a partir da análise do
conteúdo e do discurso dos docentes pesquisados.
178
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
Não tem jeito de você falar do Oriente Médio sem falar da questão religiosa
também. E não tem jeito de você falar dos problemas sociais de uma América
Latina sem falar de colonização, sem falar de exploração da economia. Então
transitam essas três relações ao mesmo tempo. [...] Então, a matéria é trabalhada
1
Todos os professores entrevistados em nossa pesquisa receberam pseudônimos de árvores. Essa
escolha foi ao acaso, uma vez que não era propósito identifica-los, nem às escolas em que atuam.
179
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
Logo, se não se ensina aos estudantes como estabelecer nexos, correlações, ou seja,
como construir sentido para seus saberes, pode-se até ensinar o mesmo conteúdo, mas ele
carecerá de sentido, nexo e significação. Desse modo, estudantes que não aprenderam a
desenvolver essas habilidades podem mesmo possuir diplomas, mas talvez sejam menos
preparados para enfrentar processos seletivos como os vestibulares mais concorridos e,
mais tarde, se tornarem líderes ou formadores de opinião. Ou ainda, para lidarem com a
prática social em outra perspectiva.
Se os alunos não se apropriam desse modo específico de raciocinar, eles têm grande
chance de, mesmo terminando a escolaridade básica, manterem-se excluídos do acesso
efetivo não apenas às informações, mas também às conexões entre elas, ou seja, manterem-
se afastados do conhecimento científico e dos mecanismos sociais de sua produção e
divulgação. O conhecimento integrado, articulado, pode ser crítico no sentido real da
palavra e não no sentido estreito de ser “do contra”. Ter uma apropriação crítica do
conhecimento pode significar ter mais chances de ser criativo, para “o bem ou para o
mal”.
Essa constatação é reforçada pelo trecho a seguir, parte da entrevista concedida por
Milton Santos a Odete Seabra, José Correa Leite e Mônica de Carvalho:
180
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
história natural, etc., e professores que eram professores de faculdade. [...] Nos
dois anos de preparação para a faculdade, líamos Charles Gide, um grande
economista francês, uma espécie de papa para a formação escolar no Brasil.
Tínhamos uma formação confluente, porque víamos esses grandes autores
através de diversos prismas. Era como um mundo próprio [...]. Não havia
televisão, éramos ensinados a não gostar de futebol, sobretudo gente como eu,
que tinha origem visivelmente inferior, e que as famílias preparavam para as
funções de mando. A educação que me foi dada não foi a de obedecer, foi para
me preparar para fazer parte dos que iam mandar. Todas as atividades ditas
populares eram desaconselhadas, de forma não explícita, na produção do homem
da elite, do bacharel. E o que é o bacharel? É um sujeito que pode ser advogado,
promotor, juiz, jornalista, político, diretor de hospital. Isto é o bacharel. E que
aprende a falar, o que era uma característica do mando e da política, saber
fazer frases, saber amarrar uma idéia com a outra. (SEABRA, LEITE e
CARVALHO, 2000, p. 75/76)
Portanto, há algo que diferencia esse “bom professor”, que, geralmente, acaba por
lecionar em escolas onde estudam os filhos das elites, pelo menos a elite cultural, aqueles
que ocuparão posições de mando, e que, para tanto, precisam aprender a amarrar uma
idéia com a outra. Tais professores possuem também essa capacidade de “amarrar idéias”
e acreditamos que é isso que eles ensinam, mais que o conteúdo em si.
Desse modo, um “bom professor” é aquele que consegue conferir sentido ao conteúdo
ensinado. E mais do que isso, consegue ensinar aos alunos, não apenas essa articulação de
conteúdos, mas também um processo de como fazer isso (por meio da explicitação do
modo como ele, professor, raciocina).
181
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
um povo abstrato e igual, associado a um território que adquire concretude com a sua
representação cartográfica, a exaltação de sua natureza e beleza, o levantamento e
apropriação de seus recursos e potenciais.
Segundo Almeida (1995), a ideologia nacional possui uma dimensão universalista
(“a representação dos agentes enquanto proprietários”) e uma dimensão particularista, na
medida em que
A história nacional parece ser algo estranho para muitos brasileiros, como se
eles não tivessem nada a ver com ela. O orgulho pela natureza poderia ser
interpretado como um indício da alienação dos brasileiros pela sua própria
história. (CARVALHO, 2003, p. 404)
Segundo o autor, essa associação entre nacionalidade e território tem sua raiz no
mito edênico, que integra, por sua vez, natureza e extensão territorial à idéia de paraíso
que, na tradição luso-brasileira, “tinha um caráter puramente natural”.
182
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
Um aspecto do mito edênico tem a ver com o tamanho do país. O Brasil é lindo
e rico, mas também grande, enorme, um país continental. [...] O Barão W.L. von
Eschwege [...] observou que os brasileiros costumavam falar utilizando hipérboles:
“tudo no Brasil deve ser grande, a natureza deve ser diferente, mais gigantesca e
mais maravilhosa do que em outros países.” Nós sempre queremos ter “o maior
do mundo”. O Rio Amazonas é o maior rio, a Floresta Amazônica é a maior
floresta tropical, Iguaçu é a maior e mais bonita catarata, o carnaval é o maior
espetáculo da Terra, nosso time de futebol é o melhor do mundo, e assim por
diante. (CARVALHO, 2003, p.406)
Ora, em geral, em que conteúdos escolares foram e são tratados, durante decênios
decorados, informações sobre a imensidão do Brasil e as benesses de sua natureza, senão
nas aulas de Geografia? Em que conteúdo escolar se canoniza “nossa” forma e extensão
territorial, com base, por exemplo, nos mapas políticos em pequena escala? Qual conteúdo
escolar contribui para nossa identificação como “iguais”, a despeito das diferenças regionais
e de classe? Que conteúdo escolar discute as “singularidades” do Brasil no contexto
mundial?
É preciso destacar que, em relação ao mito edênico e sua construção acerca da
natureza brasileira há, pelo menos, duas percepções dominantes. Uma que afirma ser a
natureza brasileira edênica, e o Brasil, “um paraíso terreal”. Outra, associada muitas
vezes à construção discursiva das primeiras missões jesuítas sobre o Brasil, que afirma
ser este um “lugar abandonado por Deus”, um lugar “infernal”. Se ambas se confrontam
na constituição do imaginário e na literatura, por que perdura mais a primeira percepção
que a segunda? Porque acreditamos que ela auxilia a construir uma imagem nacional
positiva mediante dois fatores: de um lado, a quase ausência de “heróis políticos nacionais”
e de um “passado histórico mítico”; de outro, a relativa ausência do povo, já que, durante
séculos, e mesmo durante nossa independência, a sociedade encontrava-se cindida entre
senhores e escravos.
Acreditamos ainda que, mesmo a percepção da natureza infernal auxilia a construir
nossa identidade, na medida em que se torna – a natureza, e não a sociedade – a grande
vilã e causa de nossas mazelas econômicas e sociais. Desistoriciza-se e naturaliza-se, com
a percepção da natureza infernal, processos econômicos, políticos e sociais, enquanto o
paraíso terreal fornece uma imagem positiva e esperançosa para o porvir desta sociedade.
Desse modo, assinalamos que o ensino de Geografia, no Brasil, constitui uma fonte
primordial de (re)construção e reiteração da ideologia nacional2 na medida em que, nas
palavras de Chauí,
2
Para outros estados nacionais, como a França, por exemplo, parece-nos que o ensino de história
exerceu um papel mais central. A esse respeito, consultar THIESSE, 1995, 1997.
183
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
em progresso. Sabemos por isso que o Brasil é “um gigante pela própria
natureza”, que nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais flores e
nossos mares são mais verdes. Aprendemos que por nossa terra passa o maior
rio do mundo e existe a maior floresta tropical do planeta, que somos um país
continental cortado pela linha do Equador e pelo Trópico de Capricórnio, o
que nos faz um país de contrastes regionais cuja riqueza natural e cultural é
inigualável. Aprendemos que somos um “dom de Deus e da natureza” porque
nossa terra desconhece catástrofes naturais (ciclones, furacões, desertos,
nevascas, terremotos) e que “aqui, em se plantando tudo dá”. (2000, p. 5)
Em nenhum outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela
a aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem raios tão dourados, nem os
reflexos noturnos tão brilhantes; as estrelas são mais benignas e se mostram
sempre alegres [...] as águas são mais puras; é enfim o Brasil Terreal Paraíso
descoberto, onde têm nascimento e curso os maiores rios; domina salutífero o
clima; influem benignos astros e respiram auras suavíssimas, que o fazem
fértil e povoado de inumeráveis habitadores. (ROCHA PITA, apud CHAUÍ,
2000, p. 6).
O termo país destacou-se a partir de nossa pesquisa empírica. A ênfase neste vocábulo
ficou evidente durante as entrevistas com os professores. Esses, ao serem indagados sobre
suas concepções sobre nações e estados nacionais, em algum momento utilizavam este
3
Para Chauí (2000, p. 9), um mito fundador “é aquele que não cessa de encontrar novos meios
para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece
ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo.”
4
Reconhecemos que outros elementos compõem essa construção (como a literatura e o ensino de
história). No entanto, estamos enfatizando o ensino de geografia porque nos parece que, no
processo de sua constituição enquanto disciplina escolar no Brasil, essa função coube
fundamentalmente a essa disciplina.
184
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
vocábulo, tanto para se referirem às nações, quanto aos estados nacionais. Isso nos despertou
para seus possíveis sentidos e significados ou para a ausência deles.
Por adaptar-se a qualquer contexto e escala, o termo país pode ser usado ora com o
sentido de nação, ora de estado nacional, ora ainda, como terra/pátria amada. País é um
termo tão corriqueiro, tão intensamente agregado a nosso vocabulário, que sequer
pressupomos que ele careça de qualquer definição. Antes, ao contrário: pensamos de
antemão, que, ao utilizarmos o termo país, estabelecemos com nossos interlocutores uma
comunidade de sentido que dispensa qualquer explicação – explicar o que entendemos por
país seria até mesmo uma tautologia. Afinal, supomos que todos saibam o que este vocábulo
significa e o que ele denota, precisamente.
A partir dessa constatação, passamos a buscar o conceito de país. Optamos por,
primeiro, pesquisar seu significado em dicionários de língua portuguesa5 . Verificamos
que o sentido que os dicionários de português atribuem ao vocábulo país são derivados de
seu sentido etimológico, ou seja, “país natal, solo natal”.
Nos diferentes dicionários de etimologia que consultamos, país é associado a “lugar
de nascimento,” “terra natal,” “burgo/aldeia,” “nação,” “estado,” “região,” “solo natal”.
Todavia, nos dicionários de português a própria escala do vocábulo é modificada:
de lugar de nascimento (específico, o burgo, o “lugar”), país torna-se a “pátria”, território
e comunidade nacional abstratos cuja identidade partilhamos com nossos conterrâneos,
mesmo que não os conheçamos.
O sentido de “burgo”, ou de “lugar de nascimento” perde-se ou é substituído por
outro, aquele que denota, agora, “nossa nacionalidade”, não mais, necessariamente, a
“terra de nossos pais” – lugar de nascimento -, mas a “nossa” própria terra – o território
pátrio.
Procuramos, a partir de então, o significado de país em obras de referência mais
gerais, como o Dicionário de Política, organizado por Bobbio (2000). Esperávamos que
esse termo estivesse definido no campo da ciência política, o que não se verificou. O
referido dicionário apresenta diversos outros verbetes muito utilizados no campo das ciências
sociais, mas nenhuma referência a país. Pesquisamos ainda na L´enciclopédia della
Geografia - publicada pelo Istituto Geográfico De Agostini, em 1996, em Novara, Itália
- e também não encontramos uma definição para país (ou paesi).
Pesquisamos ainda o sentido de país nos dicionários de etimologia, filosofia,
sociologia e antropologia. Porém, somente encontramos definição para país nos diferentes
dicionários de etimologia, nada sendo encontrado em dicionários de filosofia, política,
antropologia e sociologia.
Resolvemos, então, buscar o sentido de pays e paysage em dicionários de francês.
O Larousse (1998) apresenta pays como pessoa do mesmo vilarejo, da mesma região. Por
5
Até porque alguns professores apontaram os dicionários como fonte de pesquisa para suas
aulas.
185
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
exemplo, se uma pessoa está fora do Brasil e encontra um brasileiro, usa ou pode usar a
expressão “encontrar o país”. País associa-se à pessoa e origem, ou melhor, ao lugar de
origem de certa pessoa. Desse modo, país articula certa familiaridade entre pessoa e terra.
Assim, apesar de esses termos serem bastante comuns, praticamente não encontramos
uma definição precisa deles na área das ciências sociais – ou uma primeira aproximação
com o vocábulo, possibilitada por obras introdutórias ou gerais como dicionários
específicos.
Procuramos então, compreender como os professores entrevistados definem país.
Qual o sentido que esta palavra tem para eles? Qual seu significado? A que associam esse
vocábulo: a nação, a estado nacional ou a ambos, indistintamente?
Como pode ser observado nos trechos destacados a seguir, país manifesta-se nas
concepções dos professores de forma híbrida, desprovido de um sentido político imediato,
variando de acordo com o processo de formação de cada um – em alguns momentos, o
termo é relembrado da formação básica de alguns docentes. Ele é corriqueiro, falado sem
que sequer se tenha pensado em seu significado, quase como um “ato falho”, ou algo tão
comum, que não se observa enquanto se fala, ou seja, não se pronuncia com cuidado, mas
como uma palavra que flui, escapa no diálogo, e que pressupõe compreensão imediata
pelo outro.
