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Aracaju/SE
2020
TERESA CRISTINA PEREIRA
Aracaju/SE
2020
PROFINT – Profissionais Integrados Ltda
FEBRAP – Federação Brasileira de Psicodrama
Curso de Especialização Lato Sensu em Psicodrama
_________________________________________________________________
Profª Esp. Cybele Maria Rabelo Ramalho–Psicodramatista-Didata: Inscrição
FEBRAP nº 270, fl.90, Livro I.
__________________________________________________________________
Msc. Karen Mirela Sales Venancio–Psicodramatista-Didata nível II: Inscrição
FEBRAP nº 371, fl. 94, Livro II.
__________________________________________________________________
Profª Esp.André Luiz Viana Nunes – Psicodramatista-Didata nível II: Inscrição
FEBRAP nº 280, fl 71, Livro II
Resumo
A presente monografia teve como objetivo pesquisar a desconstrução da persona
conhecida e ajudar a vir à tona outras faces que os indivíduos guardam em seu
inconsciente. A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa, tendo por objetivo
entender o porquê de determinados comportamentos, particularidades e experiências do
sujeito estudado. Baseada na abordagem do psicodrama, embasada no referencial teórico
de Moreno e conceitos da psicologia analítica de Jung. Compreende-se que a máscara,
usada no contexto psicodramático concretiza personagens e papéis sociais, repletos de
conserva culturais, que camuflam o drama individual do sujeito impedido de atuar na vida
em sua plenitude. O trabalho psicoterápico consiste em equilibrar a luz e a sombra que as
máscaras representam.
Palavras-chave: Psicodrama, máscaras, psicologia analítica, conservas culturais
The present monograph aimed to research the deconstruction of the known persona
and help to bring out other faces that individuals keep in their unconscious. The
methodology used was qualitative research, aiming to understand the reason for certain
behaviors, particularities and experiences of the studied subject. Based on the psychodrama
approach, based on Moreno's theoretical framework and concepts of Jung's analytical
psychology. It is understood that the mask, used in the psychodramatic context, concretizes
characters and social roles, full of cultural preserves, that camouflage the individual drama
of the subject prevented from acting in life to the full. Psychotherapeutic work consists of
balancing the light and shadow that the masks represent.
Keyword: Psychodrama, masks, analytical psychology, cultural preserves
2 Metodologia 17
2.1 Metodologia X Método 17
2.4 Máscaras 20
3 Relato de experiência 22
3.1 Caracterização do caso 22
3.2 Evolução do caso e principais intervenções clínicas 23
3.2.1 Incubação 24
Foto 02 A Transformação 25
Figura 05 O Máskara 32
Muitas coisas na vida pessoal e profissional são iguais ao bambu chinês. Você
trabalha, investe tempo, esforço, faz tudo o que pode para nutrir seu crescimento e, às
vezes, não vê nada por semanas, meses ou anos. Mas, se tiver paciência para continuar
trabalhando, persistindo e nutrindo, o seu 5º ano chegará; com ele virão mudanças que
você jamais esperava.
Lembre-se que é preciso muita ousadia para chegar às alturas e, ao mesmo tempo,
muita profundidade para agarrar-se ao chão.
Paulo Coelho
1
Introdução
Segundo Cukier (2002, p.218), nos tempos pré-históricos, indivíduos foram tratados
em civilizações primitivas, de sofrimentos psíquicos e físicos, com métodos quase
psicodramáticos.
Historicamente, o psicodrama representa o ponto culminante na passagem do
tratamento do indivíduo isolado para o tratamento do indivíduo em grupos, do tratamento do
indivíduo por métodos verbais para o tratamento por métodos de ação. (MORENO,
1975/2016). Para Moreno, o homem é um indivíduo social, nasce em sociedade e necessita
dos outros para sobreviver sendo apto a manter uma convivência com os demais, relações
interpessoais, um encontro.
Segundo Moreno (2016), “encontro” significa mais do que uma vaga relação pessoal.
Significa que duas ou mais pessoas se encontram não só para se defrontarem entre si, mas
também para viver e experimentar-se mutuamente, como atores cada um por seu direito
próprio, não como um “profissional”, mas um encontro de duas pessoas.
Toda teoria moreniana parte da ideia do Homem em relação, da inter-relação entre as
pessoas. Para investigá-la, Moreno criou a Socionomia, cujo nome vem do latim sociu =
companheiro, grupo, e do grego nomos = regra, lei, ocupando-se, portanto, dos estudos das
leis que regem o comportamento social e grupal.
