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[...] pois bem, se tens a convicção de que o amor, por natureza, versa sobre
aquilo com que concordamos tantas vezes, não te espantes. Neste caso, pela
mesma razão, a natureza mortal busca, dentro do possível, existir sempre e tornar-
se imortal; e somente pode consegui-lo por meio da procriação, pois deixa sempre
um novo ser no lugar do velho. Mas nem sequer durante esse período, no qual se
diz que vive cada um dos viventes, e que é idêntico a si mesmo, o ser humano
reúne sempre as mesmas qualidades; assim, por exemplo, diz-se que um indivíduo,
desde sua primeira infância até a velhice, é a mesma pessoa. Porém, embora se
diga que é a mesma pessoa, esse indivíduo jamais reúne as mesmas coisas dentro
de si mesmo, senão que está permanentemente se renovando em aparência e, ao
mesmo tempo, se destruindo, em seu cabelo, em sua carne, em seus ossos, em seu
sangue e na totalidade de seu corpo.
E isto não ocorre somente no corpo, mas também na alma, cujos hábitos,
costumes, opiniões, desejos, prazeres, sofrimentos e temores, todas e cada uma
dessas coisas, jamais permanecem as mesmas em cada um dos indivíduos, senão
que umas nascem e outras perecem. Mas ainda muito mais estranho do que isto é o
fato de os conhecimentos não somente nascerem de uma forma e perecerem de
outra dentro de nós – de tal sorte que não somos idênticos a nós mesmos nem
sequer nos conhecimentos que adquirimos –, mas sim que também acontece o
mesmo a cada um deles. Com efeito, o que se chama “rever” só ocorre porque um
determinado conhecimento pode nos abandonar, pois o esquecimento é o espaço
de um conhecimento, e a revisão, ao criar dentro de nós uma nova lembrança em
troca daquela que perdemos, conserva o conhecimento, de modo que pareça ser o
mesmo de antes.
É dessa forma que se conserva todo o mortal, não por ser completamente e
sempre idêntico a si mesmo, como ocorre com os seres divinos, mas pelo fato de
que o ser que se foi ou que envelheceu deixa após si um outro ser novo, similar
àquilo que ele era. Por esse meio, Sócrates, o mortal participa da imortalidade, tanto
em seu corpo como em tudo o mais; o imortal, por sua vez, participa da imortalidade
por um outro processo bastante diferente. Não te admires, pois, se todo ser preza,
por natureza, aquilo que é um renovo de si mesmo, porque é a imortalidade a razão
pela qual todo ser é acompanhado por essa solicitude e por esse amor.
Tome por certo, Sócrates, que assim é se desejas lançar um olhar sobre a
ambição dos homens, a não ser que tenhas em mente uma ideia daquilo que te
disse, ficarias assombrado de sua insensatez ao pensar em que terrível estado os
lança o amor para se tornarem célebres e deixarem no futuro uma fama imortal.
Para alcançar esse objetivo estão dispostos a correr todos os perigos, mais ainda do
que o fariam por seus filhos, a gastar dinheiro, a suportar qualquer fadiga e a
sacrificar a própria vida. Pois então acreditas que Alceste se deixaria morrer por
causa de Admeto, ou Aquiles para vingar Pátroclo, ou mesmo vosso Codro para
salvaguardar a dignidade real de seus filhos, se não estivessem convencidos de que
permaneceria após eles essa recordação imortal de suas virtudes, tal como as
celebramos agora? Nem mesmo pela hipótese mais remota. É para imortalizar sua
virtude, segundo creio, e para conseguir tal renome, que todos concentram seus
esforços, e com tão maior afinco quanto melhores forem, porque aquilo que mais
amam é justamente o perdurável.
Assim, pois, os que são fecundos no corpo se dirigem especialmente às
mulheres, sendo esta a maneira pela qual se manifestam suas inclinações
amorosas, porque, segundo creem, garantem para si, através da procriação de
filhos, imortalidade, memória de si mesmos e felicidade para todo o tempo futuro.