O uso do termo “país” é tão automático, que o professor sequer tem consciência de
ter utilizado em sua entrevista. “País” passar a existir como sinônimo de nação e parece
referir-se, neste caso, à paisagem, entendida como aquilo que se vê, ao território (aspectos
conferidos pelos mapas políticos em pequena escala), ao povo e à soberania. De acordo
com Almeida (2005)6 , “país se adequa a qualquer quadro político-territorial, em qualquer
contexto, seja nação, estado nacional e em qualquer estágio de construção, até por ser um
termo relativamente neutro”, portanto destituído de uma conotação política. Por isso,
consideramos o termo país como híbrido, ou, como ressalta Chauí (2000), um semióforo7
e acreditamos que sua utilização é outro elemento que contribui para a construção da
ideologia nacional, na medida em que ele carece de precisão conceitual, sendo intensamente
6
Essas observações foram obtidas diretamente do autor, durante a realização de uma mesa-redonda
promovida pelo V Encontro Estadual de Geografia de Minas Gerais, realizado de 26 a 29 de julho de
2005, em Belo Horizonte - MG.
7
Semióforo “é um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma outra
coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim, por sua força simbólica. [...] Um semióforo
é fecundo porque dele não cessam de brotar efeitos de significação” (CHAUÍ, 2000, p.11/12) .
186
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
utilizado tanto na linguagem coloquial, quanto nos manuais didáticos e mesmo, em livros
de caráter mais acadêmico.
Observe-se a esse respeito, a entrevista a seguir:
Eu [...] eh, quando a gente fala país eles [os alunos] têm a noção de Brasil, que
seria um território de poder, com presidente, nem que seja um mínimo, você
vai criar, é um espaço que tem presidente, que tem, eh [...], tem deputados, tem
senadores. [...] Acho que é um espaço delimitado com leis [...]. Um grande
território que tem ali uma lei que determina, todos que estão ali dentro ali tem
que se submeter àquela lei. [...]. Porque quando a gente está estudando na
faculdade a gente não ouve muito falar país. Você quase não ouve. É tudo
estado-nação. O que é estado-nação? É país. [...] Estado com E maiúsculo é
país, estado com E minúsculo é Minas Gerais. [...] Eu não consigo diferenciar
país e estado-nação não. [...] Todos são sinônimos. [...] Eu não consigo
diferenciar (PROFESSOR MOGNO)
8
Referimos à participação e às observações de Vânia Vlach, Rogério Haesbaert e Lúcio Flávio
de Almeida na mesma mesa-redonda, no evento já citado.
9
E aqui constatamos outro hibridismo: originalmente, “país” associava-se à grande escala (o
lugar de nascimento); atualmente, refere-se ao estado nacional ou à nação, mas tanto em um
como em outro, a escala agora é pequena.
187
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
acerca desta senda tão instável”. Assim, o ensino e a pesquisa de Geografia deveriam
primar pela neutralidade científica, tão “cara aos franceses”, afastando-se das “influências
instáveis da geopolítica alemã”, que levou o mundo ao desastre da II Guerra Mundial
(AZEVEDO, 1955).
É possível que esse recurso ao termo país seja uma tentativa de afastamento da
“instabilidade da geopolítica”, de afirmação da “neutralidade” da Geografia, de uma
“despolitização do discurso geográfico” – mas não exclusivo dele em se tratando do vocábulo
país. É provável ainda que esteja relacionado à forte influência da Geografia francesa
sobre a constituição da Geografia brasileira (afinal, o termo pays é de origem e uso francês).
Em contrapartida, será que esse termo não teria sua origem no senso comum, tendo-
se perpetuado na escola básica? Nesse caso, a utilização e mais, a constituição de uma
comunidade de sentido para país não poderia ser uma produção derivada diretamente da
escola básica e que se estende até a produção acadêmica?
O professor Pinheiro, por exemplo, associa país a limites e fronteiras: Eu vejo a
diferença, país delimitado espacialmente. País, Brasil com uma fronteira. Tem um limite.
Isso é país. (PROFESSOR PINHEIRO)
País associado a fronteiras e, novamente, aos mapas políticos em pequena escala,
que lhes conferem existência e materialidade no cenário de outras nações. Daí parece que
há uma gradação entre os termos país, nação e estado nacional. País implica delimitação,
materialidade simbólica nos mapas políticos em pequena escala; nação, por sua vez, remete
à idéia de identidade, e estado nacional refere-se à posição daquele grupo, daquela
organização no cenário mundial, ou seja, estado nacional seria um estágio de negociação/
arranjos/acordos/disputas no cenário internacional.
Assim, país seria um estado soberano. [...] Porque eu penso que um é o território.
[...] E dentro desse território vem todas as formações econômicas. (PROFESSOR
LARANJEIRA)
Ora país é o território, ora é um estado soberano. Assim, mais uma vez, dentro do
vocábulo país cabe qualquer coisa, qualquer definição.
A transcrição a seguir, fornece um exemplo do que chamamos de hibridismo entre
os termos nações, estados nacionais e país. Nela, aparecem lembranças da formação ginasial
e secundária do professor,10 as quais ele utiliza, ainda que não conscientemente, para
definir, diferenciar e mesmo, aproximar os termos nação, estado nacional, país, pátria. A
memória, neste caso, retrata sua formação básica ocorrida durante a ditadura militar e os
símbolos e rituais utilizados para construir a ideologia nacional – a pátria amada, o
futebol, a língua, a religião.
País [...], por exemplo, Alice no País das Maravilhas. Até... até Alice tem um
país. [...] Eh, por exemplo, a Guiana Francesa pode-se dizer que é um país.
10
Conforme Tardif (2002), a formação não se “fecha” no tempo da graduação, mas abre-se para
o passado e para o porvir.
188
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
Assim, país refere-se à pátria, remete ao coração, à língua e à religião, e pode ser
usado para referir-se ainda às nações que não têm soberania, apesar de terem fronteiras
delimitadas (o exemplo, no caso, é a Chechênia). A construção dos conceitos de pátria,
país, nação, estado nacional parece oriunda de sua prática e por ela norteada e inclui outro
sujeito em sua entrevista e construção, os alunos, que se tornam os referenciais de seu
diálogo conosco. Embora ausentes de fato, eles estão presentes de direito e constituem o
marco deste professor para construir sua argumentação. No trecho, os alunos aparecem
quase como sujeitos ocultos, para os quais se dirigem a ação e o discurso construído pelo
professor.
Outra questão que muito nos chamou atenção foi a particularidade e a identidade
de e em ter um país (para ele, até Alice tem um país), ou seja, todos têm um país, uma
origem, vêm de algum lugar - neste caso, país parece assumir sua designação inicial: lugar
de origem de alguém.
O hibridismo da palavra é ressaltado, na medida em que tanto a Guiana Francesa,
quanto a Chechênia e o Brasil são exemplos de “país” (País eu posso denominar qualquer,
eh, eu posso criar um país pra mim, entendeu). E há ainda, a generalização do discurso:
mas pro brasileiro, país é a coisa mais confusa. Em suma, o professor, no momento em
que organiza suas respostas, percebe e generaliza a confusão em torno do que seria o
termo. Isso que ele percebe – que para o brasileiro, país é uma coisa confusa – a nosso
ver é uma realidade, e não apenas circunscrita ao ensino de Geografia.
Outro professor aponta que país é tudo, o estado e a nação. E associa nação a algo
189
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
além do limite territorial, a questão cultural e de pertencimento, embora não tenha utilizado
esses termos.
Quando eu falo país é o conjunto de tudo. Dentro de país tem estado nacional,
tem a nação. Vamos pensar por exemplo, lá nos [...] nos curdos. Eles não estão
tentando transformar o seu estado? Eles não tem um estado. Não tem país. O
país daquele grupo ali não tem. Então, o país... dentro do país tem o estado,
tem o povo, aí vai ter governo, vai ter. Então, país é tudo. As fronteiras. Não
porque o estado para mim, o país tem o limite físico, territorial. A nação já não
tem. Ela vai além. [...] Tem um país, que é todo, conjunto todo, territorial,
recursos naturais e tal. A nação é mais composta pelo povo e o estado nacional,
no meu ponto de vista, é o que administra isso tudo. (PROFESSOR IPÊ).
País, então, é uma associação entre povo, estado e governo, portanto, implica limites
territoriais, soberania, afinidades culturais (identidade comum?) e fronteiras não apenas
demarcadas, mas reconhecidas e associadas à soberania política. Ademais, país aproxima-
se da idéia de “chão” e da definição encontrada nos dicionários de francês e etimologia,
portanto, de seu sentido original, como o lugar de origem de alguém.
Nesta outra transcrição, mais um exemplo do hibridismo desse termo, tão comum e
tão desconhecido, ao mesmo tempo senso comum, despolitização, sentido para algo que
não se precisa o que seja.
Eu acho que dentro da concepção que você tem hoje de país, você tem que ter
um povo organizado com o estado. Aí você teria o país. É. Aí você tem que ter
[...] vamos dizer assim, você tem que ter esse território, esse limite, que as
pessoas estão vivendo ali, um poder constituído, uma nação. Se bem que tem
país também que tem várias nações. Difícil isso.[...] (P.) Nas suas aulas você
usa o quê? Eu falo em país. Mas, quando você vai pra trabalhar os conflitos
você acaba entrando na nação e no estado. Porque uma boa parte desses conflitos
aí, eles estão em cima disso, está em cima de, de território, de formação de
estado. (PROFESSOR JUAZEIRO)
Povo organizado, limites, território, poder constituído. País associa-se, neste caso,
à idéia genérica de estado nacional, fugindo de sua proximidade com pátria – porque não
se falou em emoção – e de nação, porque se considera um território soberano e com
Estado próprio. Assim, nas aulas usa-se novamente o termo país e sua aparente
neutralidade, apesar de este designar para o professor, o estado nacional. A nação e o
estado nacional aparecem como sujeitos quando se trabalha a temática referente aos
conflitos, pois que estes colocam em pauta, tais definições. Desse modo, será que se não
se tivesse que trabalhar conflitos, seria colocada em questão a discussão dos sentidos das
nações e estados nacionais?
O professor demonstra ainda, seu modo de raciocinar ao responder a essa questão.
Ele vai aos poucos, procurando definições, buscando delimitar o campo, os conceitos e
categorias. Uma marca de texto que pode demonstrar essa busca pelo raciocínio: difícil
isso, depois de ter procurado dar uma resposta bastante didática – novamente os alunos
aparecem como sujeitos ocultos do discurso. Outro aspecto: fala-se em nação e estado
190
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
nacional diante do tema conflitos. Será que, então, essa temática não é discutida para
Brasil? Por que será que se usa mais país para se referir ao Brasil? Almeida (2005) supõe
que isso seja uma decorrência do processo de construção inerente à nação brasileira,
inicialmente marcada por uma base econômica fundada no trabalho escravo. “Assim,
seria um termo mais fácil de usar, pois não é possível falar em ‘nação brasileira’ por
exemplo, no período escravista.”11 Mesmo quando se procura conferir um sentido mais
geopolitizado a esta palavra, ela acaba por significar tudo e nada e remeter, ainda que
indiretamente, à soberania, este marco dos estados nacionais modernos, como na transcrição
a seguir.
Minha noção de geopolítica acho que, não sei se eu estou ampliando ela muito
aqui, mas acho que trata dessa relação de como você vai pensar a, essa questão
da organização do território. Como que esse território está interagindo com o
que está em volta ou dentro dele mesmo. [...] Vou usar o caso do Brasil, por
interesse político, por interesse econômico ou por, teria a questão militar, por
exemplo. [...] Será que o Brasil está tomando uma atitude meio [...] digamos
assim, arrogante com relação aos vizinhos ou aos aviões que entram pela sua
fronteira? [...] Até, eh, [...] eles usam muito essa idéia que vem na mídia mesmo.
Eu acho que a mídia constrói muito essa questão geopolítica também, assim,
de [...] de passar algumas informações, mas sem estar discutindo muito o
assunto. (PROFESSOR JACARANDÁ)
11
Mesa-Redonda durante o V Encontro Estadual de Geografia de Minas Gerais.
191
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
“país”, disseminando-se, a partir dela, para toda a sociedade, num processo de construção
e reconstrução de significados, ou, como afirma Therborn (1987, p.21, tradução nossa),
permitindo que “os seres humanos se constituam como membros conscientes do mundo
sócio-histórico”. Ou ainda, permitindo que se construa a “interpelação”, considerando-se
que esta seja “uma ilustração, um exemplo adaptado a um modo específico de exposição,
suficientemente ‘concreta’ para ser reconhecida, mas abstrata o bastante para ser pensável
e pensada, dando origem a um conhecimento.” (PÊCHEUX, 1996, p.149).
Para Michel Pêcheux (1996, p. 146/147), “o teatro da interpelação” permite a
ligação do “sujeito perante a lei”, apresenta esse vínculo como se “o teatro da consciência
- eu vejo, eu falo, etc - fosse observado dos bastidores” e designa, pela discrepância da
formulação “indivíduo/sujeito, o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado a existir”. Logo,
o importante é o significante, isto é, aquilo que representa o sujeito da interpelação/
identificação. No caso do termo “país”, ele próprio se transforma em significante/sujeito,
traduzindo para outros sujeitos - dessa vez concretos, os “nacionais” - o que significa
pertencer a um território ou constituir uma nação/estado nacional.
Assim, a construção da ideologia nacional em vez de ser colocada em discussão, é
subsumida no uso contínuo do termo “país”, que permite seu encaixe, justamente por sua
imprecisão e sua abrangência, em qualquer escala temporal, territorial e política.
E se estamos no campo da ideologia nacional, para a qual o termo “país” tanto
confere um sentido, quanto oculta o movimento, é preciso considerar também, com Therborn
(1987, p. 65, tradução nossa), que as ideologias,
Considerações finais
Nossa pesquisa realizou-se com base nas entrevistas com professores de Geografia,
192
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
indicados por sete escolas entre públicas e privadas de Belo Horizonte. A amostra foi
qualitativa e os professores entrevistados possuem legitimidade em seus locais de trabalho,
estão inseridos em um processo de formação contínua, demonstraram refletir em e sobre
sua prática escolar e todos são considerados bons professores de Geografia nas instituições
em que lecionam.