Esse estudo subdividiu-se em três categorias: a sociodinâmica, que estuda o
funcionamento das relações interpessoais, tendo como método o role-playing (técnica que
permite ao indivíduo atuar, no contexto dramático, papéis variados, de modo a desenvolver
um papel espontâneo e criativo); a sociometria, ciência que objetiva medir as relações entre as
pessoas (cujo método é o teste sociométrico) e a sociatria, que consiste na terapia das relações
sociais, tendo como métodos a psicoterapia de grupo, o psicodrama e o sociodrama
(Gonçalves et al., 1988). A todo o conjunto que forma a teoria formulada por Moreno é
comum na literatura referir-se simplesmente como psicodrama, ou abordagem
psicodramática, nomenclaturas que também são adotadas neste trabalho.
Veremos a seguir alguns dos principais conceitos psicodramáticos fundamentais para o
nosso trabalho de pesquisa, os quais são Tele, Encontro, Co-consciente e Co-inconsciente,
Conserva Cultural , Espontaneidade e Criatividade, Teoria dos papéis.
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1.1.1 Tele: definições
Tele é empatia recíproca. Como um telefone, ela tem duas pontas. Estamos
acostumados à noção de que os sentimentos aparecem dentro do organismo individual e que
se apegam com maior intensidade às pessoas ou coisas no meio ambiente mais próximo.
(Cukier, 2002, p. 317)
1.1.2 Encontro
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face. E quando estiveres perto,
arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus; e arrancarei meus olhos
para colocá-los no lugar dos teus; então ver-te-ei com os teus olhos e tu ver-me-ás
com os meus. (Moreno, 1975/2016, pag. 9)
Segundo Moreno (1975/2016, p. 27), o termo inglês role (= papel), originário de uma
antiga palavra francesa que penetrou no francês e inglês medieval, deriva do latim rotula. Só
nos séculos XVI e XVII, com o surgimento do teatro moderno, é que as partes dos
personagens teatrais foram lidas em “rolos” ou fascículos de papel. Desta maneira, cada parte
cênica passou a ser designada como um papel ou role. Assim, o papel não é um conceito
sociológico ou psiquiátrico; entrou no vocabulário científico através do teatro.
O papel pode ser definido como uma unidade de experiência sintética em que se
fundiram elementos privados, sociais e culturais. Desde tempos imemoriais, o teatro tem sido
o meio mais extraordinário para a representação de papéis. No teatro foi cultivada, em sua
forma pura, a ideia platônica do papel, não adulterada pelo fragmentarismo e as
complexidades da vida real. (...). Toda e qualquer sessão psicodramática demonstra que um
papel é uma experiência interpessoal e necessita, usualmente, de dois ou mais indivíduos para
ser realizado. (Moreno, 1975/2014, p.238).
A função do papel é penetrar no inconsciente, desde o mundo social, para dar-lhe
forma e ordem. Espera-se que todo indivíduo esteja à altura do seu papel oficial na vida. O
indivíduo anseia por encarnar muito mais papéis do que aqueles que lhe é permitido
desempenhar na vida. Todo e qualquer indivíduo vê-se a si mesmo numa variada gama de
papéis e vê os outros que o cercam numa grande variedade de contrapapéis. O papel é a
unidade da cultura; ego e papel estão em íntima interação. (Moreno, 1975/2014, p.28/29)
Estes fatores estão presentes desde a primeira fase da Matriz de Identidade:
O papel pode ser definido como uma pessoa imaginária criada por um autor
dramático, por exemplo, um Hamlet, um Otelo ou um Fausto; esse papel imaginário
pode nunca ter existido como um Pinóquio ou Bambi. Pode ser um modelo para a
existência, como um Fausto; ou uma imitação dela, como um Otelo. O papel
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também pode ser definido como uma parte ou um caráter assumido por um ator, por
exemplo, uma pessoa imaginária como Hamlet animada por um ator para a
realidade. O papel ainda pode ser definido como uma personagem ou função
assumida na realidade social, por exemplo, um policial, um juiz, um médico, um
deputado. Finalmente, o papel pode ser definido como a formas reais e tangíveis que
o ‘eu’ adota. Eu, ego, personalidade, personagem etc. são efeitos acumulados,
hipóteses heurísticas, postulados metapsicológicos, “logóides”. (Moreno,
1975/2016, p.206)
Moreno considerava que o papel não era estanque, mas que estava em processo de
desenvolvido, conforme três fases de desenvolvimento explicitadas abaixo no Quadro 01.
Moreno pretendia que a ação dramática terapêutica levasse a algo mais do que a mera
repetição de papéis tais como são desempenhados no quotidiano. A ação dramática permite
insights profundos, por parte do protagonista e do grupo, a respeito do significado dos papéis
assumidos. (Gonçalves et al, 1988, p. 73-74).
