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ISSN: 1678-1007
revtes@fiocruz.br
Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio
Brasil
Amorim, Henrique
CENTRALIDADE E IMATERIALIDADE DO TRABALHO: CLASSES SOCIAIS E LUTA
POLÍTICA
Trabalho, Educação e Saúde, vol. 8, núm. 3, noviembre, 2010, pp. 367-385
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Rio de Janeiro, Brasil
Henrique Amorim1
Resumo Os debates sociológicos, surgidos nos anos Abstract The sociological debates that arose in the
1970 e nas décadas seguintes, que se estruturam em 1970s and in the following decades, structured in res-
resposta à suposta crise do marxismo, partem de um ponse to the perceived crisis of Marxism, are based
pressuposto comum, a saber, a ineficácia da teoria on a common assumption, namely, the ineffectiveness
marxista e de suas categorias analíticas fundamentais of Marxist theory and of its fundamental analytical
para compreender a realidade heterogênea das socie- categories to understand the heterogeneous reality of
dades contemporâneas. O diagnóstico é simples: os the contemporary societies. The diagnosis is simple:
conceitos de classe social, trabalho e luta de classes the social class, labor, and class struggle concepts
não dariam mais conta da dinâmica social de final do could no longer stand up to the social dynamics of the
século XX e início do XXI. O objetivo central dessa late 20th and early 21st centuries. The main objective
perspectiva, no entanto, concentra-se não em loca- of this perspective, however, focuses not on finding
lizar o problema, mas em generalizá-lo a toda biblio- the problem, rather on generalizing it to the entire
grafia marxista. Se, por um lado, a crítica às concep- Marxist literature. If, on one hand, the criticism of the
ções de classe social, de trabalho e de luta política notions of social class, labor, and political struggle
restrita à fábrica é fundamental, por outro, não pode limited to the factory is fundamental, on the other, it
ser considerada como momento de superação da pro- cannot be regarded as a moment of overcoming the
blemática teórica marxista. Neste ensaio, tenho a in- Marxist theoretical problem. In this essay, I intend to
tenção de explicitar o ponto de partida e os limites das clarify the starting point and the boundaries of the
teses sobre a não centralidade do trabalho e sobre o theories about the non-centrality of labor and about
trabalho imaterial como força produtiva central na immaterial labor as a central productive force in which
medida em que farei uma leitura das classes sociais, I will make a reading of social classes, labor, and of
do trabalho e da luta política diferente daquela criti- the political struggle unlike that which is criticized
cada pelas teses que compõem esses debates. by the theses that make up these debates.
Palavras-chave centralidade e imaterialidade do tra- Keywords centrality and immateriality of labor;
balho; classe social; luta política e marxismo. social class; political struggle and Marxism.
sociais e a luta política. Para tal, a discussão será encaminhada com base nas
análises de André Gorz, autor representativo desse movimento de abandono
das categorias de análise marxistas e, posteriormente, de sua retomada, mes-
mo que sob novos moldes. Nesse sentido, a obra de Gorz se apresenta de
forma emblemática para a análise e crítica dessa discussão. Não obstante,
autores como Claus Offe e Antonio Negri também serão importantes para a
construção de nosso argumento no sentido em que suas teses se assemelham
às de Gorz.
O tempo liberado torna-se, com isso, eixo teórico central para a análise
da luta política para além das organizações sindicais e partidárias restritas
às fábricas e à racionalidade capitalista alienante. Nesse momento, a refe-
rência aos Grundrisse de Marx é explicitada. Segundo Gorz, Marx indicaria
o aparecimento de um tempo que seria liberado pelo desenvolvimento das
forças produtivas; tempo que poderia ser usufruído de maneira autônoma,
desvinculada da economia burguesa e da alienação por ela imposta.
Gorz realiza uma leitura determinista de Marx. O desenvolvimento das
forças produtivas teria criado um novo cenário político onde o tempo de
não trabalho deveria ser preenchido pela luta política.
Não obstante, a sociedade atual ainda está baseada no tempo de traba-
lho vivo, ou seja, ainda tem como medida do valor o tempo de trabalho na
Contudo, qual seria o referencial de Gorz para analisar esse novo sujeito
revolucionário que estaria por se formar “fora do trabalho”?
Gorz fundamentou a emancipação do trabalhador como um retorno às
atividades do artesão, na qual o trabalho era identificado como uma ativi-
dade ainda prazerosa. Com base nisso, passa a descrever a ‘nova era’ como
um inevitável abandono dessa perspectiva.