Bons professores – segundo os critérios encontrados em nossa pesquisa – foram
definidos como aqueles que articulam conteúdos e saberes distintos, ensinam essa habilidade
de articulação a seus alunos e são capazes de conferir sentido àquilo que ensinam.
Observamos ainda uma relação circular entre a escola básica e a academia: as
disciplinas escolares vão constituindo um corpus próprio e quase autônomo em relação às
disciplinas acadêmicas, embora guardem uma relação de profunda interação com elas,
uma validando e justificando a existência, permanência, necessidade e atualidade da outra,
dialeticamente.
Se considerarmos, portanto, que esta relação é dialética, ela encontra-se imbricada
em validações e contradições. Se há uma “certa desconsideração” pelos acadêmicos, do
saber escolar, os professores da escola básica consideram, muitas vezes, que o conhecimento
acadêmico carece de objetivação, por ser “muito teórico”.
Na institucionalização da História e Geografia como disciplinas escolares na Europa,
construiu-se uma certa subordinação desta àquela. Na França e Alemanha, a Geografia
subordina-se à História e ambas são criadas para constituir os nacionais. No Brasil, por
suas especificidades, ocorre o contrário, ou seja, é a Geografia que fornece os principais
elementos de construção dos “grandes mitos formadores nacionais”.
Portanto, em relação ao Brasil, acreditamos que a subordinação da Geografia à
História deve ser relativizada. Isso deve ocorrer, sobretudo, quando consideramos a
construção da ideologia nacional. Aí é a Geografia, mais que a História, que fornece os
elementos para a construção de nossa ideologia nacional, tais como aspectos referentes à
nossa extensão territorial, miscigenação, a grandiosidade de nossa natureza face à relativa
ausência de “mitos fundadores nacionais”.
Desde o “descobrimento”, o que conferiu singularidade a esta terra na percepção
do europeu ibérico foi sua natureza exuberante, “rica em águas”, pródiga, um verdadeiro
“jardim do Éden”.
A esse “jardim do Éden” associa-se um superlativo que procura traduzir/refletir/
refratar a grandeza brasileira: ser um dos “países” de maior extensão territorial do mundo,
e mais, com expressiva população, essencialmente mestiça e pacífica.
É preciso considerar, no entanto, que se de um lado, constrói-se esse mito da natureza
edênica, de outro, a natureza é percebida como um entrave, um empecilho ao
desenvolvimento nacional. Essas duas percepções conflitantes da natureza tanto produziram
e produzem discursos de “orgulho nacional”, quanto de justificativa para nosso “atraso”
social e econômico. Se de um lado, a nossa natureza “pródiga” constitui positivamente
nossa imagem, de outro, nossa natureza “infernal” permite-nos justificar, pela via do
193
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
194
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
na graduação, pressupunha-se que os discentes tivessem esses conceitos. Eles, hoje, fazem
o mesmo com seus alunos na escola básica: pressupõem que os alunos já construíram esses
conceitos. Se os alunos da escola básica não os têm, os docentes acreditam que, em algum
momento, esses conceitos serão construídos nas aulas de História. Desse modo, a Geografia,
enquanto disciplina escolar, e seus professores, continuam a constituir os “brasileiros”,
ainda que sem ter clareza quanto a isso.
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196
Resumo: A ditadura militar no Brasil (1964 – 1985) foi reflexo das
políticas internacionais postas em prática após a Segunda Guerra
A IDEOLOGIA NOS LIVROS Mundial pelo governo dos Estados Unidos, com a finalidade de exercer
DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA um controle ideológico e econômico sobre seus parceiros e como forma
DURANTE O REGIME de controle ao perigo socialista. O Brasil, assim como em outros países
da América Latina, passou por anos de ditadura que influenciaram em
MILITAR NO BRASIL grande parcela a estrutura política, social e econômica, assim como o
sistema de ensino. Isto é resultado da interferência dos acordos
unilaterais que tinham real interesse em manter assegurado o controle
ideológico do Estado, bem como difundir a nova face do capitalismo e
IDEOLOGY IN GEOGRAPHY
TEXTBOOKS DURING THE PERIOD
a modernização que se desenvolveu no campo e na cidade. Nesse
OF MILITARY REGIME IN BRAZIL contexto, este trabalho pretende analisar o período da ditadura militar,
assim como a forma que o livro didático foi utilizado pelo Estado para
LA IDEOLOGÍA EN LOS LIBROS difundir sua ideologia, durante aquele momento da história do Brasil.
DIDÁCTICOS DE GEOGRAFÍA Palavras-chave: Política; Ensino; Geografia; Llivro didático;
DURANTE EL GOBIERNO Ideologia.
MILITAR EN BRASIL
Abstract: The military dictatorship in Brazil (1964 – 1985) was a
reflex of the international policies practiced after the Second World
War by the government of the United States, with the purpose to
exercise an economic and ideological control on their partners and as a
form of avoiding the Socialist Regime. Brazil, like other Latin-American
countries, experienced years of dictatorship which influenced at most
the social, economic and political structure, even the educational system.
EDINHO CARLOS It is reflected on the interference of the unilateral agreements which
KUNZLER had as a real interest to assure the ideological control of the State, and
also to spread the new face of the capitalism, modernization –
ekunzler@gmail.com
industrialization/urbanization – that was developed in the countryside
and in the city. In this context, this work intends to analyze the period
of the military dictatorship, as well as the form with which the textbook
CARMEN REJANE FLORES was used by the State to spread out its ideology, during that moment in
WIZNIEWSKY the history of Brazil.
Keywords: Politic; Teaching; Geography; Textbook; Ideology.
carmenrfw@terra.com.br
Resumen: La dictadura militar en Brasil (1964 – 1985), fue el reflejo
Profª Adjunta Departamento de las políticas internacionales puestas en práctica después de la
Segunda Guerra Mundial por el gobierno de los Estados Unidos, con
de Geociências - UFSM la finalidad de ejercer un control ideológico y económico sobre sus
compañeros y como forma de control del peligro socialista. Brasil, así
como otros países de América Latina, pasó por años de dictadura, que
influenciaron de forma importante la estructura política, social y
económica, así como el sistema de enseñanza. Eso es resultado de la
interferencia de los acuerdos unilaterales que tuvieron verdadero interés
en asegurar el control ideológico del Estado, así como en difundir el
nuevo lado del capitalismo y la modernización que se desarrolló en el
campo y en la ciudad. En ese contexto, este trabajo tiene como objetivo
investigar el periodo de la dictadura militar, así como la forma con que
los libros didácticos fueron utilizados por el Estado para irradiar su
ideología durante aquel momento de la historia brasileña.
Palabras clave: Política; Enseñanza; Geografía; Libro didáctico;
Ideología
Introdução
A educação, no Brasil, tem sofrido muitos reveses durante sua história. A começar
pela catequização dos nossos índios a partir da qual sua cultura era desprezada em
detrimento à cultura européia, fortemente embasada na fé cristã. O livro didático, que foi
criado com o intuito de ser um instrumento de auxílio ao professor na sala de aula, em
muitos casos, passou a ser a “bíblia” da sala de aula. Mais ainda, como o governo,
historicamente, procura estabelecer parâmetros curriculares comuns em todo país, tem
encontrado nos livros didáticos um importante instrumento meio de praticar esta “paridade”
educacional.
Nota-se que até hoje, mais de vinte anos depois da redemocratização, o Estado
brasileiro tem exercido esse papel na educação de suas crianças e jovens. E durante o
período militar, o que sabemos sobre as políticas públicas para a educação e, mais
especificamente, para os livros didáticos?
Normalmente quando é feita alguma menção ao período militar, os termos que
ouvimos ou que lemos mais freqüentemente são: repressão, tortura, perseguição e
desaparecimento geralmente vinculados aos danos físicos e morais causados às pessoas,
às organizações democráticas e aos meios de comunicação. Mas pouco se tem falado
sobre a maneira que os militares administraram o país e seus reflexos na sociedade brasileira.
Com sua ascensão ao poder, os militares passam a se instrumentalizar para a aplicação de
seu projeto de Estado à sociedade brasileira. Esses instrumentos, denominados aparelhos
do Estado, são os meios legais pelos quais o homem organiza sua sociedade, ou seja,
para garantir a existência das classes sociais com sua respectiva relação de
dominação e subordinação econômica, política e ideológica, a classe dominante
utiliza-se do Estado, que nada mais é que um instrumento de repressão
assegurador do seu domínio” (NOSELLA, 1978, p. 21).
198
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
nosso país.
Com isso, tem-se como objetivo, de forma geral, demonstrar como foi tratada a
educação no Brasil durante o regime militar e, especificamente, demonstrar quais foram
as políticas públicas elaboradas para reger as atividades educacionais durante o referido
momento, como essas políticas atingiram os livros didáticos de geografia e construir um
referencial teórico com vistas a ampliar a visão que se tem sobre o assunto, ainda tão
pouco explorado, sobretudo, no Brasil. Para desenvolver a pesquisa, foi adotada uma
metodologia qualitativa, a partir da análise descritiva de livros didáticos do referido período,
levando, desta maneira, à compreensão do tema proposto.
Os livros analisados são de autores expressivos do período e trata-se de obras que
fizeram parte da leva de livros disponibilizados às escolas de acordo com o tratado assinado
em janeiro de 1967. A partir da análise dos livros selecionados, foi possível traçar uma
linha-padrão de apresentação e abordagem da geografia e, mais precisamente, em temas e
assuntos sobre o Brasil.
O mundo, após a Segunda Guerra Mundial, viu despertar um novo embate entre
nações. De um lado da “trincheira”, no hemisfério ocidental liderado pelos Estados Unidos
da América (EUA), ergueu-se o bloco capitalista, dito Primeiro Mundo, com uma economia
liberal voltada aos interesses do mercado e do capital, onde a interferência do Estado na
economia do país era mínima. No hemisfério oriental, liderado pela União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), ergueu-se o bloco de economia planificada e centrada no
interesse coletivo representado pelo Estado (conhecido como Segundo Mundo), sendo o
centro das decisões na capital da Rússia, Moscou.
Durante este período, a América Latina permanecia como uma região cujas
possibilidades de avanço do socialismo eram reais. Seria muito perigoso para os Estados
Unidos, e de certa forma essencial para o capitalismo, que a América Latina fosse integrada
ideologicamente e economicamente aos vizinhos do norte do continente. Porém, segundo
Katchaturov (1980), essa mudança de visão, e atitude dos governos norte-americanos
para com a América Latina não se deu de uma hora para outra, mas foi sendo construída
com o passar dos anos (especialmente do final do século XIX até a metade do século XX),
sendo fortemente apoiada por doutrinas criadas e “aprimoradas” por sucessivos governos.
Assim, o governo de Washington parte em busca de aliados nos países da América
Latina para que se leve até esses países o modelo adotado por ele e seus seguidores. E
encontrou nesses países a insatisfação crescente da classe burguesa com o avanço do
proletariado em seu “território”, associado ao risco de uma eminente revolução das classes
ascendentes embasada nos ideais marxistas, o que o levou a apoiar a burguesia nos golpes
de Estado para a (re)tomada do poder e a consolidação de sua hegemonia no continente
199
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GEOGRAFIA...
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O governo do período foi também muito hábil em adotar discursos que ratificassem
a exatidão do caminho que estava sendo trilhado. O sentimento do verdeamarelismo2 , de
que nos fala Marilena Chauí (2000), passou de discurso de legitimidade do sistema colonial
brasileiro para uma “questão nacional”, onde, segundo a autora, a luta de classes passa a
ser incorporada no discurso, mas é, ao mesmo tempo, neutralizada por uma ação paternal
do Estado e pela suposta colaboração entre capital e trabalho. Esse mesmo sentimento
1
Em IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital (1981), são apresentadas quatro citações de
importantes autores do período: Roberto de Oliveira Campos, Antônio Delfim Netto, João Paulo
dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen. Os quatro autores são unânimes em afirmar que a
“técnica de planejar” é um instrumento livre de interesses políticos e que só o planejamento pode
garantir exatidão das tomadas de decisões governamentais.
2
Segundo Marilena Chauí em Brasil, mito fundador e sociedade autoritária (2000), o
verdeamarelismo surgiu como um sentimento elaborado no curso dos anos pela classe dominante
brasileira como imagem celebrativa do “país essencialmente agrário”, tendo sua construção
coincidindo com o período em que o “princípio da nacionalidade” era definido pela extensão do
território e pela densidade demográfica, visando legitimar o que restara do sistema colonial e a
hegemonia dos proprietários de terra.
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GEOGRAFIA...
Durante o período do regime militar a educação foi um dos campos mais atingidos
por reformas que visassem sua adaptação para atender às demandas do projeto de
desenvolvimento nacional baseado na abertura econômica e no aporte do capital estrangeiro.
Assim, segundo Frigotto (1995, p. 18), “[...] a educação no Brasil, nas décadas de 60 e
70, foi reduzida pelo economicismo, a mero fator de produção – capital humano”. As
diferenças estariam então, não apenas sendo mantidas, mas também ampliadas, na medida
em que a grande massa de estudantes das escolas públicas teria sua “formação” destinada
a suprir as necessidades do mercado e os professores, a ferramenta de execução de tal
objetivo. Assim, a instituição da escola pública deixou de ser um ambiente destinado ao
crescimento pessoal e social e foi, deliberadamente, transformado pelo poder central em
uma “fábrica” de trabalhadores alienados e completamente dependentes das “vontades”
do capital ou da “bondade” do governo.