Apesar desse depoimento, sabemos que, pelo menos em duas ocasiões, Moreno fez
uso de um atendimento bipessoal: no caso Rath e no Psicodrama de Adolf Hitler. Esses casos
clínicos não parecem, entretanto, ter tido maior impacto em suas obras, uma vez que em
nenhum momento Moreno formalmente prescinde ou questiona a função do ego auxiliar.
(Cukier, 1992)
Afirma Cukier (1992) que o psicodrama bipessoal não deve ser visto como uma
abordagem terapêutica menos importante que outras. Somos capazes de lidar com a
sobrecarga de funções que o papel do psicoterapeuta requer no psicodrama bipessoal,
mantendo-se o papel de diretor, mesmo ao contracenar com o paciente.
“Um grupo começa com duas pessoas, quando o terapeuta é um verdadeiro segundo
e não apenas um observador. Na clássica situação psicanalítica há realmente apenas
um, porque o segundo, o analista, não está verdadeiramente com ele, mas fora dele.
Houve e há, naturalmente, analistas que procuram fazer de duas pessoas uma só.
Isso acontece, entretanto, quando o terapeuta desempenha não apenas o papel de
médico, mas também de companheiro do paciente. (CUKIER, 2002)
Segundo Ramalho (2002, p.65), Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, considerado o pai
da Psicologia Analítica, “...foi defensor do processo psicoterápico ser guiado pela natureza,
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tendo como finalidade não a “cura” em si, mas o desenvolvimento das possibilidades criativas
latentes no indivíduo”. Seu legado, expandiu o conhecimento sobre a natureza humana,
incluindo arte, história, mitologia, filosofia, espiritualidade, etc.
O sujeito cria personagens e assume diferentes papéis sociais que se encontram muitas
vezes cristalizados e que estão impedidos de serem protagonizados em sua plenitude e em sua
possibilidade criativa, tendo como resultado uma inadequação decorrente de uma falta de
espontaneidade e criatividade. (Oliveira, 2013)
As máscaras são incorporadas a partir da rotulação de padrões predeterminados pela
sociedade, na qual o sujeito se coloca em uma condição de impedimento de expressar sua
verdadeira essência, criando uma espécie de barreira e ocultando valores e sentimentos que a
sociedade não legitima. (Oliveira, 2013)
Nos atendimentos psicoterápicos, as máscaras são utilizadas como objetos
intermediários que ajudam os indivíduos a entrarem em contato consigo mesmo, em um plano
subjetivo.
Bermudez (2016, p. 105) conceitua objeto intermediário como um elemento real e
concreto, com poder de atração que facilita a comunicação. Portanto, as máscaras, além de
facilitar a comunicação, permitem concretizar sua condição de cristalização, despertando
sensações e sentimentos aflorados em seu mundo interior, possibilitando a conscientização de
múltiplos aspectos dos papéis sociais e dos personagens que o sujeito, em dado momento de
sua vida, muitas vezes adota e se máscara.
O processo psicodramático com máscaras permite ao sujeito reconhecer conteúdos
objetivos e subjetivos de sua personalidade, levando-o a entrar profundamente em contato
com seu mundo interior.
A utilização do objeto intermediário, máscara, fundamenta-se na criatividade e na
espontaneidade do sujeito, pois tanto a espontaneidade quanto a criatividade estão na base da
descristalização das “máscaras” utilizadas pelos sujeitos que não enxergam novas
possibilidades de atuação na vida através de seus papéis sociais imersos na sua cultura.
Aqui se faz necessário estabelecer uma breve reflexão quanto aos termos persona e
sombra, animus e anima da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung.
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1.2.1 Persona
Hall et al (1980/2019, p. 36), ao citar Jung, ensina que a palavra persona significava,
originalmente, uma máscara usada por um ator e que lhe permitia compor uma determinada o
personagem numa peça. Persona é a máscara ou fachada ostentada publicamente com a
intenção de provocar uma impressão favorável a fim de que a sociedade o aceite. A persona é
imprescindível a sobrevivência. Ela nos torna capazes de conviver com as pessoas, inclusive
com as que nos desagradam, de maneira amistosa. Uma pessoa pode usar mais de uma
máscara, mas estas máscaras constituem sua persona.
O papel da persona na personalidade tanto pode ser prejudicial como benéfico.