Por outro lado, existem aqueles que são fecundos na alma... pois existem homens
que concebem nas almas, mais ainda que nos corpos, aquilo que pertence à alma
conceber e dar à luz. E o que é que lhe pertence? A sabedoria moral e as demais
virtudes, aquelas de que são progenitores precisamente todos os poetas e todos os
artífices de quem se diz que são inventores. Todavia, a maior e mais bela forma de
sabedoria moral é, de longe, o ordenamento das cidades e das comunidades, cujo
nome é moderação e justiça. Assim, quando alguém se encontra prenhe dessas
virtudes em sua alma desde menino, inspirado como se está pela divindade, ao
chegar à idade conveniente deseja parir e procriar, e também ele, segundo creio, se
dedica a buscar em torno de si a beleza por meio da qual possa engendrar, pois na
feiura jamais o fará. Sente, desse modo, maior apego aos corpos belos do que aos
feios, em razão mesma de seu estado de prenhez; e quando neles encontra
também uma alma bela, nobre e bem-dotada, mostra extraordinária afeição pelo
conjunto e prontamente encontra ante esse ser humano uma profusão de razões a
propósito da virtude e de como deve ser o homem bom, as coisas a que deve se
aplicar e, desse modo, buscará educá-lo. E é por ter, segundo creio, contato e trato
com o belo, que ilumina e dá vida ao que havia concebido anteriormente; a seu lado
ou separado dele, recorda-se sempre desse ser, e com sua ajuda cria em comum o
fruto de sua procriação, de tal modo que aqueles que experimentam entre si tal
condição formam uma comunidade muito maior do que a dos filhos, e têm um afeto
muito mais firme, já que geraram em comum filhos mais belos e mais imortais. E
mais, todo homem preferiria ter filhos de tal índole a tê-los humanos, se dirige seu
olhar a Homero, a Hesíodo e a todos os demais grandes poetas e contempla com
inveja a descendência que deixaram de si mesmos, que lhes garante memória e
fama imortal uma vez que essa descendência também é famosa ou imortal. Ou se
quiseres – acrescentou ela – poderão ter filhos iguais àqueles que deixou Licurgo na
Lacedemônia, que se tornaram salvadores da Lacedemônia e, por assim dizer, de
toda a Hélade. Também entre vós Sólon é honrado por ter dado vida às leis, do
mesmo modo que muitos outros homens o são em outras partes, tanto entre os
gregos como no meio dos bárbaros, por haverem realizado muitas e belas obras e
gerado virtudes de todos os gêneros. Em honra a tais homens, e por haverem tido
tais filhos, já são muitos os cultos instituídos; por outro lado, até hoje não se presta
culto e homenagem a ninguém por ter tido apenas filhos humanos. Esses são os
mistérios do amor, Sócrates, mistérios nos quais inclusive tu poderias ser iniciado.
[...]1
2. Os egípcios acreditavam que cada ser humano possuía duas almas: oKá, ou Duplo,
que acompanhava o corpo em sua tumba e vigiava sua própria múmia; e oBá, que
partia para o mundo dos espíritos, viajando na barca do Sol até comparecer perante
Osíris e enfrentar o seu julgamento.
HERA
3. Filho de Laerte". Era comum entre os gregos designar uma pessoa ou um deus por
um adjetivo derivado do nome de seu pai ou outro antepassado.
Medeia
– [...] antes de tudo, temos de comprar o próprio marido, com grande desperdício
de esperança e de bens a fim de darmos um amo e senhor a nós mesmas. E, creia-
me, esse é o pior de todos os males. Separar-se do marido é escandaloso para a
mulher, mas não prejudica em nada a reputação do homem. Quando eles se
aborrecem em casa, saem às ruas para se distrair. No entanto, quando somos nós a
fazer o mesmo, eles não nos deixam sair, alegando que temos de cuidar dos filhos.
Asseguram eles que, permanecendo em casa, as mulheres evitam inúmeros
perigos, enquanto os homens, pobrezinhos, têm de se afastar a fim de combater nas
guerras.
– Aonde poderia ir, ó Jasão? Diga-me tu, por favor! – assim lhe rogava Medeia.
Para a casa de meu pai, a quem atraiçoei por amor de ti? Juntar-me às filhas de
Pélias, às quais induzi a dar morte ao sangue de seu próprio sangue? Oh, que
desamparo o meu! Eis que me condenas, Jasão, a me afundar no interior da pior
das tristezas...
5. Felipe II e Pérdicas eram filhos de Amintas II, aliado de Esparta, que reinou de 396 a
370 a.C.
Estatira
6. Os idos correspondiam ao 15a dia dos meses de março, maio, julho e outubro e ao
dia dos demais meses no calendário romano.
Hipátia de Alexandria
7. James George Frazer(1854-1941), antropólogo escocês, famoso por sua teoria das
três fases do pensamento humano: mágico, religioso e científico, exposta em seu longo
livroThe golden bough[O ramo de ouro], escrito entre 1890 e 1915, uma classificação
adotada até hoje pela maioria dos antropólogos.
Sherazade
11. O poema descreve Shalott como uma ilha localizada "a jusante" [rio acima] de
Camelot. Trata-se de uma alegoria da condição das mulheres da aristocracia vitoriana,
cuja visão do mundo tinha pouco a ver com a realidade, protegidas em suas mansões
pelas fortunas acumuladas por seus parentes masculinos durante a Revolução
Industrial e pelos exércitos do Império Britânico, sem conhecer nada do sofrimento dos
operários, para não falar das "raças de cor que o reino benevolamente "protegia". Era
como se tecessem em suas mentes tapeçarias de um mundo mágico contemplado
através de um espelho distorcido, em "ouro sobre azul", sem que jamais "assomassem
ã janela" para ver a realidade. Como fontes remotas, encontramos alusões na "Rainha
das Fadas", de Edmund Spenser, nos "Poemas Traduzidos do Gaélico", de James
Macpherson e especialmente na "Ilha Arroxeada", de Phineas Fletcher, que podem ou
não ter despertado em Tennyson a inspiração para compor o poema que popularizou a
personagem.