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Não é a toa que os governos militares tenham elaborado vastas reformas no sistema
de ensino do país. E também não é de se estranhar o fato destas reformas terem sido
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GEOGRAFIA...
potencialidades que possam ser usadas no futuro. Este tipo de tratamento dispensado à
disciplina leva à ênfase na geografia física e ao conhecimento dito “de gaveta” (oriundo da
concepção bancária de ensino, de Paulo Freire). Neste contexto as ligações e as relações
entre homem-natureza e homem-homem deixam de ser as principais balizadoras da
disciplina e assumem um papel de importância secundária. Ao mudar o foco da disciplina
e centralizá-la em variáveis predominantemente estatísticas e “despolitizar o ensino” (ou
seja, subtrair da sala de aula e das disciplinas qualquer parâmetro passível de discussão),
os planejadores fizeram, então, com que a geografia assumisse o papel de disciplina
enciclopeditista, limitando-a unicamente à função de expositora de dados e informações.
Era o enciclopeditismo fazendo uso do que Paulo Freire chama de concepção bancária do
ensino e todas as suas conseqüências para o desenvolvimento crítico, tanto de alunos,
quanto de professores.
Para tanto, o pressuposto que norteou as reformas no sistema de ensino e a adoção
destes novos parâmetros, especialmente para a disciplina de Geografia durante o Regime
Militar, foi o Neopositivismo. Este pressuposto teórico-metodológico trouxe para o ensino
do Brasil um modelo que, segundo Tonini (2003) foi construído como uma ferramenta
para intervenção espacial que possibilitasse o atendimento aos interesses estadunidenses
pelo mundo. Esse pressuposto perfazia perfeitamente às disposições que as reformas
propunham ao ensino. O tecnicismo pedagógico teve, então, uma base amplamente
estruturada em conceitos e técnicas matemáticas de abordagem, o que foi decisivo para a
transformação da geografia numa “ciência enciclopédica”, com as verdades prontas para
ser “depositadas” pelos professores no intelecto dos alunos. Assim, segundo Vesentini
(2004) a escola poderia atuar na adaptação das pessoas.
Esta é a geografia que, segundo Vesentini (2003) teria por função difundir a ideologia
da Pátria, tornar sua construção histórica como algo “natural” e dar ênfase à Terra em
detrimento à sociedade, tornando a natureza como o ser maior que domina nosso planeta,
acima da sociedade de qualquer dicotomia que esta possa apresentar, segundo Faria (1994).
Neste contexto, o livro didático de geografia poderia muito bem ser um instrumento capaz
de “avalizar” e “legalizar” todas estas ponderações. Em um país com recursos econômicos
limitados e que acabara de assinar um contrato de cooperação com um país de maiores
possibilidades financeiras e “técnicas” para edição, publicação, impressão e distribuição
de mais de 50 milhões de exemplares de livros didáticos, logo o livro didático passou da
condição de instrumento de auxílio a instrumento balizador da prática de ensino. No âmbito
das reformas estabelecidas, vale descrever o acordo MEC-SNEL-USAID, assinado em 6
de janeiro de 1967, que diz respeito diretamente ao tema do presente artigo, o livro didático:
206
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
3
Para sistematizar e simplificar o trabalho, a relação dos livros analisados encontra-se nessa
apresentação de maneira resumida. A enumeração feita será empregada no decorrer das
observações e análise com o mesmo objetivo. O referencial completo encontra-se junto às
referências bibliográficas. Foram analisados, nos livros relacionados, aspectos como:
caracterização geral das obras; as relações políticas; Estado, Pátria, Nação e progresso; povo e
cultura; as relações entre o campo e a cidade e as atividades propostas.
207
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GEOGRAFIA...
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O caráter tecnicista fica explícito nesta condição, uma vez que a maneira como os
assuntos são abordados não permitem que os alunos desenvolvam uma concepção crítica
da sua realidade, ou pior, não permitem (ou limitam) qualquer possibilidade do professor
desenvolver uma atividade de maneira a desenvolver um sentido mais apurado nos alunos.
É o conhecimento de gaveta de que fala Paulo Freire. É a simplicidade aparente do mundo
que cerca os alunos e professores. Enfim, é o “Brasil gigante pela própria natureza”
caminhando rumo ao seu futuro de país do futuro.
Enfim, o Brasil, como muitas outras nações do mundo, deve lutar contra o
subdesenvolvimento. Cada nação procura tornar-se desenvolvida atendendo a
suas características próprias. O Brasil precisa descobrir depressa a melhor forma
para lutar pelo bem-estar de seu povo. A aplicação dos projetos organizados
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GEOGRAFIA...
Compreender, portanto, que o Brasil faz parte de uma grande família de nações
– onde cada uma deve manter sua independência – é a melhor maneira de
praticar o nacionalismo moderno. Nosso nacionalismo deve ser o de procurar
soluções brasileiras para problemas brasileiros, sem nos esquecermos do auxílio
que outras nações ou conjunto de nações podem prestar quando se dispõem a
ajudar verdadeiramente o Brasil (RODRIGUES, 1971, p. 8).
210
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do verdeamarelismo foi reeditado pelo governo militar e foi amplamente divulgado sob a
ótica do amor à pátria visando incorporar o povo (de corpo e alma) ao “seu” projeto. E a
grande bandeira que os governantes empunhavam era a do progresso, a ser conseguido às
custas de trabalho, desenvolvimento, aplicação e dedicação de todos.
A ênfase nas virtudes naturais do país, o amor à Pátria e à terra natal são virtudes
sempre visíveis. O Brasil, em suma, aparece nestas obras como uma potência mundial
esperando por acontecer. Um local onde todas as qualidades e possibilidades estão presentes,
por natureza. Faltava apenas a cabeça astuciosa do governo e a mão do trabalhador para
transformar isso tudo em progresso.
Esta evocação das virtudes do país e o chamado do povo para a participação efetiva
no desenvolvimento, fazem parte da retomada do nacionalismo, em baixa após a crise dos
governos populistas anteriores ao Golpe de 1964 (CHAUÍ, 2000) e, concomitante a este
movimento, uma chamada à necessidade de superação do modelo agrário-exportador por
um modelo de industrialização do país. Assim, ao “surgimento” do Brasil (dom de Deus e
da Natureza) é imprescindível a ação do Estado para sua modernização, segundo Chauí
(2000). Portanto, enquanto as obras analisadas chamam a atenção para a necessidade do
Brasil explorar seus recursos, as mesmas mascaram quem são os exploradores e os
explorados.
É este o discurso onde a luta de classes aparece mascarada. Se todos trabalharem,
todos progredirão. Ou, se ocorrerem discrepâncias, estas se darão com o tempo e por
razões naturais. Chama atenção a frase de abertura do capítulo 10 – indústria e comércio
– do livro 4 de Zoraide Beltrame (1975). A autora, sintetizando os temas estudados até
então, introduz ao novo assunto com a seguinte interrogação, “[...] você está vendo como
tudo caminha naturalmente (?)”, numa clara alusão à evolução natural das técnicas e da
sociedade, deslocando o homem da condição de sujeito da história à condição de objeto
histórico. É a subordinação total ao meio, a mais clara visão determinista.
É este o papel apresentado aos alunos pelos livros analisados, o de se bem explorar
as riquezas naturais para a construção do país-potência. Assim, os livros didáticos apontam,
em suas entrelinhas, o povo como o responsável pelo atraso econômico do país, sendo
necessária a intervenção e o controle da mão forte do Estado para reverter esta situação.
Este país “gigante pela própria natureza” precisava, então, para atingir seu objetivo, de
um povo que o amasse e o exaltasse e trabalhasse por ele. Desta forma, questões como
Estado, Pátria e Nação, embora levemente abordados em seus significados, eram sempre
tratados como motivo de orgulho: “Agora você poderia perguntar: o que é Pátria? A Pátria
é o país em que nascemos. É a terra onde vivemos, com seus rios, suas florestas, seus
mares, seu céu, sua beleza, sua cor, suas riquezas e o jeito do seu povo (BELTRAME,
1981, p. 11)”. Segue-se a este pequeno diálogo e exemplo do que é pátria, um trecho do
poema Pátria, de Carlos Barbosa, exaltando-a “[...] como de todos, de direito à idéia, à
palavra; é o céu, o solo, o povo, a tradição, o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei
e da liberdade”.
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GEOGRAFIA...
Como se pode ver o discurso amplamente difundido pelo governo militar em prol da
“unidade da nação” pregava o amor à pátria como condição para a construção de um
Estado forte. Assim sendo, o Brasil é um país de infindáveis recursos, naturais e humanos,
pronto para ser explorado através da “ajuda bem intencionada” dos parceiros estrangeiros,
aqui demonstrada na obra de Rodrigues (1971, p. 50): “Além do Brasil, somente a
Venezuela, Chile e Peru possuem grandes recursos em exploração [...]”. Mais incrível era
a “colaboração bem intencionada” dos outros países neste processo: “[...] em todos estes
países, as principais jazidas são controladas pela Bethlehem Steel e pela United States
Steel; somente o México tem procurado manter uma posição mais reservada.”
É incrível como as diferenças entre o discurso nacionalista de construção de uma
potência econômica e o ato consumado oposto ao discurso passam por cima de fatos como
o citado acima sem nenhuma explicação plausível para o motivo de tamanha discrepância
entre discurso e realidade. E assim, o aluno que teve acesso a estas fontes cai numa roda
onde ele é constantemente jogado de um lado para outro. Por certo é esta a ajuda para
resolver problemas somente quando o país não tiver competência que o aluno perceberá:
nossos recursos naturais são muitos e são bons; não sabemos explorá-los, logo nossos
amigos irão nos ajudar a explorar estes recursos para que nosso país se desenvolva. E este
papel dos livros revela que somente a ação paternal do governo pode desenvolver o país,
uma vez que a força do povo se dá pela importância do braço do trabalhador e não através
da sua consciência política, visto que esta encontrava-se, assim como a geografia (e a
escola), submetida aos “caprichos” do capital e de seus representantes mascarados. Nesta
perspectiva, nada é mais explícito que sua condição de disciplina enciclopédica, onde sua
função é desviada a mostrar a capital de “[...] enormes palácios flutuando entre jardins e
de aparecimento quase mágico” (BELTRAME, 1981, p. 133). É assim que a geografia
funciona como alienadora e como difusora da ideologia do Estado forte.
D) Povo e cultura
“A população de um país deve ser cuidada como o maior de seus recursos naturais”
(BELTRAME, 1975, p. 146). É desta maneira que a população e especialmente os alunos
foram tratados: como recursos naturais. E como a base do desenvolvimento era a
“exploração inteligente” dos recursos naturais, se percebe que o caminho trilhado não foi
selecionado “ao acaso”. Como bem escreveu Paulo Freire, a educação pode servir “tanto
para desnudar a realidade, quanto para mascará-la” e, se considerarmos que o “progresso”
do país foi planejado, então a “neutralidade”, quer seja das técnicas de planejamento, quer
seja da educação, definitivamente se desfazem, ou pior, assumem seu verdadeiro rosto
perante a realidade omitida e negada: a de base discursiva para a construção de “mentiras
que parecem verdades4 ”.
4
Título do livro de Marisa Bonazzi e Umberto Eco que trata sobre ideologia, dos preconceitos
e anacronismos contidos nos livros didáticos utilizados nas escolas italianas (1980).
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através dos restos rançosos de uma sociedade pré-industrial e agreste que não
tem relação alguma com a vida moderna (ECO & BONAZZI, 1980, p. 16).
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GEOGRAFIA...
mascaramento da condição do negro ao afirmar que os estes são diferentes entre si e que
tal diferença é culpada pela sua posição modesta na sociedade brasileira. Ou seja, os
negros estariam para África assim como os índios para o Brasil; são pessoas naturalmente
inferiores e esta “mediocridade existencial” se reflete no “meio”. O mesmo “meio” pobre
que acolheu o barranqueiro.
No entanto, a verdadeira exaltação se dá à condição de país predominantemente
católico e livre de problemas originados por “choques culturais”, como ocorrem, de acordo
com os livros, em outros países.
E) Campo e cidade
As “mentiras que parecem verdades”, terminologia referida anteriormente, também
estão presentes nas abordagens que se referem ao campo e à cidade. Geralmente o campo
é tido como atrasado e grande responsável pelos problemas do país. Já a cidade aparece
como fruto da modernidade, da evolução e da ação planejadora que visa desenvolver o
Brasil. Esta visão, da qual os livros analisados estão impregnados, é fruto da tentativa de
dissociar a imagem do país da sua formação essencialmente agrária. Assim, cito uma
síntese do tratamento dispensado ao meio rural.
Esta exposição (apenas uma dentre várias possíveis) torna visível a abordagem do
campo, denunciando-o como dono de uma estrutura agrária arcaica e conservadora, a
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Esta evolução natural das exigências humanas, normais aos países que se
alfabetizaram gradativamente, passou a solicitar dos órgãos governamentais
uma série de medidas, visando integrar o homem do campo no desenvolvimento
econômico, social e político de seu país. Iniciaram-se, então, séries de estudos
pelos órgãos de planejamento, buscando não apenas reduzir grandes extensões
latifundiárias pertencentes em sua maioria a poucos proprietários, mas mobilizar
uma assistência técnica, sanitária, educacional e moral ao homem do campo
(RODRIGUES, 1971, p. 47 – 48).
Obviamente, a citação fala de um processo inicial de reforma agrária (até hoje não
realizada). O interessante são os pontos a serem atingidos por esta “reforma”, como
“assistência moral”. Ora, se o homem do campo necessita de uma assistência moral, logo
o aluno poderia concluir que ele não é digno de sua atividade nem de sua existência. A
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GEOGRAFIA...
crítica freqüente ao latifúndio, não é apenas justificada pela sua (baixa) produção,
mas também porque a reforma agrária é exigida como um passo fundamental a ser dado
pelo país.
Outro ponto importante no que tange a “necessidade de reformular o campo para
adequá-lo à nova fase do país” é o que Marilena Chauí (2000) chama de “superação do
modelo agrário-exportador por um modelo de industrialização”. A classe urbana buscava,
portanto, atrelar a imagem do país à modernidade, à industrialização, à cidade e não mais
ao campo e à agricultura. Enquanto o meio urbano passava por uma revolução, o campo
deveria se modernizar acompanhando o ritmo de desenvolvimento urbano, ou seja, deveria
fazer uso das técnicas modernas de produção e deflagrar a “Revolução Verde”. E assim
como o índio e o negro foram elementos a serem incorporados pela modernização e pelo
progresso do país, o agricultor, fosse praticante de uma agricultura familiar ou latifundiário,
era encarado como alguém “estranho ao sistema” e que deveria ser integrado ao novo
Brasil e à construção da nova potência.