Quando um indivíduo deixa-se enlear demais ou se preocupa excessivamente com o papel que
está desempenhando, e seu ego começa a se identificar unicamente com tal papel, os demais
aspectos de sua personalidade são postos de lado. Tal indivíduo governado pela persona torna-
se alheio a sua natureza e vive em estado de tensão em razão do conflito entre a persona
superdesenvolvida e as partes subdesenvolvidas de sua personalidade. (Hall et al 1980/2019,
p. 36)
Por um lado, o indivíduo tem um senso exagerado da própria importância decorrente
do modo eficiente com que desempenha um papel e por outro lado, a pessoa também pode
experimentar sentimentos de inferioridade e de recriminação a si mesma quando se sente
incapaz de corresponder aos padrões esperam. Consequentemente, pode sentir-se alheia a
comunidade e alimentar sentimentos de solidão e distanciamento. Seja um bem ou um mal,
entretanto, a persona faz parte da existência humana e precisa encontrar a sua expressão.
Jung qualificou a persona de "face externa” da psique por ser esta a face vista pelo
mundo. A "face interna”, deu o nome anima nos homens e de animus nas mulheres. O
arquétipo de anima constitui o lado feminino da psique masculina; o arquétipo de animus
compõe o lado masculino da psique feminina. Toda pessoa possui qualidades do sexo oposto,
não somente no sentido biológico de que tanto o homem quanto a mulher secretam hormônios
masculinos e femininos, mas também no sentido psicológico das atitudes e sentimentos. (Hall
et al 1980/2019, p. 38)
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Para que a personalidade seja bem ajustada e equilibrada, o lado feminino da
personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher devem poder
expressar-se na consciência e no comportamento.
O que Jung quer dizer com isso é que o homem herda a sua imagem da mulher e
inconscientemente estabelece certos padrões que lhe influenciarão poderosamente a aceitação
ou a rejeição de qualquer mulher. A primeira projeção da anima é feita sempre na mãe, assim
como a primeira projeção do animus é feita no pai. O desequilíbrio entre persona e a anima,
ou o animus, pode desencadear uma rebelião da anima ou do animus, caso em que a pessoa
reages exageradamente. (Hall et al 1980/2019, p. 39)
1.2.3 Sombra
1.2.4 Self
O self é um fator interno de orientação, diferente de nosso ego consciente exterior. Ele
tem a capacidade de regular ou governar e de influenciar a personalidade, tornando-a capaz de
amadurecer de aumentar sua perceptibilidade. Através do desenvolvimento do self, o homem
fica motivado para aumentar a consciência, a percepção, a compreensão e o rumo da própria
vida. Jung concluiu que “...o self é meta de nossa existência, por ser ela a mais completa
expressão da combinação a que estamos fadados e que denominamos individualidade….”.
(Hall et al 1980/2019, p. 43- 44)
1.3 Aproximações possíveis entre a vida e a obra de J.L. Moreno e C.G. Jung
Com base nesta distinção, pode-se entender que a escolha de uma metodologia de
pesquisa traduz uma posição em termos epistemológicos e não apenas uma adesão a um
determinado método. Sob o referencial epistemológico qualitativo, posso adotar a
metodologia fenomenológica ou a psicodramática, como método, posso empregar entrevistas
nos dois casos.
Nosso diálogo com as artes cênicas é similar ao da psicologia analítica com as artes
plásticas: em ambos os casos lançamos mão de técnicas artísticas para um objetivo
que pode até ser artístico, contudo, é fundamentalmente terapêutico, um tratamento.
Não nos interessa tanto encontrar formas mais belas de mostrar a dor de pessoas ou
grupos, e sim permitir que ela as superem. Seja no contexto psicoterápico seja no
educativo – diferenciação que tem contornos mais ou menos nítidos em grupos
distintos –, um psicodramatista emprega recursos teatrais para promover algum
objetivo previamente acordado com as pessoas envolvidas, abandonando, assim, um
dos princípios fundamentais da produção artística: ser um fim em si mesma. (p. 35-
36)
Não se pergunte o que a pesquisa científica pode fazer para torná-lo melhor
psicodramatista; pergunte como psicodramatistas podem melhorar a pesquisa
científica.
2.4 Máscaras
Tendo em vista a complexidade dos papéis sociais, criam-se máscaras que são
incorporadas pelo sujeito. Buchbinder (1996) denomina máscaras cotidianas como aquelas
construídas pela intimidade do sujeito e que se relacionam com outras máscaras. De acordo
com o autor, elas representariam a história individual do sujeito que dialoga com o meio
social expressado em seu rosto ao gerar uma máscara única cristalizada. Essa cristalização é
produto da conserva cultural.
Para Zerka Moreno (2010) a conserva cultural é consequência de um produto como se
fosse um momento congelado no tempo. O homem muitas vezes, conserva suas ações
respondendo de maneira mecanizada ao contexto social. Sufoca, portanto, sua capacidade
criadora tornando-se rígido, automático e impedido de se expressar espontaneamente.