15. Metate: pedra sobre a qual se mói milho, cacau e outros grãos, no México;elote:
espiga tenra de milho que se consome cozida ou assada, no México e em alguns
países da América Central;huipil: espécie de camisa adornada, própria dos trajes
indígenas (México, Honduras, El Salvador e Guatemala).
Era uma santa de estatura mediana, mais para alta que para baixa. Em sua
mocidade teve fama de ser muito formosa, e mesmo na maturidade ainda
demonstrava sê-lo. Seu rosto não era nada comum; tinha feições extraordinárias, de
tal modo que não se poderia descrever como redondo nem aquilino; era formado por
três partes de iguais proporções. A testa era larga, simétrica e muito bela; as
sobrancelhas, de coloração louro escura, largas e um tanto arqueadas; olhos
negros, vivazes e arredondados, não muito grandes mas extremamente bem
desenhados. O nariz, redondo e retilíneo até o meio dos olhos, afinava até igualar
com as sobrancelhas, formando um harmonioso sobrecenho. Era mais corpulenta
do que magra, mas em tudo bem proporcionada; tinha mãos muito lindas, embora
pequenas; no rosto, do lado esquerdo, tinha três pintas... formavam uma linha reta
entre elas, começando pela maior logo abaixo da boca, a outra entre a boca e o
nariz e a última no próprio nariz, mais para baixo do que para cima. Em tudo era
perfeita.
Três coisas disseram de mim no decorrer de minha vida: que era, quando moça,
bem-apessoada, que era discreta, e agora dizem alguns que sou santa. Nas duas
primeiras acreditei por algum tempo, e me confessei por haver dado crédito a essas
vaidades; mas em relação à terceira nunca me deixei enganar tanto para alguma
vez ter acreditado nela.
18. Crioulo (criollo): indivíduo branco descendente de pais europeus, nascido nas
colônias europeias, particularmente na América espanhola.
Nosso tempo
Virginia Woolf
É natural que os gênios sejam seres um pouco mais complicados que os demais.
Creio haver me encontrado com apenas dois gênios em toda a minha vida: um foi o
filósofo George Moore; o outro, minha própria mulher. Creio que ela foi um gênio
não apenas porque tinha uma maneira totalmente natural de pensar, de falar e de
considerar as coisas e a vida, mas porque, em muitos momentos, tinha uma visão
nada comum sobre todas essas coisas...
"Não existem Reis Magos; não existe Deus; não existe nada além de teu próprio
espírito para te ajudar".
19. Referência ao teatro construído por Wagner, com a ajuda do rei Luis II da Baviera,
na cidade alemã de Bayreuth, para a representação de suas obras. Wagner compôs
seu último trabalho, a óperaParsifal(1882), especialmente para ser encenado nesse
teatro.
21. O Altar de Dolores é uma tradição religiosa trazida da Espanha para o México no
período colonial, quando os jesuítas introduziram a devoção a Nossa Senhora das
Dores. Desde então, nas sextas-feiras anteriores à Semana Santa, os fiéis católicos
preparam altares para a Virgem em seus templos e lares.
22. Revista literária publicada no México entre 1928 e 1931. No entanto, por esse
nome ficou mais conhecido o grupo de escritores que colaborou com essa publicação.
A presença dosContemporáneose de seus herdeiros é de vital importância na cultura
mexicana, pois é tida como um marco do modernismo, do desejo de diálogo com
outras culturas e da busca pelo caráter nacional.
23. Bairro residencial da cidade do México cujas ruas levam nomes de médicos
notáveis.
27. Estabelecimentos onde se fabrica ou se vende pulque, uma bebida alcoólica típica
do México.
30. Milho cozido em água de cal - preparada com cem partes de água para uma de cal
que serve para fazertortilhasdepois de moído (México, El Salvador e Honduras).
Simone de Beauvoir
Título Original:
Mujeres, Mitos y Diosas
CRÉDITOS
TRADUÇÃO:
William Lagos / Débora Dutra Vieira
CAPA:
Venus de Botticelli
Thiago Ventura / Luiza Franco
REVISÃO:
Hebe Ester Lucas
PROJETO GRÁFICO:
Neide Siqueira
EDITORAÇÃO E FOTOLITOS:
Join Bureau
2006
Robles, Martha
Mulheres, mitos e deusas: o feminino através dos tempos / Martha Robles ; tradução
William Lagos, Débora Dutra Vieira. - São Paulo : Aleph, 2006.
ISBN 9788576574675
1. Feminilidade 2. Literatura mexicana 3. Mulheres - Aspectos sociológicos 4. Mulheres
- Histórias 5. Mulheres - Mitologia
I. Título.
06-2487 CDD-305.42
Índice para catálogo sistemático:
1. Mulheres : História : Sociologia
305.42