F) As atividades de fixação
Acompanhando as reformas elaboradas para o sistema de ensino e a “modernização”
das técnicas didático-pedagógicas, as atividades propostas pelos livros analisados também
acompanharam tal evolução. Embora os livros 1 e 4 não tragam sugestões de atividades,
as demais obras analisadas trazem uma série de exercícios propostos, sendo inclusive,
duas destas (6 e 7) exclusivamente dedicadas às atividades.
Como já fora mencionado anteriormente, a autora destas obras faz uma alusão à
facilidade de resolução dos exercícios propostos. Esta simplicidade visava satisfazer às
capacidades do aluno, despertar seu interesse e fixar mais eficazmente (e até de maneira
divertida) os conteúdos da disciplina. Contudo, atrás do aparente baixo nível de dificuldade
de execução destas atividades, esconde-se a sua superficialidade de abordagem e total
parcialidade ao evitar, desta maneira, que o aluno possa exercitar seu senso crítico. Os
exercícios (ou atividades) propostos são, portanto, plenamente desenvolvidos no sentido
de reprimir a real compreensão de mundo do aluno. Estão mais para passa-tempo que
propriamente para exercícios didáticos. Integram a lista sugestões de atividades como:
como montar uma bússola, juntar letras dispersas em quadrinhos para formar o nome das
duas grandes potências, palavras cruzadas, caça-palavras, entre outros.
Ora, como é possível desenvolver o senso crítico do aluno resolvendo palavras
cruzadas ou caça-palavras? Mas é possível sim, fixar o conteúdo através deste tipo de
exercício, uma vez que o conteúdo a ser fixado é tão vago quanto a atividade e ainda é
possível distraí-lo e desenvolver seu lado prático produzindo uma bússola artesanalmente.
Claro que não existe problema em se resolver palavras-cruzada, caça-palavras, ou
fazer uma bússola. O problema consiste em retirar as poucas possibilidades que os alunos
das classes subalternas têm para crescerem como seres humanos (sociais e políticos),
para incutir-lhes uma falsa idéia de que a escola moderna “ensina divertindo”. Porém, da
216
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
forma como está exposto, nota-se claramente que a concepção bancária do ensino a que se
referia Paulo Freire fazia uso de outras artimanhas que não apenas despejar e repetir
conteúdos de maneira desconexa sobre os alunos. Fazia uso de elementos que muito
contribuíam para acobertar o verdadeiro foco da educação e que, como atividades didáticas,
eram um bom passa-tempo.
Considerações finais
217
KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
GEOGRAFIA...
218
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
avanço da “aldeia global”, se mantiver arraigada em suas entranhas uma geografia que já
nasceu condenada à morte. Não como ciência, mas sim como representante de um ranço
de um país de formação colonial, mas que nega seu passado (que continua presente) e que
não vê que toda mudança parte da aceitação e do aprendizado existente da relação entre
erros e acertos.
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219
KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
GEOGRAFIA...
220
Resumo: Inicialmente, reflito sobre a necessidade da assunção do
A EDUCAÇÃO DOCENTE: inacabamento humano como fundamento das práticas educativas formais
e não formais. Este entendimento permite pensar a educação docente, as
(RE)PENSANDO AS SUAS práticas educativas e as linguagens em um contexto formativo amplo, o
que permite romper com as concepções tecnicistas em educação (modelo
PRÁTICAS E LINGUAGENS da racionalidade técnica), atualmente assumidas em muitos cursos de
formação docente. Em seguida, reflito sobre o caráter triádico das
linguagens – estruturas estruturadas, estruturas estruturantes e
THE TEACHING EDUCATION: RE- instrumentos de dominação –, e a necessidade da ruptura com uma postura
THINKING THEIR PRACTICES AND
realista em relação às mesmas, dado que se constituem em expressões
das práxis humanas com o Outro (mundo, ambiência, pessoas) em um
LANGUAGES
determinado modo de produção e, ao mesmo tempo, auxiliam a constituí-
las em diferentes contextos sociais e espaço-temporais. Por fim, demonstro
LA EDUCACIÓN DOCENTE: que o repensar e a (re)apropriação das linguagens nas aulas de geografia
(RE)PENSANDO SUS PRÁCTICAS Y devem se realizar em um contexto de transformação epistemológica da
LENGUAJE prática docente. Esta deveria acolher a multiplicidade das geografias
vividas-enunciadas pelos sujeitos, isso porque o conhecimento se realiza
em incessantes e infinitos movimentos do pensamento.
Palavras-chave: Ensino de geografia; Inacabamento humano; Formação
docente; Caráter triádico das linguagens; Transformação epistemológica.
1
Sobre este assunto ver o livro organizado por Iria Brzezinski (org.) intitulado LDB interpretada:
diversos olhares se entrecruzam (1997). Nele existe um conjunto de textos que analisam a Lei
sob diferentes aspectos que podem auxiliar o leitor a se situar no debate.
222
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
[...] Nela convivem termos e expressões que contêm idéias inconciliáveis, como,
de um lado, ‘programas de formação pedagógica para portadores de diplomas
de educação superior’, ‘institutos superiores de educação’, ‘normal superior’,
e, de outro, ‘profissionais da educação’ e ‘base comum nacional’.
Segundo o mesmo autor, além da LDB 9394/96, que aponta para uma determinada
política de formação docente, é preciso considerar que nesta também influem as condições
materiais de realização do trabalho docente, especificamente, o aviltamento salarial e a
precariedade do trabalho escolar, elementos estes que concorrem para a desvalorização
social da profissão e dos seus profissionais, além de desmotivar a busca pelo aprimoramento
profissional. Um outro elemento essencial para o entendimento da atual situação da
formação docente é a necessidade do atendimento de uma demanda crescente por
profissionais da educação, sem uma mobilização financeira correspondente, no atual
contexto de diminuição dos investimentos sociais. Em outro artigo intitulado A
Universidade, a Avaliação e a Prática de Ensino (KATUTA, 2003, p. 424) indiquei que,
não por acaso, no contexto do neoliberalismo:
223
KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
[...] o professor é visto como um técnico, um especialista que aplica com rigor,
na sua prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento científico e
do conhecimento pedagógico. Portanto, para formar esse profissional, é
necessário um conjunto de disciplinas científicas e outro de disciplinas
pedagógicas, que vão fornecer as bases para sua ação. (PEREIRA, 1999, p.
111-112).
224
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
seis bilhões de pessoas, ela está muito mais ‘cheia’ do que antigamente e [...], entre todos
os países, se multiplicam interações de todo tipo, tanto no plano econômico e financeiro
quanto no político e científico.”
Em outras palavras, as transformações recentes das interações humanas – em
quantidade e em qualidade –, possibilitadas pelo desenvolvimento do meio técnico científico
e informacional, alteraram de tal forma a realidade objetiva que as práticas pedagógicas e
as linguagens, tradicionalmente empregadas no ensino formal da geografia, acabaram por
se tornar ainda mais limitadoras da possibilidade de entendimento das espacialidades
hodiernamente engendradas. Por quê?
Porque a geografia ainda hoje veiculada pela escola funda-se no discurso da
identidade, da homogeneidade dos espaços em função da
225
KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
Em que pese o fato de que as representações subjetivas são tecidas na tensão dialética
entre o individual e o social, é possível afirmar que o autor explicita o que deve ganhar
espaço em sala de aula, na perspectiva de um ensino de geografia que aponte para a
democratização das interações econômicas, sociais, culturais, científicas, políticas, entre
226
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
[...] os indivíduos não são livres de proferir todos os sons lingüísticos que
desejam. Para serem compreendidos, precisam de usar a mesma língua que os
membros do seu grupo utilizam. Assim, uma língua tem um grau de autonomia
em relação a qualquer indivíduo que fala. No entanto, ela existe somente se for
falada por seres humanos.
[...] O ‘mundo’ chega a esse ‘eu’, que sou eu, por dois caminhos: a história
inteira, o passado o tempo biológico e social – e a biografia individual, o tempo
singular. Por um lado, um infinito, uma ordem longínqua. Por outro, uma
ordem próxima, o finito, minha finitude. Minha ‘presença’. Não seria essa
dupla determinação do ‘meu’ ‘ser humano’, de minha ‘subjetividade’?
(LEFEBVRE, 1991, p. 23-24).
Com base no exposto pode-se afirmar que é preciso trazer para o chão da escola,
para o território da educação formal a dimensão das singularidades e particularidades por
meio das quais o conhecimento se realiza quando do processo de sua generalização. Partir
do singular, do particular para o geral, por meio de abstrações, supõe assumir que o
conhecimento somente se realiza neste movimento infinito:
É assim que avança o conhecimento, que não é uma revelação num dado
instante, nem mesmo uma marcha linear e simples da ignorância ao
conhecimento, mas uma estrada cheia de complicados meandros, que
acompanha os acidentes do terreno sobre o qual ela passa e que, por vezes,
deve voltar atrás. É apenas uma estrada, um caminho que passa através da
natureza; mas como diz Hegel numa fórmula singular e profunda, é um caminho
que se faz a si mesmo. (LEFEBVRE, 1991, p. 49).
Se, como defende Lefebvre (1991, p. 287) “[...] Antes de elevar-se ao nível teórico,
todo conhecimento começa pela experiência, pela prática.”2 , faz-se necessário, para
compreender os espaços polissêmicos, engendrados por sujeitos também polissêmicos,
apreendê-los por meio das representações e linguagens que, por meio da abstração, ou de
aproximações possíveis do objeto permitam a realização do conhecimento aqui
2
“[...] é precisamente a modificação da natureza pelo homem – e não a natureza enquanto tal,
tomada isoladamente – que é o fundamento próximo e essencial do pensamento humano; foi
na medida em que o homem aprendeu a modificar a natureza que seu pensamento cresceu.”
(LEFEBVRE, 1991, p. 245).
227
KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
compreendido como:
de modo morto, de modo abstrato, sem movimento, sem contradições, mas sim
no processo eterno do movimento, do nascimento das contradições e de sua
resolução... [E Lênin observa:] A idéia tem em si a oposição mais violenta [...]
O homem cria eternamente essa oposição do pensamento e do objeto e a supera
eternamente. (LEFEBVRE, 1991, p. 287).
228
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
do uso que, em geral, os educadores fazem das linguagens. Para uma parte significativa
dos referidos sujeitos sociais as linguagens representam a realidade de maneira fidedigna.
Esse habitus3 realista com relação às linguagens torna-se um obstáculo epistemológico
ao professor e, portanto, aos alunos que, em geral, acabam por aprender e, dessa maneira,
passam a manter a mesma relação que os seus mestres com o objeto ora em foco. Neste
contexto de uso das linguagens, o caráter triádico das mesmas fica oculto, sendo então
desconsiderado, em grande parte em função do tipo de relações que esses grupos sociais
com elas mantém.
Destaco que estou partindo do pressuposto que o professor ensina muito mais do
que conhecimentos e conceitos. Um conjunto de habitus também é ensinado na escola,
apesar de o mesmo também ser aprendido no âmbito da educação não formal. Para Bourdieu
(1997, p. 42):
Os ‘sujeitos’ são, de fato, agentes que atuam e que sabem, dotados de um senso
prático [...], de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e
divisão (o que comumente chamamos de gosto), de estruturas cognitivas
duradouras (que são essencialmente produto da incorporação de estruturas
objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a
resposta adequada. O habitus é uma espécie de senso prático do que se deve
fazer em dada situação.
3
Expressão esclarecida nos parágrafos que seguem.
229
KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
estar a serviço da dominação de determinados grupos sociais por outros. É preciso salientar
que as linguagens não possuem poder de dominação em si e per si, são os seres humanos
que, por meio delas, estabelecem relações sociais de dominação.
A característica triádica das linguagens deve ser trabalhada na escola e, sobretudo,
nos cursos de formação de professores porque auxiliaria no equacionamento dos obstáculos
epistemológicos engendrados em função de uma postura realista que, por não ser
problematizada nos processos formativos são ainda hoje lugares comuns. Eis um dos
papéis fundamentais da escola em uma sociedade em que os processos comunicativos e,
conseqüentemente, as linguagens atingiram um patamar de desenvolvimento, especialização,
uso e disseminação sem precedentes na história da humanidade.
Educar os alunos para entenderem as diferentes linguagens e seus sujeitos
enunciadores, explicitando seu caráter triádico, constitui-se, nos dias de hoje, em uma
condição fundamental para que os mesmos possam conquistar sua autonomia de pensamento
no atual contexto do desenvolvimento do capital. Atualmente, a velocidade e diversidade
de meios para disseminação das informações, dos conhecimentos, dos processos
comunicativos tornaram-se centrais ao processo de sustentação e (re)produção do
capitalismo em sua face globalizada. Por isso, já dizia Paulo Freire (1996, p. 123-124):
“Uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática de
conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua
comunicabilidade.”
As linguagens, como todo e qualquer produto humano, são expressões das relações
dos grupos sociais que as criaram e, ao mesmo tempo, auxiliam em sua (re)produção. Por
isso, pode-se afirmar que as mesmas constituem-se também em práxis humanas, daí
auxiliarem, dependendo do uso que delas for feito, na (re)produção do espaço para e do
capital. É o que demonstro no item que segue.
O repensar e a (re)apropriação das linguagens enquanto expressão da transformação
das práticas docentes: assunção da multiplicidade dos sujeitos enunciadores e suas
geografias
Considerando o caráter triádico das linguagens e a maneira realista com que, via de
regra, os educadores com elas se relacionam, entendo que o repensar e a (re)apropriação
das linguagens pelos sujeitos sociais em questão deve ser antecedida de uma transformação
de suas práticas pedagógicas ancorada, obviamente, em uma necessária transformação
230
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
epistemológica.