Bermudez (2016) conceitua objeto intermediário como um elemento real e concreto,
com poder de atração que facilita a comunicação. As máscaras, além de facilitar a
comunicação, permitem concretizar sua condição de cristalização, despertando sensações e
sentimentos aflorados em seu mundo interior, possibilitando a conscientização de múltiplos
aspectos dos papéis sociais e dos personagens que o sujeito, em dado momento de sua vida,
muitas vezes adota e se máscara.
O processo psicodramático com máscaras permite ao sujeito reconhecer conteúdos
objetivos e subjetivos de sua personalidade, levando-o a entrar profundamente em contato
21
com seu mundo interior. A máscara tem o poder de permitir essa conexão. Na utilização desse
instrumento psicodramático, é possível observar a facilidade com que o sujeito se encontra
consigo mesmo abreviando a psicoterapia. No processo psicoterápico, o mundo interior do
paciente, é governado e administrado por ele com o intuito de criar, construir, multiplicar,
adoecer e paralisar seu mundo. Cada paciente tem o próprio mundo interior. Nessa
circunstância, o paciente revela-se e é livre para fazer o que bem entender. (OLIVEIRA,
2013)
Nesta pesquisa, utilizei a máscara como um objeto intermediário para ajudar a
paciente a entrar em contato consigo mesmo, em um plano subjetivo.
Segundo Larsen (1991, p. 255) a máscara, como objeto suplementar, auxilia a pessoa a
conectar-se com seus personagens internos, possibilitando, assim o contato com a sombra,
iniciando-se o processo de tornar-se uno, da individuação.
As principais técnicas psicodramáticas que podem ser usadas: as básicas (duplo,
espelho e inversão de papéis); concretização, solilóquio e construção de imagens (com o
corpo).
As técnicas e a metodologia utilizadas nas sessões tiveram como prioridade o cuidado
terapêutico e a disposição das clientes para participar das mesmas, mediante o devido
aquecimento, e deixando as elaborações acadêmicas para um segundo momento.
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3 Relato de experiência
3.1 Caracterização do caso
3.2.1 Incubação
Foto 02 – A transformação
Pedi a ela que colocasse a máscara em sua fronte, e comecei a fazer as perguntas que
ela já havia respondido anteriormente.
A primeira imagem que me chamou a atenção foi o fato dos olhos não estarem
vazados e portanto, ela não poderia me ver.
Perguntei à “máscara” porque ela estava com os olhos tapados. Ela respondeu que não
queria ver a transformação que se aproximava. Tinha medo. Sabia que a hora estava
chegando e que teria que sair da zona de conforto.
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Perguntei à “máscara” quem é você? “Eu sou uma borboleta. Mas dor de me
transformar em uma borboleta foi muito grande. Durante muito tempo em minha vida fui
uma lagarta, que se arrastava pelos cantos, temendo o ambiente que me cercava. Me sentia só
e abandonada desde que meu pai faleceu”.
Perguntei à lagarta o que a assustava no ambiente em que vivia. Ela respondeu que se
sentia pressionada, cobrada, pelas pessoas, principalmente seus tios. Solicitei uma inversão
de papéis e passei a entrevistar Mafalda.
Mafalda respondeu que tinha muita mágoa de seu tio paterno, que após a morte de seu
pai, passou a ajudar financeiramente sua mãe, ela e sua irmã, mas, sempre que podia cobrava
atitudes. Eles a faziam se sentir um ser inferior diante da família. Perguntei se ela poderia
dar um exemplo de uma situação que a tivesse deixado inferiorizada.
Ela respondeu que em todas as reuniões de família, que seu tio estava presente, ele
sempre a lembrava de alguma forma que seu pai havia falecido e por isso ele ajudava a ela e à
mãe financeiramente e esperava que, em breve, ela concluísse a faculdade. Aqui houve uma
mistura de lagarta e cliente, respondendo às perguntas.
“Mafalda” tem dificuldade em efetuar a inversão de papéis, mantendo-se ainda num
estágio de pré-inversão, em que desempenha parcialmente o papel da lagarta, mas logo se
desaquece e sai do papel, narrando na primeira pessoa, não mais interpretando o papel.
Perguntei se gostaria de trocar de papel com seu tio. Respondeu que não.
As perguntas se seguiram. Ao perguntar o que máscara trazia para ela, respondeu
esperança de transformação. Perguntei à “Mafalda” o que ela quis dizer com esperança de
transformação. Ela queria ser uma pessoa mais decidida, mais objetiva, ser mais diretiva,
saber se defender, mas age exatamente ao inverso, quando acuada, se retrai.