As teses que compõem o debate sobre o trabalho imaterial nos anos 1990
e começo dos anos 2000 parecem não ter continuidade problemática com
aquelas do debate sobre a centralidade do trabalho. Parecem, contraria-
mente, surgir com base em terrenos teóricos distintos. No entanto, esta é a
aparência necessária que possibilita, por exemplo, a negação da teoria do
valor-trabalho e da teoria das classes sociais e o abandono do trabalho como
categoria analítica central, ao se optar por uma análise que passa a indicar a
inapreensão, a indeterminação e a imensurabilidade da produção de mer-
cadorias no capitalismo.
Em O imaterial: conhecimento, valor e capital (Gorz, 2005), livro que
sintetiza essa discussão, o caráter cognitivo das qualificações profissionais
é entendido como momento de extravasamento da lógica do capital. Toda
produção teria tendencialmente seu valor reduzido, na medida em que se
propaga, em que se torna social. Essa propagação baratearia a mercadoria
ao limite, fazendo com que ela mesma perdesse sua forma valor de troca.
“(...) Uma autêntica economia do conhecimento corresponderia a um comu-
nismo do saber no qual deixam de ser necessárias as relações monetárias e
as de troca” (Gorz, 2005, p. 10).
As formas tradicionais de geração do valor, ou seja, aquelas provindas
do trabalho imediato seriam superadas por aquelas dos setores adminis-
trativos e de serviço. O “tempo de trabalho” e o “tempo da vida” são rompi-
dos nessa perspectiva (Gorz, 2005, p. 36).5
Existiria, dentro do debate sobre a imaterialidade do trabalho, a ideia
geral de que a retomada do controle da produção, mesmo que não esteja
associada diretamente à fábrica, não teria relação somente com o trabalho
imediato, mas poderia ser constituída a partir do contato técnico de um
núcleo de trabalhadores com forças produtivas as mais avançadas. Isto, por
extensão, capacitaria este núcleo a se organizar politicamente.
O componente do saber, presente no trabalho industrial e de serviços,
teria crescido em importância. Este saber não poderia ser reduzido a saberes
técnicos, outrora formalizados. Assim, “o saber da experiência, o discerni-
mento, a capacidade de coordenação, de auto-organização e de comunicação.
Em poucas palavras, formas de um saber vivo adquirido no trânsito coti-
diano, que pertencem à cultura do cotidiano” (Gorz, 2005, p. 9) formariam
uma resistência dentro da lógica de valorização do capital.
As contradições sociais teriam, com isso, fundamentado um tipo de tra-
balho cujo componente central seria o conhecimento.6 Nos ‘interstícios’ da
sociedade capitalista teria se formado uma força produtiva cognitiva baseada
(...) O trabalho concreto só pode ser transformado naquilo que Marx chamaria de
‘trabalho abstrato’, fazendo nascer no lugar do operário-produtor o operário-con-
sumidor: quer dizer, o indivíduo social que não produz nada do que consome e
não consome nada do que produz; para quem o objetivo essencial do trabalho é
ganhar o necessário para comprar as mercadorias produzidas e definidas pela
máquina social em seu conjunto (Gorz, 2005, p. 36).
(...) O trabalho imaterial – aquele que produz os bens imateriais como a infor-
mação, os saberes, as ideias, as imagens, as relações e os afetos – tende a tornar-se
hegemônico. (…) o trabalho imaterial só pode ser realizado coletivamente, trocando
informações, conhecimentos. Por sua vez, estas formas de comunicar, de colaborar
e de cooperar produzem o ‘comum’, que se trate de linguagens, de métodos, de
visões, de novos conhecimentos comuns… Toda pessoa que trabalha com a infor-
mação ou com o saber – do agricultor que desenvolve as propriedades específicas
das sementes ao programador de softwares – utiliza o saber comum transmitido
por outros e contribui para produzi-lo (Negri, 2004, p. 44).
Notas
4 Gorz (1987; 1983; 1988; 2005), Lazzarato (1992, 1993; e 1996), Negri (1992; 1993;
1996; 2004).
7 Para Bihr (2001, p. 57, tomo I), “(...) As forças produtivas constituem em conjunto o
conteúdo ao mesmo tempo material e social das relações de produção.”
Referências
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Recebido em 21/06/2010
Aprovado em 13/09/2010