Com isso, não estou querendo afirmar que a transformação da prática pedagógica
docente deve ser antecedida pelas teorias. Ao contrário, é o trabalho realizado em sala de
aula com as diferentes linguagens que irão demandar determinados conhecimentos e
transformações epistemológicas que, por sua vez, auxiliarão a fundar uma prática docente
que considere a prática e a teoria como duas faces da mesma moeda. Isto já bem observou
Lefebvre (1991, p. 49-50):
231
KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
deve ser constantemente debatido em fóruns educacionais mais amplos. Trata-se de assumir,
portanto, que os saberes sobre as linguagens aplicados à sala de aula devem ser construídos
coletiva e cotidianamente na lida do trabalho educativo.
Se, como já apontava Freire (1996, p. 123-124), a tarefa maior da escola, portanto,
dos professores é o trabalho com a inteligibilidade e comunicabilidade das coisas do e no
mundo, é preciso que se assuma que as linguagens constituem-se em elementos importantes
para que o objetivo maior da educação formal se realize.
Luria (1988, p. 51-52) em suas pesquisas verificou que pessoas sem instrução
usam a linguagem em sua função mnemotécnica (de memorização) “[...] apenas para
ajudá-las a relembrar e reunir os componentes da situação prática mais do que para permitir
que formulem abstrações ou generalizações.” Este uso aponta para uma concepção de
linguagem realista enquanto reprodução exata do real, relação que também os povos
primitivos nutriam com ela.
Pessoas instruídas ou com algum grau de instrução utilizam a palavra para codificar
objetos em esquemas conceituais, daí serem capazes de executar um pensamento lógico
mais complexo. Eis o foco do trabalho do professor.
Ao lidar com diferentes linguagens o educador deve compreender que se tratam de
distintos modos de semiotização, dentre os quais inexiste a possibilidade de julgar uns
como sendo melhores que outros. A escolha dos tipos de linguagens por meio das quais o
professor trabalhará os conteúdos irá depender de seus objetivos pedagógicos.
Cada linguagem nos permite construir uma rede de coordenadas semióticas – redes
de significados e significações, que nos localizam e orientam em nossas ações. Assim,
cada uma captura aspectos do real permitindo a sua racionalização. Daí Wittgenstein
(1995, p. 375) afirmar que uma forma de expressão inapropriada conduz à confusão e à
imobilidade:
<<Assim uma pessoa que não aprendeu uma linguagem não pode ter certas
recordações?>> Certamente – não pode ter recordações verbais, não pode
verbalizar desejos ou medos, etc. E recordações, etc., verbais não são apenas as
representações coçadas das experiências realmente vividas: pois não é a
linguagem também uma vivência? (WITTGENSTEIN, 1995, p. 486).
No começo era o Topos. E o Topos indicava o mundo, pois era lugar; não
estava em Deus, não era Deus, pois Deus não tem lugar e jamais o teve. E o
Topos era o Logos, mas o Logos não era Deus, pois era o que tem lugar. O
Topos, na verdade, era poucas coisas: a marca, a re-marca. Para marcar, houve
traços dos animais e de seus percursos; depois sinais: um seixo, uma árvore,
232
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
No começo era o Topos, que era e ainda é ou são “as coisas no mundo” e as
“coisas do mundo” e que nele têm lugar. Coisas olhadas, sentidas, tocadas,
discernidas do não-eu, marcadas, vistas, usadas, nominadas, denominadas,
dominadas porque necessárias na e para a ação, para a sobrevivência humana,
e hoje, para a produção de excedentes por muitos para o usufruto de poucos.
Das relações dialéticas engendradas entre o topos e as ações humanas surge a
linguagem, estrutura estruturante e estruturada, coroamento do domínio relativo
dos seres humanos em relação aos outros elementos da natureza. (KATUTA,
2004, p. 224-225).
É preciso salientar que existe uma linguagem específica que não pode ser
desconsiderada no processo de ensino e aprendizagem dos conhecimentos geográficos: a
linguagem cartográfica. Este meio de comunicação permite apreender as espacializações
dos fenômenos, bem como possibilita pensar em explicações para as mesmas em diferentes
níveis escalares. Contudo, apenas esta linguagem não dá conta da polissemia dos fenômenos
geográficos, pois diversos são os grupos sociais bem como as suas geografias. Há que,
como afirma Moreira (1999, p. 54), polissemizar a diferença, instituir a dialética da
identidade-diferença na geografia. Para tanto há que: “[...] rever o modo de ser representação
[...], num outro que combine heterogêneo e homogêneo sem que a diferença desapareça na
homogeneidade-identidade por um ardil formal da razão.”
É preciso então:
4
Amontoado de pedras na forma de cone, feito por diferentes grupos humanos para indicar
lugares conhecidos , marcos ou mesmo uma tumba. Grifo da autora.
233
KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
5
“O espaço assim concebido se define como jogo das ausências e presenças, representadas pela
alternância das sombras e claridades, do luminoso e do noturno. Os ‘objetos’ no espaço simulam
a aparição e o desaparecimento mais profundo das presenças.” (Tradução da autora).
234
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
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KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
Conclusões
6
Aqui geografia está sendo entendida em um amplo sentido, ou seja, como o conjunto das
relações que o sujeito estabelece com o espaço e o grupo social com quem convive.
236
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
Assim, quanto mais linguagens se utilizam e dominam, mais ampla tende a ser a
compreensão do mundo pelos sujeitos, isso porque cada uma delas apresenta o real a
partir das especificidades de sua sintaxe, de seu modo de dizer sobre as coisas do e no
mundo.
A ampliação do conjunto de linguagens utilizadas nas aulas de geografia é
fundamental para que a análise do mesmo fenômeno em múltiplas escalas ocorra. Assim,
um mesmo tema, ao ser apresentado em um mapa, em uma foto ou pintura, em uma
crônica ou letra de canção, é passível de ser compreendido nas várias escalas em que
ocorre. Dessa maneira, acaba por congregar um conjunto de características que passariam
desapercebidas em entendimentos mais simplistas, reduzidos a apenas uma escala de análise,
fundado na homogeneidade. Como conseqüência destas múltiplas apreensões, pode-se
afirmar que é também por meio do uso de várias linguagens que a ontologia dos objetos
estudados pela geografia ganha maior amplitude, também porque enunciada por diferentes
sujeitos. É neste contexto de uso de linguagens que a multiplicidade dos sujeitos enunciadores
ganha espaço nas aulas de geografia, cria-se, portanto, a possibilidade da compreensão
dos lugares por meio de um olhar que se situa entre a diferença e a homogeneidade, entre
a singularidade e a generalidade, entre o concreto e o abstrato, é exatamente neste movimento
que se constroem os conhecimentos dos arranjos espaciais.
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL Resumo: A crise ambiental descortina a crise civilizacional do
COMO POSSIBILIDADE Ocidente, de seu projeto de natureza e de seu projeto de homem. Tal
DE UNIFICAR SABERES projeto externaliza-se na fragmentação dos saberes e na prática
escolar que afasta educandos e educadores da natureza, dos
problemas e questões da vida cotidiana. Este trabalho discorre sobre
a importância da construção de um modelo curricular, fundado na
THE ENVIRONMENTAL relação homem-natureza e em uma concepção interdisciplinar dessa
EDUCATION AS A POSSIBILITY TO relação. A Educação Ambiental não deve ser enxergada como mais
UNIFY KNOWLEDGE
uma disciplina (obrigatória por lei), mas deve ser assumida como
um conhecimento, que unifique conteúdos e dê à escola um novo
LA EDUCACIÓN AMBIENTAL COMO
POSIBILIDAD DE LA UNIFICACIÓN sentido, uma nova razão de ser, re-introduzindo educadores e
DE LOS CONOCIMIENTOS educandos numa relação harmônica com a Terra.
Palavras-chave: Natureza; Sociedade; Escola;
Interdisciplinaridade; Currículo.
VALTER MACHADO DA
Abstract: The environmental crisis reveals the crisis of ocidental
FONSECA
civilization, of its nature project and its project of mankind. Such
Geógrafo e mestre em project is externalized in the fragmentation of knowledge and in the
Educação – FACED-UFU teaching practice which separates teachers and students from nature,
problems and matters of everyday life. This work discusses the
machado04fonseca@yahoo.com.br importance for the construction of a curriculum model, based on the
relation between nature-man and an interdiciplinary conception of
SANDRA RODRIGUES this relation. The Environmental Education does not have to be seen
as another discipline (obrigatory by law), but it should be assumed
BRAGA as knowledge, which unifies contents and give the school a new
Doutoranda em Geografia – sense, a new reason for existing, reintroducing teachers and students
IG-UFU/CNPq in a harmonic relationship with the Earth.
Introdução
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FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
As ciências não vivem num vazio ideológico. Tanto por sua constituição a
partir das ideologias teóricas e as cosmovisões do mundo que plasmam o terreno
conflitivo das práticas sociais dos homens, como pelas transformações
tecnológicas que se abrem a partir das condições econômicas de aplicação de
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Entretanto, como adverte Ciccilini (2002, p. 45), “a escola deve ser considerada
como uma instituição representativa da sociedade [...] não apenas reproduz as ideologias,
mas também apresenta formas de resistência à inculcação ideológica”.
A escola vê-se, então, confrontada com o desafio lançado por educadores e educandos
que defendem uma nova prática pedagógica e um currículo que expresse o abandono da
ideologia e a ação prática de produção do conhecimento a partir da realidade e dos problemas
“cotidianos”. Dada a recorrência do termo “cotidiano” na literatura de EA, cabe aqui um
parêntese sobre as armadilhas que seu emprego comporta.
A Teoria do Cotidiano, exposta por Agnes Heller (1989), afirma que a cotidianidade,
apesar de sua aparente riqueza, quando invade outras esferas da realidade, como a escola,
o faz por já se ter tornado um espaço de alienação. Assim, o trabalho realizado pela
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FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
educação escolar formal deve participar da vida não cotidiana dos indivíduos, já que a
cotidianidade, por seus caracteres de espontaneidade, pragmatismo, economicismo,
analogia, precedentes, juízo provisório e ultrageneralização, não possibilita a plena
apropriação da cultura humana. A alienação da cotidianidade impede a sua própria
explicitação. A superação da consciência espontânea, do senso comum, em favor
de uma consciência crítica, supõe a unidade teoria-prática.
Tais armadilhas não têm implicações apenas teóricas, mas implicações prático-
pedagógicas bastante precisas, que redundam na pauperização do ensino. A inserção
consciente na vida social depende do grau de compreensão e crítica dos mecanismos que
regem as relações sociais, que é mediado pelo conhecimento intelectual e a “socialização
do saber”, facultados pela escola. O desenvolvimento da consciência crítica não se faz
sem uma fundamentação teórica que permita a análise das práticas sociais e vice-versa,
em uma dialética de ação-reflexão-ação. É assim que o comprometimento escolar com a
interação plena educador-educando-natureza, demandante de um novo modelo de escola e
de um novo currículo, exige uma robustez teórico-metodológica que o sustente.
Desse modo, de início, há que se saber o que é, efetivamente, EA e que tipo de
educação queremos.
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Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-se,
à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as condições em
que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos “conhecimentos
de experiência feitos” com que chegam à escola (FREIRE, 1997, p. 71).
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Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
como tradicionais parceiras da temática ambiental, esta pode e deve abarcar quase todas
as outras disciplinas pela discussão do tema e pela geração de textos e programas de
atividades correlatas.
Seja ou não formal, a EA demanda um enfoque interdisciplinar, uma perspectiva
global e equilibrada, que se acha na cooperação/interação entre todas as disciplinas ou
campos de atuação do tema, sendo importante a abordagem dos seus aspectos sociais,
matemáticos, históricos, geográficos, das línguas, artes e filosofia. Diferentes estratégias
pedagógicas permitem o desenvolvimento de métodos e técnicas de ensino capazes de
dotá-la de um caráter multiplicador.
A prática da EA demanda uma múltipla visão dos fenômenos e uma atuação
catalisadora do conhecimento das questões ambientais. Mas, para trabalhar neste nível,
essa práxis necessita incorporar a crítica das relações na sociedade e desta com a natureza,
voltando-se para a complexidade, absorvendo diferenças em uma busca coletiva de avanços
para os problemas ambientais globais.
Analisadas as distintas conceituações de EA, vale ressaltar as diferentes concepções
de meio ambiente que permeiam os seus projetos e/ou atividades. Essas diferenças podem
caracterizar a EA como um “adestramento ambiental”, como uma educação para a
democracia ou ainda como uma educação “subversiva, que busca a tentativa de implantar
um projeto transformador, traduzido pela inserção da racionalidade ecológica no núcleo
ideológico de nossa sociedade” (LAYRARGUES, 1999, p. 141).
Paula Brügger (1994), ao destacar que EA não é igual ao ensino de ecologia, define
a perspectiva preservacionista como “adestramento ambiental”, pois visa unicamente a
uma mudança de comportamento individual e não de valores societários.
Parte expressiva dos projetos/atividades de EA no Brasil privilegia uma perspectiva
reducionista da temática ambiental, fundamentando-se nos aspectos biológicos do ambiente
e numa concepção preservacionista, que ignora o homem e as relações sociais. A
preponderância dessas abordagens faz-se acompanhar por práticas destituídas de
referenciais teórico-metodológicos e de um questionamento de seus determinantes. Vale
aqui indagar, como o fazem Victor Novicki e Maria Maccariello (2007, p. 1):
A quem interessa defender uma abordagem reducionista (naturalista) da questão
ambiental? Quais interesses procuram ocultar os determinantes sociais, políticos,
éticos, culturais e econômicos da degradação ambiental? Se todo e qualquer
problema ambiental é causado por nosso modo de produzir e consumir
mercadorias (inclusive a natureza) e, dialeticamente, se os efeitos ou custos
ambientais desta degradação afetam os seres humanos de modo desigual e
combinado, segundo seu lugar no modo de produção capitalista, que ideologia
esforça-se em separar artificialmente sociedade e natureza?