A máscara perguntou à Mafalda o que quer de mim? Ela espera ter ajuda da máscara,
que para ela é forte, guerreira e que a ajudará a sair desse mundo de desesperança, ajudando-a
a mudar
A quarta pergunta, “Mafalda” respondeu que existe momento certo para tudo e vem
chegando o momento de você se transformar e ser a pessoa que quer ser.
Perguntei a ela se o momento da transformação estava ocorrendo. Ela respondeu que
sim.
Pedi a ela que imaginasse um cenário onde sua máscara poderia estar.
Os olhos continuariam vendados? Ela respondeu que conseguia ver um rosto sem
máscara, com olhos fixos olhando para a frente. A borboleta estaria no meio de sua testa,
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significando que finalmente ela estava livre para seguir seu caminho, saindo do labirinto em
que ela se encontrava, pois, a hora de mudar havia chegado. Era chegado o tempo da
primavera, do renascimento.
Pedi a ela que desenhasse, se ela quisesse, a imagem/cenário que havia descrito para
mim. Ela aceitou e me entregou o desenho abaixo:
Pedi a ela que me explicasse os símbolos que havia colocado no desenho e desse um
nome ao desenho. A caixinha significava o labirinto, o olho significava que ela estava
olhando o tempo que marcava as horas para a chegada da primavera que ela representou pela
borboleta.
Após o término da apresentação, pedi a “Mafalda” que respondesse ao segundo e
último questionário, já iniciando a última fase: a partilha.
3.2.3 Partilha
A máscara, como já visto no texto acima, pode ser entendida como um objeto que
esconde e que revela, dependendo da situação, do momento e da escolha. Usamos máscaras
no sentido de manipular uma aparência para um determinado fim, criando um personagem ou
persona, se escondendo da própria realidade, manipulando expressões ou mostrando uma
nova face, um novo jeito de se ver ou de querer se ver.
Nós utilizamos máscaras de acordo com cada momento, cada situação e cada pessoa e,
esta pode ser usada para nos proteger ou para enganar. Esconder-se e mostrar-se por meio de
uma máscara, permite que se comunique coisas que sem ela possivelmente não se faria, como
é o caso do palhaço que detém a menor máscara do mundo (o nariz vermelho) e o bobo da
corte, que de tão bobo dizia verdades sem ser penalizado, pois era só um personagem.
Figura 04 – máscaras
32
Fonte:Adriana Freitas Blog
O teatro atua com o artefato simbólico da máscara para suas atividades, tanto na forma
de expressão como também para a formação de um novo personagem, a persona. Os
personagens de literatura e de filmes utilizam-se das máscaras como forma de adquirir ou
enfatizar os super-poderes que os tornam pessoas com personalidades diferentes e audaciosas,
como acontece com os heróis do cinema. Eles se transmutam e assumem qualidades positivas
e negativas que os acompanham, se escondem ou se mostram pelas máscaras.
Figura 05 – O Máskara
4.1.3 Como o ser humano entra em contato com as questões indicadas pela máscara e com
os elementos arquetípicos que ela traz impregnada em suas linhas de força?
Segundo Jung (2000, p. 58) existem tantos arquétipos quantas situações típicas na
vida. Intermináveis repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica, não
sob a forma de imagens preenchidas de um conteúdo, mas precipuamente apenas formas sem
conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação,
Quando algo ocorre na vida que corresponde a um arquétipo, este é ativado e surge uma
compulsão que se impõe a modo de uma reação instintiva contra toda a razão e vontade, ou
produz um conflito de dimensões eventualmente patológicas, isto é, uma neurose.
34
4.1.5 Como definir a conexão entre a máscara e a pessoa que a porta, mesclando
elementos de um no outro?
A máscara não serve para ocultar apenas, serve para revelar algo que o corpo sozinho
não pode fazer. Poderíamos falar a mesma coisa nas nossas roupas, cortes de cabelo,
maquiagem, tatuagens. Todos esses complementos nos servem para mostrar algo que o corpo
não pode mostrar sem eles. Eles são máscaras, que ocultam algo que não queremos (de uma
olheira a uma pele nua), e que revelam muitas das nossas intimidades.
Quando um super-herói coloca uma máscara para proteger sua identidade secreta, ele
revela quem verdadeiramente é (o super) ou oculta quem verdadeiramente é (a pessoa)? Será
o disfarce a verdade?
Se o ser mascarado pode entrar de novo na vida, se quer assumir a vida de sua
própria máscara, ele se confere facilmente a habilidade da mistificação. Acaba por
acreditar que a outra pessoa toma sua máscara por um rosto. Crê simular ativamente
após ter-se dissimulado facilmente. A máscara é, assim, uma síntese ingênua de dois
contrários muitos próximos: a dissimulação e a simulação" (BACHELARD, 1986,
p.165)
Durante a confecção da máscara por Mafalda, comecei a pensar em mim mesma como
advogada, psicóloga, pesquisadora, participante e diretora. Para dar conta dessas profissões
somente sendo muito inquieta e muito sensível ao mesmo tempo, pois a inquietude nos move
e a sensibilidade nos faz diminuir o passo e escutar com atenção.
Como advogada, nunca parei para pensar muito no ouro, pois meu cliente, mesmo
estando errado, para mim ele estava certo e eu tinha o dever de defendê-lo. E mesmo eles
sabendo que podiam perder, eu avisava e recebia pelo meu trabalho, que na maioria das vezes
não era gratificante moralmente, mas financeiramente falando sim.
Com o passar do empo, comecei a me sentir incomodada em viver um personagem.
Sempre dizia” vou me fantasiar de advogada.” quando ia para o Tribunal. E realmente era
assim. Eu vestia roupas escuras, sapatos altos, maquiagem, empostava a voz e dizia que
estava entrando na selva e que tinha que brigar para me impor.
Mas esta máscara estava começando a tomar conta de mim e eu comecei a usa-la mais
do que o necessário. Sempre tive vontade de me graduar em Psicologia, mas a vida não
permitiu que eu o fizesse até 2012.
Iniciei minha segunda graduação com 55 anos, em janeiro de 2012. Conclui em 2018,
seis longos anos na faculdade. O curso era para ser em cinco anos, mas eu era mãe, filha e
mãe de minha mãe, advogada, tinha clientes para atender, prazos, empregados no escritório, e
assim fui obrigada a diminuir as matérias e guardar minha ansiedade para o dia da formatura!
Decidi “encontrar” o Psicodrama e meu primeiro dia de aula foi com Cybele Ramalho
na PROFINT/SE, em agosto/2017, antes de me graduar em Psicologia. Outras dúvidas
surgiram: medos, deveria ou não fazer o curso, pois em certos momentos, deslocada e
desconfiar da minha capacidade de dirigir. Tinha uma história com a terapia cognitiva
comportamental, mas não gostava de me sentir tão dentro da caixinha. Queria algo novo, mas,
ao mesmo tempo, temia esse novo mundo e, pensando em Moreno, me perguntei
sobreviverei?
Sempre ajudei os outros e então escolher uma profissão de ajudar a outro, sobretudo
de psicoterapeuta, não era uma escolha, mas um destino. Desde pequena, fui convocada a ser
auxiliar de uma pessoa adulta, direta ou indiretamente, sendo “treinada”, para desenvolver
essa capacidade, essa sensibilidade. Percebi que divaguei por alguns segundos e voltei ao
momento presente, o aqui e agora de Mafalda.
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De uma certa distância, eu olhava as escolhas feitas pela cliente e comecei a tentar
descobrir, olhando a expressão corporal como um todo, o que se passava na cabeça da cliente.
Já conhecia, em parte, o que a cliente me permitiu conscientemente desvendar, sua história,
escolhas, bem como queria saber o se passava na cabeça da cliente.
Grosch et al (1994, como citado em Cukier, 2018, p. 20) concluiu que estudantes de
psicologia compõe um grupo de pessoas otimistas e onipotentes, desejosos não apenas de
ganhar dinheiro, mas também de mudar o mundo, e acreditam que, depois de um treinamento
árduo e juntamente, com a compaixão e cuidado, poderão ajudar a transformar a vida de
pessoas de quem estão cuidando.
Comecei a lembrar de momentos em que atender dói. As vezes somos tomadas por
reações de tremenda impaciência em contato com clientes que ficam dando voltas em seus
temas pessoais, que não enxergam o obvio. Mas ao mesmo tempo, é espantoso que em
determinas situações, tenhamos que nos indagar sobre quem deveria pagar a quem, uma vez
que o atendimento nos trouxe alívio, constituindo-se num bálsamo de nossa alma.
Alguns clientes acham que lemos pensamentos… E morrem de medo de serem
desvendados. Mas o pior, é que às vezes lemos mesmo. Lemos o texto, o pretexto, o
subtexto, o hipertexto, o infratexto. É a marca da profissão.
Assistindo o desenvolvimento da criação da cliente, comecei a pensar que o terapeuta,
no contexto único de cada caso, combina teoria e sensibilidade pessoal para aliviar o
sofrimento psicológico de alguém. Por outro lado, a piora do paciente pode levar o terapeuta
a se sentir ineficiente e frustrado.