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FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
Como toda inovação, a EA demanda tempo e preparo para sua utilização. Exige a
formação permanente dos responsáveis pelas mudanças, a análise da instituição escolar e
o conhecimento das relações intra-escolares e dos diversos sujeitos sociais envolvidos.
Nesse contexto, a escola emerge como espaço de mediação entre o interno e o externo, o
conhecido e o por conhecer.
A introdução da EA no currículo envolve interesses econômicos, políticos e
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aspectos primários são também objeto de definições e práticas mais amplas. Este
debate sobre educação é freqüentemente construído a alguma distância dos
processos que ele pretende descrever. Este debate, contudo, através das políticas,
exerce um efeito real sobre o próprio sistema educacional. Ele também faz parte
de um discurso político geral. Em formas desenvolvidas do Estado democrático
(que pressupõe uma cidadania igual) os debates sobre educação são partes de
uma história de hegemonia; são uma instância regional do processo de solicitação
da anuência dos governados (FINN et al., 1980, p. 187).
·
meio ambiente global;
• Conhecimento - para adquirir uma diversidade de experiências e a
compreensão fundamental do meio ambiente e dos problemas que o afetam;
• Comportamento - comprometimento com os valores éticos, tal que
os indivíduos se sintam interessados pelo meio ambiente, participando
assim da proteção e da melhoria ambiental;
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Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
Neste quadro, é preciso retomar uma prática afetiva em que os sujeitos da prática
educacional assumam-se em sua plenitude.
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos
com o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-
se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz
de amar. Assumir-se como sujeito por que capaz de reconhecer-se como objeto
(FREIRE, 1997, p. 46).
É necessário salientar que “todo ser vivo ocupa um nicho dentro da teia da vida”,
apesar de o ser humano ter há muito se distanciado “da natureza e de suas origens
biológicas”, esquecendo-se de que “não vivemos sem a natureza porque ela faz parte, ou
melhor, ela está no âmago do nosso ser” (PÁDUA, 2002, p. 53).
A retomada de uma visão integradora do mundo representa um passo fundamental
no sentido da ruptura com a fragmentação e compartimentação dos conteúdos. Para tanto,
a EA deve ser trabalhada numa relação dialógica entre educadores/educandos e a realidade
da escola e das comunidades circunvizinhas.
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar
a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência
é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que
com a vida? Por que não estabelecer uma necessária digamos “intimidade”
entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social
que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e
ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A
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FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
Considerações finais
Referências
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FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
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Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais:
Educação, Geografia, Interdisciplinaridade
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PIRES, C. L. Z. RESENHA: SABERES E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO
DE SUJEITOS...
com o lugar através de práticas e saberes (muitas vezes construídas e condicionadas pela
realidade local) que se reconstituem na diversidade das apropriações espaciais.
Muitas passagens do livro conduzem a instigantes reflexões que, com certeza,
fazem o leitor modificar o seu olhar sobre sujeitos concretos que circulam nos espaços da
cidade de Porto Alegre. São sujeitos que falam através de seu silêncio, de suas diferenças
e de sua identidade sobre justiça social e exclusão. As identidades dos sujeitos e dos
lugares se fundem gerando sentimentos de inclusão e exclusão. O estudo do lugar vivido
tem a evidente preocupação de deslocar o centro do olhar do observador para entender o
olhar dos sujeitos numa relação dialógica de construção de saberes, pois o lugar evoca
relações afetivas e subjetivas que podem romper com uma visão fragmentada do espaço.
A relevância da leitura da obra Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e
Espaços Sociais está justamente nessa tentativa de olhar para a complexidade dos lugares
e evitar uma visão fragmentada e reducionista, articulando local e global e demonstrando
explicitamente a subjetividade das observações na relação sujeito e objeto. Na primeira
parte do livro, intitulada Os estabelecidos e os outros: fluxos na construção e representação
de territórios, merecem destaque as análises feitas pelos autores sobre os poderes
estabelecidos, as culturas hegemônicas e as construções simbólicas que constituem
territórios que podem promover processos de inclusão/exclusão. Já a segunda parte,
intitulada Práticas educativas Instauradoras: os sujeitos e seu lugar no mundo, traz
reflexões, relatos de projetos e vivências de práticas educativas que são denominadas de
instauradoras, pois buscam a superação da realidade vivida através de ações
transformadoras do presente.
Pode-se perceber, nas duas partes do livro, a busca por releituras do lugar a partir
de uma geografia vivida que possa iniciar ou fortalecer ações transformadoras para o
exercício da cidadania e, também, a preocupação sempre presente com processos de
segregação que levam à exclusão social. Os textos são apaixonantes tanto em seus relatos
de experiências como nas reflexões que trazem explicitamente a fonte de seus referencias
teóricos, articulando teoria e prática em diferentes níveis de abordagem.
A aceleração contemporânea, possibilitada pelo desenvolvimento da técnica e da
informação desafia as práticas de ensino de geografia, pois na medida em que o mundo
torna-se globalizado, o lugar revela-se em ação imediata, porque nele se encontram as
possibilidades mais próximas para compreensão do sujeito na relação sócio-espacial. O
lugar assume importância fundamental porque ele representa o cotidiano, o localmente
vivido, portanto, objeto de uma razão global. O lugar é uma categoria importante para a
geografia e as ciências sociais, pois reflete a dinâmica das relações globais e a reconstitui
cotidianamente numa interação perene e cada vez mais consolidada através do
desenvolvimento tecnológico e da globalização econômica. No lugar observamos as
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Terra Livre - n. 28 (1): 259-261, 2007
Bibliografia
FISCHER, Nilton Bueno. Prefácio. In: REGO, Nelson, MOLL Jaqueline e AIGNER,
Carlos. (Org.). Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais: Educação,
Geografia, Interdisciplinaridade. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
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NORMAS
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Terra Livre - n. 28 (1): 264-270, 2007
Terra Livre é uma publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)
que tem por objetivo divulgar matérias concernentes aos temas presentes na formação e
prática dos geógrafos e sua participação na construção da cidadania. Nela são acolhidos
textos sob a forma de artigos, notas, resenhas, comunicações, entre outras, de todos os
que se interessam e participam do conhecimento propiciado pela Geografia, e que estejam
relacionados com as discussões que envolvem as teorias, metodologias e práticas
desenvolvidas e utilizadas nesse processo, assim como com as condições e situações sob
as quais vêm se manifestando e suas perspectivas.
1. Todos os textos enviados a esta revista devem ser inéditos e redigidos em português,
inglês, espanhol ou francês.
2. Os textos devem ser apresentados com extensão mínima de 15 e máxima de 30 laudas,
com margem (direita, esquerda, superior e inferior) de 3 cm, e parágrafos de 2,0 centímetros,
em folhas de papel branco, formato A-4 (210x297mm), impresso em uma só face, sem
rasuras e/ou emendas, e enviados em duas vias impressas acompanhadas de versão em
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utilizando-se a fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1 e ½ .
3. O cabeçalho deve conter o título (e subtítulo, se houver) em português, inglês e espanhol
ou francês. Na segunda linha, o(s) nome(s) do(s) autor(es), e, na terceira, as informações
referentes à(s) instituição(ões) a que pertence(m), bem como o(s) correio(s) eletrônico(s)
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4. O texto deve ser acompanhado de resumos em português, inglês e espanhol ou francês,
com no mínimo 10 e no máximo 15 linhas, em espaço simples, e uma relação de 5 palavras-
chave que identifiquem o conteúdo do texto.
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pode ser utilizado quando extremamente necessário e cada nota deve ter em torno de 3
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texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: “A esse respeito, Milton Santos
demonstrou os limites... (1989)”. Diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmo
ano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data. Ex.: (SANTOS, 1985a),
(SANTOS, 1985b).
8. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética de
sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos.
a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação:
Editora, data. Ex.: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária
Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.
b) No caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In:
SOBRENOME, Nome (Org.). Título do livro. Local de publicação: Editora,
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
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TERRA LIVRE
SUBMISSION GUIDELINES
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SUBMISSION GUIDELINES
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NORMAS PARA PUBLICACIÓN
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COMPÊNDIO
DOS NÚMEROS ANTERIORES
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COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
22) BRAGA, Ricardo Augusto Pessoa. Avaliação de impactos ambientais: uma abordagem
sistêmica. n. 3, p. 65-74, mar.1988.
23) LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. n. 3, p. 75-88,
mar.1988.
24) SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes e SCHÄFFER, Neiva Otero. Análise
ambiental: a atuação do geógrafo para e na sociedade. n. 3, p. 89-103, mar.1988.
25) ESTRADA, Maria Lúcia. Algumas considerações sobre a Geografia e o seu ensino -
o caso da industralização brasileira. n. 3, p. 105-120, mar.1988.
26) MESQUITA, Zilá. Os “espaços” do espaço brasileiro em fins do século XX n. 4, p. 9-
38, jul.1988.
27) RIBEIRO, Wagner Costa. Relação espaço/tempo: considerações sobre a materialidade
e dinâmica da história humana. n. 4, p. 39-53, jul.1988.
28) SILVA, José Borzacchiello da. Gestão democrática do espaço e participação dos
Geógrafos. n. 4, p. 55-76, jul.1988.
29) REGO, Nelson. A experiência de autogestão dos trabalhadores agrários de Nova Ronda
Alta e o seu significado para o Movimento dos Sem Terra. n. 4, p. 65-76, jul. 1988.
30) VALLEJO, Luiz Renato. Ecodesenvolvimento e o mito do progresso. n. 4, p. 77-87,
jul.1988.
31) VLACH, Vânia Rubia Farias. Rediscutindo a questão acerca do livro didático de
Geografia para o ensino de 1° e 2° graus. n. 4, p. 89-95, jul.1988.
32) SCHÄFFER, Neiva Otero. Os estudos sociais ocupam novamente o espaço... da
discussão. n. 4, p. 97-108, jul.1988.
33) SANTOS, Milton. O espaço geográfico como categoria filosófica. n. 5, p. 9-20, 1988.
34) SOUZA, Marcelo José Lopes de. “Espaciologia”: uma objeção (crítica aos
prestigiamentos pseudo-críticos do espaço social). n. 5, p. 21-45, 1988.
35) GOMES, Paulo César da Costa e COSTA, Rogério Haesbaert da. O espaço na
modernidade). n. 5, p. 47-67, 1988.
36) SILVA, Mário Cezar Tompes da. O papel do político na construção do espaço dos
homens). n. 5, p. 69-82, 1988.
37) SOUZA Marcos José Nogueira de. Subsídios para uma política conservacionista dos
recursos naturais renováveis do Ceará). n. 5, p. 83-101, 1988.
38) KRENAK, Ailton. Tradição indígena e ocupação sustentável da floresta. n. 6, p. 9-
18, ago.1989.
39) MOREIRA, Ruy. A marcha do capitalismo e a essência econômica da questão agrária
no Brasil. n. 6, p. 19-63, ago.1989.
40) SADER, Regina. Migração e violência: o caso da Pré-Amazônia Maranhense. n. 6, p.
65-76, ago.1989.
41) FAULHABER, Priscila. A terceira margem: índios e ribeirinhos do Solimões. n. 6, p.
77-92, ago.1989.
42) TARELHO, Luiz Carlos. Movimento Sem Terra de Sumaré. Espaço de conscientização
e de luta pela posse da terra. n. 6, p. 93-104, ago.1989.
43) OLIVEIRA, Bernadete de Castro. Reforma agrária para quem? Discutindo o campo
no estado de São Paulo. n. 6, p. 105-114, ago.1989.
274
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
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COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
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Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
277
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
110) SOUZA, Marcelo Lopes de. Os orçamentos participativos e sua espacialidade: uma
agenda de pesquisa. n. 15, p.39-58, 2000.
111) FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento social como categoria geográfica. n. 15,
p. 59-85, 2000.
112) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. O que há de novo no rural brasileiro? n. 15,
p. 87-112, 2000.
113) BRAGA, Rosalina. Formação inicial de professores: uma trajetória com
permanências eivadas por dissensos e impasses. n. 15, p. 113-128, 2000.
114) ROCHA, Genylton Odilon Rego da. Uma breve história da formação do(a)
professor(a) de Geografia do Brasil. n. 15, p. 129-144, 2000.
115) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Geografia, representações sociais e escola pública. n. 15,
p. 145-154, 2000.
116) OLIVEIRA, Márcio Piñon. Geografia, Globalização e cidadania. n. 15, p. 155-
164, 2000.
117) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. “Navegar é preciso, viver não é preciso”:
estudo sobre o Projeto de Perenização da Hidrovia dos Rios das Mortes: Araguaia e Tocantins. n. 15,
p. 167-213, 2000.
118) VITTE, Antonio Carlos. Considerações sobre a teoria da etchplanação e sua
aplicação nos estudos das formas de relevo nas regiões tropicais quentes e úmidas. n. 16,
p. 11-24, 2001.
119) RAMIRES, Blanca. Krugman y el regresso a los modelos espaciales: ¿La nueva
geografía? n. 16, p. 25 - 38, 2001.
120) FERREIRA, Darlene Ap. de Oliveira. Geografia Agrária no Brasil: periodização e
conceituação. n. 16, p. 39-70, 2001.
121) MAIA, Doralice Sátyro. A Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. n. 16,
p. 71-98, 2001.
122) SPOSITO, Eliseu. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicas
na Geografia contemporânea. n. 16, p. 99-112, 2001.
123) MENDONÇA, Francisco. Geografia socioambiental. n. 16, p. 113-132, 2001.
124) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o Ensino?
n. 16, p. 133-152, 2001.
125) PIRES, Hindenburgo Francisco. “Ethos” e mitos do pensamento único globaltotalitário.
n. 16, p. 153-168, 2001.