Quanto aos valores do terapeuta, a neutralidade não deixa de ser um mito; a postura
psicoterapêutica não anula sentimentos, vontades, mas exige que o mundo interior do
psicoterapeuta não influencie ou oriente o mundo do cliente. Vem daí a importância do
terapeuta ter passado pelo seu próprio processo para estar com o cliente em uma relação
fluida, espontânea, sem contaminação pela sua realidade interna, passar previamente pela
experiência como cliente, como medida de preservar o envolvimento emocional. (Faleiros,
2004).
De repente, percebi que o conceito de papel social é extensivo a todas as dimensões da
vida, inclusive que eu estava vivendo naquele momento o papel do terapeuta. Ali estava eu
prestando atenção tanto no comportamento da cliente como no meu, ou seja, no nosso
encontro.
É um amor terapêutico, como definiu Moreno há 40 anos:
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Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face. E quando você estiver perto eu
arrancarei seus olhos e os colocarei no lugar dos meus e você arrancara meus olhos e
os colocará no lugar dos teus. Então, eu olharei para você com os teus olhos e você
me olhará com os meus.” (Cukier, 2002, p .101)
Isso tudo me leva a pensar na relação terapêutica, entre terapeuta e cliente, onde entra
em jogo a tele (à distância), a empatia e a transferência. Mas é na tele onde cresce e solidifica
a relação terapêutica, e assim, o cliente vai se curando.
É a contrapartida científica do encontro, acontecimento crucial na existência. É no
encontro de duas ou mais pessoas que se dá o momento transformador.
Cukier (2002, p .101) contribui para esse aspecto ao destacar:
A palavra encontro abrange diferentes esferas da vida. Significa estar junto, reunir-
se, contato de dois corpos, ver e observa, tocar, sentir, participar e amar,
compreender, conhecer intuitivamente através do silêncio ou do movimento, a
palavra ou gesto, beijo ou abraço, tornar-se um só - una cum uno. A palavra
encontro contém como raiz a palavra “contra”. Abrange, portanto, não apenas as
relações amáveis, mas também as relações hostis e ameaçadoras: opor-se a alguém,
contraria, brigar. Encontro é um conceito em si, único e insubstituível.
Bachelard, Gaston. (1994). O Direito de sonhar. Rio de Janeiro. Editora Bertrand Brasil. 4ª
edição.
Cukier, Rosa. (1992). Psicodrama Bipessoal. Sua técnica, seu terapeuta e seu paciente. São
Paulo. Ágora. 5ª edição.
Cukier, Rosa. (2018). Vida Clínica de uma Psicoterapeuta. São Paulo. Editora Ágora.
Gonçalves, Camila Sales. Wolff, José Roberto. Almeida, Wilson Castelo de. (1988). Lições
de Psicodrama. Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. São Paulo: Ágora.
Hall, Calvin S. Nordby, Vernon. (1980/2019). Introdução à Psicologia Junguiana. São Paulo.
Cultrix.
Juliano, Jean Clark. (1999) A arte de restaurar histórias: o diálogo criativo no caminho
pessoa. São Paulo. Summus.
Jung, C.G. (2000). Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Tradução Maria Luíza Appy,
Dora Mariana R. Ferreira da Silva. Petrópolis, RJ. Vozes.
41
Jung, (2004). C.G. O eu e o inconsciente. Obras completas de C. G. Jung. Volume VII/2. Rio
de Janeiro : Vozes.
Monteiro, André Maurício, Merengué, Devanir. Brito, Valeria. (2006) Pesquisa qualitativa e
psicodrama. São Paulo. Ágora.
Naffah Neto, A. (1994). A psicoterapia em busca de Dioniso: Nietzsche visita Freud. São
Paulo: EDUC/Escuta.
Ramalho, Cybele M. R. (2002) Aproximações entre Jung e Moreno. São Paulo. Ágora.
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ANEXO
Objetivo geral:___________________________________________________________
Descrição de procedimentos:________________________________________________
_________________________________________________________________________
Outras Informações:_______________________________________________________
Retirada do Consentimento: O voluntário (a) tem a liberdade de retirar seu consentimento a qualquer
momento e deixar de participar do estudo, não acarretando nenhum dano ao voluntário.
Quanto à indenização: Não há danos previsíveis decorrentes da pesquisa, mesmo assim fica prevista
indenização, caso se faça necessário.
ATENÇÃO: A participação em qualquer tipo de pesquisa é voluntária. Em casos de dúvida quanto aos
seus direitos, entre em contato com a PROFINT, Rua Poeta José Sales de Campos, 794, Coroa do
Meio, Aracaju/SE, Tel.: (79) 3021-0757.
Li e estou ciente das observações supracitadas. Caso necessário, autorizo com consentimento livre e
esclarecido que seja produzido trabalho científico sobre estudo de caso respeitando sigilo da
identidade: ( ) Sim ou ( ) Não