126) REGO, Nelson. SUERTEGARAY, Dirce Maria. HEIDRICH, Álvaro. O ensino de
Geografia como uma hermenêutica instauradora. n. 16, p. 169-194, 2001.
126) SUERTEGARAY, Dirce M. Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza
da Geografia Física na Geografia. n. 17, p. 11-24, 2001.
127) OLIVA, Jaime Tadeu. O espaço geográfico como componente social. n. 17, p. 25-
48, 2001.
128) NETO, João Lima Sant’anna. Por uma Geografia do Clima – antecedentes históricos,
paradigmas contemporâneos e uma nova razão para um novo conhecimento. n. 17, p. 49-
62, 2001.
278
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
279
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
149) MARTIN, Jean-Yves. Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexões
a partir do caso do MST. Ano 18, v. 2, n.19, p. 11-35.
150) CALLE, Angel. Análisis comparado de movimientos sociales: MST, Guatemala y
España. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 37-58.
151) CALDERÓN ARAGÓN, Georgina. Un lugar en la bandera (la marcha zapatista). Ano 18,
v. 2, n. 19, p. 59-74.
152) FABRINI, João Edmilson. O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos
assentamentos e campesinato. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 75-94.
153) MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Ano 18, v. 2,
n. 19, p. 95-112.
154) FERNANDES, Bernardo M., DA PONTE, Karina F. As vilas rurais do Estado do
Paraná e as novas ruralidades. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 113-126.
155) SMITH, Neil. Geografia, diferencia y las políticas de escala. Ano 18, v. 2, n. 19, p.
127-146.
156) ARANA, Alva Regina Azevedo. Os avicultores integrados no Brasil: estratégias e
adaptações – o caso Coperguaçu Descalvado – SP. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 147-162.
157) GÓES, Eda, MAKINO, Rosa Lúcia. As unidades prisionais do Oeste Paulista:
implicações do aprisionamento e do fracasso da tentativa da sociedade de isolar por completo
parte de si mesma. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 163-176.
158) LEAL, Antonio Cezar, THOMAZ Jr., Antonio, ALVES, Neri, GONÇALVES,
Marcelino A., DIVIESO, Eduardo P., CANTÓIA, Silvia, GOMES, Adriana M.,
GONÇALVES, Sara Maria M. P. S., ROTTA, Valdir E. A reinserção do lixo na sociedade
do capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem.
Ano 18, v. 2, n. 19, p. 177-190.
159) SANTOS, Clézio. Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente. Ano 18, v. 2,
n. 19, p. 191-198.
160) REGO, Nelson. Geração de ambiências: três conceitos articuladores. Ano 18, v. 2, n. 19,
p. 199-212.
161) SILVA, Silvio Simione. A liberdade no “fazer ciência” em Geografia. Ano 18, v. 2, n. 19,
p. 213-228.
162) SILVA, Tânia Paula da. Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST.
Ano 18, v. 2, n. 19, p. 229-242.
163) TFOUNI, Leda Verdiani, ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso sobre Canudos
e a retórica do massacre. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 243-256.
164) FRANCO GARCÍA, Maria, THOMAZ Jr., Antonio. Trabalhadoras rurais e luta
pela terra no Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território. Ano 18, v. 2, n. 19, p.
257-272.
165) STACCIARINI, José Henrique Rodrigues. Ética, humanidade e ações por cidadania:
280
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
do impeachment de Collor ao Fome Zero do governo Lula. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 273-
284.
166) BESSAT, Frédéric. A mudança climática entre ciência, desafios e decisões: olhar
geográfico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 11-26.
167) SARTORI, Maria da Graça Barros. A dinâmica do clima do Rio Grande do sul:
indução empírica e conhecimento científico. Ano 19, v. 1, n. 19, p. 27-49.
168) SANT’ANNA Neto, João Lima. Da complexidade física do universo ao cotidiano da
sociedade: mudança, variabilidade e ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 51-63.
169) ZAVATINI, João Afonso. A produção brasileira em climatologia: o tempo e o espaço
nos estudos do ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 65-100.
170) NUNES, Lucí Hidalgo. Repercussões globais, regionais e locais do aquecimento
global. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 101-110.
171) SILVA, Maria Elisa Siqueira, GUETTER, Alexandre K. Mudanças climáticas
regionais observadas no Estado do Paraná. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 111-126.
172) PACIORNIK, Newton. Mudança global do clima: repercussões globais, regionais e
locais. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 127-135.
173) VERÍSSIMO, Maria Elisa Zanella. Algumas considerações sobre o aquecimento
global e suas repercussões. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 137-143.
174) ASSIS, Eleonora Sad de. Métodos preditivos da climatologia como subsídios ao
planejamento urbano: aplicação em conforto térmico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 145-158.
175) FRAGA, Nilson César. Clima, gestão do território e enchentes no Vale do Itajaí-SC.
Ano 19, v. 1, n. 20, p. 159-170.
176) BEJARÁN, R., GARÍN, A. De, SCHWEIGMANN, N. Aplicación de la predicción
meteorológica para el pronóstico de la abundancia potencial del Aedes aegypti en Buenos
Aires. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 171-178.
177) FERREIRA, Maria Eugenia M. Costa. “Doenças tropicais”: o clima e a saúde coletiva.
Alterações climáticas e a ocorrência de malária na área de influência do reservatório de
Itaipu, PR. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 179-191.
178) CONFALONIERI, Ulisses E. C. Variabilidade climática, vulnerabilidade social e
saúde no Brasil. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 193-204.
179) MENDONÇA, Francisco. Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica
– notas introdutórias. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 205-221.
180) CLAVAL, Paul. The logic of multilingual cities and their political problems. Ano 19, v. 2,
n. 21, p. 11-23.
181) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI.
Ano 19, v. 2, n. 21, p. 25-39.
182) BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia Agrária e responsabilidade social da ciência. Ano
19, v. 2, n. 21, p. 41-53.
281
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
183) GRABOIS, José, CEZAR, Lucia Helena da S., SANTOS, Cátia P. dos, GREGÓRIO Filho,
Gregório. O habitat e a questão social no Noroeste Fluminense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 55-71.
184) ALMEIDA, Rose Aparecida de. O conceito de classe camponesa em questão. Ano 19, v. 2,
n. 21, p. 73-88.
185) FERNANDES, Bernardo M., SILVA, Anderson A., GIRARDI, Eduardo P.
DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra: uma experiência de pesquisa e extensão
no estudo da territorialização da luta pela terra. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 89-112.
186) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e modernidade: as transformações no
campo e o agronegócio no Brasil. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156.
187) BERNARDES, Júlia Adão. Territorialização do capital, trabalho e meio ambiente
em Mato Grosso. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 157-167.
188) ABREU, Silvana de. Racionalização e ideologia: o domínio do capital no
espaço matogrossense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 169-181.
189) OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. A busca do desenvolvimento sustentável na
gestão dos recursos hídricos brasileiros. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 183-192.
190) PASSOS, Messias Modesto dos. A construção da paisagem no Pontal do
Paranapanema – uma apreensão geo-foto-gráfica. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 193-211.
191) MARTINS, César Augusto Ávila. Empresas na pesca e aqüicultura: anotações do
uso do território. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 213-223.
192) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Desterritorialização da violência no capitalismo
globalitário: o caso do Brasil e do Espírito Santo. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 225-240.
193) MORATO, Rúbia G., KAWAKUBO, Fernando S., LUCHIARI, Ailton. Mapeamento
da qualidade de vida em áreas urbanas: conceitos e metodologias. Ano 19, v. 2, n. 21, p.
241-248.
194) HENRIQUE, Wendel. A natureza nos interstícios do social – uma leitura das idéias
de natureza nas obras de Milton Santos. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 249-262.
195) PANCHER, Andréia M. FREITAS, Maria Isabel C. de. Mapeamento do crescimento urbano
em áreas de várzea na passagem do Rio Corumbataí por Rio Claro/SP. Ano 19, v. 2, n. 21,
p. 263-279.
196) SPOSITO, Eliseu Savério. Dinâmica regional e diversificação industrial (Resenha). Ano 19, v.
2, n. 21, p. 281-284.
197) SEABRA, Manoel. Os primeiros anos da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ano 20,
v. 1, n. 22, p. 13-68.
198) VIEIRA, Alexandre B., PEDON, Nelson R. O papel das comunidades científicas: a
AGB Nacional e a Seção Local de Presidente Prudente/SP. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 71-83.
199) Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Dourados. AGB – Seção Dourados:
memória e história de um processo de construção coletiva. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 85-97.
200) SANTANA, Mário Rubem C., AMORIM, Itamar G. De, GOMES, Denize S. AGB
282
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
283
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
218) GOETTERT, Jones Dari. “Lúcia Gramado Kaigang”: como me redescobri na Serra
Gaúcha. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 53-74.
219) REFFATTI, Lucimara Vizzotto, REGO, Nelson. Representações de mundo, geografias
adversas e manejo simbólico – proximações entre clínica psicopedagógica e ensino de Geografia.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 75-85.
220) SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Ano 20, v. 2, n. 23,
p. 87-96.
221) LIMA, Luiz C., MONIÉ, Frédéric, BATISTA, Francisca G. A nova geografia econômica
mundial e a emergência de um novo sistema portuário no Estado do Ceará: o Porto do Pecém.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 97-109.
222) KAWAKUBO, Fernando S., MORATO, Rúbia G., CORREIA JUNIOR, Paulo A.,
LUCHIARI, Ailton. Utilização de imagens híbridas geradas a partir da transformação de IHS
e aplicação de segmentação no mapeamento detalhado do uso da terra. Ano 20, v. 2, n. 23,
p. 111-122.
223) SCOLESE, Eduardo. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessas
de reforma agrária. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 123-138.
224) OLIVEIRA, Ivanilton José de. Sustentabilidade de sistemas produtivos agrários em
paisagens do cerrado: uma análise no município de Jataí-GO. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 139-159.
225) GADE, Daniel W. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 163-
164.
226) CLAVAL, Paul. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 1165-167.
227) CLAVAL, Paul. The nature and scope of Political Geography. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 13-
28.
228) VLACH, Vânia R. F. Entre a idéia de território e a lógica da rede: desafios para o ensino
de Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 29-41.
229) AUED, Idaleto M.; ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de O método de desconstituição
do capital e a Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 43-60.
230) HASSLER, Márcio L. Áreas de proteção ambiental e unidades territoriais de
planejamento na porção leste da região metropolitana de Curitiba. Ano 21, v. 1, n. 24, p.
61-75.
231) MORETTI, Edvaldo C.; LOMBA, Gilson K. Precarização do trabalho e
territorialidade da atividade turística em Bonito-MS. Ano 21, v. 1, n. 24,
p. 77-99.
232) SOUSA, Givaldo V. de; DUTRA JUNIOR, Wagnervalter. O imaginário social e
território no distrito de José Gonçalves – BA. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 101-117.
233) GIL FILHO, Sylvio F. Geografia da religião: o sagrado como representação. Ano 21, v. 1,
n. 24, p. 119-133.
234) SUERTEGARAY, Dirce M. A. ; VERDUM, Roberto ; BELLANCA, Eri T. ; UAGODA,
284
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
Rogério S. Sobre a gênese da arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul. Ano 21, v. 1, n. 24,
p. 135-150.
235) HENRIQUE, Wendel. Proposta de periodização das relações sociedade-natureza:
uma abordagem geográfica de idéias, conceitos e representações. Ano 21, v. 1, n. 24, p.
151-175.
236) PINHEIRO, Antonio C. Tendências teórico-metodológicas e suas influências nas
pesquisas acadêmicas sobre o ensino de Geografia no Brasil. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 177-
191.
237) CUSTODIO, Vanderli. Inundações no espaço urbano: as dimensões natural e social
do problema. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 193-210.
238) LORENTE, Silvia Díez. Propuesta metodológica y conceptual para el estudio de los
Riesgos Naturales: la situación en España. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 211-230.
239) SEEMANN, Jörn. Geografia: ciência do complexus: ensaios transdisciplinares
(Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 233-236.
240) PINHEIRO, Antonio C. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries
iniciais (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 237-241.
241) ELIAS, Denise; PEQUEÑO, Renato. Espaço urbano no Brasil agrícola moderno e
desigualdades socioespaciais. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 13-33.
242) SERPA, Ângelo. Espaço público, cultura e participação popular na cidade
contemporânea. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 35-48.
243) FABREGAT, Clemente Herrero. La formación simbólica del profesorado en Geografía.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 49-65.
244) MARANDOLA JR, Eduardo. Arqueologia fenomenológica: em busca da experiência.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 67-79.
245) MIZUSAKI, Márcia Yukari. Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 81-93.
246) CARVALHO, Márcia S. de. A Geografia da Alimentação em frente pioneira (Londrina-
Paraná). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 95-110.
247) CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro - entre o ativismo e a ciência, a
introdução da Geografia da Fome na história do pensamento geográfico no Brasil. Ano 21, v. 2,
n. 25, p. 111-120.
248) IORIS, Antônio A. R. Água, cobrança e commodity: a Geografia dos Recursos Hídricos
no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 121-137.
249) SOUZA, Bartolomeu Israel de; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Contribuição
ao debate sobre a transposição do Rio São Francisco e as prováveis conseqüências em
relação a desertificação nos Cariris Velhos (PB). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 139-155.
250) CASTRO, João Alves de. Tantos cerrados: múltiplas abordagens sobre a
biodiversidade e singularidade sociocultural (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 159-162.
285
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
286
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
287
Título Geografia e Ensino
Preparação de originais
e revisão de textos José Alves
Capa Thais Barros de Souza
Arte final da capa Gilson Kleber Lomba
Editoração eletrônica Alexandre Aldo Neves
Formato 18x26
Tipologia Times New Roman
Papel Sulfite 75g
Número de páginas 288
Tiragem 1000 exemplares
Impressão Copyset (copyset@superig.com.br)
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